sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O magnifico leilão do PREC em Genebra. Parte 2

A 27 de Abril de 1976 a Christie’s levantava o martelo sobre uma venda portentosa: “Magnificent Silver” foi o título do leilão que dispersou pelo mundo algumas das melhores pratas em colecções portuguesas. Estavam, até então, com duas famílias cujos destinos baloiçaram com a Revolução: os Espíritos Santos e os Palmelas. Essa venda representou uma das grandes perdas do Portugal dos anos de instabilidade do PREC e da Reforma Agrária. Terceiro de sete textos.

https://www.publico.pt/2020/02/16/culturaipsilon/investigacao/magnifico-leilao-prec-genebra-1904003

https://www.pressreader.com/portugal/edicao-publico-lisboa-p2/20200216/281483573395331

O magnífico leilão do PREC em Genebra. Parte 1


O magnífico leilão do PREC em Genebra

A 27 de Abril de 1976 a Christie's levantava o martelo sobre uma venda portentosa: Magnificent Silver foi o título do leilão que dispersou pelo mundo algumas das melhores pratas em colecções portuguesas. Estavam, até então, com duas famílias cujos destinos baloiçaram com a Revolução: os Espírito Santo e os Palmela. Essa venda representou uma das grandes perdas do Portugal dos anos de instabilidade do PREC e da Reforma Agrária.

Vanessa Rato
9 de Fevereiro de 2020, 6:56
Parte 1: Os Espírito Santo
Foi "a venda do século", escreveu o Journal de Genève. "A maior venda de pratas alguma vez registada", explicava, por seu lado, a Gazette de Lausanne.
A 27 de Abril de 1976 a leiloeira Christie's levava à praça na capital financeira da Suíça um catálogo de excepção: 446 lotes de ourivesaria histórica, incluindo exemplares raros dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII. Eram crucifixos e outros objectos votivos ou de uso íntimo, mas sobretudo partes de baixelas assinadas por alguns dos mais importantes fabricantes europeus de sempre, nomes como Hans Petzolt, Martin-Guillaume Biennais, Paul Storr, e talvez o mais celebrado de entre os mestres da especialidade: Thomas Germain (1673-1748), o ourives de Luís XV de França, o Bem-Amado, e fornecedor de várias cortes europeias, incluindo a portuguesa — o homem da "divina mão", como escreveria Voltaire.
Lote após lote, em Genebra, foi o esplendor rocaille, o rococó na sua portentosa exuberância escultórica — o maior hedonismo decorativo na mais exemplar minúcia de execução.
Sob o olhar atento de coleccionadores de todo o mundo, foram desfilando candelabros com unicórnios e cavalos, grinaldas de flores, bagas e folhagens; terrinas com sereias, tritões, golfinhos e lagostins, faisões, leões, lebres e javalis; saleiros em forma de caranguejo e conchas; taças e jarras com bacantes, ninfas e bustos alados; gomis, refrescadores, travessas, cafeteiras, bacias e floreiras com cachos de uvas, folhas de parra e outros motivos vegetalistas.
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Pormenor de uma das terrinas Germain vendidas no leilão de 27 de Abril de 1976, em Genebra The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Àquela venda portentosa a Christie's dedicou um catálogo intitulado Magnificent Silver — o registo e descrição de um conjunto de 446 lotes, em que o último, o lote 446, ficou teatralmente reservado à que se imaginava (e confirmou) vir a ser a venda mais importante do leilão: um par de terrinas Germain completo, com as tampas e os seus présentoirs (travessas).
Datadas de 1744-1750, essas terrinas foram fotografadas a cores para o catálogo: a superfície finamente polida a reluzir contra o azul vibrante de um fundo monocromático, os pés e asas em voluta das protagonistas a simular movimento, as tampas ricamente decoradas com lagostas, caranguejos e camarões; no topo, uma elegante couve-flor rematando e servindo de pega.
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Capa do catálogo "Manificent Silver" da Christie's
No total, no conjunto da venda das suas quatro centenas de lotes, Magnificent Silver rendeu 7,2 milhões de francos suíços — um valor extraordinariamente alto para a época. Ao câmbio actual, seriam 6,7 milhões de euros, mas, na Europa de Setenta, era uma quantia enorme de dinheiro. Estabeleceu, na verdade, o recorde mundial para um leilão na especialidade de artes decorativas, praticamente duplicando os 4 milhões feitos pela mesma leiloeira no Outono anterior.
E deu-se ainda que, naquele 27 de Abril, um único lote rendeu um quarto do valor total arrecadado: o lote estrela da noite, constituído pelo par de terrinas Germain, foi arrematado por 1,8 milhões de francos — 1,6 milhões de euros pagos por um coleccionador privado que manteve as peças até 1982, altura em que as vendeu ao J. Paul Getty Museum de Los Angeles. Isto num momento histórico em que um milhão era coisa raríssima e tinha um poder aquisitivo muitas vezes superior ao actual, sobretudo em francos suíços, uma das moedas mais fortes da Europa, a par do marco alemão.
Com uma das mais importantes colecções de artes decorativas do mundo, o Getty Museum tem até hoje esse par de terrinas em exposição. Antes do leilão da Primavera de 1976 o conjunto estava na posse de uma das mais poderosas famílias do Portugal do Estado Novo: os Espírito Santo — uma das várias grandes famílias que cairiam temporariamente em desgraça sob a "muralha de aço" do "gonçalvismo" contra os impérios financeiros concentracionários e monopolistas do Portugal de então.
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O par de terrinas que se tornou a estrela do leilão da Christie's de 27 de Abril de 1976 The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Na verdade, dos 446 lotes da venda da Christie's daquela noite, é possível que cerca de um terço estivessem antes em Portugal. Peças não apenas de colecções portuguesas, mas muitas também de fabrico nacional.
Página após página do antigo catálogo, em dezenas sobre dezenas de lotes, sucedem-se as proveniências assinaladas como portuguesas. Várias surgem também dadas como "raras". O caso de um jarro com a sua bacia datado de 1700 e de fabrico nacional — segundo a leiloeira, tratava-se de uma rendição em prata de um outro exemplar em porcelana azul e branca vendido sete anos antes em Londres e no qual tinham sido identificadas as armas do fidalgo e administrador colonial D. Rodrigo da Costa (1657-1722), governador do Brasil e vice-rei da Índia. O caso ímpar também de um crucifixo processional com braços em flor-de-lis e base de decoração gótica — datado de cerca de 1450, terá acompanhado D. Afonso V e o príncipe D. João na batalha de Toro, em 1476.

Qual crise?

