quarta-feira, 27 de março de 2019

O PS tem uma visão aristocrática da democracia

“ Enquanto tentam impor o PS como partido- charneira do regime, Costa, César e companhia estão a promover uma cultura de castas debaixo do nosso nariz”

joão Miguel Tavares – Publico, Terça-feira, 26 de Março de 2019

Leis de jogo, as alterações que aí vêm – Futebol

A partir do dia 1 de Junho vêm aí alterações às leis de jogo e se, normalmente, o International Board é muito conservador no que às mudanças diz respeito, as que vão entrar brevemente em vigor têm algum impacto no jogo propriamente dito. Para além disso, revelam uma preocupação real em estabelecer algumas mudanças e roturas com o passado e com paradigmas estabelecidos. São 12 os pontos que vou enunciar, de forma resumida, e que já vamos poder ver aplicados, ao vivo, em Portugal, na final four da Liga das Nações.

1. Substituição dos jogadores:

os jogadores que vão ser substituídos passam a fazê-lo pela linha mais próxima do terreno de jogo da qual se encontram.

Objectivo da alteração: diminuir o tempo perdido com as substituições.

2. Cartões para os elementos técnicos:

os árbitros passam a exibir o cartão amarelo e vermelho aos elementos técnicos que estão sentados no banco de suplentes, deixando de só os advertir ou expulsar verbalmente.

Objectivo da alteração: tornar pública a sanção disciplinar que foi dada e, com esta exposição mais mediática e visível, melhorar a conduta e o comportamento desses elementos perante a equipa de arbitragem.

3. Pontapés de baliza e pontapés livres dentro da área:

a bola entra em jogo quando é chutada e se movimenta, ao contrário do que acontece actualmente, em que só é considerada em jogo quando sai da área de penálti (grande área).

Objectivo da alteração: dar mais dinamismo ao jogo.

4. Bola ao solo:

passa a ser jogada exclusivamente pelo jogador que tocou a bola pela última vez antes de o jogo ser interrompido — os demais jogadores têm de ficar a quatro metros de distância.

Objectivo da alteração: evitar fair play enganoso e conflitos na hora de devolver a bola.

5. Mão na bola:

o acto deliberado (intenção) continua a ser punido, o que muda é a mão “não intencional”. Há várias mudanças neste ponto que irei abordar posteriormente, em outros artigos, mas a principal mudança é para o jogador em situação atacante — se marcar um golo com a mão ou braço, mesmo sem intenção, esse golo será anulado. Da mesma forma, se ganhar a posse de bola ou o controlo da mesma, mesmo sem intenção, e na sequência da jogada obtiver um golo ou criar uma situação de golo para a sua equipa, esse golo será anulado.

Objectivo da alteração: uniformizar o critério de jogar a bola com a mão, sobretudo quando daí resulta um golo para a equipa atacante.

6. Marcador de penálti:

se quem cobra um penálti se lesionou, esse jogador pode ser assistido dentro do terreno de jogo e em seguida bater o penálti, não tendo de sair do terreno de jogo e ficar impedido, dessa forma, de o fazer.

Objectivo da alteração: promover a justiça para o jogador lesionado e para a sua equipa.

7. Cara ou coroa no início do jogo:

o capitão de equipa que ganha o sorteio inicial pode escolher a bola ou o campo. Actualmente é obrigado a escolher o campo, sendo a saída com bola atribuída à outra equipa.

Objectivo da alteração: promover a justiça e direito de escolha para quem ganha o sorteio.

8. Vantagem no cartão amarelo ou vermelho:

se um jogador cometer uma falta merecedora de cartão amarelo ou vermelho e a equipa adversária bater a bola rapidamente para criar uma situação clara de golo, o árbitro deve deixar o jogo seguir e só depois exibir o cartão.

Objectivo da alteração: aumentar o tempo útil de jogo, beneficiar o ataque e promover a justiça.

9. Distância dos adversários da barreira:

se uma equipa forma a barreira com três ou mais jogadores, os adversários deverão ficar a pelo menos um metro de distância da barreira.

Objectivo da alteração: evitar conflitos e confrontações nas barreiras.

10. Guarda-redes na cobrança dos penáltis: o guarda-redes, durante a defesa de um penálti, tem de ter pelo menos um dos pés sobre a linha de baliza (na relva ou no ar) até o pontapé ser executado.

Objectivo da alteração: uniformizar o critério dos árbitros relativamente ao adiantamento dos guarda-redes.

11. Guarda-redes agarra a bola no lançamento de linha lateral ou após atraso:

o guarda-redes poderá tocar a bola com as mãos, se, ao tentar chutar a bola que vem do lançamento ou do atraso de um colega, falhar claramente o pontapé ou não acertar na bola.

Objectivo da alteração: promover justiça em situações de falha.

12. Cartões mantidos:

os cartões amarelos mostrados a jogadores na comemoração de um golo serão mantidos, mesmo que posteriormente o golo seja anulado.

Objectivo da alteração: manter a disciplina.

Pedro Henriques

terça-feira, 26 de março de 2019

O mundo negro dos burocratas invejosos. Caso da escola do Curral das Freiras, na Madeira

Os amigos e comparsas de Mário Nogueira, na secretaria regional de educação da Madeira, tal como os que estão em Lisboa, deveriam ter um pouco mais de respeito por quem se interessa pelos alunos e os faz progredir, mesmo que fosse em detrimento dos apaniguados, que são centenas ou mesmo milhares, que ainda vivem nos ideais do seculo XIX e estão nos gabinetes do ministério. Seria muito bom, que se divulgue os nomes destes perpetradores, que tomaram esta sentença indigna.

