terça-feira, 14 de julho de 2020

António Mexia (2ª parte)

Como Mexia geriu a empresa do lucro de mil milhões num país a empobrecer

Em cinco mandatos, Mexia lançou uma EDP verde, compensou accionistas e recebeu (muitos) prémios. Sucessos perseguidos pelas rendas excessivas, na política e na justiça. Parte 2 de um perfil essencial.

Esta é a segunda parte do perfil de António Mexia, sobre os anos da EDP. Leia aqui a primeira parte.

António Mexia é nomeado presidente executivo da EDP em Abril de 2006, um mês antes de a eléctrica apresentar, pela primeira vez, lucros anuais de mais de mil milhões de euros. O feito ainda é do tempo da gestão de João Talone, e foi alcançada com a ajuda de mais-valias obtidas na venda de participações. Mas colocou a empresa num patamar inédito para um país como Portugal e elevou as expetativas para a nova equipa gestora. A EDP manteve os lucros ao nível do bi —abreviatura do inglês billions (mil milhões), muito usada por Mexia.

Esta boa performance não foi abalada pela crise económica e financeira que atingiu Portugal a partir do ano de 2010. Nas conferências de imprensa, o CEO da EDP destacava a “resiliência” (uma das expressões mais usadas por António Mexia) da empresa e atribuía a grande fatia dos bons resultados às operações internacionais, desvalorizando o tema incómodo das rendas excessivas.

O Estado saiu do capital da EDP em 2012. Os chineses entraram de mansinho — para além de manterem a gestão, pouco ou nada falavam publicamente. A ausência de outros acionistas de referência (estratégicos) com dimensão, a presença de investidores financeiros que queriam retorno e não se envolviam na estratégia e a dispersão do capital contribuíram para um certo vazio de poder que foi preenchido pelos executivos. A EDP era cada vez mais uma empresa de António Mexia e da sua equipa de gestores. Perante a realidade nacional de cortes nos rendimentos, aumento do desemprego e empresas e bancos a cair, a EDP parecia demasiado rica para um país pequeno e a empobrecer e que ainda por cima tinha de pagar um dos preços da eletricidade mais altos da Europa. Era um alvo evidente.

Desde 2010 que subiam de tom os ataques aos prémios de gestão. Houve várias iniciativas políticas para os travar e até o Governo de José Sócrates votou contra o seu pagamento aos gestores da EDP na assembleia geral de 2010, num gesto inédito num momento em que o país começava a apertar o cinto.

António Mexia tinha um vencimento anual bruto de cerca de 1 milhão de euros por ano, mas em final de mandato tinha direito a bónus da ordem dos 3 milhões de euros. Valores justificados com o que ganhavam os gestores das empresas internacionais com que a EDP concorria. Até estavam aquém dos bónus pagos no passado na banca em Portugal. Mas os tempos eram outros. A crise e as exigências de transparência da regulação davam muito mais visibilidade aos salários “milionários” pagos aos gestores das grandes empresas.

Em 2010, numa entrevista ao jornal “i”, António Mexia aceitava a criação de um escalão máximo de 45% no IRS para os que mais ganhavam, como ele, mas não foi brando para os que o atacavam por causa do que ganhava. “Não concordo com o ataque aos gestores. A política de redistribuição de rendimentos faz-se mais ao nível dos impostos do que por escolhas demagógicas de alvos aparentemente fáceis. Nunca se deve basear a política na mediocridade nem na inveja, até porque elas tendem a coligar-se. E é um comportamento altamente destrutivo”. Mexia sentia-se um alvo? “O que não gosto é quando escolhem o senhor A ou o setor B. O gestor da grande empresa. Devemos evitar comportamentos demagógicos”.

Para António Mexia, a assembleia geral da empresa e os órgãos eleitos aí eram soberanos na atribuição das remunerações. Agora, dez anos depois, percebeu que pode não ser assim, quando uma ordem judicial suspendeu as funções dos dois principais administradores da EDP eleitos pelos acionistas. Isto porque o juiz aceitou o argumento de que podiam ser equiparados a gestores públicos, pelo facto do grupo deter a concessão da rede de distribuição de eletricidade. Como conseguiu António Mexia atingir o recorde de permanecer 14 anos à frente da EDP?