Na década de 1970, os dois grandes leilões anuais da Christie's de Genebra decorriam no Richemond, um dos hotéis históricos da cidade, cinco estrelas com vista para o lago Léman, o jardim dos Alpes e as encostas nevadas do Mont Blanc — o hotel de Clark Gable e Rita Hayworth, Kissinger e Aga Khan, Chagall, Sophia Loren, Chaplin, Disney e tantos outros. Na véspera, na primeira venda daquele leilão de Abril, dedicada a jóias, um comprador de Singapura arrematara por 700 mil francos suíços (654 mil euros) um par de brincos de diamantes, cada um com um cabochão pendente em forma de pêra. Um comprador canadiano licitara também até aos 600 mil (561 mil euros) um colar de esmeraldas e diamantes e um comprador inglês fora até aos 550 mil (514 mil euros) por uma tiara. Quantias altas, mas que, ainda assim, não prepararam os especialistas para os valores a que chegaria Magnificent Silver.
Escoar 446 lotes implicou um dia inteiro, de manhã à noite. Três sessões consecutivas, com início às 10h, às 15h e às 20h30. "Uma euforia", escreveu o Journal de Genève. "Das fabulosas colecções, cerca de 90% dos lotes foram vendidos", explicava este diário, que divulgou também, em traços largos, o perfil dos compradores: na sua maioria, coleccionadores e antiquários franceses, ingleses, alemães, americanos e suíços.
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Hotel Richemond, em Genebra
"Qual crise?", titulou por seu turno a Gazette de Lausanne. "Os magos governamentais que lobrigam de longe a saída do túnel devem ter razão", escrevia este jornal.
Após uma análise da diversidade de nacionalidades representadas no leilão, tanto em sala como ao telefone, chegava a conclusão: "A situação parece das mais florescentes. Por todo o lado."
Era uma generalização — abusiva, como todas. Não era assim, claro. Havia um motivo para tantos bens magníficos surgirem naquele momento no mercado: longe de uma economia florescente, Portugal vivia em meados da década de 1970 um dos seus maiores pânicos financeiros de sempre. Atravessava também o momento potencialmente mais violento da sua história metropolitana contemporânea. 
Em Lisboa, dois dias antes do leilão de Genebra, celebrara-se o segundo aniversário da Revolução. Ao mesmo tempo, tinham-se realizado as primeiras eleições para a Assembleia da República e entrara em vigor a Constituição da República Portuguesa, aprovada após um ano de trabalho da Assembleia Constituinte.
Deste ponto de vista, corria um dos momentos mais transformadores e exaltantes da história nacional. Mas, nos 24 meses decorridos entre Abril de 1974 e Abril de 1976, o país resvalara também várias vezes entre a possibilidade da bancarrota e a iminência de uma guerra civil. Especialmente entre Março e Novembro de 1975.
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A 11 de Março de 1975, com a repressão militar e popular da tentativa de golpe de Estado liderada pelo general António de Spínola, ficara lançado o período formal do chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC). Nove meses marcados por sucessivos golpes e contragolpes de tensão político-militar crescente com que tanto a esquerda como a direita portuguesas tentaram consolidar as suas posições no poder. Nove meses, também, em que as ruas se viram interrompidas por barricadas e percorridas por brigadas armadas de diferentes facções.

Quando o capitalismo se afundou

O gatilho fora activado um pouco antes, a 28 de Setembro de 1974. Cinco meses volvidos sobre a Revolução, a auto-intitulada "maioria silenciosa", composta pela direita portuguesa, tentava uma manifestação de apoio a Spínola, então presidente da Junta de Salvação Nacional, o primeiro Governo do pós-25 de Abril.
Ao longo de três semanas, conservadores, tanto civis como militares, reuniram-se em torno da ideia da necessidade de reforço ao precário poder do general face à consolidação da esquerda e à reestruturação do país sob os seus princípios. Mas essa "intentona" contra-revolucionária não aconteceria. Na véspera, o Copcon, o Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho, reagiu.
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Otelo Saraiva de Carvalho Giorgio Piredda/Sygma via Getty Images
A 27 de Setembro, em articulação com o ministro da Defesa Mário Firmino Miguel, Saraiva de Carvalho conseguiu a interdição da manifestação pelo MFA (Movimento das Forças Armadas). Lançou, ao mesmo tempo, uma operação que visava decapitar as elites civis da "reacção", ordenando a prisão de personalidades ligadas ao Estado Novo e à Legião Portuguesa.
Seria o contexto de recrudescimento de princípios que levaria a que, a 14 de Março de 1975, a nacionalização do sistema bancário português fosse oficializada e anunciada pelo Conselho da Revolução — o arranque de uma onda de nacionalizações e expropriações que se estenderia a todos os mais importantes e concentracionários sectores da actividade económica nacional, entre os quais o agrícola, com a Reforma Agrária, sob o lema "a terra a quem a trabalha".
O país estava "finalmente a caminho de criar uma sociedade nova", diria Mário Soares, o líder socialista, celebrando com gáudio aquele 14 de Março, "o dia em que o capitalismo se afundou".
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Ordem de captura do Copcon
"Um dia histórico para o nosso povo", disse na RTP o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves.
É que, do ponto de vista da esquerda, a única "maioria silenciosa" fora a constituída pelo povo português durante "a longa noite da ditadura". Os conservadores de direita eram a "minoria tenebrosa" — "os vampiros", os que "comiam tudo e não deixavam nada".
No Portugal de Setenta, o poder económico-financeiro concentrava-se na mão de menos de dez grupos que detinham 80% do mercado da banca, 55% do mercado dos seguros, de oito das dez maiores empresas industriais e as maiores extensões latifundiárias. Os Espírito Santo, os Champalimaud, os Mello e os Vinhas estavam entre os mais conhecidos nomes por detrás desses grupos.
Eles eram "os monopolistas", os que queriam "meter travão", "fazer marcha-atrás no caminho da revolução". Foi contra eles que naquele ano quente de 1975 o povo começou a cantar "força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço". E foi deles que começaram a sair os mandados de captura.
Os Espírito Santo ficaram na cela 6 de Caxias, a "sórdida, mas saudável mansão" que a dada altura chegou a ter 14 homens, segundo o diário de um dos reclusos.