“Não deve ser fácil morar dentro da pele de um burocrata. O cheiro a bafo, o pó dos papéis, as articulações a ranger de tantos procedimentos repetidos, o sufoco dos formulários para preencher sem rasura, as palpitações provocadas pelo aproximar das “data-limite”, a gordura acumulada das pendências e especialmente a penumbra em que é expectável que tudo se passe, para recato do burocrata.

A luz incomoda, a claridade  perturba. Luz como a que emana deste parágrafo com que o PÚBLICO um dia anunciou ao mundo o estranho caso da Escola do Curral das Freiras: “Contra todas as probabilidades, uma escola no lugar mais isolado da Madeira teve a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. Tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro.”

Dizem que nós, jornalistas, não gostamos de dar boas notícias, mas enganam-se. Adoramos, como qualquer um, quando o herói é o menos provável, escrever, como o nosso correspondente Márcio Berenguer, que eles não só eram bons em português mas que “no exame de Matemática, embora menos brilhantes, os resultados foram igualmente surpreendentes.

Os alunos do 9.º ano tiveram uma média de 3,6, colocando a escola no 12.º lugar do ranking”. Com estes excelentes resultados, era de imaginar que o caso da Escola do Curral de Freiras fosse analisado e dele se retirassem as boas lições que nos tivesse para dar. Mas isso era num país em que os educadores falassem mais alto que os burocratas.

Como noticiámos em Abril do ano passado, o homem por trás deste feito, o presidente do conselho executivo, Joaquim Sousa, foi alvo de 12 acusações assentes em 388 irregularidades por parte da Secretaria Regional de Educação e a “escola-modelo” deixou de existir ao perder a sua autonomia. A escola que em cinco anos tinha subido mil posições mereceu esta atenção, até porque, conforme escreveu Bárbara Reis, tinha um grave problema: “O professor Joaquim é muito vaidoso.”

A vaidade no burocrata é a das regras cumpridas e por isso, quando alguém contorna algumas regras, não importa os resultados, importa que não se saia da linha. Por isso Joaquim Sousa irá pagar com uma pena de seis meses (sim, leram bem) sem receber ordenado. Perante a violência da sanção, num processo com contornos absurdos, já nada há a esperar da Secretaria Regional de Educação. Resta-nos esperar que a Justiça possa trazer alguma claridade que afaste o negro do mundo dos burocratas invejosos.

david.pontes@publico.pt

Patrão santo, funcionário posto fora da loja

José Diogo Quintela

26/3/2019


Estou chocado. Nunca pensei que o PCP não cumprisse a lei laboral. Mas o PCP está ainda mais chocado: nunca pensou ser obrigado a cumprir a lei laboral. É que escrevê-la é uma coisa, obedecê-la outra.

Quando os caubóis brasileiros querem atravessar um rio cheio de piranhas, escolhem uma vaca velha, põem-na na água e esperam que os peixes se banqueteiem com ela. Chamam-lhe o “boi de piranha”. Com as piranhas distraídas, passam o resto da manada em segurança. Foi isso que Jerónimo de Sousa fez na entrevista da semana passada. Lançou o já batido tema da Coreia do Norte como “boi de piranha”, a atenção mediática atirou-se a isso como, lá está, piranha a boi, e o resto das declarações passaram incólumes.

Como toda a gente, sucumbi ao anti-comunismo primário e foquei-me no já habitual amparo do PCP à ditadura coreana, quando devia ter tido calma e ouvido o meu anti-comunismo sofisticado, que me dizia para prestar atenção à disputa laboral entre o PCP e Miguel Casanova. Casanova é um ex-funcionário do Partido que foi assediado pelo patronato, castigado por delito de opinião e, posteriormente, despedido – ou, como sumarizou o Secretário-Geral do PCP, “questões internas”.

Com a manobra de diversão, Jerónimo sacrificou a já esgaçada coerência em questões de democracia, por um bem maior, a postura do PCP nas relações laborais. E lá fui eu, como patinho, apontar impostura no extremo-oriente, quando a tinha aqui tão perto, na margem sul.

Miguel Casanova, filho de um antigo dirigente comunista (o que significa que não tem a desculpa de ter sido apanhado de surpresa pela tolice ideológica) era funcionário da Organização Regional de Setúbal. A partir de 2015 começou a criticar abertamente a opção do PCP em apoiar o Governo do PS. Em retaliação, o PCP transferiu-o para a Quinta da Atalaia, no Seixal. De um trabalho burocrático, passou para uma “função técnica” no recinto da Festa do Avante. Casanova recusou a transferência, continuou a apresentar-se no posto antigo e acabou despedido. Agora, está tudo no Tribunal do Trabalho. (Quer dizer, tudo, tudo, não: Jerónimo, apesar de arrolado como testemunha, aproveitou-se do seu estatuto de deputado para se furtar a comparecer).

Estou chocado. Nunca pensei que o PCP não cumprisse a lei laboral. Mas o PCP está ainda mais chocado: nunca pensou que fosse obrigado a cumprir a lei laboral. Pelos vistos, escrevê-la é uma coisa, obedecê-la é outra. Como José Capucho, dirigente comunista, disse em Tribunal, “as normas de funcionamento do Partido são superiores a qualquer lei laboral. É-se funcionário do Partido enquanto o Partido quiser”. Frase que terá colocado todos os funcionários do PCP de sobreaviso sobre a segurança dos seus postos de trabalho. Tirando, obviamente, José Capucho: ao dizê-la, agradou ao patrão e garantiu o emprego durante mais alguns anos.

A questão aqui não é a incoerência de quem defende afincadamente uma posição e, na prática, age de maneira diferente. (Substitua “Partido” por “Sonae”, depois envie para o Partido, conte até 15 e veja o que o Partido diz sobre a Sonae). Este é o tipo de hipocrisia expectável em organizações com elevado grau de radicalismo. A questão é que o PCP participa na elaboração de leis sobre uma realidade que desconhece.