O Action Man e o Ken

António Mexia sucedeu a João Talone (accionista do Observador) de quem tinha sido rival à frente da Galp na luta pelo gás natural — os dois homens nunca terão sido próximos, mas também não eram inimigos, havia respeito profissional e a noção de que cada um estava a defender os interesses da empresa que geria. Talone admirava, por exemplo, o talento para a comunicação de Mexia, que fez um reposicionamento da marca Galp.

A EDP era a maior empresa portuguesa e vários dos projetos que iriam a ter a assinatura de Mexia como gestor já estavam em curso. A elétrica estava internacionalizada, no Brasil e em Espanha, e estava a preparar-se para a concorrência no mercado ibérico com o reforço na produção de energia e a tomada de posição nas renováveis. Mexia teve de gerir um legado importante, mas ainda em maturação (João Talone só fizera um mandato).

Os quadros da elétrica já se tinham habituado à linguagem de João Talone, o primeiro gestor de fora do setor que rompeu uma tradição de presidentes que tinham sido da casa ou gestores públicos. Quando chegava um presidente novo, “vinha cheio de genica e de ideias”, era preciso deixá-los pousar na realidade. Talone fê-lo rapidamente, Mexia demorou mais tempo, relata um quadro que acompanhou de perto o início do mandato. Um dos comentários ouvidos na empresa foi o de que Talone era como o Action Man (boneco de ação), enquanto Mexia era como o Ken (o namorado da Barbie), uma referência ao aspeto físico cuidado do gestor. O novo CEO aparecia sempre impecável, tinha preferência por fatos Hugo Boss e cultivava a boa forma física.

Apesar de terem em comum a formação na banca (Talone vinha da banca comercial e seguros, Mexia da banca de investimento), os dois tinham postura distintas. João Talone era homem para ir à central elétrica e discutir com os técnicos e operacionais no terreno para perceber a realidade; Mexia cumprimentava-os, mas preferia falar com os diretores ou com as pessoas que nomeava para acompanhar essa realidade.

A “troika” de Mexia. Do gás para Galp, para o Governo e para a EDP

A equipa de Mexia vai refletir uma gestão de equilíbrios. Juntou quadros da casa e aliados pessoais, continuidade e competência profissional. É reveladora de uma das maiores qualidades apontadas ao gestor: sabe escolher as pessoas que o rodeiam, sabe cativá-las, conquista a sua confiança, consegue pô-las a trabalhar para o mesmo objetivo e dá-lhes espaço, ainda que no fim possa ficar com os louros.

Desde os tempos da Gás de Portugal/Transgás que o gestor tinha ligações privilegiadas com alguns colaboradores que levou consigo quando mudou de cargo, como Jorge Borrego, que Mexia contratou para a Gás de Portugal e que foi secretário de Estado dos Transportes durante a sua passagem pelo Governo de Santana Lopes como ministro das Obras Públicas.

Foi também a primeira empresa que Mexia dirigiu, a Gás de Portugal, a contratar Ana Maria Fernandes, um quadro da banca de investimento que vinha do BPI. Ana Maria Fernandes vai para a Galp, onde fica a liderar a direção de estratégia da empresa, e quando Mexia sai para o Governo sobe à administração. Outro quadro contratado para a GdP por Mexia foi Miguel Setas, que veio da consultora Mckinsey. Formado em engenharia, Miguel Setas destacou-se quando Mexia o colocou como diretor de marketing estratégico da Galp até que, em 2004, o então ministro o vai buscar para a administração da CP.

Os dois iriam para a EDP em 2006, trazidos pelo novo presidente. Ana Maria Fernandes entra logo para a administração, onde ficará com a área de maior potencial, as renováveis. Tornar-se-ia na primeira mulher que chegou a presidente executiva de uma empresa do PSI 20, a EDP Renováveis.

Miguel Setas começa como chefe de gabinete do novo presidente, uma espécie de estágio antes de ser nomeado para a administração. Desempenhou vários cargos de direção em empresas do grupo, sobretudo no Brasil, tendo chegado à direção da EDP Brasil em 2014 e em 2015 entra na comissão executiva. Ente os gestores próximos de António Mexia, há quem o aponte como o mais completo para assumir funções de presidente executivo. Mas, para já, o sucessor interino é Miguel Stilwell de Andrade, que exercia funções de administrador financeiro (CFO).