Contrafortuna

"Se Espírito Santo e Mellos vão para a prisão, este facto mostra melhor do que muitos outros que está chegando a hora da liquidação dos grandes privilégios, a hora em que o povo português será senhor dos destinos de Portugal", diria então o líder comunista Álvaro Cunhal. No final do mês, Manuel Ricardo Espírito Santo já era dado em documentação do Governo como "antigo banqueiro".
Apontado em 1973 para a presidência do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Manuel Ricardo Espírito Santo tinha 42 anos quando foi preso. Assumira o lugar na banca em princípio destinado ao irmão mais velho, José Ribeiro do Espírito Santo e Silva, que morrera sete anos antes. É à linha hereditária deste último que o Getty Museum atribui a proveniência das duas terrinas Germain.
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José Ribeiro do Espírito Santo e Silva Eduardo Malta, 1933
Segundo informação do museu, em 1976, o par estaria na posse de Vera Lillian Morais Sarmento Choen Espírito Santo e Silva, a viúva de José. Depois de uma sucessão de cinco proprietários que terá começado no século XVIII com Dom Gaspar de Bragança, arcebispo de Braga.
As armas originais desse filho de D. João V acabariam por nunca ser apagadas das terrinas, mantendo-se até hoje. A elas juntar-se-iam depois as armas do aristocrata Robert John Carrington, o primeiro de quatro proprietários britânicos — até ao regresso das peças a colecções portuguesas em meados dos anos 1950 pela mão dos Espírito Santo.
Em 1955, a família formalizou a compra da Comporta e suas explorações agrícolas à inglesa Atlantic Company. As terrinas tinham trocado de mãos no ano anterior, em 1954. Duas décadas volvidas, à época do leilão de Genebra, Vera tinha 72 anos. Assistira à prisão dos homens da família, à nacionalização das empresas, ao congelamento das contas bancárias de todos e à expropriação das terras geradoras de rendimento, entre as quais os 11 mil hectares de arrozais da Herdade da Comporta. O destino da família contemplava repentinamente uma contrafortuna.
É de presumir que em algum momento esta matriarca Espírito Santo tenha arranjado forma de retirar de Portugal bens que pudessem garantir a sua subsistência imediata, a da sua única filha e netos.
Por então, as autoridades públicas portuguesas fiscalizavam duramente há já muito não só a saída ilegal de divisas e acções, mas também de bens móveis. Na sequência quase imediata da Revolução, o industrial e banqueiro António Champalimaud, dono da sétima maior fortuna da Europa, antecipara-se e levara para Londres a parte da sua colecção de arte que tinha Portugal, fazendo substituir nas paredes de casa os originais por cópias. Foi célebre o seu caso, a par com o de Jorge de Brito, o criador da Brisa, que, já preso, conseguiu fazer sair para Espanha algumas das mais importantes obras da sua colecção que, à época, teria cerca de três mil peças — para Espanha seguiram dois camiões com pratas e mobiliário antigo, 25 quadros de Vieira da Silva, três Magritte, pelo menos um Modigliani, vários serviços Companhia das Índias, um Vista Alegre…
Champalimaud e Jorge de Brito foram os protagonistas dos dois únicos casos de grandes movimentos de retirada de obras de arte do país a ganhar verdadeira visibilidade pública. À época, porém, muitas outras famílias tiraram os seus bens de Portugal pelas mais diversas vias, em alguns casos por entre os contentores, caixotes e sacas com bens comuns que todos os dias circulavam.
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António Champalimaud Alfredo Cunha/Lusa
Toneladas diárias em exportação e importação a multiplicar pelos aeroportos, portos, estações ferroviárias e fronteiras rodoviárias de todo o país. E por entre milhares de transportadores de carga e viajantes regulares carregados de bagagem ordinária.
Nas alfândegas, os funcionários não sabiam o que fazer. Sem formação específica, não tinham ferramentas para destrinçar o relevante do irrelevante. Dependendo do zelo e diligência de cada um, as bagagens acumulavam-se ou eram deixadas passar sem real escrutínio. E todos os dias especialistas em pintura, escultura, ourivesaria e mobiliário ligados a estruturas e instituições do Estado eram chamados às mais diversas alfândegas para pareceres de autorização ou interdição de saída de bens.
Exasperada, em Dezembro de 1975, numa carta que enviou ao director-geral dos Assuntos Culturais, a historiadora de arte Maria Alice Beaumont questionava "a validade da perda de tempo de um profissional especializado obrigado a deslocar-se para fazer peritagem de objectos" por entre aquela ventura casuística.
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Maria Alice Beaumont
Atenta ao seu meio, Beaumont sabia que as famílias com posses de real monta tinham formas eficazes de fazer sair bens do país — transportadoras e passadores, funcionários com relações em postos estratégicos, acesso, até, a avionetas. O questionamento da historiadora foi frontal: "Justifica-se que sejamos chamados a examinar bagagens que ridiculamente incluem trens de cozinha, vestuário usado e estampas vulgares reproduzindo obras de arte, quando peças de qualidade saem do país sem entrave? A que papel somos então chamados?"
Na sua carta, a especialista apontava especificamente um conjunto de "preciosas pratas Germain que existiam em Portugal" e tinham sido "há bem pouco tempo vendidas em Genève pela Christie's".
"Como e quando saíram de Portugal?", questionava a historiadora.

Tour de force

A avaliar pela data da missiva, Beaumont não poderia estar a referir-se às terrinas Espírito Santo, que chegariam ao mercado apenas quatro meses depois. Referir-se-ia mais provavelmente a um outro par Germain, também português, também hoje há muito no Getty Museum — um par decorado com cabeças e patas de javali, inicialmente adquirido em Paris em 1764 pelo então embaixador de Portugal em França, Martinho de Melo e Castro.
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Par de terrinas que pertenciam à família Melo e Castro The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Tal como o par Espírito Santo, o par Melo e Castro foi também vendido pela Christie's e também em Genebra, mas um pouco antes: em Novembro de 1975. Até esse leilão de Outono, as "Cabeça de Javali" não tinham saído nunca da linha de herdeiros Melo e Castro, chegando a Dom José Lobo de Almeida Melo e Castro, 11.º Conde de Galveias (1923-1998).
No Getty, Charissa Bremer-David, curadora de artes decorativas, mostra-se surpreendida com os contornos desta narrativa e o contexto de saída das peças de Portugal — um contexto sócio-político e económico que diz ser completamente desconhecido no museu, não constando dos seus materiais narrativos.
Já a história portuguesa mais recuada é-lhe familiar na ligação aos fabricantes de pratas Germain, nomeadamente no tocante às aquisições e ao gosto de Melo e Castro por sumptuária. Mais para trás, Bremer-David aponta também a importância de D. João V como grande mecenas do mercado do luxo do século XVIII, incluindo com a encomenda da baixela perdida no terramoto de Lisboa de 1755 e depois substituída por outra, já no reinado de D. José I e assinada pelo neto Germain — François-Thomas Germain.
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Thomas Germain (1673-1748), o ourives de Luís XV de França, o Bem-Amado, e fornecedor de várias cortes europeias, incluindo a portuguesa N. de Largillierre (1736)
Ao falir, este terceiro ourives Germain acabaria por deixar inconcluso o seu trabalho para a corte portuguesa, com um número de peças da quantidade total paga deixadas por executar — isso não impediu, porém, que o conjunto efectivamente entregue, repartido hoje entre o Palácio Nacional da Ajuda e o Museu Nacional e Arte Antiga, fosse estreado a 13 de Maio de 1777, na coroação de D. Maria I, continuando a influenciar o gosto nacional.
"Creio ter sido assim que algumas das melhores pratas Germain sobreviveram em Portugal, escapando à Guerra dos Sete anos e à Revolução Francesa, dois momentos em que muita prata foi derretida, perdendo-se para sempre", diz Bremer-David.
Questionada sobre o potencial valor das terrinas Espírito Santo no mercado actual, a curadora escusa-se a comentar, apontando a falta de referências. "Nenhumas terrinas comparáveis foram recentemente vendidas no mercado leiloeiro", justifica. 
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Pormenor das terrinas Germain que estavam na posse dos Espírito Santo The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Bremer-David refere apenas serem peças "magníficas" e aponta um indicador: em Agosto último, a Sotheby's fez circular o anúncio internacional de venda de uma outra terrina Germain da primeira metade do século XVIII (1740-42). Durante o tour de force de publicidade à obra, o nome do proprietário foi mantido em segredo. Já os valores foram amplamente divulgados: a Sotheby's anunciou uma expectativa de venda de três milhões de dólares (2,7 milhões de euros).
A peça em causa, uma de um par com pés em forma de casco e tampa redonda decoradas com lagostins e alcachofras, deveria ter ido à praça em Outubro último — não aconteceu. A leiloeira concluiu que não encontraria o interesse desejado e retirou o lote.
Contactada pelo P2, a Fundação Ricardo Espírito Santo (FRESS), precisamente especializada em artes decorativas, absteve-se de qualquer comentário sobre a narrativa familiar ou o valor estético ou patrimonial das terrinas em tempos na família, sublinhando apenas não terem nunca passado pelos acervos da FRESS nem pertencido à colecção privada do criador da fundação — só à do seu irmão.