Vejamos: parece-me óbvio que Miguel Casanova é aquilo que, no mundo das empresas, se convencionou chamar de “chato”. Além de questionar as decisões da entidade patronal, deve ter começado a aborrecer os colegas com quem discordava, que se fartaram da superioridade moral de um comunista puro a acusá-los de se terem vendido à burguesia socialista. Inquinou o ambiente de trabalho e é natural que tenham querido correr com ele. Mesmo no PCP, é muito giro o fanático que grita num comício, mas já não é tão divertido quando continua a gritar na secretária ao lado. Devia ser possível despedi-lo. Só que a legislação laboral portuguesa faz com que seja quase impossível demitir alguém pela ninharia de dizer mal do patrão em público e de não se relacionar cordialmente com os colegas. Legislação laboral essa que deve muito ao PCP. Que, está visto, faz as leis com base numa ideia de relações laborais que não corresponde à realidade. Mais do que sonsice, o problema do PCP é a falta de conhecimento numa área onde teima em interferir, apesar de ser incompetente para o fazer.

No fundo, é o que aconteceu no BE, com o caso de Robles. O problema não foi um dirigente querer fazer um negócio milionário, contra os princípios éticos da agremiação. Foi acharem, Robles e o Bloco, que comprar aquele prédio por 6 milhões de euros, para Alojamento Local, era, de facto, um negócio milionário. É que bastava fazer contas ao investimento (aquisição, IMT, decoração dos apartamentos) e aos custos de exploração (salários, seguros, manutenção, electricidade, IRC, etc.), para perceber que as receitas não cobriam as despesas do investidor. Aquilo não era um negócio milionário porque nem chegava a ser negócio. Robles não foi ganancioso, foi ignorante sobre o que implica ser empresário. E, ao não perceber a diferença, o BE mostrou que, tal como Robles, não sabe o que é ter negócios. No entanto, não faz outra coisa senão indicar às pessoas como devem gerir os seus.

Se já não deixamos que sejam padres a dizerem como é que nos devemos comportar na fornicação, porque é que continuamos a deixar que sejam comunistas a dizerem como nos devemos comportar na economia? Quer uns, quer outros, não têm prática nas áreas que pretendem regular. Deve ser isso que leva os padres a serem económicos na fornicação e os comunistas a fornicarem a economia.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Nove em cada dez secretários de Estado recomendam

Olá, eu sou o secretário de Estado da Energia e sinto-me fresco, seguro e natural porque consumo os produtos da EDP

Quando se soube que o secretário de Estado João Galamba tinha pedido aos cidadãos da Guarda para recompensarem os investimentos da EDP na região consumindo mais energia, fiquei chocado. Eu também já fiz publicidade a grandes empresas e não creio que este seja o método mais adequado. Segundo o Jornal de Notícias, Galamba disse mesmo: “Continuem a consumir. Consumam mais.” Ora, se é certo que todas as manobras publicitárias visam apelar ao consumo, também é verdade que esse apelo será mais eficaz na mesma medida em que consiga ser subtil. Cristiano Ronaldo não encara a câmara para dizer simplesmente às pessoas que consumam mais champô. Primeiro, gaba as qualidades do produto no combate à caspa, à comichão e à oleosidade. E deixa subentendido que são as virtudes do champô que lhe permitem acelerar com mais alegria no carro descapotável em que se encontra. Receio, por isso, que a intervenção de João Galamba não tenha sido tão persuasiva como a direcção de marketing da EDP desejaria.

Uma estratégia clássica, mas sempre boa, é a recomendação. A figura escolhida para protagonizar o anúncio revela ser consumidora do produto e aconselha o público a fazer o mesmo: “Olá, eu sou o secretário de Estado da Energia e sinto-me fresco, seguro e natural porque consumo os produtos da EDP.”

Mais interessante ainda é evidenciar o modo como o produto anunciado nos mudou a vida: “Eu sou João Galamba, e há apenas quatro ou cinco anos era um blogger obscuro. Mas entretanto comecei a consumir a energia da EDP, e agora sou secretário de Estado. Obtenha também o sucesso consumindo os produtos EDP.”

Outro modelo de reclame é aquele em que se conta uma pequena história na qual o produto desempenha um papel decisivo. Por exemplo: “Ontem mesmo solicitei o aumento de potência contratada à EDP e assim pude lavar, secar e passar a minha camisola da EDP, que trago sempre vestida por baixo do fato.”

A última sugestão é arriscada mas, por isso mesmo, chama muito a atenção. Trata-se de usar psicologia invertida e desdenhar do público: “A energia da EDP é, de facto, muito boa. Mas, se não quiser, não consuma. Mesmo que todos os cidadãos da Guarda passem um ano sem acender uma única lâmpada, a EDP já ganha mais do que o suficiente, só com os chamados CMEC.

Ricardo Araújo Pereira

(Crónica publicado na VISÃO 1355 de 21 de fevereiro)

https://visao.sapo.pt/opiniao/ricardo-araujo-pereira/2019-03-01-Nove-em-cada-dez-secretarios-de-Estado-recomendam

Carta a José Sócrates

Caro eng. José Sócrates,

Espero que esta o encontre bem.

Li com atenção as suas cartas e foi apenas por falta de tempo que não respondi mais depressa. Lembro-me de, no fim do liceu, ter mantido alguma correspondência com antigos colegas mas, por uma razão ou por outra, a troca de cartas foi-se tornando cada vez mais rara, até que parou completamente. Não gostaria de cometer esse erro outra vez. Parece-me importante manter o contacto com as pessoas do nosso passado, como antigos colegas e antigos primeiros-ministros.