A completar a “troika” de quadros leais que o acompanharam estava Paulo Campos Costa. O antigo jornalista da RTP trabalhava na agência de comunicação de João Líbano Monteiro quando foi contratado para a comunicação da Galp, tendo-se tornado no braço direito de Mexia para esta área. Campos Costa acompanhou Mexia no Ministério das Obras Públicas e depois foi para a EDP, onde está até hoje. A prática de levar consigo pessoas de confiança e com quem se trabalhou é comum a várias ocupantes de cargos importantes. Mas se para Mexia esta ligação pessoal era importante, não chegava — tinha de haver também competência, refere um antigo colega.

Os homens da casa e o “Ronaldo da energia”

A primeira comissão executiva presidida por Mexia promoveu dois diretores-gerais da EDP. Um deles foi António Pita de Abreu, um quadro histórico da empresa que já tinha feito parte de outras administrações. O outro foi o homem que João Talone foi buscar à banca (ao grupo BCP) para montar a sala de mercados da EDP e preparar a empresa para a concorrência nas bolsas de energia. João Manso Neto foi promovido depois de ter conquistado os engenheiros da elétrica com a sua qualidade intelectual e capacidade de trabalho, que Mexia soube logo reconhecer. Não obstante o visual pouco convencional para um gestor — o cabelo comprido, sempre de cigarro na mão  — Manso Neto é invariavelmente descrito como “brilhante” pelos que trabalharam ou se cruzaram profissionalmente com ele. Consegue conquistar até os meios mais conservadores. Na comissão de inquérito parlamentar às rendas da energia, o deputado do CDS Hélder Amaral chamou-lhe o Ronaldo da energia. E mais do que um gestor o aponta como a escolha prioritária na equipa ideal para desenvolver um projeto.

Será Manso Neto a ocupar-se do delicado e complexo  tema dos CMEC (contratos de manutenção do equilíbrio contratual) e do prolongamento do prazo de concessão das barragens conseguido pela EDP no primeiro Governo de Sócrates. Com o tempo, e após o afastamento de Ana Maria Fernandes da elétrica, por uma combinação de razões pessoais e profissionais, João Manso Neto torna-se no número dois da EDP e assume a presidência da EDP Renováveis. Não obstante as sua qualidades profissionais, Manso Neto é mais um braço-direito do que um potencial rival. Falta-lhe eventualmente a ambição necessária para chegar mais longe.

Também do lado do BCP, e por indicação deste acionista, foi indicado Nuno Alves para o cargo de administrador financeiro. Tinha em comum com Mexia a linguagem da banca e os dois homens tiveram uma boa relação de trabalho. A equipa ficou completa com Martins da Costa, que Talone já tinha promovido para gerir a EDP no Brasil, e Jorge Cruz de Morais, outro homem da casa.

Os acionistas aprovaram ainda um novo modelo de governo da empresa, decalcado do BCP (da autoria da Heidrick and Struggles). Para a presidência do conselho geral e de supervisão é apontado António de Almeida, um gestor histórico socialista que no passado já tinha presidido à elétrica. Conhecido pela frontalidade e pelo mau feitio, a relação entre os dois”presidentes” da EDP, António de Almeida e António Mexia, começou com alguns atritos públicos sobre as competências do órgão de supervisão da administração. Mas os dois acabaram por se entender no essencial.

De poluente à campeã verde e a oportunidade descoberta pelo atual CEO interino

O novo CEO António Mexia tinha um desafio imediato: redesenhar um plano estratégico depois de a compra dos ativos de gás natural da Galp ter sido chumbada em Bruxelas por razões de concorrência.

Foi com Mexia que ganhou asas a narrativa de transformar a EDP, a maior poluidora do país, numa empresa verde. Cavalgou a onda criada com a vitória no primeiro grande concurso para a atribuição de potência eólica em Portugal e que resultou de um processo lançado no tempo de Talone. Mas levou-a mais longe. Em 2006, a elétrica protagoniza um negócio que viria a transformar o seu ADN. A compra da americana Horizon, um dos maiores operadores da energia eólica, foi um game changer para a EDP, que passou a projetar-se como um dos maiores grupos mundiais de energias renováveis.