Os livros Os Dias Loucos do PREC, de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, e O Ataque aos Milionários, de Pedro Jorge Castro, estiveram entre as mais importantes fontes documentais para a contextualização da época neste artigo, para além da consulta directa de periódicos nacionais e internacionais.

No próximo domingo "Parte 2: Os Palmela"

Vanessa Rato é jornalista e investigadora em arte e cultura do CHAM – Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa

Nos anos de instabilidade que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, milhares de obras de arte desapareceram de museus, igrejas, hotéis, gabinetes públicos e colecções particulares portuguesas, atravessando fronteiras numa vertigem de esvaziamento até hoje por estudar e, em grande medida, mantida em segredo. Para a série "Portugal em Fuga", vencedora da I Bolsa de Investigação Jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian, Vanessa Rato encontrou o rasto de sete obras e das narrativas, às vezes desesperadas, que ditaram os seus destinos — o retrato de um país em mudança.

Registo de interesses - Deputados

Pesquisar os “nossos” deputados e governantes.

https://www.parlamento.pt/RegistoInteresses/Paginas/RegistoInteressesDeputados.aspx

11 membros do Governo com registos de interesses em atraso (7 deputados obrigados a deixar cargos).


Os registos de interesses de 11 membros do Governo – 5 ministros e 6 secretários de Estado – não estão ainda disponíveis no site do Parlamento, cinco meses depois da tomada de posse do Governo. Este atraso deve-se, essencialmente, a “problemas de preenchimento”. Enquanto isso, sete deputados foram forçados a deixar cargos em empresas devido a incompatibilidades.

Os deputados Pedro Cegonho, Alexandre Quintanilha e Joaquim Barreto (PS), Ofélia Ramos, Lina Lopes e Lima Costa (PSD) e João Almeida (CDS) tiveram que deixar lugares em empresas ou entidades pelo facto de esses cargos serem incompatíveis com os seus postos na Assembleia da República, como reporta o Correio da Manhã (CM).

O jornal apurou que o Grupo de Trabalho que está a analisar os registos de interesses pediu “correcções” nos documentos a 209 dos 300 deputados e membros do Governo que estão obrigados a entregá-los.

Entretanto, há 11 elementos do Executivo cujos registos de interesses ainda não estão acessíveis para consulta online, no site do Parlamento. Estão em causa os ministros Eduardo Cabrita (Administração Interna), Nelson de Souza (Planeamento), Manuel Heitor (Ensino Superior), Pedro Nuno Santos (Infra-estruturas e Habitação) e Maria do Céu Albuquerque (Agricultura), bem como os secretários de Estado Teresa Ribeiro (Negócios Estrangeiros e Cooperação), Eurico Brilhante Dias (Internacionalização), Ana Sofia Antunes (Inclusão de Pessoas com Deficiência), João Catarino (Valorização do Interior), Alberto Souto de Miranda (Adjunto e das Comunicações) e Nuno Russo (Agricultura e Desenvolvimento Rural).

O secretário-geral da Assembleia da República, Albino de Azevedo Soares, explica o atraso com “pedidos de esclarecimento ou de aditamento de documentação feitos pelo Grupo de Trabalho constituído no âmbito da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados”, como refere ao CM.

O presidente do Grupo de Trabalho, Pedro Delgado Alves, acrescenta no mesmo jornal que não estão em causa situações de incompatibilidade, mas que o atraso “tem muito que ver com situações de natureza prática e até tecnológica, como problemas de preenchimento”.

Pedro Delgado Alves garante ainda que os registos já deram todos entrada no Parlamento para serem alvo de nova análise, antes da sua publicação online.

Entretanto, também os registos de nove deputados não podem ainda ser consultados. Estão em causa Alexandre Quintanilha, António Gameiro, Carlos Pereira, Hugo Pires, Joaquim Barreto, Paulo Pisco e Sónia Fertuzinhos, do PS, João Gonçalves Pereira, do CDS, e Joacine Katar Moreira, Ex-deputada do Livre.

https://zap.aeiou.pt/governo-registos-interesses-atraso-310429

Coronavirus COVID-19 Global Cases by Johns Hopkins CSSE.

Mapa global muito interessante e esclarecedor.

A Universidade John Hopkins, situada em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland, criou um mapa interativo que atualiza os números de casos do novo coronavírus por país, as mortes causadas e ainda os pacientes recuperados.

O mapa, que exibe os terrotórios mais afetados pelo surto e a sua evolução, tem como fonte dados da Organização Mundial da Saúde, os Centros para Prevenção e Controlo de Doenças dos Estados Unidos e da China, bem como a Comissão Nacional de Saúde da China.

https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html?fbclid=IwAR2pADvHxqfFZSh2-jseBt0_6JH1dIyv7NUfPkZfUj9HOOjx-gzH6WNrR3U#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O Futebol e a Monitorização do Sono

“Estamos a transformar o jogador num autómato, num robô”

Jerry Silva Jurista, docente e autor do livro O Futebol e a Monitorização do Sono, reflecte sobre os atropelos aos direitos dos atletas, sobre os limites da acção  dos clubes e sobre a protecção de dados.