Tenho pensado bastante nas observações que vai fazendo. Esta última carta sensibilizou-me especialmente, na medida em que criticava a cobardia dos políticos, a cumplicidade dos jornalistas, o cinismo dos professores de Direito e o desprezo das pessoas decentes. Como creio que sabe, não pertenço a nenhuma das categorias citadas, e por isso fui deixado de fora do seu olhar crítico, pelo que lhe agradeço.

As críticas que faz ao funcionamento da justiça parecem-me muito pertinentes. Portugal precisava que um homem como o sr. estivesse, digamos, sete anos à frente do Governo, talvez quatro dos quais com maioria absoluta, para fazer uma reforma séria do sistema judicial. É uma pena não termos essa possibilidade. Na minha opinião, os primeiros-ministros deviam ser presos antes, e não depois dos mandatos. Estagiavam durante dois meses numa cadeia, três num hospital e um semestre numa escola. O contacto directo com a realidade dá-nos perspectivas novas, mais informadas, e acirra o ímpeto reformista.

Julgo que é possível estabelecer um paralelo entre o processo de Josef K., a personagem de Kafka, e o de José Sócrates, ou Josef S. - sendo que a sua história é mais complexa: tanto Josef K. como Josef S. se vêem confrontados com decisões judiciais autoritárias e, em certos aspectos, até grotescas, mas Josef K. nunca teve amigos como Alberto Martins e Alberto Costa a tutelar a justiça, nem governou o seu país. Era apenas vítima. Ser simultaneamente vítima e carrasco deve ser mais perturbador. Ao contrário do que muitas vezes se diz, Joseph-Ignace Guillotin, o inventor da guilhotina, não foi guilhotinado. Essa ironia foi reservada para si, que é agora acusado por um sistema que ajudou a conceber e conservar.

Compreendo quase todas as suas queixas. Na verdade, a ironia que identifiquei acima não é a única do seu caso. Ao que parece, o facto de um amigo lhe ter disponibilizado um apartamento de 225 metros quadrados em Paris fez com que o Ministério Público lhe disponibilizasse um apartamento de 9 metros quadrados em Évora. Obrigam-no a aceitar aquilo que o acusam de ter aceitado. É duro. E irónico. Uma pessoa tolera tudo, menos figuras de estilo.

Considero, no entanto, que algumas das suas análises são menos acertadas. Por exemplo, quando diz, sobre a intenção da prisão preventiva: "(...) já não és um cidadão face às instituições; és um 'recluso' que enfrenta as 'autoridades': a tua palavra já não vale o mesmo que a nossa." Aqui para nós, se lhe roubaram o valor da palavra não terão levado grande tesouro, uma vez que a sua palavra já não valia o mesmo que a nossa desde aquela promessa dos 150 mil empregos.

Espero que não leve a mal esta franqueza. Estou certo de que voltaremos a falar.

Cumprimentos,

Ricardo

Ricardo Araújo Pereira  

https://visao.sapo.pt/opiniao/ricardo-araujo-pereira/carta-a-jose-socrates=f804815

O "negócio" dos incêndios.


09-08-2016 por João Brandão Ferreira

Este texto foi escrito há 15 anos (20 de Agosto de 2004). Precisa de actualização, mas ainda está actual na sua essência.


Este problema tem basicamente 42 anos, mas o país inteiro tem sido absolutamente incapaz de o resolver. Convenhamos que é uma grande incompetência colectiva!

"Digo-vos – pois estes calam e nenhum não fala – que quero eu falar por mim e por eles".

Um escudeiro a Gonçalves Vasques, Crónica de D. João I, por Fernão Lopes

Se a quantidade de água lançada sobre os fogos fosse equivalente à torrente de palavras, artigos, entrevistas e acções mediáticas que sobre a temática em questão já foram ditas, escritas e efectuadas, certamente que viveríamos sem labaredas na próxima década. O problema é que às palavras da boca para fora não se seguem as acções adequadas.

Com isto dito pareceria sensato abster-nos de verter no papel uma qualquer outra verborreia. E no entanto é isso que fazemos. A razão é simples: pensamos que apesar de tudo o que tem sido dito, 90% aplica-se a efeitos e não a causas e por isso não há soluções que resultem.

E, demos conta, que no fim de três décadas em que passou a haver incêndios a eito (eis a primeira reflexão a ter em conta!), só o ano passado houve a coragem de pôr o dedo nalgumas feridas.

Devemos começar por referir algumas evidências:

Desde sempre que houve florestas; desde sempre que houve pessoas – e o seu grau de educação sempre tem evoluído; sempre houve pirómanos e desequilibrados; sempre houve calor e outros fenómenos meteorológicos propiciadores a fogos; as preocupações com o ambiente têm aumentado (e bem) exponencialmente; os meios tecnológicos à disposição são cada vez mais e melhores, etc.; tem havido tudo isto, mas o número de incêndios florestais (é desses que estamos a tratar), não cessa de aumentar!

Outra constatação é que se trata de um fenómeno complexo e interdisciplinar (e por isso interministerial) e é tendo isto em conta que deve ser tratado. Aparentemente as investigações feitas a nível da Polícia Judiciária, não revelaram até agora nenhuma teia de nexos. Provavelmente a razão está no que dissemos atrás: não haverá apenas uma "teia", mas várias…

Julgamos que a principal razão que leva a este aumento de fogos, cuja esmagadora maioria vem a público como tendo origem criminosa – embora sempre difusa – tem a ver com "negócios" a que se convencionou chamar "o negócio do fogo", ou "a indústria do fogo". Ou seja, quanto mais dinheiro o governo anunciar que vai injectar no combate aos fogos, mais fogos irá haver…

Sem querermos referir dados concretos iremos dissertar sobre algumas áreas onde o "negócio" do fogo pode ter lugar e noutras onde o "combate" não se está a fazer com a desejada eficácia. O assunto é melindroso, mas tem de ser tratado. Não se pretende lançar acusações ou generalizar, mas é preciso "podar os ramos podres" para não matar a árvore. A pergunta tem que ser posta e é esta: a quem interessará o fogo?