A oportunidade foi identificada pelo homem que substituiu António Mexia quando este foi suspenso por ordem judicial das funções de presidente executivo. Miguel Stilwell de Andrade, nomeado CEO interino no passado dia 6 de julho, dirigia a área de estratégia e desenvolvimento da EDP desde 2005. Antes de integrar os quadros da empresa em 2000, Stilwell de Andrade tinha trabalhado na banca de investimento internacional e estava muito bem informado sobre o que se passava. Foi trabalhando no dossiê da aquisição e acabou por convencer a comissão executiva. Apesar de na altura se ter dito que a EDP pagou caro pela Horizon — mais de dois mil milhões de euros —, foi um “furo” estratégico para a empresa.

Mexia colheu os louros desta aquisição, mas também foi aprendendo lições no percurso como gestor. Foi deixando cair o “eu” para falar em “nós”, valorizando a equipa, e ganhou a confiança dos quadros da empresa e injetou entusiasmo com um discurso mobilizador, sobretudo nos primeiros dois mandatos. Habituado a comunicar muito bem, na EDP preocupou-se com o “público interno”, talvez para se afastar de atitudes que teve na Galp e que lhe trouxeram inimigos dispensáveis.

Um ano depois, a EDP junta os ativos eólicos numa nova empresa, a EDP Renováveis, e arrisca lançar a subsidiária em Bolsa numa oferta que foi um êxito. O timing da operação, em junho de 2008, foi um golpe de sorte: coincidiu com a única e apertada janela temporal que antecedeu a crise financeira. Um mês antes, não teria corrido tão bem; um ou dois meses depois, teria falhado.

O melhor gestor é o mais bem pago

Não é surpreendente que António Mexia tenha feito um segundo ou até um terceiro mandato à frente da EDP. Uma das pessoas que trabalhou de perto com ele diz que a sua maior ambição era a de ser o melhor gestor e o mais bem pago. E por isso a presidência da maior empresa portuguesa era o trono que mais lhe convinha. E quanto mais lucros, mais dividendos.

Entre 2007 e 2020, a empresa distribuiu 8700 milhões de euros pelos acionistas. O valor foi sempre crescendo, mesmo quando a EDP sofreu em 2018 uma queda acentuada dos lucros por causa do impacto de decisões políticas e regulatórias em Portugal. E os dividendos traduzem-se em bónus de dezenas de milhões de euros para os administradores. Na linguagem usada pelo principal executivo, a empresa “tinha uma história que lhe dava visibilidade nos mercados” e estava focada em “entregar” no que toca aos compromissos feitos aos investidores.

A qualidade de estratega e comunicador que todos lhe reconhecem também se apoiou nos muitos recursos à sua disposição, humanos e financeiros, que só uma grande empresa como a EDP lhe poderia proporcionar. Nesta fase da sua carreira, não estaria disposto a correr grandes riscos sem uma rede de segurança. Apesar de não hesitar na hora decidir, tem o cuidado de se apoiar em pareceres e consultores que sustentem as suas opções, do ponto de vista financeiro e jurídico.

O único projeto pessoal que foi notícia, em parceria com Diogo Vaz Guedes, a Aquapura Hotels Villas, foi declarada insolvente em 2007.

Ninguém lhe nega o entusiasmo com que agarra os colaboradores e os motiva para a sua visão e para a convicção da importância do que estão a fazer, como referiu numa entrevista em 2010, quando a propósito do congresso do PSD que elegeu Pedro Passos Coelho lhe perguntaram se se sentia tentado pela política. “Agora tenho a sorte de estar a fazer aquilo que me apetece. O sector da energia é excitante do ponto de vista de mudança de paradigma social e político. A energia está no coração das principais temáticas mundiais. Digo às pessoas da EDP que temos a sorte de estar num sítio que é muito excitante”.

Também há quem lembre Maquiavel quando o descreve como um homem do Renascimento que percebe o valor da estética e da arte, mas também o poder e o que faz mover as pessoas. Oferece-lhes as condições para darem o seu melhor e espaço para crescerem profissionalmente — mas ainda venha a criar ligações afetivas, também as usa como instrumentos para atingir os seus objetivos. E raramente fazem sombra ao CEO. As duas visões não são necessariamente contraditórias, correm paralelas e cruzam-se por vezes. Já Mexia pouco se terá deixado usar como instrumento dos interesses de terceiros. E se o fez, terá sido porque a finalidade encaixava na sua agenda.

