sexta-feira, 31 de julho de 2020

Carta ao Presidente João Lourenço ( Angola)

Artigo de Carlos Pinto.


Caro Senhor Presidente João Lourenço. Gostei de saber que V. Exa., na altura da inauguração do novo Instituto Geológico de Angola, em Luanda, tenha referido, no seu discurso que Angola tem muito mais recursos minerais além de petróleo, gás natural e diamantes.

Por Carlos Pinho (*)

Pois tem, e mais ainda, tem, ou devia ter outro tipo de recursos, tais como agrícolas, silvícolas, pesqueiros, turísticos e humanos. Mas a fixação nos recursos naturais minerais é uma fixação mórbida. Como dá imenso trabalho actuar noutras áreas, nesta dos recursos minerais é só escavar e há sempre estrangeiros dispostos a tal. Portanto toca a cavar.

Pois lá no antigamente, no tempo colonial, havia maior disparidade de recursos, a começar pela gente, que apesar de serem uns patifórios colonialistas, olhavam para Angola com outros olhos. Refiro-me ao que se passou de 1961 a 1974, por força da guerra colonial, pois, como já disse em escrito anterior, os governantes coloniais, em pânico porque iam perder a jóia da coroa, meteram pernas a caminho. Foi um esforço inútil para se conseguirem os objectivos de controlar e manter a tal jóia da coroa, mas foram esforços bem conseguidos para o bem-estar dos angolanos. Sim, com muitas contingências sociais, económicas e rácicas, ou seja, um interesse oportunista do regime colonial. Mas quando houve a oportunidade de se corrigir o tiro foi o disparate que se sabe. Sei que estou sempre a dizer o mesmo, mas sabe Senhor Presidente, eu tinha e tenho a esperança que água mole em pedra dura…

Mas a persistência obstinada do partido que governa, melhor dizendo, desgoverna o país, já para mais de 45 anos acaba por levar a situações caricatas e vergonhosas.

Continuando nisto de “há mais do que petróleo, gás natural e diamantes” gostaria de relembrar a V. Exa. que:

– Angola em 1974 era o terceiro maior produtor mundial de café;
– Angola em 1974 era o quarto maior produtor mundial de algodão;
– Angola em 1974 era o primeiro exportador africano de carne bovina;
– Angola em 1974 era o segundo exportador africano de sisal;
– Angola em 1974 era o segundo maior exportador mundial de farinha de peixe;
– Angola em 1974, por via do Grémio do Milho tinha a melhor rede de silos de África;
– Angola em 1974 tinha o CFB – Caminho de Ferro de Benguela, do Lobito ao Dilolo-RDC, o CFM – Caminho de Ferro de Moçâmedes, do Namibe até Menongue, o CFA – Caminho de Ferro de Angola, de Luanda até Malange e o CFA – Caminho de Ferro do Amboim, de Porto Amboim até à Gabela;
– Angola em 1974 tinha no Lobito estaleiros de construção naval da SOREFAME;
– Angola em 1974 tinha pelo menos, que eu saiba, três fábricas de salsicharia;
– Angola em 1974 tinha, que eu saiba, quatro empresas produtoras de cerveja, de proprietários diferentes;
– Angola em 1974 tinha, que eu saiba, pelo menos quatro fábricas diferentes de tintas;
– Angola em 1974 tinha, que eu saiba, pelo menos duas fábricas independentes de fabricação ou montagem de motorizadas e bicicletas;
– Angola em 1974 tinha, que eu saiba, pelo menos seis fábricas independentes de refrigerantes, nomeadamente da Coca-Cola, Pepsi-Cola e Canada-Dry, bebidas alcoólicas à base de ananás ou de laranja. E havia ainda a SBEL, Sociedades de Bebidas Espirituosas do Lobito;
– Angola em 1974 tinha a fábrica de pneus da Mabor;
– Angola em 1974 tinha três fábricas de açúcar, a da Tentativa, a da Catumbela e a do Dombe Grande. Sendo que, como estas fábricas depois começaram a criar ferrugem por culpa dos malandros dos colonos que se foram embora, os amigos cubanos do MPLA lá as empacotaram e as levaram para a terrinha deles. Corrijo, deixaram as paredes. Vá lá, sempre deixaram algo;
– Angola em 1974 era o maior exportador mundial de banana, graças ao Vale do Cavaco.

E falta falar da linha de montagem da Hitachi, dos óleos alimentares da Algodoeira Agrícola de Angola, e da portentosa indústria pesqueira da Baía Farta e de Moçâmedes, e da EPAL, fábrica de conservas de sardinha e de atum, e…, e… Bom, acho que já chega!

Mas Senhor Presidente, a rapaziada do seu partido, capitaneada por esses dois patifórios que foram os dois primeiros presidentes do país, desbarataram alegremente esta malfadada herança colonial da qual, foi por mim, nos parágrafos atrás referida uma parte não despicienda. Deixei propositadamente de lado a parte da educação e da saúde, simplesmente por razões humanitárias da minha pessoa em relação a V. Exa. e à digníssima colecção de mandraços que constitui o Bureau Político do MPLA, doravante designada por BPMPLA, já que a prosa vai longa e custa-me escrever um palavrão assim tão complicado.

É que eu queria falar-lhe do BPMPLA, já que V. Exa. fez por lá, na abertura dos últimos trabalhos do dito BPMPLA, um discurso choroso, sobre os mauzões que malham, malham, sem respeito por tais augustas pessoas. Mas então V. Exa, após ver o rol do “há mais do que petróleo, gás natural e diamantes” que acabei de enunciar, ainda acha que os que malham, malham é que são os malandros? Não se convenceu do que os mauzões são outros e que andam de paredes meias consigo?

Então eu passo a explicar! Mas olhe que não preciso de ir ao Folha 8, vou apenas ao Correio Angolense e refiro unicamente duas das suas mais recentes crónicas. Uma intitulada “MPLA inaugura precedente revisionista da História” e outra intitulada “Em Lisboa e Porto a “farra” está no ponto”. Para já, vou começar pela segunda. Neste texto está mais do que provado e explicado por onde anda a malandragem que vem impunemente saqueando Angola. A fonte é por demais conhecida, e por isso não me alongo mais. O partidão está para durar!

Mas o primeiro texto, Ah! O primeiro texto! Que depois até foi publicado pelo Folha 8. Aí subiu-me a mostarda ao nariz.

Então os senhores do BPMPLA, e já agora do MPLA como um todo, e os seus simpatizantes, e cantadores de loas, não têm um pingo de vergonha na cara e votam ao ostracismo mais abjecto, o Viriato da Cruz e o Mário Pinto de Andrade? A coisa é tão nojenta que a esposa do Viriato da Cruz, em desespero de causa pediu ao Governo Português que lhes dessem passaportes para que pudessem sair da China, onde estavam retidos por ordens da direcção do MPLA. Ao que os senhores do MPLA chegaram, mormente o A. A. Neto e sua pandilha para levaram a senhora a pedir socorro ao regime colonial. Que falta de humanidade! E o Mário Pinto de Andrade que teve na Guiné-Bissau a dignidade que lhe foi recusada por Angola?

E podia ainda falar do tratamento que o A. A. Neto deu ao Dr. Hugo Azancot de Menezes, mas a conversa já vai longa. Isto é uma espiral infinda de maldades e esquecimentos propositados que só mostra a falta de nível daqueles que se apoderaram do poder em Angola

Só um aparte, para haver justiça a Universidade de Luanda devia ter sido baptizada como Universidade Viriato da Cruz, enquanto aquela do Huambo se devia chamar Universidade Mário Pinto de Andrade. Mas a vida é o que é, e a falta de vergonha dos homens é por demais conhecida.

Concordo consigo, Senhor Presidente João Lourenço. Em Angola “há mais do que petróleo, gás natural e diamantes”, e há principalmente muita gente muito ordinária que não merece o mínimo de respeito e consideração. E segundo o artigo do Correio Angolense “Em Lisboa e Porto a “farra” está no ponto”, eles pegaram no seu pé. Não vai sacudi-los? Ou será que o senhor está conivente com eles?

(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

PS:

Sem comentários, exceptuando uma breve referência circunscrita ao desenvolvimento económico atingido por Angola, no princípio da década de 70.

A lista está, naturalmente, incompleta.

Junto-lhe: Ampliação e modernização da rede viária, passando a Rede Principal a ligar,  por estrada asfaltada, as 14 capitais de distrito (hoje províncias) à cidade de Luanda; Pólos de investigação que atingiram renome internacional como foram o IIVA/Instituto de Investigação Veterinária de Angola e o IIAA/Instituto de Investigação Agronómica de Angola, ambos localizados em Nova LIsboa/Huambo e o ICA/Instituto do Café de Angola a funcionar em Luanda.

AGR 

terça-feira, 28 de julho de 2020

Bogland

Turfa, pântanos, e o imaginário irlandês

Por Harper's Magazine, William Atkins , em 3 de julho de 2020

Aextração de turfas na Irlanda é ao mesmo tempo uma catástrofe ecológica que destrói um pedaço da herança do país, bem como uma ferramenta de soberania econômica que liberta a Irlanda de depender do carvão estrangeiro. A indústria também tem proporcionado bons empregos para os trabalhadores de energia. "Bogland," artigo de William Atkins na edição de julho da Revista Harper, é uma tentativa de desembaraçar uma contradição espinhosa: que "mesmo a despoliação pode parecer um ato de grandeza em certas circunstâncias.". Neste episódio do podcast, Atkins se junta à editora da Harper, Violet Lucca, para compartilhar mais detalhes de sua jornada pelos pântanos da Irlanda. Eles discutem as odes para turfa escrito por Seamus Heaney e Tim Robinson; a ética jornalística da escrita de viagens; ea ladainha de coisas loucas espreitando nas profundezas dos pântanos.

Principais taxas de imposto de renda individual na Europa.

A maioria dos países tem uma estrutura progressiva de imposto de renda. Isso significa que a alíquota paga por pessoas físicas aumenta à medida que ganham salários mais altos. A maior alíquota de imposto de renda é aplicada à parcela de renda que se enquadra na faixa mais alta de impostos. Se um país tem cinco faixas de imposto com uma taxa de imposto de renda superior de 50% a um limite de € 1 milhão, então cada euro adicional de renda acima de € 1 milhão seria tributado em 50%.

Pessoas físicas na faixa de imposto superior também pagam contribuições previdenciárias ou impostos sobre a folha de pagamento. Estes são tipicamente impostos de taxa fixa cobrados sobre os salários e são adicionais à alíquota sobre a renda.

Os trabalhadores reconhecem o impacto das taxas e limites marginais ao decidir se trabalham uma hora a mais ou se aceitam um novo emprego pagando um salário mais alto. Altas taxas de impostos marginais podem tornar o trabalho adicional mais caro e levar os indivíduos a decidirem permanecer em posições menos produtivas ou optarem por não trabalhar. Quando altas taxas de impostos aumentam o custo da mão-de-obra, isso tem o efeito da diminuição das horas trabalhadas, o que diminui a quantidade de produção na economia.

