sexta-feira, 29 de março de 2019

Os 12 crimes do professor Joaquim Sousa

Quando a inveja e a mesquinhez estão de mãos dadas, em lugares de chefia, quer no ministério da educação, quer na direcção escolar, e ainda no sindicato dos professores, está criado o caldo, para que casos destes envergonhem as pessoas de bem.

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Em vez de multarem o professor da Madeira, podiam criar um prémio de 11.107 euros para quem conseguir repetir o que Joaquim Sousa fez no Curral das Freiras.

Sílvia Carvalho é professora de Filosofia do ensino secundário na Madeira e foi requisitada para ser a instrutora do processo disciplinar que o governo regional abriu contra Joaquim Sousa.

No continente, este é o homem conhecido por ser o professor que transformou uma das piores escolas do país numa das melhores e a seguir foi despromovido. Na Madeira, é conhecido por ser vaidoso, próximo do CDS e, agora, presidente da comissão política Aliança-Madeira. Respirei fundo e pus-me a ler os 388 artigos da “nota de culpa”. Deles, resultam 12 “ilícitos”.

Mas antes disso, duas notas. Uma sobre o fim da história. Joaquim Sousa foi castigado em duas coisas que doem: o prestígio e a carteira. Foi humilhado e não vai receber salário durante seis meses, um castigo de 11.107 euros. Outra para antecipar os comentários dos leitores: a professora Sílvia Carvalho limitou-se a cumprir a lei; “o mal deste país” é criticar as pessoas e não as políticas; fazer ataques pessoais é fugir à complexidade dos problemas estruturais; a intenção é prejudicar o PSD e ajudar a Aliança e assim ajudar o PS ou a esquerda em geral; os lisboetas adoram dizer mal da Madeira.

Podem cansar-se à vontade.

Lêem-se os 388 artigos e no fim está escrito: “A instrutora Sílvia Carvalho.” Foi a professora Sílvia Carvalho quem dirigiu e assinou o processo disciplinar. Ignorar isso é atirar a autoria para a “entidade” — abstracta e genérica — e tratar os funcionários como seres incapazes de tomar decisões. Não foi o que aconteceu. A professora Sílvia Carvalho tomou 388 decisões. É dos “comportamentos do trabalhador arguido” Joaquim Sousa, como repete, que extraiu os 12 “ilícitos” que aqui vou tentar traduzir para português inteligível.

1.

“Requisitar docentes para além das necessidades reais.” O “crime” foi pedir dois educadores de infância que a instrutora acha desnecessários. Esses educadores trabalharam um ano na Seara Velha, um lugar isolado dentro do isolado que é o Curral das Freiras — mais de meia hora a pé. Não sei se eram ou não necessários, mas pelo que percebi a escola tem hoje menos uma sala de pré-primária mas mantém o número de educadores, incluindo os dois do “crime”.

2.

“Pôr em funcionamento cursos para os quais não tinha autorização.” “Cursos” significa turmas. Aqui há dois “crimes”. O primeiro foi não enviar a lista dos nomes dos alunos de três turmas do Curso de Educação e Formação de Jovens já autorizadas. O outro foi enviar para o Funchal os papéis de abertura de uma turma de ensino para adultos em Setembro em vez de em Julho.

3.

“Não notificar formalmente os docentes dos seus horários semanais de trabalho e respectivas alterações.” “Crime”: distribuir os horários por email e na plataforma electrónica e não em papel. Isto não é uma piada.

4.

“Elaborar horários semanais de trabalho dos docentes com irregularidades.” “Crime”: na primeira semana de aulas do ano, os horários eram marcados de forma provisória, sabendo todos que, depois de falarem com alunos e conhecerem as turmas, far-se-ia o horário definitivo.

5.

“Não assegurar as aulas dos alunos em sede das matrizes curriculares.” “Matrizes curriculares” são conteúdos — a “matéria”. “Crime”: esperar pela resposta do Funchal antes de substituir uma professora que tinha partido o perónio.

6.

“Distribuir serviço docente do 1.º ciclo do ensino básico recorrente a uma docente sem habilitação profissional para tal.” “Crime”: dar aos alunos uma professora com excesso de qualificações.

7.