Para além dos negócios e da gestão, é a arte e o design que mais o mobilizam. Se não tivesse seguido a tradição familiar — o avô foi o embaixador Teixeira Guerra, considerado um dos pioneiros da diplomacia económica e que participou nas negociações para adesão de Portugal à EFTA e mais tarde à Comunidade Económica Europeia; o pai foi quadro do Banco de Portugal — teria talvez sido arquiteto. Além de ser uma empresa industrial e uma eficiente máquina comercial, a EDP de Mexia também tentou sempre jogar nos campos da cultura e da arte.

Mexia não chegou à presidência da Câmara de Lisboa, que em Portugal é um dos principais palcos para lançar políticos, mas ser  presidente da EDP deu-lhe a oportunidade de promover edifícios de excelência arquitetónica que envolveram investimentos avultados e marcam o perfil da cidade. Desde o MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia) à reconversão da central Tejo, passando pela sede da EDP no Cais do Sodré, que foi prémio Valmor em 2017.

A elétrica tornou-se ainda numa das principais patrocinadoras de eventos culturais e desportivos, desde festivais de música (até tem um festival em nome próprio, o Cool Jazz Fest) a maratonas e outros eventos culturais. Até as barragens ganham prémios de arquitetura, como aconteceu com o projeto de Souto Moura para a central hidroelétrica do Tua em 2019, ou servem de palco improvisado para concertos como sucedeu em 2009 no Alto Lindoso, para assinalar a nova imagem da empresa.

A comunicação é outra das áreas que Mexia melhor dominou deste o início da sua carreira. Nunca precisou de assessores de imprensa. Sabia muito bem como fazer e quem devia contactar para fazer passar a mensagem. Há quem recorde uma reunião de administração na Galp, com a presença dos representantes da Eni, que Mexia interrompeu durante vários minutos para telefonar a um jornalista que tinha escrito uma notícia com a qual não concordava.

Não obstante, durante a sua administração a EDP contratou vários jornalistas e até dois ex-diretores de jornais, embora estes tenham trabalhado em outras áreas. Sérgio Figueiredo, ex-diretor do Jornal de Negócios, esteve na direção da Fundação EDP, da qual saiu há poucos anos para desempenhar o cargo do diretor de informação da TVI, de onde saiu agora. Miguel Coutinho, antigo diretor do Diário Económico e do Diário de Notícias, é atualmente o presidente do MAAT.

O alinhamento com o Governo de Pinho e Sócrates e um inimigo inesperado com Passos Coelho

Os primeiros mandatos na EDP seguem num clima de afinidade visível entre a empresa, a sua gestão e o poder político. Afastado o risco de a Iberdrola entrar no conselho de administração da elétrica portuguesa, as estratégias do Governo para o setor e da empresa parecerem estar totalmente alinhadas, desde a aposta nas renováveis ao Programa Nacional de Barragens. A aceleração da energia eólica, quando esta tecnologia ainda era muito subsidiada, fez de Portugal um exemplo internacional na política de promoção das renováveis, mas veio a pesar nos preços da eletricidade.

A EDP ajudou o Governo a travar o aumento de 17% no preço da eletricidade em 2006, negociando uma solução que deu origem ao défice tarifário, e houve decisões políticas favoráveis à empresa, algumas das quais estão no centro das investigações judiciais, como a extensão do prazo de concessão das barragens sem concurso público e o valor pago pela elétrica, que foi anos mais tarde validado pela Comissão Europeia.

Numa entrevista publicada em 2010, o presidente da EDP respondeu assim à afirmação de que existia uma grande sintonia com Manuel Pinho: “Como a ideia é boa é fácil haver alinhamento. Se tivéssemos de escolher uma área em que Portugal se distinguiu foi na política energética e na capacidade de execução das empresas”.

É certo que a comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia veio mostrar que os favores do Estado à empresa não começaram com Manuel Pinho, já vinham de trás.

Segundo um antigo administrador da elétrica, a maior sintonia até foi com o Governo de Durão Barroso, mas foram sobretudo as decisões do primeiro Executivo socialista que fizeram o seu caminho no radar da justiça. E para tal contribuiu muito o curso que o ex-ministro Manuel Pinho deu na Universidade de Columbia nos Estados Unidos, e que foi financiado pela EDP.