Estónia (21,3%, Letónia (21,4%) e República Tcheca (31,1%) têm as menores taxas de imposto de renda de todos os países europeus cobertos. Os países com as maiores taxas de imposto de renda são Eslovénia (61,1%) Portugal (61,0%) e Bélgica (60,2%).

O limiar em que a maior alíquota de imposto de renda se aplica também desempenha um papel importante. Tanto a taxa de imposto superior quanto o limite podem determinar a quantidade de receita fiscal levantada pelo suporte superior. Por exemplo, se um país tem uma taxa de imposto de renda superior de 50% sobre a renda acima de € 1 milhão, apenas um pequeno número de contribuintes de alto rendimento pagará essa taxa e pode não gerar receitas fiscais significativas. Em contrapartida, uma taxa de imposto de renda superior de apenas 20% sobre toda a renda acima de € 10.000 se aplicaria à maioria dos contribuintes, implicando uma ampla base de imposto de renda e receitas fiscais mais altas da faixa de imposto superior.

O limite máximo de imposto de renda também pode ser expresso como um múltiplo do salário médio de um país. Enquanto um múltiplo baixo indica uma estrutura tributária mais plana, os valores elevados significam sistemas tributários mais progressivos.


Principais Taxas e Limites de Imposto de Renda

País - Taxa marginal superior de imposto de renda (em %) a - Limite de imposto de renda marginal superior (em Euros) (b) -  Limite de Imposto de Renda Marginal Superior (expresso como um múltiplo do salário médio)

Áustria
55.0
€ 1.096.059
23.8

Bélgica
60.2
€ 49.638
1.0

República Tcheca
31.1
€ 4.694
0.3

Dinamarca
55.8
€ 70.081
1.3

Estónia
21.3
€ 2.196
0.1

Finlândia
58.3
€ 81.449
1.9

França
55.1
€ 562.377
14.6

Alemanha
47.5
€ 267.190
5.4

Grécia
55.0
€ 233.129
11.2

Hungria
33.5
€ 0
0.0

Islândia
44.4
€ 81.597
1.2

Irlanda
52.0
€ 70.045
1.5

Itália
52.8
€ 83.275
2.7

Letónia
21.4
€ 804
0.1

Luxemburgo
47.2
€ 214.275
3.7

Países Baixos
52.2
€ 70.593
1.4

Noruega
46.7
€ 100.145
1.6

Polónia
39.9
€ 23.647
2.0

Portugal
61.0
€ 280.899
15.6

República Eslovaca
35.1
€ 40.442
3.5

Eslovénia
61.1
€ 95.263
5.1

Espanha
43.5
€ 64.859
2.4

Suécia
60.1
€ 67.630
1.5

Suíça
41.7
€ 270.683
3.4

Turquia
45.5
€ 31.406
3.1

Reino Unido 47.0 € 171.103 3.9

Fonte: OCDE (https://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode=TABLE_I7),cálculos da Fundação Tributária. a Essa taxa marginal é calculada como o imposto adicional de renda pessoal do governo central e sub-central, mais a contribuição previdenciária dos empregados, resultante de um aumento unitário dos ganhos salariais brutos no limiar de ganhos onde se aplica a principal alíquota estatutária de imposto de renda pessoal. Leva em conta os efeitos dos créditos fiscais, a dedutibilidade dos impostos sub-centrais nos impostos do governo central, etc.

b O salário médio de limiar superior foi convertido em euros para países que têm uma moeda nacional diferente do Euro. As taxas de câmbio médias de 2017 fornecidas pelo Banco Central Europeu (BCE) foram utilizadas para a conversão. Para a Islândia, o BCE não publicou a taxa média de câmbio Krona euro-islandesa para o ano de 2017, portanto, a média de 2018 foi utilizada.

A Hungria aplica um imposto fixo de 33,5% sobre toda a renda obtida, estabelecendo o limite máximo de imposto de renda para €0. A Letónia (€804) e a Estónia (€2.196) são os países com o segundo e terceiro menores limites de imposto de renda, respectivamente. Em contrapartida, Áustria (€1.096.059), França (€562.377) e Portugal (€280.899) têm os limites mais altos para suas principais taxas de imposto de renda.

Como a Hungria aplica um imposto fixo sobre toda a renda, os que ganham mais de renda estão sujeitos à mesma taxa de imposto que os rendimentos médios. Nesta medida, a Áustria tem o sistema tributário mais progressivo, com uma taxa de imposto de renda superior que se aplica a 23,8 vezes o rendimento médio.

Top individual income tax rates Europe, top income tax rates Europe OECD

Elke Asen

https://taxfoundation.org/top-individual-income-tax-rates-europe-2019/?fbclid=IwAR2xUZthEZKyN8aM3vm1klzqvtTzpJwqHvJpLIeJWU6YQOR9o3pekxbTXkw

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Os erros da Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2)

Manifesto para a recuperação do crescimento e estabilização económica pós-Covid19

A Urgência de uma Nova Estratégia de Crescimento

Portugal está a passar pela maior recessão de que há memória, que requer políticas vigorosas e apropriadas para recuperar a economia e relançar o crescimento. Não há margem para erros que poderão custar caro a esta e às gerações seguintes. A principal causa da nossa quase estagnação nas duas décadas anteriores foi a má aplicação dos recursos, resultantes de políticas económicas e decisões empresariais erradas, de que a crise económica e bancária é a evidência mais forte das suas pesadas consequências.

O país não pode mais uma vez embarcar numa aventura como a Estratégia do Hidrogénio, que absorverá uma parte significativa dos recursos, financiando projectos sem rentabilidade, usando tecnologias que, por não estarem ainda dominadas, só vão fazer subir custos de produção e preços no consumidor, ou onerar o contribuinte, via subsídios do Estado, e assim reduzir o crescimento.

O que o País necessita é de investimentos produtivos, virados para as exportações, que promovam a modernização e dinamização da estrutura produtiva ou infra-estruturas estratégicas, que possam aumentar a produtividade e, assim, reduzir a pobreza e evitar que continuemos a caminhar para a cauda da União Europeia.

Não se compreendem as políticas económicas, energética e a estratégia do hidrogénio propostas pelo Governo num país com cerca de 20% de pobreza, e a necessitar de um forte investimento produtivo para poder aumentar o seu rendimento per capita. Só com projectos viáveis, competitivos, com uma adequado equilíbrio no financiamento e na partilha de riscos entre os fundos públicos afectos ao projecto e o investimento privado, que aumentem a competitividade no sector dos bens transaccionáveis se poderá aumentar a nossa taxa de crescimento potencial, garantir empregos bem remunerados e fomentar a coesão económica e social.

https://tertuliaenergia.pt/

quarta-feira, 22 de julho de 2020

À Vista da Planície.

Por Annie Hylton

A busca por criminosos de guerra sírios na Europa

Anwar al-Bunni, que fugiu da Síria em 2014, era na época um dos principais advogados de direitos humanos do país. Nascido numa proeminente família de esquerdistas, al-Bunni passou seus dias bebendo café e fumando cigarros nos degraus do Palácio da Justiça, sede da alta corte em Damasco, onde as famílias de dissidentes e activistas presos sabiam que poderiam encontrá-lo. O próprio Al-Bunni foi preso duas vezes, por falar sobre tortura nas prisões da Síria e pedir reformas democráticas. Sua devoção ao seu trabalho deixou pouco espaço para os outros prazeres de sua família ou vida. Damasco fica a apenas 80 km da costa do Mediterrâneo, mas al-Bunni não via o mar há mais de uma década. Ele vivia com o conhecimento de que a qualquer momento um de seus clientes poderia morrer na detenção.

Al-Bunni tinha pensado em deixar a Síria muitas vezes, mas ele sempre foi dissuadido pela crença de que o governo do presidente Bashar al-Assad iria derrubar - que as coisas iriam melhorar. Mas no Verão de 2014, al-Bunni soube que dois mandados haviam sido expedidos para a sua prisão, e ele decidiu que tinha se tornado muito perigoso para ficar. Sua esposa, Raghida Issa, e duas crianças adultas saíram primeiro, levando carros separados para Beirute. Então, numa tarde daquele Agosto, al-Bunni disfarçou seus olhos russet com lentes de contacto azuis e clareou seu cabelo escuro. Ele não trouxe nada além das roupas que estava usando e a 8 de outro homem — se parasse num posto de controle, ele diria que estava saindo para evitar o recrutamento militar obrigatório. Um amigo o levou através de campos estéreis até a fronteira libanesa. Ele foi deixado numa passagem de montanha, e esperou até o anoitecer para descer no Vale de Bekaa, no Líbano. De lá, ele contratou um táxi para Beirute, e continuou com sua família para a Alemanha.

Al-Bunni, Issa e seus filhos foram colocados num centro de moradia temporário para refugiados e solicitantes de asilo no oeste de Berlim. Durante a Guerra Fria, a instalação recebeu mais de um milhão de pessoas que fugiam da Alemanha Oriental, tornando-se conhecida como "a porta de entrada para a liberdade". O complexo abrigava agora cerca de 600 pessoas da Síria, Iraque, Afeganistão e Europa Oriental. Entre os prédios de apartamentos, o pátio do complexo tinha a sensação de uma pequena vila: mulheres de lenços empurraram carrinhos de bebé, crianças jogavam jogos de bola, e grupos de adolescentes riam juntos enquanto se dirigiam para o supermercado turco próximo.

Al-Bunni achou difícil entender que ele não estava mais na Síria. Ao falar ao telefone com um colega ou Ex-cliente, ele se encontrava querendo perguntar: "Você virá nos visitar em Damasco?" Ele frequentemente pensava no Café Havana, no centro da cidade, um local popular entre artistas e intelectuais onde al-Bunni reunia seus amigos advogados para trabalhar durante os dias frios de Inverno. A Primavera trouxe à mente o perfume floral que infundiu ghouta oriental, uma faixa de campo perto da capital, enquanto as primeiras rosas rosa-pálida da estação floresceram em suas colinas.

Berlim, por outro lado, parecia estranha e fria. Al-Bunni era mais reservado. Ele conhecia apenas um punhado de sírios na cidade, todos conhecidos distantes de Damasco. Mas numa manhã de Inverno, quando Al-Bunni e Issa estavam andando no pátio, al-Bunni notou um homem cujo olhar estava fixo nele. O homem era magro, com cabelo fino, bigode, sobrancelhas grossas, e uma verruga sob o olho esquerdo. O homem passou por eles e entrou no prédio ao lado do deles. Al-Bunni virou-se para Issa. "Eu conheço esse cara", ele disse. Issa respondeu que nunca o tinha visto antes. Al-Bunni tinha certeza de que tinha encontrado o homem na Síria, mas levou alguns dias para ele se lembrar quando e onde. Embora o homem tivesse envelhecido - sua linha de cabelo tinha recuado, e seu cabelo era mais grisalho - al-Bunni estava certo de que ele era Anwar Raslan, um coronel do regime de Assad.