Eis algumas hipóteses sem preocupação de hierarquia:

- Ao "negócio" da compra e venda da madeira; a madeira queimada é mais barata, dá lucros a curto prazo, mas é suicidária a longo prazo;

- Às celulosas, no sentido em que poderão querer promover a substituição do coberto vegetal por outro de crescimento mais rápido e melhor para o negócio do papel;

- À especulação imobiliária, no sentido de favorecer o "negócio" da compra e venda de propriedades;

- Ao "negócio" da caça privada versus caça pública, atente-se às polémicas havidas;

- Ao "negócio" das indústrias relacionadas com o combate a fogos, viaturas, equipamentos diversos, extintores, compostos químicos, etc., alguns dos quais estão relacionados com elementos da própria estrutura de comando de bombeiros (como chegou a vir a público no ano transacto);

- Ao "negócio" dos meios aéreos para combate a incêndios. Este negócio disparou nos últimos anos. Até ao governo do Engenheiro Guterres a maioria dos meios aéreos envolvidos pertencia à Força Aérea (FA), que tinha gasto nos anos 80, cerca de 200.000 contos em equipamentos.

Nessa altura, cremos que em 1997, o Secretário de Estado Armando Vara entendeu (vá-se lá saber porquê!) 1, que não competia à FA intervir nos incêndios mas sim que deveriam ser contratadas empresas civis. Compreende-se mal esta atitude a não ser pela sanha existente por parte da maioria dos políticos em menorizar os militares e as Forças Armadas. Certo é, também, que a FA não paga comissões.

No meio disto tudo – o que acresce à complexidade - há um sem número de hipóteses de mão criminosa que passa por vinganças pessoais; as consequências da última lei sobre baldios; queimadas mal feitas ou ilegais; pirómanos (e alguns irão porventura parar aos bombeiros), questões derivadas de heranças e os eternos descuidos e negligências.

Os investigadores têm, como podem os leitores aperceber-se, muito por onde se entreter…

No campo da prevenção e combate tem reinado a confusão, o "complexo de quinta" e a inadequação.

Nesta última encontram-se as leis e o processo de as aplicar e julgar. Falar sobre isto exigiria um tratado. Em síntese as competências entre Ministério Público, Tribunais e Polícias tem provado nas últimas décadas ser de uma grande ineficiência e fonte de problemas; o Código Penal e o Código de Processo Penal favorecem os criminosos, castigam o cidadão honesto e prejudicam o trabalho da polícia e, a montante de tudo isto e envolvendo-o como um espartilho, existe uma contumaz subversão da autoridade.

Ora urge fazer leis que ponham regras à venda de madeira queimada; no plantio de coberto vegetal; à obrigatoriedade da limpeza das matas e abertura de aceiros; à proibição de qualquer tipo de construção em área ardida durante "x" anos; à equidade na distribuição de terrenos destinados à caça e mais um sem número de coisas relacionadas com esta questão. E, claro, é necessário expeditar a constituição e resolução de processos e julgar e penalizar todo o indivíduo ou organização que tenha cometido um ilícito. E de não os soltar logo a seguir.

A estrutura da protecção civil que coordena o combate aos incêndios prima sobretudo pela falta de clareza. Isto é, não estão devidamente atribuídas responsabilidades de comando de que resulta uma evidente dificuldade na atribuição de meios e prioridades e no apuramento de responsabilidades. Para melhorar esta área torna-se necessário combater o "complexo de quinta" (muito arreigado!) e arranjar uma estrutura com comando centralizado e execução descentralizada; estabelecimento eventual de níveis diferenciados de decisão e linhas claras de autoridade. O afastamento dos militares de toda esta estrutura foi um erro crasso que após a debacle do ano de 2003, já foi parcialmente corrigido.

Temos a seguir o problema dos bombeiros. Os bombeiros sendo os "soldados da paz" (parece que só se pode criticar os soldados da "guerra"...), pelos serviços prestados e pela maioria ser voluntária goza de natural prestígio em toda a população. E têm estado até há pouco acima de qualquer crítica. Ninguém nem nenhuma corporação devem estar acima de qualquer crítica. O Estado tem-se valido do elevado número de corporações voluntárias para poupar nos sapadores, profissionais. Ora as exigências da sociedade actual não se compadecem com este estado de coisas. Acresce que qualquer pessoa pode ser "comandante" de um quartel de bombeiros voluntários e que a instrução e disponibilidade deixam muito a desejar. Basta aliás olhar para o fardamento e atavio para se duvidar da operacionalidade existente. Há pois que impôr alguma ordem neste estado de coisas.

Finalmente os meios aéreos. Somos de opinião que os meios de combate a incêndios devem estar na FA. Só quando estes forem insuficientes se devem alugar outros. Haverá apenas que compatibilizar as exigências e sazonalidade desses meios com as condicionantes operacionais e de dispositivo militar. Mas isso não parece ser obstáculo intransponível. Acordos de cooperação entre países amigos poderão e deverão ser feitos para optimizar os recursos.

Os incêndios são a todos os títulos uma calamidade para Portugal que se repetem numa cadência previsível.

Por isso não se entende o descaso, a incompetência e a falta de vontade política que os sucessivos governos têm demonstrado face a tão gravosa situação. Parece que criámos um sistema político e uma sociedade que convive com todos os problemas e tolera todos os vícios. E não resolve nenhum.