O clima iria mudar com a chegada de Pedro Passos Coelho ao Governo e não apenas por causa da troika. Muito antes de ser nomeado secretário de Estado da Energia de Passos Coelho, de quem era amigo pessoal, Henrique Gomes foi administrador da Gás de Portugal. Quando António Mexia chegou à presidência da empresa em 1998, Gomes já tinha cessado o seu mandato, mas ficou com um cargo de consultor.  O seu contrato foi denunciado três meses depois, sem uma explicação clara, segundo contou na comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia em 2018. “Alguma coisa que tivesse feito não terá merecido a confiança”, afirmou. Para Henrique Gomes,  por trás da sua saída prematura terá estado “uma desculpa esfarrapada”.

Henrique Gomes ficou muito marcado com a atitude de Mexia na Gás de Portugal. E isso terá pesado quando liderou o ataque aos ganhos da EDP já no tempo da troika. Quando foi ao Parlamento, o atual presidente executivo da EDP tentou distanciar-se do caso com uma declaração que pode ter sido sentida como uma alfinetada. “Só me apercebi que era suposto conhecer Henrique Gomes depois de o ter encontrado” (no Governo de Passos Coelho).

Considerando “peculiar” que o ex-secretário de Estado tenha afirmado que tinha sido despedido por si, António Mexia explicou que, quando chegou à presidência da Gás de Portugal, a empresa tinha poucos empregados. Quando procurou saber quem tinha funções e quem não tinha, foram-lhe apontados alguns assessores, cuja saída justificou com a necessidade de tornar a empresa mais eficiente.

O episódio ilustra bem como o estilo de gestão de António Mexia não é consensual e pode cair muito mal junto de algumas pessoas. Os que lhe são mais próximos apontam erros de perceção que podem resultar das primeiras abordagens pessoais ao gestor. António Mexia tem uma imagem sofisticada e pouco acessível e num primeiro contacto passa por arrogante. Pode ser brutalmente direto quando ouve algo de que não gosta e não tem grande paciência quando sente que o estão a fazer perder tempo.

Independentemente de ter uma motivação pessoal, Henrique Gomes era um homem determinado e sustenta a sua posição de que a EDP tem ganhos excessivos (à custa dos consumidores) com o trabalho de um consultor externo. António Mexia ataca publicamente o estudo pedido pela secretaria de Estado, que afirma estar cheio de erros.

Já depois de ter abandonado o Governo, ao perder a batalha pelos cortes na EDP, o ex-secretário de Estado afirmou que teve de terminar o seu vínculo com a REN (Redes Energéticas Nacionais) em 2012 depois de ter admitido numa entrevista que António Mexia era “um osso duro de roer”. Foi uma entrevista política, mas que “caiu mal na administração da REN”, então liderada por Rui Cartaxo, com quem Mexia tinha tido uma boa relação de trabalho na Galp. A incomodidade gerada resultou num acordo para sair, afirmou ainda no Parlamento.

Há quem atribua a Henrique Gomes a expressão “rendas excessivas” que apareceu em vários documentos da troika e que viria a perseguir a EDP e a sua gestão durante os anos seguintes, dando nome a uma comissão parlamentar de inquérito aos contratos entre a elétrica e o Estado. Mais e pior, para Mexia: Henrique Gomes e o seu chefe de gabinete encaminharam para a Procuradoria-Geral da República algumas da denúncias que deram origem ao inquérito-crime do chamado caso EDP.

Vender a EDP ou cortar os preços da luz? Os aliados de Mexia

O ano de 2011 foi um fim de ciclo para Portugal, com o resgate financeiro e a chegada da troika. A EDP era uma das empresas mais expostas no plano internacional às dificuldades financeiras do país. Quando iam vender a empresa nas grandes praças financeiras mundiais, os gestores da elétrica deparavam-se com perguntas sobre as finanças do país, a divida pública e os PEC (Programas de Estabilidade e Crescimento que traziam medidas de austeridade) do segundo governo de Sócrates.