Raslan tinha sido um oficial da Direcção Geral de Inteligência de Assad, uma das quatro principais agências de inteligência da Síria, colectivamente conhecida como Mukhabarat, que supervisiona as instalações de detenção do país. A Direcção Geral de Inteligência, muitas vezes referida como segurança do Estado, é a mais antiga das quatro e é encarregada de suprimir a dissidência. Embora seja ostensivamente uma agência civil sob a jurisdição do Ministério do Interior, na prática responde apenas ao presidente. A segurança do Estado tem sido, ao longo dos anos, liderada pelos conselheiros mais confiáveis de Assad, incluindo Ali Mamlouk, um poderoso funcionário ba'ath que é alvo de sanções na Europa e nos Estados Unidos por supostos crimes de guerra.

Dentro do regime, Raslan tinha a reputação de ser um homem altamente inteligente que serviu Assad fielmente. Nascido em uma família sunita nos arredores de Homs, ele havia colocado perto do topo de sua classe na academia de polícia e rapidamente subiu as fileiras nos serviços de segurança, tornando-se coronel no início de 2011, pouco antes do início da guerra civil.

Al-Bunni testemunhou a influência de Raslan em primeira mão. Raslan foi um dos vários homens que, em 2006, sequestraram al-Bunni da rua fora de sua casa em Damasco. Naquele ano, al-Bunni, juntamente com centenas de outros, havia assinado uma petição que pedia uma revisão da relação da Síria com o Líbano. (Assad via o Líbano como um Estado dependente, e a petição buscava, em parte, que a Síria reconhecesse o Líbano como uma nação soberana.) Alguns dias depois, al-Bunni estava caminhando para seu carro quando um grupo de homens com roupas civis se aproximou dele. Ele gritou por Issa, que correu para a janela de seu apartamento no terceiro andar. Ela viu enquanto os homens vendavam al-Bunni e o empurravam de bruços no chão de um carro. Enquanto se afastavam, ele implorou aos seus captores para lhe dizer o que ele tinha feito. Raslan, que parecia ser o líder do grupo, respondeu: "Você não sabe o que fez?"

Al-Bunni foi levado para uma agência de segurança do estado em Damasco, onde foi interrogado. "Você é um criminoso espalhando informações falsas sobre a Síria", disse Raslan. Al-Bunni não era estranho a tais interrogatórios. Sua prisão mais angustiante tinha ocorrido em 1978, quando ele tinha apenas dezanove anos; ele foi mantido por uma semana em uma cela subterrânea na Filial 251, uma instalação infame administrada pela segurança do estado. Interrogadores da Filial 251 tocavam um sino cada vez que traziam um detento para ser interrogado. "Quando ouvimos o sino, isso significava que todos nós tínhamos que estar prontos", disse Al-Bunni. Os guardas o electrocutaram e chicotearam os pés dele com um cabo. Ainda hoje, al-Bunni treme quando ouve um sino.

Após sua prisão em 2006, al-Bunni foi colocado em uma cela lotada junto com dezenas de homens que haviam sido condenados à morte por assassinato. Ele não viu ou ouviu de Raslan novamente após seu interrogatório inicial sobre a petição. Al-Bunni foi mais tarde acusado de três crimes, entre eles "disseminar informações falsas susceptíveis de minar a moral da nação em tempos de guerra", mas sua data de julgamento continuou sendo adiada. Issa e Lilas, filha de Al-Bunni, compareceram a uma de suas audiências. "Ele foi retirado da cela, e ele atravessou, algemado, com o policial arrastando-o", disse Lilas. "Nunca esquecerei como ele foi arrastado, como minha mãe e eu o seguimos, implorando ao policial para nos deixar falar com ele." Quase um ano depois, em Abril de 2007, al-Bunni foi condenado a cinco anos de prisão.

Guardas ocasionalmente espancam al-Bunni na prisão, mas ele descreve a experiência como uma das torturas psicológicas. Toda semana, Issa entrava na prisão e caminhava por um longo corredor, ao longo do qual dezenas de famílias visitavam entes queridos, e tocavam os dedos de Al-Bunni através de uma barreira de arame. Lilas e seus irmãos visitaram quando se sentiram fortes o suficiente para ver seu pai em um uniforme de prisão, seu atrofia muscular. "Lembro-me de como ele ficaria fraco", lilas me disse. Al-Bunni foi negado tratamento médico para o reumatismo em suas pernas. Quando foi solto, em Maio de 2011, ele estava leve, seu rosto envelhecia, e seu reumatismo causava desconforto quase constante. Até então, a Síria havia mergulhado em uma guerra civil, e apesar das objecções de sua família, al-Bunni voltou ao trabalho.

Agora exilado na Europa, al-Bunni foi consumido pela desesperança. O que ele poderia fazer pelo povo sírio a mais de 3.000 km de distância? Ele não tinha licença para exercer a advocacia na Alemanha, e quando sua família deixou o centro de trânsito de refugiados e se mudou para um apartamento no sul de Berlim, na Primavera de 2015, ele tinha chegado a um acordo com o fato de que o regime de Assad não estava se aproximando do colapso iminente. O conflito tornou-se uma guerra multifronte. O Estado Islâmico controlava grandes partes do território, e grupos de oposição, milícias islâmicas e forças pró-regime lutaram pelo resto. Esperava-se que a Rússia interviesse e fornecesse apoio militar directo ao regime, o que provavelmente derrubaria o equilíbrio a favor de Assad. De acordo com a Rede Síria de Direitos Humanos, até o Verão daquele ano, as forças de Assad haviam detido ou desaparecido mais de 117.000 pessoas. Pelo menos 11.000 foram torturados até a morte, e cerca de 11 milhões foram deslocados internamente ou forçados a fugir do país.

Al-Bunni decidiu entrar em contacto com advogados do Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR), que estavam trabalhando para acumular provas contra altos funcionários do regime acusados de assassinato, tortura e violência sexual. Como a Síria não faz parte do Estatuto de Roma, o tratado fundador do Tribunal Penal Internacional, apenas o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem o poder de encaminhar crimes de guerra sírios ao TPI. Até agora, a Rússia e a China usaram seus vetos para bloquear qualquer acção. Com o litígio internacional paralisado por enquanto, as autoridades em toda a Europa se voltaram para o princípio da jurisdição universal, que permite aos tribunais nacionais investigar e processar crimes graves — como genocídio, uso de armas químicas e tortura — que foram cometidos no exterior por cidadãos estrangeiros. Inicialmente, os advogados de Al-Bunni e da ECCHR pensaram que teriam que esperar por uma resolução para o conflito sírio para que todos os casos fossem a tribunal. Mas então, em 2015, quase meio milhão de sírios chegaram à Alemanha. Al-Bunni começou a ouvir sobre funcionários sírios que haviam escapado com o fluxo de refugiados e poderiam ser alvo de processos criminais na Europa.

Os governos europeus não sabem quantos supostos criminosos de guerra sírios procuraram refúgio dentro de suas fronteiras. No início da guerra, quando parecia que Assad seria rapidamente derrotado, muitos membros do regime sírio desertaram por medo. Mais tarde, alguns partiram porque vivenciaram uma crise de consciência enquanto presenciavam ou participavam de atrocidades. Outros simplesmente aproveitaram a oportunidade para construir um futuro com suas famílias na Europa. Organizações independentes de vigilância estimaram que centenas de Ex-funcionários de Assad - membros de médio e alto nível do aparato militar e de segurança do país - fugiram para lugares no Oriente Médio e em toda a Europa. Mohammad Al Abdallah, director executivo do Centro de Justiça e Responsabilidade da Síria, uma organização sem fins lucrativos com sede em Washington, acredita que várias centenas de oficiais militares e de inteligência sírios chegaram à Europa. "Acho que essa é uma das razões pelas quais muitos refugiados sírios são muito paranóicos uns com os outros", me disse Muhammad Fares, um jornalista sírio que agora vive na Europa.

Al-Bunni começou a receber ligações de amigos sírios e estranhos sobre criminosos que eles reconheceram na Alemanha. Ele não tinha esquecido de Anwar Raslan. Desde que se cruzaram no Inverno de 2014, al-Bunni aprendeu mais sobre o papel de Raslan no regime de Assad.

Por mais de um ano, no início da guerra, Raslan supervisionou o Ramo 251, a instalação onde al-Bunni havia sido mantida e torturada aos 19 anos. Embora o edifício fosse despretensioso, com um pequeno jardim na frente onde as crianças brincavam frequentemente, o Ramo 251 tinha uma reputação de longa data entre os sírios como uma fortaleza de brutalidade.

Mas em 2012, Raslan fugiu de seu posto. Ele se escondeu na Síria, depois fugiu para a Jordânia com sua esposa e filhos. Enquanto vivia na Jordânia, Raslan entrou em contacto com Riad Seif, um proeminente membro do movimento de oposição sírio que tinha laços com o governo alemão. Raslan alegou que ele e sua família estavam em perigo na Jordânia por causa de sua deserção. Seif compartilhou o nome de Raslan com o Ministério das Relações Exteriores alemão, que em 2014 forneceu a Raslan e sua família um visto.

Naquele ano, Raslan participou de negociações apoiadas pela ONU, realizadas em Genebra, como conselheiro de Ahmad al-Jarba, então presidente da Coalizão Nacional Síria, na época o principal grupo de oposição no exílio. Logo depois, Raslan entrou em uma delegacia de polícia em Berlim, onde disse aos policiais que temia ser seguido por agentes da inteligência síria. "Conheço esses métodos do meu próprio trabalho", disse ele. "Eu sei como os serviços de inteligência sírios operam. Minha vida está em perigo." Embora as autoridades alemãs erram conhecimento do passado de Raslan no regime, seu relatório policial os levou a iniciar uma investigação sobre os detalhes de sua carreira e deserção. Em Julho de 2018, o Ministério Público Federal abriu sua própria investigação. Através de seus contactos na ECCHR, al-Bunni ouviu que os promotores estavam procurando por testemunhas que haviam sido mantidas na Filial 251 entre Abril de 2011 e Setembro de 2012, enquanto Raslan estava no comando da prisão.

Al-Bunni pensou através dos dissidentes que ele havia representado na Síria. Ele defendeu alguém preso na Filial 251 durante esse tempo? Havia um, ele percebeu, um blogueiro franco chamado Hussein Ghrer que escreveu sobre os direitos humanos na Síria. Ghrer havia sido preso e levado para a Filial 251 em Outubro de 2011. Al-Bunni descobriu que o Gührer havia fugido da Síria em 2015 e agora vivia com sua esposa e filhos em uma cidade sonolenta nos arredores de Hannover.