“Distribuir serviço docente em regime de coadjuvarão sem autorização da DRIG e da DRE.” “Crime”: 7 professores passaram duas horas por semana ao lado de alunos que precisavam de ajuda especial, como as crianças que tinham acabado de chegar da Venezuela, “traduzindo-lhes” as aulas em sussurro.

8.

“Distribuir serviço docente com conteúdos funcionais que extravasam o plasmado no artigo 38.º do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma da Madeira.” “Crime”: a escola criou os programas voluntários de Acolhimento e Prolongamento (45 minutos cada), para as crianças dos 4 meses aos dez anos não ficarem na rua à espera da abertura do portão. O mesmo à tarde. Na nota de culpa, a instrutora diz que os docentes tinham de “mudar fraldas”.

9.

“Estabelecer regras no regime de assiduidade sem enquadramento legal.” “Crime”: os professores não registaram na plataforma digital os sumários sobre as suas actividades extra-lectivas, só os da matéria dada.

10.

“Permitir a existência de horários dos alunos sem respeitar as matrizes curriculares.” “Crime”: a escola deu uma hora a menos de aulas de Matemática e Português do 5.º e 6.º ano e uma hora a mais de apoio a essas disciplinas.

11.

“Distribuir serviço docente com horas extraordinárias não respeitando as normais legais.” “Crime”: seis professores foram compensados em tempo de descanso. A lei prevê e todos concordaram.

12.

“Autorizar a anulação de matrícula de aluno dentro da escolaridade obrigatória.” “Crime”: aprovar a anulação da matrícula de um aluno que, tendo sido aceite em duas escolas, ficou na de Setúbal.

Em que cabeça é que isto vale 11.107 euros? Miguel Albuquerque bem podia agarrar nesse valor e criar um prémio para quem conseguir repetir o que o Joaquim Sousa fez no Curral das Freiras.

Jornal Publico,

Bárbara Reis

29 de Março de 2019

quinta-feira, 28 de março de 2019

O velho e o punk

Em pleno Baixo Alentejo, um velho Alentejano entra numa camineta da carrêra, senta-se num banco mesmo em frente a um punk de cabelos compridos, com uma crista de cabelo parecida com a de um galo e com madeixas verdes,  azuis, rosa e vermelhas.  O velho fica a olhar para o punk e o punk a observar o velho, ambos calados.  O punk vai ficando cada vez mais nervoso, até que não aguenta mais e pergunta ao velho:

- O que foi, amigo? Você nunca fez nada de diferente, quando era jovem? 

O velho responde: 

- Atão nã havera de fazeri? Quando era gaiato fui ao cú a uma galinha... e, quando te vi, pensei cá com os mê botões:

- "...Será que este cabrão é mê filho?!...

Fui ao gourmet e tramei-me

Gourmet? Nunca mais lá volto. Sabem que mais? Porque se quero comer aperitivos, como bolinhos de bacalhau e tremoços, que são muito mais saudáveis e baratos.


por Francisco Gouveia.


Sou um tipo moderno. E chique. Muito chique. Por isso não podia deixar de entrar num restaurante gourmet da moda. Vesti um Armani que comprei num saldo dos chineses, calcei umas sapatilhas com uma vírgula estampada que regateei ao ciganito da feira e esvaziei, pelo pescoço abaixo, meio frasco de Chanel dos marroquinos.

E foi assim, cheio de cagança, como mandam as regras do pelintra luso, que fui jantar ao tal restaurante, gerido por um “chef” reputado com categoria internacional e olímpica.

Tramei-me! Antes tivesse ido ao tasco da esquina aviar uma bifana! Confesso que já levei muita tanga, mas como esta, nunca!

Passei fome, fui gozado e fui roubado!

Sempre achei que cozinhar era uma ato de descontração, de partilha, de alegria, de afeto. E eu devia desconfiar, porque aqueles concursos gastronómicos das TVs transformaram uma atividade social sadia, numa agressão stressante, provocadora de lágrimas e depressões.

Já para não falar das parvoíces dos mestres cozinheiros da moda, cujos pratos estapafúrdios e minimalistas se apelidam agora de “criatividade culinária”.

Colocaram-me um prato à frente que é mais difícil de decifrar que as palavras cruzadas do JN ao domingo.