_____________________
João Brandão Ferreira permaneceu na Força Aérea durante 27 anos e foi também comandante de Linha Aérea. Instrutor de voos em escolas de aviação, licenciou-se em Aeronáutica Militar, em 1976, após Tirocínio nos EUA.     
[1] Apesar de constar nas missões secundárias da FA e o secretário de estado não ter competência para as mudar...

https://www.sabado.pt/opiniao/convidados/joao-brandao-ferreira/detalhe/o-negocio-dos-incendios

Relato de uma professora

Do Mural de Maria de Lourdes dos Anjos

Quando os meninos  me pediam "papel macio pró cu e roupa boa prá gente"…

Um dos textos que mais me custou a  escrever e por isso tem mais lágrimas do que palavras.

Estávamos ainda no século XX, no longínquo ano de 1968, quando a vida me deu oportunidade de cumprir um dos meus sonhos: ser professora. Dei comigo numa escola masculina, ali muito pertinho do rio Douro, na primeira freguesia de Penafiel, no lugar de Rio Mau.

Era tão longe, da minha rua do Bonfim, não podia vir para casa no final do dia, não tinha a minha gente, e eu era uma menina da cidade com algum mimo, muitas rosas na alma, e tinha apenas 18 anos.

Nada me fazia pensar que tanta esperança e tanta alegria me trariam tanta vida e tantas lágrimas.

Os meninos afinal eram homens com calos nas mãos, pés descalços e um pedaço de broa no bolso das calças remendadas.

As meninas eram mulheres de tranças feitas ao domingo de manhã antes da missa, de saias de cotim, braços cansados de dar colo aos irmãos mais novos, e de rodilha na cabeça para aguentar o peso dos alguidares de roupa para lavar no rio ou dos molhos de erva para alimentar o

gado.

As mães eram mulheres sobretudo boas parideiras, gente que trabalhava de sol a sol e esperava a sorte de alguém levar uma das suas cachopas para a cidade, “servir” para casa de gente de posses.

Seria menos uma malga de caldo para encher e uns tostões que chegavam pelo correio, no final de cada mês.

Os homens eram mineiros no Pejão, traziam horas de sono por cumprir, serviam-se da mulher pela madrugada, mesmo que fosse no aido das vacas enquanto os filhos dormiam (quatro em cada enxerga), cultivavam as leiras que tinham ao redor da casa, ou perto do rio e nos dias de invernia, entre um jogo de sueca e duas malgas de vinho que na venda fiavam até receberem a féria, conseguiam dar ao seu dia mais que as 24 horas que realmente ele tinha. Filhos, eram coisas de mães e quando corriam pró torto era o cinto das calças do pai que “inducava” … e a mãe também “provava da isca” para não dizer amém com eles…

E os filhos faziam-se gente.

E era uma festa quando começavam a ler as letras gordas dum velho pedaço de jornal pendurado no prego da cagadeira da casa…o menino já lia.. ai que ele é tão fino… se deus quiser, vai ser um homem e ter uma profissão!

Ai como a escola e a professora eram coisas tão importantes!

A escola que ia até aos mais remotos lugares, ao encontro das crianças que afinal até nem tinham nascido crianças…eram apenas mais braços para trabalhar, mais futuro para os pais em fim de vida, mais gente para desbravar os socalcos do Douro, mais vozes para cantar em tempo

de colheitas.

E os meninos ensinaram-me a ser gente, a lutar por eles, a amanhar a lampreia, a grelhar o sável nas pedras do rio aquecidas pelas brasas, a rir de pequenas coisas, a sonhar com um país diferente, a saber que ler e escrever e pensar não é coisa para ricos mas para todos, para

todos.

E por lá vivi e cresci durante três anos e por lá fiz amigos e por lá semeei algumas flores que trazia na alma inquieta de jovem que julgava conseguir fazer um mundo menos desigual.

E foi o padre António Augusto Vasconcelos, de Rio Mau, Sebolido, Penafiel, que me foi casar ao mosteiro de Leça do Balio no ano de 1971 e aí me entregou um envelope com mil oitocentos e três escudos (o meu ordenado mensal) como prenda de casamento conseguida entre todos os

meus alunos mais as colegas da escola mais as senhoras da Casa do Outeiro. E foi na igreja de Sebolido que batizou o meu filho, no dia 1 de janeiro de 1973.

E é deste povo que tenho saudades. O povo que lutou sem armas, que voou sem asas, que escreveu páginas de Portugal sem saber as letras do seu próprio nome.

Hoje, o povo navega na internet, sabe a marca e os preços dos carros topo de gama, sabe os nomes de quem nos saqueia a vida e suga o sangue, mas é neles que vai votando enquanto continua á espera de um milagre de Fátima, duns trocos que os velhos guardaram, do dia das

eleições para ir passear e comer fora, de saber se o jogador de futebol se zangou com a gaja que tinha comprado com os seus milhões, e é claro de ver um filmezito escaldante para aquecer a sua relação que estava há tempos no congelador.

As escolas fecharam-se, os professores foram quase todos trocados por gente que vende aulas aqui, ali e acolá, os papás são todos doutores da mula russa e sabem todas as técnicas de educação mas deseducam os seus génios, os pequenos /grandes ditadores que até são seus filhinhos e o país tornou-se um fabuloso manicómio onde os finórios são felizes

e os burros comem palha e esperam pelo dia do abate.

Sabem que mais?!

Ainda vejo as letras enormes escritas no quadro preto da escola masculina, ao final da tarde de sábado, por moços de doze e treze anos com estes dois pedidos que me faziam: “Professora vá devagar que a estrada é ruim, e não se esqueça de trazer na segunda-feira, papel macio pró cu e roupa boa dos seus sobrinhos prá gente”.