No ano passado, fui visitar o Ghrer. Sua esposa, que agora é fluente em alemão e estudando para se tornar uma assistente social, estava na cozinha preparando freekeh torrado e uma propagação de meses. Na parede de sua sala de estar estava uma bandeira revolucionária síria e uma tapeçaria de Damasco. Ghrer bebeu yerba maté e fumou um cachimbo enquanto me contava a história de sua detenção. Na Filial 251, ele disse que foi levado para uma cela pequena e superlotada com outros vinte homens. Eles tinham que dormir em turnos. A comida era escassa, se viesse. A cada dois dias, Ghrer era vendado e levado para uma sala de interrogatório, onde era perguntado sobre suas actividades políticas. Não parecia importar o que ele disse. Suas costas foram chicoteadas com cabos eléctricos, e as solas de seus pés foram golpeadas com um tubo de plástico, uma técnica de tortura conhecida como falaqa. Um dia, ele foi levado para uma sala onde instrumentos de tortura eram exibidos em uma mesa, incluindo um dispositivo de choque eléctrico e uma ferramenta para remover unhas. "Eles podem matar qualquer um sem serem responsabilizados", disse Ghrer. Às vezes, ele dizia: "O guarda perde a cabeça." O caso do Ghrer foi eventualmente transferido para um tribunal civil, onde ele conheceu al-Bunni pela primeira vez. "Ele veio até mim na corte, e me consolou", lembrou Ghrer. Al-Bunni ajudou a libertá-lo depois de mais duas semanas na prisão.

Al-Bunni ligou Ghrer com promotores alemães e identificou mais oito pessoas que haviam sido detidas na Filial 251, todas as quais se tornaram testemunhas no crescente caso contra Raslan. Disseram às autoridades alemãs que guardas tinham abusado sexualmente de mulheres e crianças durante o tempo de Raslan comandando a prisão. As detidas foram despidas e desfilaram por aí. Algumas doenças de pele contraídas. Outros lembraram de chegar ao Ramo 251 ao som de gritos. Falei com um homem, Taha Alzoubi, um cineasta de 59 anos que agora vive em Berlim, que foi pego em Damasco em Agosto de 2012 por dar comida aos manifestantes. Uma das primeiras coisas que viu quando entrou no Ramo 251 foi um homem, pendurado nu contra uma parede, que claramente tinha sofrido severa tortura. Guardas estavam tocando música e pedindo ao homem para dançar; quando o corpo do homem falhou com ele, um guarda arrancou os olhos com uma faca.

Usando tal testemunho, o promotor federal da Alemanha apresentou acusações contra Raslan por crimes contra a humanidade, assassinato, estupro e agressão sexual grave. O promotor alega que mais de quatro mil pessoas foram torturadas na direcção de Raslan, e que 58 pessoas morreram como resultado. (Através de seu advogado, Raslan se recusou a comentar esta história.) "Várias pessoas com quem falei foram torturadas até perderem a consciência", me disse Patrick Kroker, um dos advogados da ECCHR sobre o caso.

O julgamento de Raslan, que começou em Abril, é a primeira acusação em qualquer lugar do mundo por tortura patrocinada pelo Estado na Síria. É também o primeiro caso a julgar se o uso de tortura pelo governo sírio contra sua população civil equivale a crimes contra a humanidade, uma constatação que poderia servir de precedente em casos futuros. Se Raslan for considerado culpado, ele enfrentará prisão perpétua.

Enquanto os promotores alemães se preparavam para julgamento, al-Bunni voltou sua atenção para a construção de outros casos contra supostos funcionários do regime de Assad que chegaram à Europa como refugiados. Ele agora passa a maior parte do seu dia de campo dicas de sírios em todo o continente. Enquanto eu estava com ele no ano passado, al-Bunni ouviu falar de um médico na Alemanha que supostamente torturou pacientes em um hospital militar em Homs e um Ex-auxiliar na Europa Ocidental que supostamente contrabandeou armas para a Síria e entregou activistas ao regime. Ele se encontrou com uma testemunha cujo crânio havia sido perfurado durante um interrogatório aos dezasseis anos, para atualizá-lo sobre o paradeiro de seu torturador, e ouviu outro homem testemunhar que um de seus parentes, que agora vivia na Alemanha, tinha sido um membro da shabiha, uma milícia patrocinada pelo Estado responsável pela morte de milhares de manifestantes inocentes. "Os investigadores não podem ir à Síria para obter provas, então, em essência, a cena do crime deve vir aqui", disse al-Bunni. "Eu posso preparar todas as evidências; Posso contactar todas as vítimas sírias; e eu entregá-lo ao promotor.

Al-Bunni trabalha com uma rede voluntária de advogados sírios em toda a Europa para reunir evidências de testemunhas para se preparar para o dia em que eles serão capazes de apresentar processos contra criminosos de alto nível na Síria. O objectivo de Al-Bunni não é ir atrás de peixes pequenos — é chegar a Assad. Enquanto isso, porém, esforços fragmentados terão que fazer. Nerma Jelacic, chefe de comunicações da Comissão internacional de Justiça e Responsabilidade (CIJA), uma organização sem fins lucrativos que investiga crimes graves cometidos durante conflitos, disse que seu grupo está actualmente trabalhando em doze casos envolvendo funcionários sírios de nível médio como Raslan. "Quando a guerra começou, [desertores] emitiram declarações no YouTube em todas as Mídias sociais", disse Jelacic. "A questão é localizá-los, entender seu papel e reunir evidências suficientes em um tribunal de justiça." A CIJA recebe pedidos de apoio investigativo de agências de aplicação da lei que estão investigando Ex-funcionários do regime e membros do Estado Islâmico. No ano passado, a organização forneceu informações de cerca de quinhentos pessoas. "É uma indicação de quanta verificação está acontecendo", disse Jelacic.

Mazen Darwish, um advogado e jornalista que dirige o Centro Sírio de Mídia e Liberdade de Expressão, uma organização sem fins lucrativos que rastreia suspeitos de crimes de guerra, frequentemente colabora com advogados da Al-Bunni e da ECCHR. Desde 2011, seis de seus funcionários desapareceram ou morreram na Síria. Em 2018, após a colecta de informações da equipe levar promotores franceses a emitir mandados de prisão internacionais para três funcionários de alto nível na Síria, a TV estatal síria transmitiu um segmento sobre Darwish, acusando-o de atacar o país e trabalhar com o Mossad e a CIA. Na Primavera passada, visitei os escritórios sem identificação do grupo dele em um prédio no centro de Paris. As persianas estavam fechadas, e dentro, a fumaça do cigarro encheu o ar enquanto a equipe jovem, a maioria dos quais são refugiados sírios, trabalhava em computadores.

Uma vez que a equipe localiza um possível suspeito ou recebe uma dica de uma vítima, eles escavam através do Twitter, Facebook, YouTube e outros sites públicos para corroborar a conta. Eles também contam com informações de desertores, documentos vazados e informantes que ainda estão trabalhando em posições oficiais na Síria. Naquela tarde, sua busca os levou a um suposto membro do regime de Assad que havia sido fotografado recentemente posando em frente a um popular marco europeu. "Eles estão aqui agora", disse um, puxando a foto. A equipe planejava arquivar a foto e conduzir uma investigação.

O grupo de Darwish está actualmente processando processos criminais em toda a Europa contra membros do regime de Assad, grupos de oposição, várias milícias e o Estado Islâmico. Eles são cautelosos com o que vêem como a abordagem de paz a todo custo da UE, que poderia absolver os responsáveis por atrocidades em massa na Síria. "O objectivo da comunidade internacional é fazer as pazes entre todos os jogadores… mesmo que sejam criminosos", me disse Almoutassim al-Kilani, advogado do grupo. "Estamos tentando lutar contra isso. Essas pessoas não podem fazer parte do nosso futuro."

Se Raslan merece fazer parte do futuro da Síria é uma questão que criou discórdia na diáspora síria. Raslan afirma que deixou a Síria com intenções nobres — que, em troca de uma passagem segura, deu à oposição síria informações sobre os crimes do regime. De acordo com a Foreign Policy, Raslan concordou em fornecer aos líderes da oposição mais de vinte mil arquivos descrevendo o tratamento dos detidos. Wael al-Khalid, um activista da oposição que diz ter ajudado Raslan a desertar, disse à revista que Raslan "não nos entregou os documentos prometidos" depois de chegar em segurança à Alemanha. "Toda vez que eu insistia, ele dizia que entregaria os arquivos às Nações Unidas, ou à CIA. Eu sabia que ele estava blefando.

Mas os defensores de Raslan dizem que ele era uma engrenagem em um sistema do qual ele eventualmente se libertou. Um desertor do regime me disse que Raslan era um "homem infeliz" que foi enviado para um ramo "com um monte de monstros dentro", um com "uma reputação muito ruim mesmo antes da revolução". Alguns dos que o conheciam na época descreveram Raslan como respeitado, piedoso e culto. Durante as reuniões familiares, seu humor curioso muitas vezes levou seus parentes a irromper em risos.

Na Primavera passada, conheci Abdulnasser al-Ayed, um romancista sírio e auto-descrito esquerdista que serviu como capitão na Força Aérea Síria até ser dispensado em 2009. Foi uma tarde fria e alegre em Paris, e nos sentamos no terraço de um café. Al-Ayed me disse que Raslan o havia tratado com bondade quando foi detido por participar de um protesto em 2011. Durante um intenso interrogatório, ele disse, uma nova voz se apresentou como coronel Anwar Raslan. Raslan removeu a venda e algemas de Al-Ayed, e devolveu seus sapatos e meias. Al-Ayed lembrou-se de Raslan usando um terno civil e gravata. Eles compartilharam um cigarro Kent. Desde que deixaram a Síria, os dois homens tornaram-se amigos íntimos. Quando perguntei a Al-Ayed o que ele achava do fato de Raslan ter sido acusado de alguns dos crimes mais graves sob o direito internacional, ele disse: "Sou escritor, então sei que as pessoas são capazes de quase tudo — mas sou um escritor, não um juiz."

Mesmo alguns activistas de direitos humanos que apoiam a acusação de Raslan alertam que os governos europeus provavelmente exagerarão o impacto desses julgamentos. "Os governos estão sob pressão por não fazer o suficiente pela Síria, não fazer o suficiente por justiça", disse Al Abdallah, do Centro de Justiça e Responsabilidade da Síria. Ele explicou que é fácil para as autoridades ocidentais dizer: "Há cinco casos aqui e ali — verificação, a justiça está feita", mas que não é suficiente. Raslan e outros como ele são "pessoas pequenas", disse-me um desertor. Os agressores de alto nível da tortura patrocinada pelo Estado, a maioria dos quais permanecem na Síria, continuam a desfrutar da impunidade. Kroker, advogado do Ghrer, tem o cuidado de reconhecer que Raslan foi apenas um dos muitos envolvidos no aparato de tortura da Síria: "Esta é uma prisão, e um serviço de inteligência, e o cara é acusado de controlá-lo por um ano e meio", disse Kroker. Se fizermos um cálculo simples para aplicar a tortura e o assassinato que ocorreram nesta instalação em todo o país, a todos os serviços de inteligência, começa-se a imaginar a quantidade de injustiça e crueldade."

Outros temem que o caso possa enviar a mensagem errada aos desertores. Khaled Khoja, uma figura da oposição síria de origem turca, disse que o caso é uma ameaça para aqueles que desertaram do regime e tentaram "mudar o equilíbrio". "Se é um caso de tais indivíduos cometendo tortura e outros crimes graves, eles têm que ser responsáveis, com certeza." Mas, continuou ele: "Devemos ser muito justos com essas pessoas. Se acusarmos cada pessoa, seja da oposição ou do lado do regime, não podemos alcançar qualquer reconciliação." Há centenas de milhares de pessoas que cometeram atrocidades para o regime, explicou Khoja. "Não podemos punir todos." Ele temia que o destino de Raslan desencorajasse outros desertores que têm informações valiosas de se apresentarem.