“A monitorização por via instrumental permite, inclusive, saber se eu durmo sozinho ou acompanhado”

“O jogador profissional não está numa posição que lhe permita dizer ‘não’. A relação (…) é desequilibrada”

“A ciência, tal como o amor, é um meio para alcançar a transcendência”

O novo livro de  Ann Druyan chega  a 31 de Março  às livrarias portuguesas, editado pela Gradiva, ao mesmo tempo que vai sendo publicado pelo mundo inteiro. Baseando-se na nova série televisiva Cosmos — Mundos Possíveis, de que Ann Druyan é também criadora, o livro narra a história do Universo desde o  Big Bang passando pela transformação da matéria em vida.

Bruxelas avisa Boris Johnson de que o acordo de saída tem de ser cumprido.

Ministros dos 27 aprovam novo mandato para o negociador Michel Barnier, e fixam os termos para a relação futura com Londres.

“As negociações da desejável parceria futura têm como premissa a efectiva implementação  do acordo de saída e dos seus três protocolos” Anexo à autorização para as negociações com o Reino Unido

Servir Loures com o comboio é melhor do que com o metro, e “traz brinde”!

1. O Parlamento bloqueou há dias o projecto de construção da linha circular do Metropolitano de Lisboa (ML), num aparente atropelo às competências executivas do Governo. A motivação para esta acção do Parlamento vem do desejo de promover outras opções para a rede do ML, e nomeadamente a expansão da linha amarela para Loures, conforme desejo repetidamente expresso pela autarquia. É normal que a autarquia, e em particular o seu presidente, queiram ter o metro: isso dá estatuto e valoriza a marca. Mas reconhecer a necessidade de um bom serviço de transporte pesado no corredor de Loures é uma coisa, e optar pelo metro sem comparar cuidadosamente essa com outras opções é outra. As decisões em matéria de infra-estruturas de transporte pesado — praticamente irreversíveis — devem ser sempre tomadas com base em avaliações num contexto estratégico, a nível da rede, e não troço a troço (como aliás o Governo tinha feito para justificar a opção pela linha circular, ficando assim mais exposto às críticas contra a opção tomada).

2. Além da alta capacidade dos veículos, o metro é um sistema que tem como características principais uma elevada frequência de serviço ao longo de todo o dia, estações relativamente próximas (raramente mais de 1km entre estações) e serviços que param sempre em todas as estações — do que decorre que o material circulante precisa de ter boa capacidade de aceleração, mas não grande velocidade de ponta. É por isso que o metro serve bem espaços territoriais de forte densidade de procura e diversidade funcional ao longo de todo o percurso, condições essenciais para justificar a elevada capacidade e frequência de serviço ao longo de todo o dia.

A expansão do metro para Odivelas foi um erro, precisamente porque não estão reunidas estas condições. O resultado está à vista: fora das horas de ponta só metade dos comboios vão até Odivelas, com a outra metade a ter o seu terminus no Campo Grande. Ao prolongar a linha para Loures, esse erro seria agravado, provocando maior quantidade de material circulante a ser usado em condições muito ineficientes. E depois de chegar a Loures, para onde se reclamaria a próxima extensão do Metro? Com uma linha ferroviária suburbana servem-se centros populacionais descontínuos, com distâncias de alguns quilómetros entre estações consecutivas, e com frequências de serviço que variam mais ao longo do dia. Como a extensão das linhas é maior, há possibilidade de realizar serviços mais rápidos, parando só em algumas estações. Por tudo isto, a ênfase para o material circulante é mais na velocidade e menos na aceleração. Servir antenas longas com o metro é, além disso, pior para os clientes do que servi-los com o comboio suburbano, já que com o Metro têm tempos de percurso agravados por causa do maior número de paragens e das menores velocidades de ponta.

3. Dada a urgência, uma linha suburbana para Loures poderia, numa primeira fase, dar ligação à rede do ML na estação do Senhor Roubado, onde parece haver muito mais espaço para essa interface que junto à estação de Odivelas. Daí para norte, há condições para servir Santo António dos Cavaleiros (a cerca de 3,5km) e Loures (mais cerca de 2km). Mas não se faz uma linha ferroviária suburbana com apenas 5,5km, e esta deveria ser prolongada, quer para noroeste, em ligação à Linha do Oeste, quer para sul, em busca da maior conectividade com a rede de Lisboa. A extensão deste troço de Loures até à Linha do Oeste é o “brinde” a que o título alude, na medida em que permite, por um lado, desencravar aquela linha histórica tão maltratada e que mal sobrevive, estrangulada pelo seu desaguar na Linha de Sintra, e por outro dar escala apropriada à ligação entre Lisboa e Loures. Haveria assim que seguir de Loures para noroeste e amarrar à Linha do Oeste num ponto próximo da Malveira, possivelmente com uma ou duas estações intermédias. A forte rugosidade do terreno impõe estudo cuidadoso do traçado e certamente também a construção de parte desse traçado em túnel, mas teríamos uma extensão adicional de cerca de 14km entre Loures e a Linha do Oeste. Estão em curso os projectos de modernização, incluindo electrificação, da Linha do Oeste a sul das Caldas da Rainha. Para além dos benefícios desses projectos, só com esta reorientação da Linha do Oeste para o eixo de Loures seria possível reduzir em mais de 20 minutos o tempo de percurso entre Caldas, Torres Vedras ou Malveira e o primeiro contacto com a rede do ML e, mais importante ainda, um aumento muito significativo do número de serviços nessa ligação, hoje reduzida a dois por sentido na ponta da manhã e outros dois na ponta da tarde. Obter-se-ia assim uma mudança radical do quadro da acessibilidade metropolitana no corredor de Loures e na região do Oeste, corrigindo o reconhecido Défice de cobertura deste corredor.