Esta gente foi a gente com quem me fiz gente.

Hoje, não há gente… é tudo transgénico .

O povo adormeceu à sombra do muro da eira que construiu mas os senhores do mundo, estão acordadinhos e atentos, escarrapachados nos seus solários “badalhocamente” ricos e extraordinariamente felizes porque inventaram máquinas e reinventaram novos escravos.

Dizem que já estamos no século XXI...”

E SE FOSSEM SUBSTITUÍDOS OS RECLUSOS POR IDOSOS?

 

E SE FOSSEM SUBSTITUÍDOS OS RECLUSOS POR IDOSOS?

UMA IDEIA A EXPLORAR?...


Colocar os nossos idosos nas cadeias, e os delinquentes fechados nas casas dos velhos

 


Desta maneira, os idosos teriam todos os dias acesso a um duche, lazer, passeios.
Não teriam necessidade de fazer comida, fazer compras, lavar a loiça, arrumar a casa, lavar roupa etc.

Teriam medicamentos e assistência médica regular e gratuita.
Estariam permanentemente acompanhados.
Teriam refeições quentes, e a horas.
Não teriam que pagar renda pelo seu alojamento.

Teriam direito a vigilância permanente por vídeo, pelo que receberiam assistência imediata em caso de acidente ou emergência, totalmente gratuita.
As suas camas seriam mudadas duas vezes por semana, e a roupa lavada e passada com regularidade.

Um guarda visitá-los-ia a cada 20 minutos e levar-lhes-ia o correio directamente em mão.
Teriam um local para receberem a família ou outras visitas.
Teriam acesso a uma biblioteca, sala de exercícios e terapia física/espiritual.
Seriam encorajados a arranjar terapias ocupacionais adequadas, com formador instalações e equipamento gratuitos.

Ser-lhes-ia fornecido gratuitamente roupa e produtos de higiene pessoal.
Teriam assistência jurídica gratuita.
Viveriam numa habitação privada e segura, com um pátio
para convívio e exercícios.
Acesso a leitura, computador, televisão, rádio e chamadas telefónicas na rede fixa.

Teriam um secretariado de apoio, e ainda Psicólogos, Assistentes Sociais, Políticos, Televisões, Amnistia Internacional, etc., disponíveis para escutarem as suas queixas.
O secretariado e os guardas seriam obrigados a respeitar um rigoroso código de conduta, sob pena de serem duramente penalizados.

Ser-lhes-iam reconhecidos todos os direitos humanos internacionalmente convencionados e subscritos por Portugal.

 



Por outro lado, nas casas dos idosos:

Os delinquentes viveriam com € 200 numa pequena habitação com obras feitas há mais de 50 anos.
Teriam que confeccionar a sua comida e comê-la muitas vezes fria e fora de horas.
Teriam que tratar da sua roupa.
Viveriam sós e sem vigilância.

Esquecer-se-iam de comer e de tomar os medicamentos e não teriam ninguém que os ajudasse.
De vez em quando seriam vigarizados, assaltados ou até violados.
Se morressem, poderiam ficar anos, até alguém os encontrar.

As instituições e os políticos não lhes ligariam qualquer importância.
Morreriam após anos à espera de uma consulta médica ou de uma operação cirúrgica.

Não teriam ninguém a quem se queixar.
Tomariam um banho de 15 em 15 dias, sujeitando-se a não haver água quente ou a caírem na banheira velha,
Passariam frio no Inverno porque a pensão de € 200 não chegaria para o aquecimento.

O entretenimento diário consistiria em ver telenovelas, a Fátima, o Goucha, a Júlia Pinheiro e afins na televisão.


Digam lá se desta forma não haveria mais justiça para todos? E os contribuintes agradeceriam!

FAÇAM CIRCULAR, se assim o entenderem.



Sem vírus. www.avast.com

sábado, 23 de março de 2019

Factorbankpt

O Banco de Portugal (BdP) alertou ontem para uma nova entidade que actua sob a designação comercial Factorbankpt”, que não está habilitada a exercer em Portugal qualquer actividade financeira, nomeadamente a concessão, intermediação e consultoria de crédito. Desde o início do ano o regulador já fez cinco alertas com o mesmo objectivo, que podem ser consultadas no seu site. O BdP pretende evitar que os particulares, aliciados com a promessa de empréstimos rápidos, resposta súbita e sem burocracias, recorram a estas entidades e sejam vítimas de uma actividade que se tem revelado “extremamente lesiva” dos seus interesses.

sexta-feira, 22 de março de 2019

A construção do nada


Fingir que a União Europeia é democrática, com aquele patético Parlamento e estas eleições, ou é inútil, ou é prejudicial.

Nos tempos modernos, a construção do Estado é a primeira realidade deste tipo: organização deliberada de um aparelho institucional capaz de enquadrar populações e culturas, dinastias ou comunidades.

Sítios houve em que se construiu o império. Os condimentos e os métodos eram simples. Uma ideia, uma doutrina, objectivos e valores. O monarca ou o Estado central e os seus exércitos eram os obreiros da construção. O método era sobretudo o da força. Os valores eram os da grandeza dos que mandavam.

Já houve tempos em que se construía a democracia. Ou a República. Foram processos morosos, duraram séculos, com dificuldades, avanços e recuos. Havia princípios, valores, doutrinas e objectivos. Nem sempre claros, raras vezes bem definidos, muitas vezes difusos e geralmente próprios de elites políticas. Mas a construção avançava. E os povos, identificando-se com os ideais, iam aderindo. E sabia-se ao que se vinha. Os protagonistas eram os povos. Os métodos incluíam a democracia, os parlamentos e o voto. Os exemplos, bem diferentes uns dos outros, podem ser os da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos da América e da França.