Para al-Bunni, no entanto, o potencial efeito arrepiante é imaterial. "É minha responsabilidade seguir todo mundo — na oposição ou não", ele me disse. "Uma mudança na posição ou atitude de uma pessoa não o isenta de processo por crimes que cometeu — especialmente crimes contra a humanidade."

Na manhã de 23 de Abril, jornalistas, activistas e membros do público fizeram fila do lado de fora do Tribunal Regional Superior em Koblenz, uma hora ao sul de Bonn, para garantir um lugar no tribunal para o julgamento de Raslan. Por causa da nova pandemia coronavírus, a capacidade foi reduzida para 29 pontos. As pessoas eram orientadas a sentar-se em cada terceiro ou quarto assento. Os queixosos, os acusados e seus advogados foram colocados atrás de plexiglass. Ghrer, sentado entre os queixosos, estava sobrecarregado de emoção. Ele abraçou seu casaco de trincheira bronzeado firmemente em torno de sua cintura.

Pouco antes das dez horas, Raslan entrou no tribunal escoltado por policiais. Ele usava óculos rectangulares e um suéter de malha marrom, com uma camisa branca de pescoço de tripulação espiando o colarinho. Eyad al-Gharib, que supostamente relatou a Raslan na Filial 251 e estava sendo julgado ao seu lado, usava uma máscara e uma jaqueta com um capuz que ele havia puxado para baixo para esconder seu rosto. Quando entraram, vários sírios na plateia viraram as costas para o acusado. Jasper Klinge, o promotor, então leu a acusação e descreveu as experiências de 24 pessoas que haviam sido presas na Filial 251: um homem agredido sexualmente com um cabo de vassoura. Um homem espancado enquanto estava pendurado no tecto pelos pulsos. Klinge alegou que Raslan sabia a extensão da tortura acontecendo em seu turno.

Através de uma declaração de 45 páginas lida em voz alta no tribunal por seus advogados, Raslan negou torturar alguém, negou ter ordenado tortura, e negou que a tortura tenha sido usada no Ramo 251 quando ele estava no comando. Ele disse que nunca "agiu de forma desumana" e que sentiu "arrependimento e compaixão" pelas vítimas. Raslan alegou que ajudou a libertar tantas pessoas da prisão que ele foi destituído de muitas responsabilidades em Junho de 2011, e, portanto, não estava em posição de supervisionar o que havia acontecido no ano seguinte. Mas os promotores forneceram ao tribunal documentos, alguns dos quais carregam a assinatura de Raslan, que confirmam que ele estava executando o Ramo 251 até Setembro de 2012. Eles também planejam prestar depoimento de testemunhas que viram Raslan dando ordens aos guardas durante esses meses, incluindo ordens de tortura. "Não acreditamos que ele tenha desempenhado um papel menor", disse Wolfgang Kaleck, secretário-geral da ECCHR.

Al-Bunni ficou do lado de fora do tribunal. Ele não foi autorizado a entrar porque mais tarde seria chamado como testemunha, mas ele estava satisfeito sabendo que seus antigos clientes estavam lá, enfrentando as pessoas que foram responsáveis por sua tortura. "Estou tão orgulhoso", ele me disse. Um veredicto pode não chegar até 2021, e enquanto ele espera, al-Bunni está tendo problemas para acompanhar o número de dicas que chegam. Ele e seus colegas estão construindo um banco de dados de suspeitos na Europa; actualmente tem centenas de nomes.

Por parte de Al-Bunni, esses casos são mais do que as pessoas em julgamento. Trata-se de expor as atrocidades de Assad — tortura, assassinato, violência de género — em um tribunal, para o registro histórico. Al-Bunni acredita que o caso de Raslan "dará esperança às vítimas, que, depois de nove anos, acham que ninguém se importa com o que aconteceu na Síria". Ele quer mandar uma mensagem ao regime de Assad: "A justiça está chegando".


In Plain Sight thumbnail

A busca por criminosos de guerra sírios na Europa

Por Annie Hylton

é uma escritora com sede em Paris.

https://harpers.org/archive/2020/08/in-plain-sight-syrian-war-criminals-in-europe/

Uma Carta sobre Justiça e Debate Aberto – Harper's Magazine.

7 de Julho de 2020
A carta abaixo será exibida na seção Cartas da edição de Outubro da revista. Damos as boas-vindas às respostas em letters@harpers.org

Nossas instituições culturais estão enfrentando um momento de julgamento. Protestos poderosos pela justiça racial e social estão levando a demandas atrasadas por reforma policial, juntamente com apelos mais amplos por maior igualdade e inclusão em toda a nossa sociedade, especialmente no ensino superior, jornalismo, filantropia e artes. Mas esse acerto de contas necessário também intensificou um novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de debate aberto e tolerância de diferenças em favor da conformidade ideológica. À medida que aplaudimos o primeiro desenvolvimento, também levantamos nossas vozes contra o segundo. As forças do iliberalismo estão ganhando força em todo o mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma ameaça real à democracia. Mas a resistência não deve ser permitida para endurecer em sua própria marca de dogma ou coerção — que demagogos de direita já estão explorando. A inclusão democrática que queremos só pode ser alcançada se falarmos contra o clima intolerante que se estabeleceu em todos os lados.

A livre troca de informações e ideias, a força vital de uma sociedade liberal, está se tornando diariamente mais constrito. Embora tenhamos esperado isso na direita radical, a censura também está se espalhando mais amplamente em nossa cultura: uma intolerância a visões opostas, uma vogue para a vergonha pública e o ostracismo, e a tendência de dissolver questões políticas complexas em uma certeza moral ofuscante. Defendemos o valor do contra-discurso robusto e até cáustico de todos os bairros. Mas agora é muito comum ouvir pedidos de retribuição rápida e severa em resposta a transgressões percebidas de fala e pensamento. Mais preocupantes ainda, os líderes institucionais, em um espírito de controle de danos em pânico, estão a entregar punições precipitadas e desproporcionais em vez de reformas consideradas. Editores são demitidos por executar peças controversas; livros são retirados por suposta inautenticidade; jornalistas são impedidos de escrever sobre certos tópicos; professores são investigados por citar obras de literatura em sala de aula; um pesquisador é demitido por circular um estudo académico revisado por pares; e os chefes das organizações são expulsos pelo que às vezes são apenas erros desajeitados. Quaisquer que sejam os argumentos em torno de cada incidente em particular, o resultado tem sido estreitar constantemente os limites do que pode ser dito sem a ameaça de represália. Já estamos pagando o preço em maior aversão ao risco entre escritores, artistas e jornalistas que temem por seus meios de subsistência se eles se afastarem do consenso, ou mesmo não tiverem zelo suficiente de acordo.

Esta atmosfera sufocante acabará prejudicando as causas mais vitais do nosso tempo. A restrição do debate, seja por um governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, invariavelmente fere aqueles que não têm poder e tornam todos menos capazes de participação democrática. A maneira de derrotar más ideias é por exposição, argumento e persuasão, não tentando silenciá-las ou deseja-las embora. Recusamos qualquer falsa escolha entre justiça e liberdade, que não pode existir sem um ao outro. Como escritores, precisamos de uma cultura que nos dê espaço para experimentação, correr riscos e até mesmo erros. Precisamos preservar a possibilidade de discordância de boa-fé sem consequências profissionais terríveis. Se não defenderemos a mesma coisa em que nosso trabalho depende, não devemos esperar que o público ou o Estado o defendam para nós.

Elliot Ackerman
Saladin Ambar, Rutgers University
Martin Amis
Anne Applebaum
Marie Arana, autor
Margaret Atwood
John Banville
Mia Bay, historiador
Louis Begley, escritor
Roger Berkowitz, Bard College
Paul Berman, escritor
Sheri Berman, Barnard College
Reginald Dwayne Betts, poeta
Neil Blair, agente
David W. Blight, Yale University
Jennifer Finney Boylan, autor
David Bromwich
David Brooks, colunista
Ian Buruma, Bard College
Lea Carpenter
Noam Chomsky, MIT (emérito)
Nicholas A. Christakis, Yale University
Roger Cohen, escritor
Embaixador Frances D. Cook, ret.
Drucilla Cornell, Fundador, uBuntu Project
Kamel Daoud
Meghan Daum, escritor
Gerald Early, Washington University-St.

Dexter Filkins Federico Finchelstein , The New School Caitlin Flanagan Richard T. Ford , Stanford Law School Kmele Foster David Frum , jornalista Francis Fukuyama , Stanford University Atul Gawande , Harvard University Todd Gitlin , Columbia University Kim Ghattas Malcolm Gladwell Michelle Goldberg , colunista Rebecca Goldstein , escritor Anthony Grafton , Princeton University David Greenberg , Universidade Linda Greenhouse Rinne B. Groff , dramaturgo Sarah Haider , ativista Jonathan Haidt , NYU-Stern Roya Hakakian , escritor Shadi Hamid , Brookings Institution Jeet Heer , The Nation Katie Herzog , apresentador de podcast Susannah Heschel , Dartmouth College Adam Hochschild , autor
Arlie Russell Hochschild, autora
Eva Hoffman, escritor
Coleman Hughes, escritor/Manhattan Institute
Hussein Ibish, Arab Gulf States Institute
Michael Ignatieff
Zaid Jilani, jornalista
Bill T. Jones, New York Live Arts
Wendy Kaminer, escritor
Matthew Karp, Princeton University
Garry Kasparov, Renew Democracy Initiative
Daniel Kehlmann, escritor
Randall Kennedy
Khaled Khalifa, escritor
Parag Khanna, autor
Laura Kipnis, Northwestern University
Frances Kissling, Center for Health, Center for Health, Center for Health, Ética, Política Social

Enrique Krauze, historiador
Anthony Kronman, Yale University
Joy Ladin, Yeshiva University
Nicholas Lemann, Columbia University
Mark Lilla, Columbia University
Susie Linfield, New York University
Damon Linker, escritor
Dahlia Lithwick , Slate Steven Lukes , New York University John R. MacArthur , editor, escritor

Susan Madrak, escritora
Phoebe Maltz Bovy
, escritor
Greil Marcus
Wynton Marsalis, Jazz no Lincoln Center
Kati Marton, autora
Debra Mashek, erudição
Deirdre McCloskey, Universidade de Illinois em Chicago
John McWhorter, Columbia University
Uday Mehta, City University of New York
Andrew Moravcsik, Princeton University
Yascha Mounk, Persuasão
Samuel Moyn, Yale University
Meera escritor e professor
Cary Nelson, Universidade de Illinois em Urbana-Champaign
Olivia Nuzzi, New York Magazine
Mark Oppenheimer, Yale University
Dael Orlandersmith, escritor/performer
George Packer
Nell Irvin Painter, Princeton University (emerita)
Greg Pardlo, Rutgers University – Camden
Orlando Patterson, Harvard University Steven Pinker, Harvard University

