Os 12 crimes do professor Joaquim Sousa
Quando a inveja e a mesquinhez estão de mãos dadas, em lugares de chefia, quer no ministério da educação, quer na direcção escolar, e ainda no sindicato dos professores, está criado o caldo, para que casos destes envergonhem as pessoas de bem.
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Em vez de multarem o professor da Madeira, podiam criar um prémio de 11.107 euros para quem conseguir repetir o que Joaquim Sousa fez no Curral das Freiras.
Sílvia Carvalho é professora de Filosofia do ensino secundário na Madeira e foi requisitada para ser a instrutora do processo disciplinar que o governo regional abriu contra Joaquim Sousa.
No continente, este é o homem conhecido por ser o professor que transformou uma das piores escolas do país numa das melhores e a seguir foi despromovido. Na Madeira, é conhecido por ser vaidoso, próximo do CDS e, agora, presidente da comissão política Aliança-Madeira. Respirei fundo e pus-me a ler os 388 artigos da “nota de culpa”. Deles, resultam 12 “ilícitos”.
Mas antes disso, duas notas. Uma sobre o fim da história. Joaquim Sousa foi castigado em duas coisas que doem: o prestígio e a carteira. Foi humilhado e não vai receber salário durante seis meses, um castigo de 11.107 euros. Outra para antecipar os comentários dos leitores: a professora Sílvia Carvalho limitou-se a cumprir a lei; “o mal deste país” é criticar as pessoas e não as políticas; fazer ataques pessoais é fugir à complexidade dos problemas estruturais; a intenção é prejudicar o PSD e ajudar a Aliança e assim ajudar o PS ou a esquerda em geral; os lisboetas adoram dizer mal da Madeira.
Podem cansar-se à vontade.
Lêem-se os 388 artigos e no fim está escrito: “A instrutora Sílvia Carvalho.” Foi a professora Sílvia Carvalho quem dirigiu e assinou o processo disciplinar. Ignorar isso é atirar a autoria para a “entidade” — abstracta e genérica — e tratar os funcionários como seres incapazes de tomar decisões. Não foi o que aconteceu. A professora Sílvia Carvalho tomou 388 decisões. É dos “comportamentos do trabalhador arguido” Joaquim Sousa, como repete, que extraiu os 12 “ilícitos” que aqui vou tentar traduzir para português inteligível.
1.
“Requisitar docentes para além das necessidades reais.” O “crime” foi pedir dois educadores de infância que a instrutora acha desnecessários. Esses educadores trabalharam um ano na Seara Velha, um lugar isolado dentro do isolado que é o Curral das Freiras — mais de meia hora a pé. Não sei se eram ou não necessários, mas pelo que percebi a escola tem hoje menos uma sala de pré-primária mas mantém o número de educadores, incluindo os dois do “crime”.
2.
“Pôr em funcionamento cursos para os quais não tinha autorização.” “Cursos” significa turmas. Aqui há dois “crimes”. O primeiro foi não enviar a lista dos nomes dos alunos de três turmas do Curso de Educação e Formação de Jovens já autorizadas. O outro foi enviar para o Funchal os papéis de abertura de uma turma de ensino para adultos em Setembro em vez de em Julho.
3.
“Não notificar formalmente os docentes dos seus horários semanais de trabalho e respectivas alterações.” “Crime”: distribuir os horários por email e na plataforma electrónica e não em papel. Isto não é uma piada.
4.
“Elaborar horários semanais de trabalho dos docentes com irregularidades.” “Crime”: na primeira semana de aulas do ano, os horários eram marcados de forma provisória, sabendo todos que, depois de falarem com alunos e conhecerem as turmas, far-se-ia o horário definitivo.
5.
“Não assegurar as aulas dos alunos em sede das matrizes curriculares.” “Matrizes curriculares” são conteúdos — a “matéria”. “Crime”: esperar pela resposta do Funchal antes de substituir uma professora que tinha partido o perónio.
6.
“Distribuir serviço docente do 1.º ciclo do ensino básico recorrente a uma docente sem habilitação profissional para tal.” “Crime”: dar aos alunos uma professora com excesso de qualificações.
7.
“Distribuir serviço docente em regime de coadjuvarão sem autorização da DRIG e da DRE.” “Crime”: 7 professores passaram duas horas por semana ao lado de alunos que precisavam de ajuda especial, como as crianças que tinham acabado de chegar da Venezuela, “traduzindo-lhes” as aulas em sussurro.
8.
“Distribuir serviço docente com conteúdos funcionais que extravasam o plasmado no artigo 38.º do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma da Madeira.” “Crime”: a escola criou os programas voluntários de Acolhimento e Prolongamento (45 minutos cada), para as crianças dos 4 meses aos dez anos não ficarem na rua à espera da abertura do portão. O mesmo à tarde. Na nota de culpa, a instrutora diz que os docentes tinham de “mudar fraldas”.
9.
“Estabelecer regras no regime de assiduidade sem enquadramento legal.” “Crime”: os professores não registaram na plataforma digital os sumários sobre as suas actividades extra-lectivas, só os da matéria dada.
10.
“Permitir a existência de horários dos alunos sem respeitar as matrizes curriculares.” “Crime”: a escola deu uma hora a menos de aulas de Matemática e Português do 5.º e 6.º ano e uma hora a mais de apoio a essas disciplinas.
11.
“Distribuir serviço docente com horas extraordinárias não respeitando as normais legais.” “Crime”: seis professores foram compensados em tempo de descanso. A lei prevê e todos concordaram.
12.
“Autorizar a anulação de matrícula de aluno dentro da escolaridade obrigatória.” “Crime”: aprovar a anulação da matrícula de um aluno que, tendo sido aceite em duas escolas, ficou na de Setúbal.
Em que cabeça é que isto vale 11.107 euros? Miguel Albuquerque bem podia agarrar nesse valor e criar um prémio para quem conseguir repetir o que o Joaquim Sousa fez no Curral das Freiras.
Jornal Publico,
29 de Março de 2019
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