Depois, começou a construir-se o socialismo. A sociedade sem classes. O comunismo. A força dos valores era enorme, a ponto de permitir que se recrutassem, para a luta, milhares e milhões de pessoas. Fizeram-se revoluções. Na mente dos povos, estava mais o melhoramento das condições de vida, mas nos espíritos dos militantes, as ideias, os sonhos e os objectivos estavam bem presentes. Da democracia avançada passar-se-ia à construção do socialismo, terminada esta seguir-se-ia a construção do comunismo, este sim objectivo último e definitivo, a sociedade sem classes. O agente desta construção era o partido da vanguarda, em nome da classe proletária. O método era o da ditadura do proletariado. Os melhores exemplos são os da União Soviética e da China.

Hoje, constrói-se nada! Isto é, a Europa! A Europa é uma abstração. Depois de umas décadas em que teve sentido e significado, desde a paz à defesa da liberdade e da democracia ao desenvolvimento, tem cada vez menos doutrina e ideia. E muito menos identificação popular. Hoje, a Europa faz-se porque se faz. Continua porque é. Para seu êxito, a Europa necessita de varrer a história e a geografia. Hoje tenta-se apagar a ideia de que a democracia tem uma geografia, as liberdades individuais têm uma história. Os meus direitos, o meu voto, a minha liberdade e a minha parte na decisão colectiva exercem-se numa comunidade, num local, numa área com limites e história. Podem ser fronteiras físicas, culturais ou lendárias. Mas só há direitos se houver geografia. Até porque quero saber onde vou protestar, onde vou exigir que respeitem os meus direitos, onde vou reclamar que a minha liberdade seja protegida. Se não há identidade nem geografia, a quem me dirijo? Ao mundo? Às Nações Unidas? Às Igrejas universais?

Construir a Europa, tal como se está fazendo, significa construir nada, construir uma abstração de gestão e regulamentos, uma terra de ninguém, um não-país e uma não-sociedade. Sem geografia e sem identidade, as sociedades e os regimes políticos caminham para o totalitarismo burocrático e despótico, onde todos poderão ser iguais, mas ninguém tem personalidade. Onde ninguém é responsável, porque a responsabilidade exige nome.

A ideia Europa (isto é, uma das ideias Europa) é ainda uma das hipóteses mais interessantes do planeta. Mas, como todas as grandes ideias, é suscetível de degradação e perversão. A actual União, na sua forma presente, desde Maastricht e de Nice, com o acrescento do Tratado Constitucional e da Estratégia de Lisboa, corresponde a esse aviltamento.

A criação de uma entidade não democrática faz parte dessa corrupção política. A União não é democrática por impossibilidade. Não é. Não pode ser. Nem deve ser. Democráticos são os Estados, as sociedades e os Parlamentos. Assim como as instituições nacionais, regionais e locais. Fingir que a União é democrática, com aquele patético Parlamento e estas eleições, ou é inútil, ou é prejudicial, pois corrói as instituições nacionais democráticas e cria uma ideia falsa, um biombo de ilusões.

Da União sem comunidade nem cidadãos poderá resultar uma Europa despótica, feita de androides maravilhosamente iguais. Ou então, terá como consequência a reacção de populismos irracionais e nacionalistas. Ambos serão capazes de demolir a União e destruir a liberdade.

Democráticos, na Europa, podem ser os Estados e os Parlamentos nacionais. O Parlamento Europeu serviu sobretudo para extinguir os Parlamentos nacionais e outras instituições. Ora, a democracia exige identidade e reconhecimento. Exige geografia e comunidade. De modo a que eu seja capaz de fazer valer os meus direitos como homem concreto, não apenas como ser humano abstracto.

Se a União continua o seu caminho, com o que sabemos hoje, os destinos poderão ser dois ou três. Primeiro: avivar a pulsão nacional, excitar todos os populismos identitários e despertar os reflexos condicionados nacionalistas. Poderá ser um fim com ruptura e desordem. Segundo: chegar a um beco sem saída, provocar a sua lenta destruição e estimular os sucessivos abandonos, o que significa o definhamento. Um término tristonho, o fim do prazo de validade. Terceiro: obrigar a repensar e exigir a refundação. Esta terceira hipótese poderá salvar a Europa, estimular a economia e dar novo sentido à democracia. Mas é sabido que são enormes as dificuldades em repensar, reformar e reorganizar o que quer que seja. Em geral, os dilemas fatais têm mais sorte: ou tudo ou nada, ou continuar ou morrer! Ora, morte é mesmo o grande perigo diante da União.

Repensar significaria dar nova vida às instituições nacionais, a começar pelos parlamentos. Implicaria retirar à União grande número das suas competências furtivamente transferidas nos últimos anos para entidades longínquas, a fazer pensar nos conselhos e nas comissões das utopias de ficção científica, a começar pelo Senado Galáctico do Star Wars. Exigiria afastar do horizonte constitucional europeu qualquer ideia de federação, de super Estado, de super governo ou de Estados Unidos da Europa. Obrigaria a trazer para os Estados nacionais as suas competências sociais, económicas, políticas, judiciais e culturais, privilegiando todos os caminhos da coordenação voluntária e da articulação de políticas entre Estados. Forçaria a Europa a adoptar regras de comportamento que consagrassem a flexibilidade, a diversidade cultural e a subsidiariedade, isto é, o princípio de que tudo deve ser decidido ao mais baixo nível possível, ou seja, mais próximo das instituições locais.


António Barreto

Público, 17.03.2019

www.publico.pt/2019/03/17/opiniao/opiniao/construcao-nada-1865578