Letty Cotty Cottin
Pogrebin Katha Pollitt
,
Taufiq Rahim
Zia Haider Rahman, escritora
Jennifer Ratner-Rosenhagen, Universidade de Wisconsin
Jonathan Rauch, Brookings Institution/The Atlantic
Neil Roberts, teórico político

Melvin Rogers, Brown University
Kat Rosenfield, escritora
Loretta J. Ross, Smith College
J.K. Rowling
Salman Rushdie, Universidade de Nova York

Karim Sadjadpour, Carnegie Endowment
Daryl Michael Scott, Howard University Diana Senechal, professora e escritora Jennifer Senior , colunista
Judith Shulevitz, escritor Jesse Singal, jornalista
Anne-Marie Slaughter Andrew Solomon , escritor Deborah Solomon , crítico e biógrafo
Allison Stanger, Middlebury College Paul Starr, American Prospect/Princeton University
Wendell Steavenson, escritor
Gloria Steinem, escritor e ativista
Nadine Strossen, New York Law School
Sullivan Jr., Harvard Law School
Kian Tajbakhsh, Columbia University
Zephyr Teachout, Fordham University
Cynthia Tucker, University of South Alabama
Adaner Usmani, Harvard University
Chloe Valdary
Helen Vendler, Harvard University
Judy B. Walzer
Michael Walzer
Eric K. Washington, historiador
Caroline Weber, historiador
Randi Weingarten, Federação Americana de Professores
Bari Weiss
Sean Wilentz, Universidade
de Princeton Garry Wills
Thomas Chatterton Williams, escritor
Robert F. Worth, jornalista e autora
Molly Worthen, Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill
Matthew Yglesias
Emily Yoffe, jornalista
Cathy Young, jornalista
Fareed Zakaria

As instituições são listadas apenas para fins de identificação.

Manifesto pode ser lido aqui. “Contra a higienização académica do racismo e fascismo do Chega.”

Os novos (?!) censores, manifestaram-se!

“Contra a higienização académica do racismo e fascismo do Chega.”

Enquanto investigadoras e investigadores, defendemos que a produção de conhecimento académico não se coaduna com propósitos de normalização, legitimação e branqueamento de um partido racista e com desígnios antidemocráticos.
No dia seguinte à (contra)manifestação “Portugal Não é Racista”, Riccardo Marchi – professor e investigador do ISCTE-IUL – apresentou, na RTP 2, o seu livro sobre o partido Chega. Nessa entrevista, defende que este partido e André Ventura não são racistas nem de extrema-direita. Os argumentos analíticos mobilizados, assim como os deixados na sombra, em horário nobre na televisão pública e sem contraditório, obrigam-nos a tomar uma posição de repúdio face aquilo que é, claramente, uma normalização e branqueamento da face antidemocrática e racista daquela força política, sob chancela científica. Esta não é uma crítica pessoal. Sabemos que este tipo de posições inscreve-se nas continuidades históricas e estruturais antidemocráticas e coloniais.

1. A categorização política proposta tem o condão de higienizar a imagem do Chega e de André Ventura, desenhando um argumentário ideal para um partido que conquistou o espaço mediático e eleitorado à custa de um discurso racista e antidemocrático. Ventura não gosta que o Chega seja denominado de “extrema-direita”, preferindo a designação “partido antissistema” e Marchi concorda. Afirma que o Chega não é um partido de extrema-direita, mas sim de uma “nova direita” “radical” de “protesto” e “antissistema” que se distancia da “velha” extrema-direita – que o Chega não tem heranças fascistas. Parece-nos uma enorme e forçada ingenuidade não ler os compromissos explícitos à luz dos compromissos implícitos, assim como maximalizar e encapsular a extrema-direita num ideal-tipo, impossível de replicar para além de Hitler e Mussolini. Tudo o resto seriam apenas elementos interessantes do jogo político.

A promiscuidade com o Movimento Zero, a utilização de milhares de perfis falsos nas redes sociais, as propostas de castração química, prisão perpétua, trabalho forçado para reclusos, confinamento de comunidades racializadas, extinção dos serviços públicos que visam garantir a universalidade de direitos como a Educação e Saúde, e até mesmo a proposta de uma IV República, são apresentadas como se fossem apenas medidas de reforma profunda, que não violam as regras do jogo democrático tal como as temos estabelecidas constitucionalmente. Além do mais, a recente filiação do Chega no grupo europeu Identidade e Democracia (ID), que integra partidos como a Liga do Norte de Matteo Salvini e a União Nacional de Marine Le Pen, os laços que está a construir com Trump e com a família Bolsonaro ou o antigo flirt com o Vox não merecem comentários na RTP2.


2. Nessa mesma entrevista, é ainda referido que “André Ventura e o Chega não consideram as minorias étnicas – ciganos e afrodescendentes – como corpos estranhos ao tecido nacional que deveriam ser expulsos (...). Muito pelo contrário, a ideia deles é a integração, através da assimilação o mais possível, destas minorias (...). Deste ponto de vista, é impossível, diria eu, considerar o Chega como um partido xenófobo ou racista”. Este argumentário não só enaltece a ideia de “integração pela assimilação”, como reduz o racismo a casos de expulsão, ocultando as suas dimensões estruturais, institucionais e quotidianas. Afinal de contas, não se pretende expulsar ninguém, exceto a deputada Joacine Katar Moreira que, segundo André Ventura, deveria ser “devolvida” à sua terra. Tudo o que configura racismo no Chega, afinal não o é: ora é porque o Tribunal Constitucional permitiu a sua inscrição no sistema político (logo, se permitiu é porque não seria racista ou xenófobo); ou porque propor o confinamento das comunidades ciganas, generalizando um pretenso problema com algumas pessoas de uma localidade específica para toda a comunidade, nada teria de racista. Tratar-se-ia, diz-nos, apenas de uma “estratégia de comunicação” dentro das regras da “política espetáculo” que André Ventura tão bem domina (qual abalroamento do Artigo 13.º da nossa Constituição). Mais adiante diz que dois dos dirigentes do Chega com passado recente no PNR não têm orientações de extrema-direita, já que a sua afiliação ao PNR foi transitória, e que os mesmos seriam ideologicamente melhor enquadrados no PSD.

Mas o que se escolheu não dizer na RTP 2 é tão ou mais importante do que o que disse. Não se referiu que há evidência de ligações do Chega a grupos de extrema-direita e neonazis portugueses, como a Nova Ordem Social (NOS, liderado por Mário Machado), Escudo Identitário, Associação Portugueses Primeiro (que tem na cúpula João Martins, condenado no processo relativo ao assassinato de Alcindo Monteiro) ou que o cabeça de lista do Chega, no Porto, às legislativas foi condenado pelo assassinato de uma criança cigana enquanto agente de autoridade. Dias antes da (contra)manifestação do Chega, o ex-líder da NOS apelou nas redes sociais para que não fossem feitas saudações nazis (o que já acontecera num encontro do Chega no Porto).

Enquanto investigadoras e investigadores, defendemos que a produção de conhecimento académico não se coaduna com propósitos de normalização, legitimação e branqueamento de um partido racista e com desígnios antidemocráticos. Os métodos científicos remetem para apropriações críticas, não devem servir para disfarçar o viés político sob uma suposta neutralidade científica. Ver para além das fachadas, relacionar, cotejar o que é dito com o que é feito, encontrar contradições, desocultar – eis os desafios de um trabalho científico exigente e consciente da sua responsabilidade na construção de sociedades mais justas e igualitárias.

Subscritores/as
Adriano Campos, Sociólogo, FEUC-UC; Alice Ramos, Socióloga; Ambra Formenti, Investigadora; Ana Alcântara, Historiadora, ESE-IPS e IHC-FCSH; Ana Benavente, Socióloga, Docente; Ana Delicado, Investigadora; Ana Ferreira, Investigadora, FCSH-UNL; Ana Raquel Matias, Socióloga; Ana Rita Alves, Doutoranda, CES-UC; André Barata, Filósofo, UBI; Boaventura de Sousa Santos, Director Emérito do CES-UC; Bruno de Sena Martins, Antropólogo; Cláudia Castelo, Historiadora; Cristiana Bastos, Antropóloga; Cristina Gomes da Silva, Socióloga, Professora do Ensino Superior; Cristina Roldão, Socióloga, ESE-IPS e ISCTE-IUL; Cristina Santinho, Antropóloga, investigadora e docente universitária; Eduardo Costa Dias, Professor Jubilado, ISCTE-IUL; Elsa Pegado, Socióloga, investigadora e docente, CIES-ISCTE; Fátima Sá, Historiadora, ISCTE-IUL; Fernando Rosas, Historiador, FCSH-UNL; Francesco Vacchiano, Investigador associado, ICS-UL; Gaia Giuliani, Investigadora; Inês Lourenço, Investigadora, CRIA/ISCTE-IUL; Inês Pereira, FCSH-UNL, ISCTE-IUL; Inocência Mata, Professora universitária, FLUL; Iolanda Évora, Investigadora e docente; Irene Pimentel, Historiadora, IHC, FCSH-UNL; Joana Lucas, Antropóloga; João Figueiredo, Investigador, UNL; João Mourato, Investigador Auxiliar, ICS-UL; João Teixeira Lopes, Sociólogo, FLUP; João Vasconcelos, Investigador; Jorge Vala, Investigador Emérito, ICS-UL; Kitty Furtado, Investigadora, CES-UC; Lígia Ferro, Professora Auxiliar, FLUP; Manuel Carlos Silva, Professor universitário; Manuel Loff, Historiador; Manuela Ribeira Sanches, Docente universitária; Margarida Paredes, Antropóloga; Maria José Casa-Nova, Universidade do Minho; Maria Paula Meneses, Investigadora, CES-UC; Mariana Pires de Miranda, Investigadora Auxiliar, ICS-ULisboa; Marta Araújo, Investigadora em Ciências Sociais; Marta Lança, IHA, FCSH-UNL; Miguel Cardina, Historiador, CES-UC; Miguel Vale de Almeida, Antropólogo; Nuno Dias, Sociólogo; Otávio Raposo, Antropólogo, CIES-ISCTE; Paula Godinho, Antropóloga; Pedro Abrantes, Professor universitário; Pedro Schacht Pereira, Professor universitário; Pedro Varela, Doutorando, CES-UC; Raquel Lima, Doutoranda, CES-UC; Renato Carmo, Professor universitário; Rita Cachado, Antropóloga; Rui Gomes Coelho, Arqueólogo; Sandra Mateus, Investigadora, CIES-ISCTE; Silvia Maeso, Socióloga; Sílvia Roque, Investigadora; Simone Amorim, Investigadora, CEsA/ISEG/UL; Simone Frangella, Antropóloga; Simone Tulumello, Geógrafo; Susana Santos, Investigadora, ISCTE-IUL; Teresa Seabra Almeida, Docente universitária; Teresa Fradique, Cientista social; Vitor Sérgio Ferreira, Sociólogo, investigador auxiliar

"Contact tracem-me"