4. É consensual que qualquer linha ferroviária suburbana deve ter forte conectividade com a rede de distribuição urbana, o que no caso de Lisboa quer dizer várias linhas da rede do ML e a linha de cintura ferroviária. A partir do Senhor Roubado para sul, duas opções merecem ser estudadas: — uma em que a linha vinda de Loures embebe directamente na linha de Cintura, para o que as melhores condições parecem existir na zona de Marvila (sendo a distribuição urbana feita sobre aquela linha, que tem várias ligações com a rede do ML, mas que está próxima da saturação). Neste percurso, poderia dar ligação ao ML em Alvalade (linha verde/circular) e Belavista (linha vermelha) e ainda ligar à falada nova travessia ferroviária do Tejo, a caminho do Barreiro; — e outra, mais ousada mas mais conexa, em que a linha de Loures atravessaria a cidade para amarrar à travessia do Tejo na Ponte 25 de Abril, próximo da estação do Alvito (na encosta de Monsanto), com duas ou três estações na cidade que assegurariam serviço directo a fortes geradores de procura e a desejada conectividade com a rede do ML e a linha de cintura. Opções interessantes nesse caminho parecem ser a zona da Cidade Universitária (linha amarela/ circular), Sete Rios/Jardim Zoológico (linha de cintura e linha azul) e a zona de Amoreiras/Campo de Ourique (ligação à linha vermelha que para lá está apontada, mas com dificuldades acrescidas devidas à diferença de cotas). Qualquer destas opções implica a construção de 8 a 8,5km de via nova. As vantagens da exploração ferroviária suburbana em linhas diametrais (desde que com cargas similares) relativamente às radiais são conhecidas e exploradas desde o século XIX no centro da Europa e na AML desde a criação dos serviços Sintra-Azambuja há cerca de vinte anos. A criação de uma linha com serviços diametrais entre Torres Vedras e Setúbal, com os serviços mais curtos que se vierem a mostrar adequados, seria certamente um ganho muito forte para a coerência estrutural da nossa rede metropolitana de transporte colectivo pesado e para o serviço que esta presta à região. Assim, é de facto urgente dotar o município de Loures com serviço ferroviário, mas é claramente preferível — quer para a região no seu todo, quer para os próprios munícipes de Loures — fazê-lo com uma nova linha suburbana do que a extensão da linha do metro até lá.

José Manuel Viegas

Professor catedrático (aposentado) do Instituto Superior Técnico

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Banco das sementes

Localizado numa ilha norueguesa – a  "caixa-forte" no Árctico -  o mais importante banco de sementes no mundo continua a receber milhares de variedades, de sementes, incluindo arroz e milho. Com mudanças climáticas, aumenta o stock de espécies armazenadas no local.


Fundado em 2008, o Svalbard Global Seed Vault foi pensado para armazenar o maior número possível de sementes de plantas consumidas por humanos.

Na caixa-forte de sementes mais importante do mundo, uma espécie de arca de Noé botânica, o maior carregamento já feito de uma única vez conta também com sementes brasileiras. Criado para armazenar cópias de segurança de milhares de tipos de alimentos, o Svalbard Global Seed Vault, construído em território árctico da Noruega, recebe 3.438 variedades de sementes colectadas no Brasil nesta terça-feira (25/02).

A colecção reúne sementes recolhidas ao longo dos últimos 50 anos por agricultores brasileiros, embaladas em pacotes especiais e distribuídas em 11 caixas. São variedades de arroz, milho, pimenta, cebola, abóbora, pepino, melão e melancia acondicionadas para resistir ao tempo e manter por séculos a capacidade de germinar.

"É um património do nosso povo", comenta a bióloga Rosa Lia Barbieri, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa). O órgão está na lista das 36 organizações que fazem parte desse novo depósito de amostras na Noruega.

"São sementes tradicionais cultivadas por agricultores e colectadas ao longo das últimas décadas. Algumas delas não são mais cultivadas, mas foram há 50 anos, por exemplo, e temos tudo isso guardado no nosso banco", afirma a bióloga.

Numa das ilhas do remoto arquipélago de Svalbard, que dá nome ao banco de sementes, Barbieri acompanha a entrega. "Os bancos funcionam como uma estratégia para segurança alimentar e até segurança nacional", diz.

Em caso de catástrofes que arrasem plantações ou de doenças novas, a variação genética guardada pode ser usada como fonte na busca por alternativas, pontua a pesquisadora sobre a relevância do trabalho.

Com a nova remessa e um reforço técnico recente em suas estruturas, o banco global de Svalbard ultrapassa a marca de um milhão de variedades guardadas. Para os administradores, o número recorde de contribuições recebidas em 2020 reflecte duas grandes preocupações: temores sobre o impacto das mudanças climáticas no cultivo de alimentos e a perda da biodiversidade.

"Ter uma diversidade e fontes genéticas de plantas à disposição para pesquisa e melhoramento genético é essencial para o desenvolvimento de novas variedades que serão necessárias para o abastecimento futuro de alimentos num clima que está mudando", detalha à DW Brasil Åsmund Asdal, coordenador do Svalbard Global Seed Vault.

Resistência à prova

Fundada em Fevereiro de 2008, a estrutura, mantida pelo governo da Noruega em parceria com a organização internacional Crop Trust, foi pensada para armazenar o maior número possível de sementes de plantas consumidas por humanos.

Amostras de praticamente todos os países do globo são guardadas a uma temperatura de -18 ºC. Do lado de fora, rochas e solo congelados permanentemente, o permafrost, garantem as condições ideais para que as sementes não percam suas propriedades – mesmo se houver falha de energia no prédio.

Amostras de praticamente todos os países do globo são guardadas Svalbard Global Seed Vault, a uma temperatura de -18 ºC

A primeira remessa de amostras brasileiras – milho, arroz e feijão –chegou ao forte norueguês em 2012. Desta vez, 125 quilos de sementes serão depositadas. Das 3.438 variedades recebidas, 3.037 são só de arroz.

"Poderemos recorrer a elas no caso de alguma catástrofe climática, como seca, enchente, destruírem plantações", cita Barbieri. "Estamos passando por um momento em que o clima está mudando", argumenta.

O que está armazenado no Svalbard Global Seed Vault é praticamente uma segunda cópia de segurança dos mais de 1.700 bancos de sementes espalhados pelo mundo. No Brasil, além do sistema da Embrapa, organizações estaduais de pesquisa, universidades, associações de agricultores, bancos comunitários e ONGs mantêm colecções.

"As cópias que conservamos são importantes caso alguns desses bancos, por alguma razão, perca suas sementes", explica Asdal.

De volta às origens

O Svalbard Global Seed Vault já foi accionado por motivo de guerra. O pedido veio do Centro Internacional para Pesquisa em Agricultura em Áreas Secas (Icarda, na sigla em inglês), que em meio ao conflito civil na Síria, precisou mover sua sede de Aleppo para o Líbano e o Marrocos.

"Eles usaram as sementes que mantínhamos para criar um novo banco genético funcional", detalha Åsmund Asdal.

Já em território brasileiro, as colecções mantidas pela Embrapa ajudaram populações a recuperar espécies de plantas perdidas com o avanço da monocultura e até com o massacre de populações indígenas.

Na década de 1990, em busca de variedades de milho usadas no passado pelo povo krahô, o indigenista Fernando Schiavini, da Fundação Nacional do Índio (Funai), e caciques recorreram à Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. As colecções mantidas pelos pesquisadores eram fruto de colectas feitas em expedições durante os anos de 1978 e 1979.

Flávia Londres, da Articulação Nacional de Agro-ecologia (ANA) acompanhou o início da parceria. "Ela foi muito importante para o resgate do milho tradicional para os krahô e não só isso, mas também de outras espécies que já tinham sido perdidas", comenta.

https://www.dw.com/pt-br/brasil-envia-sementes-tradicionais-para-caixa-forte-no-ártico/a-52520792

A alteração climática já está afectar a Europa.