Um prato que exibe 5 cm2 de um pobre robalo que pereceu inutilmente só para lhe extraírem um pedacito do cachaço, meia batata engalanada com um pé de salsa, e 2 ervilhas a nadarem numa colher de chá de um azeitado molho de escabeche, bem disfarçado com um nome afrancesado que nem vem nos dicionários.

Para remate, três riscos de uma substância pastosa, estilo Miró, para preencher os restantes 90% do prato vazio.

E o bruto do português, habituado à sua travessa de cozido e ao panelão de feijoada, olha para aquilo com uma cara de parvo capaz de partir todos os espelhos lá de casa.

Esboça-se um sorriso amarelo, engole-se em seco, diz-se que está tudo ótimo ao empregado de mesa que mais parece uma melga à nossa volta, e enfiam-se dois Xanaxs quando nos metem a conta à frente. E, a muito custo, cala-se o berro de duas peixeiradas à nortenha que nos vai na alma.

Nunca mais lá volto. E sabem que mais?

Porque se quero comer aperitivos, como bolinhos de bacalhau e tremoços, que são muito mais saudáveis e baratos.

Porque para ver pintura abstrata, vou a uma exposição.

Porque detesto jantar uma comida onde toda a gente meteu as mãos.

Porque para ser roubado bastava ir à Autoridade Tributária, vulgo Finanças.

E, acima de tudo, porque desconfio de um cozinheiro que vive e trabalha com a ambição obsessiva de ser medalhado por uma companhia de pneus.

O cartel dos enfermeiros

https://www.jornaltornado.pt/o-cartel-dos-enfermeiros

O que tem sido apresentado à opinião pública como uma greve decretada pelos sindicatos de enfermeiros pode ter outras leituras. Os profissionais de enfermagem tanto podem ser vistos como assalariados ou como empresários.

É que alguns (muitos? poucos?) são assalariados no serviço público e simultaneamente são empresários no privado, uns a título individual, outros como patrões de empresas prestadoras de serviços, outros ainda são assalariados no público e no privado.

Assalariados no público e no privado, assalariados no público e patrões no privado, empresários de sociedades anónimas e a título individual, no entanto todos se apresentam perante a opinião pública acolhidos debaixo do manto protector e facilitador de obtenção de reconhecimento público de “sindicatos” e todos invocam as leis do trabalho para justificarem ao “patrão” Estado as suas reivindicações de trabalhadores, de explorados pelo capital! Já quanto ao sector privado, onde são patrões, não há revindicações! Claro.

Ora, estes “sindicatos” onde se reúnem os interesses de patrões e assalariados são típicos do corporativismo! Portugal foi um Estado corporativo até ao 25 de Abril de 74. A contrapartida da consensualização de interesses do trabalho e do capital, arbitrada pelo Estado, é a renúncia à greve ou a sua proibição.

Estas corporações, de facto, sob a máscara de sindicatos, aproveitam-se do estatuto da greve enquanto trabalhadores para obterem lucros patronais! É o dois em um. A Ivone Silva fez uma rábula numa revista em que jogava com esta ambiguidade: segundo as conveniências de umas vezes Olívia Patroa e de outra Olívia Costureira. É esta rábula hipócrita e oportunista que os sindicatos de enfermeiros estão a representar, mas uma rábula macabra, que joga com a saúde e a vida dos cidadãos.

No presente, esta organização corporativa de patrões e assalariados na área da prestação de serviços de enfermagem, que até tem um fundo de maneio de origem anónima (talvez os enfermeiros patrões saibam alguma coisa) apresenta-se ao maior patrão, o Estado (os contribuintes), aquele que paga a base fixa e segura dos seus rendimentos, com a máscara dolorosa dos assalariados reunidos em sindicato para defenderem as suas justas revindicações, constitucionalmente garantidas a trabalhadores por conta de outrem. Chama-se a isto mamar em todas as tetas. É legítimo? É merecedor de consideração e respeito?

Vistos como empresários, os enfermeiros estão a agir em cartel. Sendo que “Cartel é um acordo explícito ou implícito entre empresas para fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados, de actuação coordenada entre os participantes para aumentar os preços dos produtos, obtendo maiores lucros, em prejuízo do bem-estar do consumidor.”

A dita “greve” dos ditos “sindicatos” corresponde a esta definição de cartel. E até à de cambão: isto é, a acção concertada para obterem a compra de determinados bens ao preço definido entre os elementos do cambão.