Agora que estão lançadas as bases para uma discussão pública com substância, chega a hora de o Governo e a Direção-Geral da Saúde tomarem uma decisão: querem ou não permitir que uma aplicação de contact tracing seja usada em Portugal para deteção rápida de casos potenciais de coronavírus?
É sabido que o tema tem merecido atenção da parte do Executivo e das autoridades de saúde. Sabe-se também que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa concordam num ponto: uma aplicação destas não pode, nunca, ser de caráter obrigatório. Mas não se sabe - eu, pelo menos, não sei - se o Governo se prepara para aprovar o uso deste tipo de ferramenta.
Para este efeito, entende-se por contact tracing uma aplicação que podemos instalar no nosso telemóvel e que vai registando a proximidade com outros aparelhos através de códigos gerados e emitidos por Bluetooth. Quando um utilizador é diagnosticado com Covid-19, é enviado um alerta para os telemóveis que estiveram perto do doente nos últimos dias.
Há, para já, duas principais preocupações. Uma tem a ver com a eficácia deste tipo de soluções. Um estudo da Universidade de Oxford concluiu que, para serem eficazes no combate à pandemia, têm de ser instaladas por 60% da população de uma dada região. É um número, quiçá, impossível de atingir. E sobre este ponto, não creio que tenha havido ainda uma resposta satisfatória da parte dos promotores destas aplicações.
Outra prende-se com a privacidade dos utilizadores. Teme-se que o registo destes dados venha a extravasar o fim para o qual é feito em primeiro lugar. Sobre isto, porém, as respostas têm sido várias - e, arrisco, satisfatórias. (Ah!Ah!Ah!...)
Google e Apple estão a desenvolver um mecanismo de contact tracing que virá já instalado de raiz na esmagadora maioria dos smartphones. Sabe-se que, para já, em Portugal, a aplicação de contact tracing que está a ser
desenvolvida pelo INESC TEC vai usar esse mecanismo. Isto é, se chegar a ver a luz do dia.
O sistema aparenta ser robusto e bem desenhado para garantir que os utilizadores permanecem anónimos (Ah!Ah!Ah!...) . E não tenta extravasar aquilo para o qual foi feito (Ah!Ah!Ah! Como se sabe a Google e a Apple são entidades nunca utilizaram os dados que recolhem dos utilizadores), como se tem assistido noutras aplicações que, para além de registarem a proximidade, gravam também dados de saúde dos cidadãos e
até usam GPS. Algo que a Comissão Europeia já veio dizer "no no"(Ah!Ah!Ah!...).
Face a isto, com a informação disponível neste momento, perante uma solução que use apenas o Bluetooth e sirva somente o propósito de gerar, emitir e registar a minha "proximidade" com outros telemóveis e cidadãos, não hesito em dizer:

"contact tracem-me" a mim também. Não é o ideal, mas é o que significa "aprender a viver com vírus".

ECO Tecnologia

por Flávio Nunes, Redator

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Uma identidade colectiva libanesa para um amanhã melhor.

Incentivar o diálogo nos moldes de uma identidade nacional, e não sectária, é unificar os cidadãos em apoio a um bem-estar colectivo.

By Bassam Azzi on July 14, 2020


Unidade e esperança foram os temas abrangentes e forças motrizes por trás do recente concerto musical The Sound o Resilience de Baalbek 2020. Um evento cultural "unificador e abrangente", explicou Nayla de Freige, presidente do Festival Internacional de Baalbek, que ela descreve como "um motor de criatividade, solidariedade, resiliência e vida".

De certa forma, o som da música ecoando através das paredes monumentais e colunas do Templo de Baco foi uma personificação do povo libanês, unidos com uma voz penetrando através da tempestade que se abateu sobre a nação.

Não só o concerto de Baalbek mostrou ao mundo a elegância e sofisticação da cultura libanesa através da música, como chamou e evocou uma noção maior na consciência das pessoas: a ideia da identidade colectiva libanesa. É uma ideia que merece colocar na vanguarda do discurso sociopolítico no qual o Líbano está actualmente engajado.

Conceituar uma identidade nacional, como uma identidade nacional colectiva unindo as pessoas no Líbano, é uma tarefa assustadora. A sociedade libanesa está fragmentada em várias seitas e comunidades confessionais, coexistindo juntas através de uma democracia consociacional parlamentar. Durante décadas, o confessionalismo consociacional no Líbano permitiu que elites políticas de diferentes seitas concordassem, comprometessem e compartilhassem o poder para evitar conflitos, protegendo os direitos de grupos religiosos e minoritários.

No entanto, é este sistema muito político que colocou a nação de joelhos. Isso não é inesperado, pois a democracia consociacional do Líbano foi instituída como uma solução temporária durante um período de transição. A longo prazo, os estudiosos concordam que a institucionalização desse tipo de arranjo de compartilhamento de poder respira e promove a corrupção sistémica, como actualmente aflige todos os ramos e níveis do governo libanês.

Após 30 anos sendo submetidos à actual marca política do país, muitos libaneses parecem ter esquecido como é um Estado que serve as pessoas que governa. Hoje, mais do que nunca, o povo do Líbano está precisando de uma solução para evitar que seu país entre em colapso total. No entanto, uma solução duradoura no Líbano requer a implementação de grandes reformas políticas e institucionais centradas em torno do cidadão libanês, onde a identidade nacional é dada precedência sobre a identidade sectária.

Incentivar o pensamento e o diálogo nesse sentido é unificar os cidadãos em apoio aos interesses comuns e ao bem-estar colectivo. À medida que as linhas sectárias começam a desaparecer na mente dos indivíduos em favor de uma identidade nacional colectiva, o ambiente no terreno se tornará propício a mudanças fundamentais nas atitudes sociais e, em última instância, a nível estadual.

Um Líbano onde o Estado de Direito tem primazia, onde os servidores públicos e as instituições são responsáveis pelo povo, onde todos os cidadãos são tratados sem discriminação e com dignidade, e onde os direitos das minorias são protegidos e promovidos não é inconcebível.

Os libaneses só precisam se unir em sua visão de um Líbano melhor. Eles devem acreditar nessa visão e segurá-la. Eles devem deixar de lado os medos que os seguraram. Eles não devem perder a esperança.

Felizmente, o Líbano tem os blocos fundamentais para começar a construir essa visão. Formando uma parcela significativa dos intelectuais do país e desempenhando papéis importantes nos grupos da sociedade civil actualmente lutando por mudanças, os jovens libaneses já estão moldando a mentalidade da sociedade, trazendo "actividade intelectual do mundo das ideias para a arena política".

Além disso, os jovens libaneses estão entre os mais bem educados da região. Como tal, são fundamentais para restaurar a esperança de um amanhã melhor e liderar o diálogo nacional sobre a ideia de uma identidade colectiva libanesa.

O impulso actual no chão não deve ser permitido morrer. As ideias precisam ser compartilhadas, discutidas e mantidas vivas. A situação no Líbano está agora madura para ter essas discussões e debates.

sábado, 18 de julho de 2020

A longa noite marxista

Não sei o que é mais triste: se a noite escura que desce sobre o nosso tempo estar longe de se limitar a Portugal, ou se em Portugal, acanhado e pobre, a noite ser de um breu sem luz nem esperança.

18 jul 2020, Alberto Gonçalves , Observador

Há dias, o “Público” informava com entusiasmo: “Governo chama universidades para vigiar discurso de ódio”.

Isto é tão bizarro que é difícil decidir por onde começar, embora não custe imaginar como acabará.

E quem diz bizarro, diz errado.

E equívoco.

E repugnante.

E assustador.

E os adjectivos que pudermos inventariar até nos cortarem o pio.

Em primeiro lugar, a ideia não caiu do céu.

Caiu da boca de uma ministra qualquer, que pouco antes havia anunciado a intenção de vistoriar as “redes sociais” para colher informações acerca dos cidadãos que, aqui e ali, emitem palpites dissonantes da cartilha em curso. Dado que, ao contrário do que seria saudável em lugares civilizados, a intenção não levou às ruas multidões furiosas, a exigirem a demissão da ministra ou a imersão da mesma em alcatrão e penas, o governo percebeu que podia avançar sem chatices na prossecução deste desígnio espiritual.

Em segundo lugar, o “discurso de ódio” não é mais do que as opiniões de que certos indivíduos intolerantes discordam, ou, no caso, de que um poder intolerante discorda. Os indivíduos intolerantes, serviçais do poder intolerante, discordam disto. Para eles, o ódio é identificável (desde que por eles) e objectivo (segundo os critérios deles). Por isso, informam com uma cara-de-pau digna de registo, a censura da liberdade de expressão não é censura porque ninguém deve ser livre de exprimir “ódio”.

Ninguém deve ser livre de anunciar que detesta ciganos.

E muçulmanos.

E hindus (principalmente, quase exclusivamente, o dr. Costa).

E pretos (excepto os reaccionários).

E judeus (excepto os “sionistas”).

E gays (excepto se presos em Cuba).

E estrangeiros (excepto os que votam em Trump, Bolsonaro, Orban, Johnson e nos governos que não querem deixar vir dinheiro ou turistas para Portugal). E mulheres (excepto as que tomam banho).

E a humanidade em peso (excepto a parte da humanidade que não partilha os gostos da parte da humanidade empenhada na perseguição).

Em suma, o “discurso de ódio” é aquilo que é dito pelas pessoas que os censores do “discurso de ódio” odeiam.

Em terceiro lugar, as “universidades” não “vigiam” o “discurso de ódio”, por iniciativa própria ou a mando dos que mandam. Se vigiam, não são universidades.

As universidades de facto estimulam justamente o debate e o confronto, não a castração e a unanimidade. As instituições a que o “Público” se refere e o governo recorre assemelham-se, suponho, a polícias políticas, entregues a jagunços com vocações primitivas. “Jugunços” é um eufemismo. “Primitivos” também. Recentemente, um académico, Riccardo Marchi, escreveu um livro acerca do Chega. Não conhecia o académico e não aprecio o Chega. Mas tenho uma vida, sem vagar para desenvolver apetites de calar o próximo. Pelo menos 67 auto-designados “investigadoras e investigadores” obviamente não têm vida e subscreveram uma carta (publicada adivinhem onde) a explicar que “a produção de conhecimento académico não se coaduna com propósitos de normalização, legitimação e branqueamento de um partido racista e com desígnios antidemocráticos”. Não, não se trata do Partido Socialista Unido da Venezuela, do Hamas, do Podemos ou do Bloco de Esquerda: é só o partido daquele moço do Benfica, vigiado e condenado por vultos com – aposto e ganho um dinheirão – um belo currículo em matéria de anti-semitismo e totalitarismo.

Em quarto lugar, é notável o entusiasmo do “Público” na divulgação da notícia, enquadrada, eu fique vesguinho, na secção “Direitos Humanos”. O “Público” não acha que a criação governamental de um sistema de censura constitua uma ameaça aos direitos humanos: acha que é uma forma de os proteger. E lança foguetes alusivos. Salvo em cantinhos raros, o jornalismo, à semelhança do telégrafo e do dodó, extinguiu-se. O que as televisões e a imprensa “tradicional” hoje fazem nem sequer tenta disfarçar os respectivos propósitos: agradar aos donos, definir a “linha justa”, espalhar um pensamento único.