Os principais perigos climáticos já estão a afectar a Europa e continuarão a fazê-lo cada vez mais, tal como é revelado numa série de mapas publicados pela Agência Europeia do Ambiente (AEA).

Publicado em 25 Fevereiro 2020 às 23:05

  • Emanuela Barbiroglio

    • Os impactos, calculados através de diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa e modelos climáticos, só podem ser reduzidos mantendo o aumento da temperatura global bem abaixo de 2 °C, como exige o Acordo de Paris.

      “A alteração climática já está a afectar-nos e será cada vez mais grave no futuro, mesmo que os esforços a nível global para reduzir as emissões sejam eficazes”, revela a AEA. “No entanto, o impacto será muito menos severo se os esforços para reduzir as emissões forem bem-sucedidos. […] Qualquer cenário com emissões mais elevadas levaria a uma alteração climática consideravelmente maior.”

      Os mapas da AEA mostram, nomeadamente, cenários baseados em secas progressivas, insegurança alimentar, chuvas fortes, incêndios florestais e aumento do nível do mar, todos eles interligados.

      Grande parte da Europa experienciou mais secas, meteorológicas e hidrológicas, ao longo do século XXI. O maior aumento previsto está projectado para o sul da Europa, “onde a concorrência entre os utilizadores de água, como a agricultura, as indústrias, o turismo e os agregados, vai aumentar” e causará perdas significantes para a agricultura.

      Na verdade, entre outras, esta questão está ligada às alterações no sector da agricultura. Embora a segurança alimentar não esteja actualmente em risco, “ os impactos de cascata da alteração climática fora da Europa podem afectar ainda mais o rendimento agrícola e os níveis de preços na Europa através de alterações nos padrões comerciais”, explica a AEA. Uma vez que os rendimentos dos agricultores são cada vez mais influenciados pelas políticas em vigor, estes podem proteger-se, por exemplo, ao adaptar as variedades cultivadas, alterar os períodos de sementeira e ao melhorar a irrigação.

      Por outro lado, a maior intensidade da chuva em grande parte da Europa levaria, por sua vez, ao aumento do risco de cheias. A Europa Central e Oriental poderão ver aumentos de chuva intensa de até 35%, seguida pelo sul da Europa com aumentos de até 25%.

      Relativamente aos incêndios florestais, sem precedentes em vários países europeus, o perigo coincidiu com secas e ondas de calor recorde em 2017 e 2018. O aumento previsto no sul da Europa é de cerca de 30 a 40% mesmo num cenário de baixas emissões, mas a prevenção melhorada e a supressão eficaz dos incêndios podem ajudar.

      Por fim, todas as regiões costeiras na Europa verificaram um aumento no nível absoluto do mar e a maioria das regiões verificou-o no nível do mar relativo à terra. O relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre o oceano e a criosfera prevê um aumento no nível do mar entre 0,29 m e 1,10 m ao longo do século XXI. As áreas em risco incluem as zonas costeiras da Bélgica, dos Países Baixos, do noroeste da Alemanha, da Dinamarca, do sul da Suécia, do sul e oeste da França e do nordeste da Itália em Veneza.

      De um modo geral, o aquecimento global está a levar a impactos adversos em todos os aspectos da sociedade europeia. É por este motivo que têm de ser priorizadas medidas de adaptação. “A minimização dos riscos da alteração climática global requer acções específicas para a adaptação aos impactos da alteração climática, bem como acções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, sugere a AEA.

      Continuar e ver infografias em: https://voxeurop.eu/pt-pt/a-alteracao-climatica-ja-esta-afetar-a-europa/

    quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

    Portugal está falido, avisam economistas alemães.

    Todos vemos para onde este governo, e o anterior, nos levam, e por ignorância ou um problema de formação defeituosa existem muitos a concordar com a trajectória, esquecendo-se ou negligenciando, que da próxima vez já não existe nada para vender, o desemprego vai ser brutal, as falências das empresas serão catastróficas e os bancos não aguentarão!

    A quem todos aqueles apoiantes do facilitismo recorrerão nessa altura?

    Estes são os principais rostos do lado negro da bancarrota, para onde leva os portugueses.

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    Este é o rosto do padrinho desta desgraça, que nos vai bater á porta!

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    Da Alemanha chegam sérios avisos a Portugal e críticas ao governo de António Costa pela voz de dois reputados economistas. Um defende mesmo que o país está “falido” e que a saída do Euro pode ser a única alternativa de salvação.

    Esta opinião é defendida pelo Ex-economista chefe do Deutsche Bank, Thomas Mayer, que, em declarações divulgadas pela Rádio Renascença, constata que é preciso chamar os “bois pelos nomes” e assumir que Portugal está “falido”.

    Para o comprovar, Mayer nota que “basta olhar para a dívida pública portuguesa, superior a 130% do Produto Interno Bruto (PIB)”, conforme realça a Renascença.

    Este economista nota ainda que se não fosse o rating da agência financeira DBRS, o país estaria em sérios apuros. “Assim que a DBRS reduzir o rating, Portugal deixa de se conseguir financiar no mercado”, alerta Mayer que diz também, que o crescimento de 1,5% previsto pelo governo, para 2017, é demasiado baixo.

    Mayer critica ainda o fim das reformas iniciadas pelo governo de Passos Coelho, alinhando pelo discurso do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, e defende que Portugal devia adoptar medidas como “mais horas de trabalho, mercados de trabalho mais flexíveis, talvez uma taxa de desemprego mais alta temporariamente”.

    Caso contrário, “resta uma única alternativa, sair do Euro”, salienta Mayer.

    Para o Ex-consultor do Boston Consulting Group, Daniel Stelter, também citado pela Renascença, o mais “racional seria sentarmo-nos, reestruturar a dívida, fazer reformas”. “E olharmo-nos olhos nos olhos e perguntar: quem consegue aguentar o espartilho do Euro e quem não consegue”, conclui.

    segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

    Cinco maneiras de alimentar o mundo em 2050

    A agricultura está enfrentando um desafio sem precedentes – aqui estão cinco coisas que precisamos mudar.


    A nossa população global continua a subir, algumas estimativas sugerem que poderia alcançar impressionantes 10 bilhões de pessoas até 2050. Para alimentar tantas pessoas, precisaremos produzir quantidades recordes de alimentos.

    A escala do desafio é épica. Com apenas 30 estações de plantio e colheita restantes antes que a população pudesse atingir esse valor de 10 bilhões, é claro que a agricultura como sabemos tem que mudar, se quisermos ter alguma esperança de alimentar o planeta.

