quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Servir Loures com o comboio é melhor do que com o metro, e “traz brinde”!

1. O Parlamento bloqueou há dias o projecto de construção da linha circular do Metropolitano de Lisboa (ML), num aparente atropelo às competências executivas do Governo. A motivação para esta acção do Parlamento vem do desejo de promover outras opções para a rede do ML, e nomeadamente a expansão da linha amarela para Loures, conforme desejo repetidamente expresso pela autarquia. É normal que a autarquia, e em particular o seu presidente, queiram ter o metro: isso dá estatuto e valoriza a marca. Mas reconhecer a necessidade de um bom serviço de transporte pesado no corredor de Loures é uma coisa, e optar pelo metro sem comparar cuidadosamente essa com outras opções é outra. As decisões em matéria de infra-estruturas de transporte pesado — praticamente irreversíveis — devem ser sempre tomadas com base em avaliações num contexto estratégico, a nível da rede, e não troço a troço (como aliás o Governo tinha feito para justificar a opção pela linha circular, ficando assim mais exposto às críticas contra a opção tomada).

2. Além da alta capacidade dos veículos, o metro é um sistema que tem como características principais uma elevada frequência de serviço ao longo de todo o dia, estações relativamente próximas (raramente mais de 1km entre estações) e serviços que param sempre em todas as estações — do que decorre que o material circulante precisa de ter boa capacidade de aceleração, mas não grande velocidade de ponta. É por isso que o metro serve bem espaços territoriais de forte densidade de procura e diversidade funcional ao longo de todo o percurso, condições essenciais para justificar a elevada capacidade e frequência de serviço ao longo de todo o dia.

A expansão do metro para Odivelas foi um erro, precisamente porque não estão reunidas estas condições. O resultado está à vista: fora das horas de ponta só metade dos comboios vão até Odivelas, com a outra metade a ter o seu terminus no Campo Grande. Ao prolongar a linha para Loures, esse erro seria agravado, provocando maior quantidade de material circulante a ser usado em condições muito ineficientes. E depois de chegar a Loures, para onde se reclamaria a próxima extensão do Metro? Com uma linha ferroviária suburbana servem-se centros populacionais descontínuos, com distâncias de alguns quilómetros entre estações consecutivas, e com frequências de serviço que variam mais ao longo do dia. Como a extensão das linhas é maior, há possibilidade de realizar serviços mais rápidos, parando só em algumas estações. Por tudo isto, a ênfase para o material circulante é mais na velocidade e menos na aceleração. Servir antenas longas com o metro é, além disso, pior para os clientes do que servi-los com o comboio suburbano, já que com o Metro têm tempos de percurso agravados por causa do maior número de paragens e das menores velocidades de ponta.

3. Dada a urgência, uma linha suburbana para Loures poderia, numa primeira fase, dar ligação à rede do ML na estação do Senhor Roubado, onde parece haver muito mais espaço para essa interface que junto à estação de Odivelas. Daí para norte, há condições para servir Santo António dos Cavaleiros (a cerca de 3,5km) e Loures (mais cerca de 2km). Mas não se faz uma linha ferroviária suburbana com apenas 5,5km, e esta deveria ser prolongada, quer para noroeste, em ligação à Linha do Oeste, quer para sul, em busca da maior conectividade com a rede de Lisboa. A extensão deste troço de Loures até à Linha do Oeste é o “brinde” a que o título alude, na medida em que permite, por um lado, desencravar aquela linha histórica tão maltratada e que mal sobrevive, estrangulada pelo seu desaguar na Linha de Sintra, e por outro dar escala apropriada à ligação entre Lisboa e Loures. Haveria assim que seguir de Loures para noroeste e amarrar à Linha do Oeste num ponto próximo da Malveira, possivelmente com uma ou duas estações intermédias. A forte rugosidade do terreno impõe estudo cuidadoso do traçado e certamente também a construção de parte desse traçado em túnel, mas teríamos uma extensão adicional de cerca de 14km entre Loures e a Linha do Oeste. Estão em curso os projectos de modernização, incluindo electrificação, da Linha do Oeste a sul das Caldas da Rainha. Para além dos benefícios desses projectos, só com esta reorientação da Linha do Oeste para o eixo de Loures seria possível reduzir em mais de 20 minutos o tempo de percurso entre Caldas, Torres Vedras ou Malveira e o primeiro contacto com a rede do ML e, mais importante ainda, um aumento muito significativo do número de serviços nessa ligação, hoje reduzida a dois por sentido na ponta da manhã e outros dois na ponta da tarde. Obter-se-ia assim uma mudança radical do quadro da acessibilidade metropolitana no corredor de Loures e na região do Oeste, corrigindo o reconhecido Défice de cobertura deste corredor.

4. É consensual que qualquer linha ferroviária suburbana deve ter forte conectividade com a rede de distribuição urbana, o que no caso de Lisboa quer dizer várias linhas da rede do ML e a linha de cintura ferroviária. A partir do Senhor Roubado para sul, duas opções merecem ser estudadas: — uma em que a linha vinda de Loures embebe directamente na linha de Cintura, para o que as melhores condições parecem existir na zona de Marvila (sendo a distribuição urbana feita sobre aquela linha, que tem várias ligações com a rede do ML, mas que está próxima da saturação). Neste percurso, poderia dar ligação ao ML em Alvalade (linha verde/circular) e Belavista (linha vermelha) e ainda ligar à falada nova travessia ferroviária do Tejo, a caminho do Barreiro; — e outra, mais ousada mas mais conexa, em que a linha de Loures atravessaria a cidade para amarrar à travessia do Tejo na Ponte 25 de Abril, próximo da estação do Alvito (na encosta de Monsanto), com duas ou três estações na cidade que assegurariam serviço directo a fortes geradores de procura e a desejada conectividade com a rede do ML e a linha de cintura. Opções interessantes nesse caminho parecem ser a zona da Cidade Universitária (linha amarela/ circular), Sete Rios/Jardim Zoológico (linha de cintura e linha azul) e a zona de Amoreiras/Campo de Ourique (ligação à linha vermelha que para lá está apontada, mas com dificuldades acrescidas devidas à diferença de cotas). Qualquer destas opções implica a construção de 8 a 8,5km de via nova. As vantagens da exploração ferroviária suburbana em linhas diametrais (desde que com cargas similares) relativamente às radiais são conhecidas e exploradas desde o século XIX no centro da Europa e na AML desde a criação dos serviços Sintra-Azambuja há cerca de vinte anos. A criação de uma linha com serviços diametrais entre Torres Vedras e Setúbal, com os serviços mais curtos que se vierem a mostrar adequados, seria certamente um ganho muito forte para a coerência estrutural da nossa rede metropolitana de transporte colectivo pesado e para o serviço que esta presta à região. Assim, é de facto urgente dotar o município de Loures com serviço ferroviário, mas é claramente preferível — quer para a região no seu todo, quer para os próprios munícipes de Loures — fazê-lo com uma nova linha suburbana do que a extensão da linha do metro até lá.

José Manuel Viegas

Professor catedrático (aposentado) do Instituto Superior Técnico

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