É fácil ridicularizar os beatos da moral. É igualmente fácil esquecer o perigo que representam. Por um lado, são bafientos e boçais, indignados e infantis, puritanos e paranóicos, características que, na disposição adequada, divertem. Por outro lado, porém, são gente sem escrúpulos e com uma propensão para o fanatismo susceptível de alimentar diversos ramos da psiquiatria. Convinha que não nos iludíssemos. Os ministros que reclamam censura, os “universitários” que se dispõem ao trabalho sujo, os “jornalistas” que se curvam em vénias, os anónimos que denunciam páginas nas “redes” não são simples artistas de variedades: são a subespécie omnipresente nos momentos vergonhosos da História, a corja que se purifica através da destruição alheia. Não precisamos recuar à Inquisição para amanhar comparações com os Torquemadas vigentes. Ou apelidá-los de fascistas. Os marxistas que promovem a moderna queima dos hereges inscrevem-se na longa tradição marxista da opressão, do silêncio e das trevas. Logo, dizê-los “marxistas”, ou “comunistas”, ou, pelo andar das coisas, “socialistas” está muito bem: é descritivo, exacto e insultuoso.

Não sei o que é mais triste: se a noite escura que desce sobre o nosso tempo estar longe de se limitar a Portugal, ou se em Portugal, acanhado e pobre, a noite ser de um breu sem luz nem esperança.

O que vale é que o povo já dorme.

artigo de AFP

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Como é quando um país morre.

Nos últimos meses, o desamparo voltou para a bagagem emocional cotidiana que carrego.

By Narimane Bibi on July 15, 2020


Perdi meu pai aos 25 anos, e os sentimentos de dor e desamparo que eu tinha descoberto permaneceram por muitos anos. Com a ajuda do meu marido e família, e especialmente depois do nascimento do meu filho, os sentimentos lentamente se tornaram nostalgia. Com o tempo, eles se tornaram gerenciáveis o suficiente para eu olhar mais uma vez para a vida com um renovado senso de esperança e determinação.

Desde então, pensei que tinha visto tudo. O que não me matou me fez mais forte. Era uma lição da vida que mais cedo ou mais tarde teria que ser ensinada a cada ser vivo, cada um tendo que suportar com ela de acordo com seus próprios antecedentes e circunstâncias.

Como todo mundo, tive que lidar com a morte de outros entes queridos, mas a dor intensa e o desamparo que senti inicialmente com a perda do meu pai tinha desaparecido para sempre.

Depois da primeira experiência, ganhei uma visão prática e pragmática sobre a morte. Eu sabia a broca emocional, identificando facilmente cada uma das fases que eu estava passando, de ter que cuidar de procedimentos logísticos imediatos enquanto você ainda está em negação ao verdadeiro luto que vem quando tudo se estabeleceu.

Ou assim parecia. Nos últimos meses, o desamparo voltou para a bagagem emocional cotidiana que carrego – juntamente com a raiva e o desânimo direccionados a um grupo agora muito conhecido de indivíduos que são, sem dúvida, responsáveis pela situação que vivemos no Líbano.

Eles são responsáveis pelas muitas oportunidades perdidas, rejeitadas por sua ganância e cupidez infinita. Esses senhores da guerra e seus apoiantes afastaram uma população para lutar pelas crenças ideológicas e religiosas mais bobas. Eventualmente, eles trariam o povo do Líbano de volta para roubar sua riqueza enquanto eles calmamente se sentam como ovelhas dóceis e aplaudem por eles sob demanda.

Eles pareciam tão poderosos e inteligentes por serem capazes de navegar por águas internacionais, às vezes enfrentando tempestades e sempre conseguindo manter o país à tona enquanto simultaneamente sangravam seus activos e capacidades secas.

Como podemos deixá-los fazer isso connosco? Muitos tentaram tomar iniciativas positivas para levar o país adiante, e todos sabíamos o que estava acontecendo. O taxista, o açougueiro, o zelador estrangeiro, todos eles foram capazes de diagnosticar precisamente a doença da corrupção que atingiu nosso país, mas ninguém estava lúcido o suficiente para oferecer alternativas adequadas. Estávamos nos batendo nas costas depois de cada batalha perdida, convencidos de que a mudança era um longo processo que precisava de tempo – precisamente como o luto pela perda de um querido.

O desamparo era, portanto, um sentimento familiar, que não conseguia superar o optimismo e a esperança de ver o Líbano se tornar o país com o qual sonhamos. Não sonhamos com a Suíça do Oriente Médio, só queríamos um país onde pudéssemos criar nossos filhos. Sonhamos com um lar estável onde as necessidades básicas de vida eram fornecidas o suficiente para ficarmos ao lado deles.

Vimos nosso país se afogar num mar de lama enquanto ratos ladrões fugiam com seu dinheiro e tripulação de longa data, lutando por qual é a culpa da morte do país. Com todas as falsas promessas e falsas esperanças que tínhamos colocado nelas, o desamparo não é a parte mais difícil de sofrer.

É a dor incontrolável que toma conta de todo o seu pensamento quando você começa a ver onde chegamos em cada pequeno detalhe ao seu redor: o preço das compras, os semáforos fechando um após o outro enquanto a iluminação pública está funcionando em plena luz do dia, a desvalorização da moeda nacional e seu impacto em cada decisão que temos que tomar em uma base horária.

A dor surge com cada declaração inepta feita pelos chamados políticos do Líbano, e com cada patriota perdido saindo do caminho para apoiá-los em vez de culpá-los pelo estado do país.

Perdemos nosso país de uma forma dramática, mas somos os culpados? Provavelmente, cada um por seus próprios cálculos errados. Mas não há nada que pudéssemos ter feito, a besta era grande demais para lidar com um povo despojado de seus potenciais líderes.

O país está perdido, e não pode ser resgatado. Para que isso aconteça, grandes mudanças, sem dúvida, precisarão ocorrer, mas aquelas que realmente ganham vida não serão a nosso favor nem serão justas. Ficamos com a dor com a qual teremos que lidar, cada um por conta própria, já que a solidariedade não parece vir em tempos terríveis.

Muitos partirão, outros ficarão, mas todos nós viveremos com esse sentimento doloroso de ter testemunhado a morte do nosso país como as muitas gerações que vieram antes de nós. Quanto ao sentimento de que não conseguimos ajudar o país a evitar a sua morte, mesmo aqueles de nós com vontades mais fortes devem considerá-lo como mais um fracasso do qual podemos ter aprendido. O tempo dirá.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

INAUGURAÇÃO DO MUSEU DO TACHO

Por iniciativa de S. Excelências; EDUARDO MÃOS-DE-FERRO RODRIGUES, ANTÓNIO BOLSONARO TRUMP COSTA, CATARINA TROTSKY MANDELA MARX MAO MARTINS E JERÓNIMO MARX LENINE ESTALINE ENVER HOXHA CASTRO PUTIN DE SOUSA

e COM O ALTO PATROCINIO DE S. EXCELÊNCIA O SR. PRESIDENTE DA RÉPUBLICA, MARCELO MÃOZINHA NO PEITO REBELLO DE SOUSA. Foi inaugurado o Museu do Tacho.



O que é o MUSEU DO TACHO?


Introdução

O Museu do Tacho (MdT) é uma instituição museológica e cultural destinada a promover o conhecimento e a divulgação do património imaterial e material dos parlamentares e dos governantes portugueses, com particular destaque para as actividades relacionadas com a distribuição desmesurada pelo governo, de tachos.


Missão

O Museu do Tacho tem como missão estudar e preservar o património imaterial e material dos beneficiados, e, através dele, promover a sua divulgação, junto da juventude partidária dos respectivos partidos, privilegiando um conjunto de actividades de cariz pedagógico, com a finalidade de desenvolver em toda a comunidade parlamentar e governamental e aqueles que o visitam, uma consciência que valorize a história portuguesa.

Objectivos

São objectivos do Museu:

•    Estudar, preservar e ocultar o património imaterial e material dos beneficiados em todas as suas manifestações;

•    Manter sob guarda das autoridades adequadas, o espólio vantajoso do benefícios dados, quer imaterial e material dos beneficiados;

•    Orientar as jotinhas dos partidos (da geringonça) para a valorização e fruição do  espaço museológico, promovendo uma reflexão acrítica e lúdica, sobre a importância da salvaguarda e aumento do património pessoal;

•    Implementar e manter uma rede de interacção com diversas instituições, públicas e privadas, para complementar e obsequiar funcionários e apoiantes dos partidos da geringonça;

•    Estabelecer uma política de aquisição de espólios/acervos a partir de pesquisa, ofertas de empregos e outros benefícios e incentivo às doações, ao partido e em casos especiais de empréstimos de bancos falidos ao partido ou partidos do governo, junto a museus de temática similar, do  funcionalismo publico, e outros;

•    Promover acções de ocultamento, valorização e preservação do património imaterial e material dos beneficiados, em instituições e comunidades;

•    Incentivar a participação de instituições educativas e culturais, em projectos de tradição oral, publicações e pesquisas, a partir das suas histórias e raízes, estimulando a preservação das memórias e a continuidade das suas actividades, nos projectos do MdT;

•    Afirmar o MdT como um atractivo nos roteiros de visitação de estudo e de compreensão, principalmente em países irmãos, tais como a Venezuela, Guiné Equatorial, Somália, Coreia do Norte, Afeganistão, Iémen, Síria, Sudão, Brasil, México, etc., conectando as actividades com outras desenvolvidas pelas instituições susceptíveis de serem permeáveis, escolares, sociais e culturais locais;

•    Desincentivar a criação e produção de publicações e materiais didácticos para divulgação do espólio e actividades do MdT e para formação e consciencialização das novas gerações de jotinhas.


Espaços

O Museu do Tacho encontra-se instalado no  Palacete de São Bento é um edifício do último quartel do século XIX, que é, actualmente, a residência oficial do Primeiro-Ministro de Portugal.  Aqui se indicam, em imagens e ao ouvido, os dois principais meios de oferecer um tacho a amigos, inimigos e outros interessados em “amaciar”.


Serviços

Exposições e Eventos Temporários

Este organismo desenvolve periodicamente exposições e outros eventos de carácter temporário, como encontros, apresentações de curriculuns, colaborando por vezes com outras instituições e organismos.


Visitas e Serviços Educativos

A marcação de visitas de grupos deverá ser realizada com antecedência mínima de 10 dias úteis, através dos contactos aqui disponibilizados.

 

Contactos

Morada: R. Imprensa à Estrela 6, Sanaá

Telefone: +093 21 392 3500

E-mail:  gp.ps@ps.parlamento.kp

Horário: Verão: a combinar com: Marcos Ajuda Todos Os Que Puder Perestrello, Carlos Nero César, Ana Catarina Apoia Todos os Mendes, João Muito Pouco Ruivo, António Vieira Amigalhaço de Ofertas da Silva, Eduardo Trauliteiro Sem Educação Cabrita, Duarte Engraxador Cordeiro, ou alguém por eles nomeado, para o efeito.

                 Inverno: O mesmo