    Nos últimos seis meses viajei por toda a Europa falando com cientistas e engenheiros pioneiros, líderes de pensamento globais, varejistas experientes e, claro, agricultores experientes e resilientes, para a bbc World News e a bbc Future series, Follow the Food. O objectivo é examinar um caminhão-carga de problemas em torno do fornecimento de alimentos e encontrar algumas soluções potenciais para o nosso futuro.

    Essa tão necessária transformação – não apenas da agricultura, mas de toda a nossa cadeia de suprimentos alimentares – já está em andamento. Aqui estão cinco soluções que podem nos ajudar a nos preparar para alimentar os 10 bilhões.


    Criando agricultores robôs

    Antes de gritar na sua tela sobre robôs tomando nossos empregos, me esqueça. Muitos agricultores dizem que o tempo no campo, sentaram-se em um tractor por horas, não é apenas repetitivo e chato, mas rouba-os do tempo que poderiam estar gastando em outros trabalhos-chave que precisam fazer para gerenciar seus negócios.

    A Small Robot Company criou três pequenos robôs: Tom, Dick e Harry. Tom tira imagens geografadas de plantas na fiel, que são enviadas de volta para análise. Isso leva Dick a se aventurar a pulverizar – com precisão – culturas individuais, eliminando a necessidade de campos de pulverização de cobertores e evitando o escoamento poluente desnecessário e economizando recursos. Harry é o robô de plantio, completo com uma broca robótica. Juntos, eles realizam as tarefas monótonas convencionalmente feitas por um humano – com maior precisão e menos desperdício.


    Preservando sujeira preciosa

    Uma das razões pelas quais pequenos robôs móveis podem ser boas notícias para a agricultura é que eles podem substituir muito do trabalho feito por grandes tractores convencionais. Tractores comuns são pesados. Quando eles rolam pelo campo eles compactam o solo. Isso esmaga as lacunas dentro, reduzindo o tamanho dos poros que seguram ar e água. Essa compactação afecta significativamente a capacidade do solo de segurar a água e, portanto, a capacidade de uma cultura de levar isso para cima, juntamente com os nutrientes.

    Usar robôs menores e mais leves para fazer os trabalhos actualmente realizados por tractores poderia ajudar enormemente a reduzir essas questões. Agora, um pequeno robô não pode puxar máquinas grandes e pesadas como um leme ou cultivador. Mas eles não estão procurando simplesmente repetir métodos tradicionais de agricultura.

    Wonky veg


    Dando ao desperdício uma segunda chance

    Um dos fatos mais chocantes que aprendi é a quantidade de comida boa e comestível que é desperdiçada. De acordo com as Nações Unidas, "Estima-se que um terço de todos os alimentos produzidos acaba apodrecendo nas lixeiras de consumidores e varejistas, ou estragando devido às más práticas de transporte e colheita".

    Um país com grande problema de desperdício são os Países Baixos – o segundo maior exportador de produtos agrícolas (em valor) depois dos EUA. A grande escala do fluxo de alimentos através dos Países Baixos significa que o desperdício é um grande problema. O governo holandês prometeu tornar-se o primeiro país europeu a reduzir pela metade a quantidade de alimentos descartados até 2030.

    Há inúmeras ideias e iniciativas brilhantes na esperança de ajudar, mas uma abordagem que eu achei brilhante foi usar aplicativos como "Bom demais para Ir". Este aplicativo permite que os varejistas mudem alimentos destinados à lixeira – mas isso ainda é perfeitamente comestível – para os clientes a um custo reduzido.


    Retardando o processo de envelhecimento

    Ainda não podemos voltar atrás, mas, pelo menos em frutas, podemos diminuir o mostrador.

    As bananas que como em casa no Reino Unido poderiam ter viajado do Equador, República Dominicana, Costa Rica ou um campo ainda mais distante. Para chegar até mim eles terão sido escolhidos de verde, talvez passaram 40 dias em um barco, e então acabaram no supermercado onde, para serem escolhidos na prateleira, eles têm que ser um amarelo perfeito, sem manchas pretas ou manchas marrons. É preciso uma gestão incrível e cuidadosa para conseguir.

    Se uma banana amadurece muito cedo no processo, ela libera gás etileno, que desencadeia o amadurecimento em outras bananas. Só é preciso uma banana madura desonesto para derrubar 15% de um carregamento. É uma enorme pilha de bananas desperdiçadas.

    O que alguns cientistas em Norwich, Reino Unido, estão fazendo é editar o genoma das bananas – modificando letras específicas em seu DNA – para que elas produzam muito menos etileno. Isso poderia levar a menos desperdício no caminho e estender a vida útil da banana no supermercado. Em algumas partes do mundo, isso poderia se traduzir em cadeias de suprimentos reais. Mas em outros lugares, como a UE, as culturas editadas por genes são muito rigorosamente reguladas com um longo processo de aprovação.

    Bananas

    Fazendo escolhas mais inteligentes

    Passar tempo com agricultores, produtores, varejistas e consumidores, vi rapidamente como nossas formas actuais de crescer, processar e vender alimentos simplesmente não são escaláveis ou sustentáveis.

    A única maneira de alimentar mos 10 bilhões de pessoas até 2050 é se as indústrias agrícola alimentistas e alimentares se tornarem muito mais sustentáveis. E isso requer mudanças em todo o modelo de crescimento, processamento, transporte, armazenamento e venda. Significa que muitas empresas e governos precisam agir. Mas nós também.

    Seja indo ao mercado e escolhendo o veg mais "feio" para o jantar, encorajando os supermercados a mudar sua rotulagem para nos mostrar a pegada de carbono ou água de nossa comida (para que você possa escolher um abacate que é usado menos de nossa água fresca rapidamente esgotando fornecimento para crescer), ou usando novas tecnologias para evitar desperdícios, há tanto que podemos fazer para valorizar nossos alimentos e valorizar seus produtores.

    Construir um mundo alimentado pela agricultura sustentável é uma tarefa assustadora. Mas agricultores, cientistas, engenheiros, varejistas, líderes empresariais e governos estão todos se unindo para garantir que tenhamos comida suficiente no futuro. E certamente pensarei em que mudanças posso fazer em um nível individual para participar do esforço.

    --

    Greg Foot é apresentador da série deTV Follow the Food da BBC World News . Estas são as opiniões e reflexões pessoais de Greg Foot.

    Este artigo faz parte de uma nova série multimídia, Follow the Food by BBC Future em colaboração com a BBC World News. Siga o Alimento investiga como a agricultura está respondendo aos profundos desafios das mudanças climáticas, da degradação ambiental e de uma crescente população global.

    Siga os traços alimentares que emergem respostas a esses problemas – tanto de alta tecnologia quanto de baixa tecnologia, local e global – de agricultores, produtores e pesquisadores de seis continentes.

    Direitos autorais de imagem: Getty Images

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