Não me parece que um governo, independentemente da sua matriz ideológica, deva aceitar negócios propostos por um cartel ou por um grupo de empresários que acertaram entre si um cambão. E toda esta mistificação sob o manto nada diáfano de sindicatos e de sagrados direitos… Isto, mesmo sem considerar que se trata de um bem essencial, a saúde e a vida dos cidadãos. 

NB:- Os enfermeiros exigem: Reforma aos 57 anos e um aumento de 400€. Recorde-se que o vencimento na função pública é de: Mínimo de 1 201€ e máximo de 3 364€ e a carga horária 35 horas/semana.

         Os enfermeiros negociaram contracto de trabalho no privado (boletim do M. trabalho nº. 26/2018), com as seguintes condições: Vencimento mínimo 985€; vencimento máximo 1 720€ e carga horária 40 horas/semanais

Obviamente, nota-se uma diferença entre uma entidade (pública) e a outra (privada)! Pergunta-se: Porque será, num sector (público) onde têm melhor salário e menos carga horária promovem greve e no privado não?

Pedro Marques e os “jobs for the wives”

Foi a avalanche de notícias que obrigou Marcelo a emendar a mão, e dele espera-se o contrário disso: não que ande a reboque da opinião pública, mas que vigie e proteja a boa ética republicana.

Misoginia. Só faltava mesmo esta: a invocação do conceito de “misoginia” para explicar as críticas à sobredose familiar do governo de António Costa. Quem teve a estapafúrdia ideia de utilizar tal palavra neste contexto? Nada mais, nada menos, do que Pedro Marques, cabeça de lista do PS às eleições europeias. Aplicando uma velha técnica que os socialistas aprimoraram no tempo de José Sócrates, Pedro Marques tentou transformar o escrutínio mais elementar, e o saudável desejo de transparência, numa malvada manifestação (lembram-se?) de infâmia e de canalhice.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, quando questionado sobre se não via qualquer mal na abundância de relações familiares no governo, Pedro Marques respondeu: “Julgo que isso está muito longe de ser tema central da política. Conheço muitas das pessoas que foram objecto de acusações nessa matéria e que são competentes no trabalho que fazem. Se repararem, foram muitas mulheres que acabaram por ser acusadas de estar nos lugares por causa das relações familiares e isso dá uma certa misoginia a esse tipo de ataques. Isso entristece-me. Mas não é tema que queira valorizar porque isso faz mal à democracia. É táctica eleitoral.”

Táctica eleitoral. Maltratos à democracia. Misoginia. E tristeza. Coitadinho do PS. E coitadinho do Pedro Marques. Os seus colegas enchem o Conselho de Ministros com pais, filhos, maridos e mulheres; os gabinetes ministeriais enchem-se com amigos, familiares e esposas; e o coração de Pedro Marques sofre com tanta injustiça. Talvez valha a pena recordar a definição de misoginia: ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres. É preciso ter uma enorme cara de pau para sequer sugerir tal coisa – como se o sexo de quem está a ser favorecido interessasse minimamente para o caso. No último programa Governo Sombra, eu fiz uma piada acerca disto, dando os meus parabéns ao PS pela sua agenda progressista, já que o “jobs for the boys” do tempo de António Guterres se tinha transformado num muito mais moderno “jobs for the wives”. Pedro Marques deve ter levado a piada a sério, e aproveitou para despejar o pacote da demagogia barata em cima de um caso cada vez mais grave.

João Miguel Tavares – Publico, 28 de Março de 2019

quarta-feira, 27 de março de 2019

Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault

Description: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNfiSz5TrXFEjLfkIEnehubpwivC0tCmlhV1N0eqdK4twHYKtbqidQ94zjg86vXImdfghthwDDuQWM3oXgs6aWaD_kFtPeZKy34SS6SynnPAGm4jQwPTJDilE9tT8Znv2O18n8LMP2wzIs/s320/image001.jpg

Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault:

Colbert: - Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço...

Mazarino: - Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas, vai parar à prisão. Mas o Estado... é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem!

Colbert: - Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criámos todos os impostos imagináveis?

Mazarino: - Criando outros.

Colbert: - Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino: - Sim, é impossível.

Colbert: - E sobre os ricos?

Mazarino: - Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

Colbert: - Então como faremos?

Mazarino: - Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer, e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!