A privatização total da EDP até ao final do ano é uma das primeiras exigências dos credores internacionais e uma prioridade absoluta para o Governo de Passos Coelho porque seria o teste à capacidade de atrair investimento. Se Portugal não conseguisse vender a EDP, o resto não tinha hipóteses. E nada pior para este negócio do que o ruído em volta das chamadas rendas excessivas dadas à empresa e que era necessário eliminar para baixar os preços da eletricidade, que tinham subido muito por causa de outra imposição da troika, o aumento do IVA.

As duas visões coexistem no Governo, mas uma tem muito mais força do que a outra. Henrique Gomes é o secretário de Estado da Energia e, apesar de ser amigo do primeiro-ministro, não tem força política para impor a sua cruzada. O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, é solidário, mas tinha acabado de regressar ao país e ia demorar algum tempo a perceber os lobbies que se movimentam de cada vez que se tenta cortar alguma coisa.

Neste braço-de-ferro, António Mexia tem aliados muito fortes. Eduardo Catroga, o presidente do conselho geral e de supervisão da elétrica, foi o principal conselheiro económico e financeiro do líder do PSD durante a negociação do memorando de assistência. Os dois homens têm uma boa relação profissional, entendem-se ao nível da linguagem e dos valores ideológicos.

Catroga recusou o cargo de ministro das Finanças oferecido por Passos Coelho, mas terá sugerido o nome de Vítor Gaspar. O novo ministro das Finanças foi o aluno de António Mexia na faculdade a quem este deu uma das notas mais altas. Os dois tratam-se por tu. Ainda nas Finanças, como consultor para as privatizações, está António Borges, um homem que fala a mesma linguagem do presidente da EDP.

O desfecho desta história é conhecido. Henrique Gomes é impedido de cortar as rendas da EDP para não perturbar a privatização da empresa e a contribuição extraordinária que propõe fica suspensa. Irá sair do Governo meses depois.

O lado de Mexia ganha, mas não terá sido uma vitória completa. Isto porque o presidente da EDP teria preferido que o comprador fosse outro, o grupo alemão E.On, que segundo notícias então publicadas lhe abriria as portas a uma progressão na carreira que já não poderia ter em Portugal. A China Three Gorges terá manifestado o seu desconforto ao Governo por considerar que o presidente executivo da EDP estaria a favorecer o candidato alemão. No Conselho de Ministros, Vítor Gaspar também defendeu a proposta alemã, mas o dinheiro chinês era irresistível. Ganhou quem pagou mais.

Tudo muda, mas pouco muda

A mudança do principal acionista — a China Three Gorges comprou 21,3% do capital da EDP — não alterou o essencial da equipa de gestão. Nem mudou o presidente executivo. Os chineses passaram a ter representantes no conselho geral e de supervisão, cuja composição foi alargada, mas o que se destacou foi a manutenção ou entrada de vários ex-ministros do PS, PSD e até CDS para o órgão. Fiéis ao que tinham prometido durante a corrida, a China Three Gorges pouco interveio na gestão da empresa e António Mexia, que podia ter saído depois da privatização, ficou — mas moderou o estilo.

A empresa continuava a investir muitos milhões no mercado nacional (na construção das barragens lançadas por Sócrates) e a rodar ativos fora de Portugal (vender negócios maduros, para investir em novos projetos). Mas a expansão travou perante a necessidade de baixar a dívida. A estratégia de comunicação também mudou. Mexia começou a aparecer menos e a empresa cortou nas viagens de jornalistas e em eventos de grande visibilidade.

A rotina na gestão da empresa foi abalada por uma oferta pública de aquisição (OPA) lançada pelo seu maior acionista, a China Three Gorges. A OPA chinesa de 2018 trouxe ao de cima uma fragilidade pouco visível da EDP, mesmo sem grande intervenção: a presença de capital chinês era mal vista em vários mercados importantes para a empresa, como os Estados Unidos. E, se a OPA fosse para a frente, a EDP como a conhecemos acabava.

A OPA foi bem recebida pelo poder político — António Costa foi rápido a afirmar que o Governo não tinha nada a opor —, mas deixou os gestores da EDP numa situação delicada: eram contra, só que não podiam hostilizar abertamente o maior acionista. Depois de se arrastar nos reguladores internacionais durante meses, a OPA acaba por morrer e a EDP apresenta uma nova estratégia. Uma das metas não assumidas é reduzir a exposição do grupo a Portugal, porventura excessiva face à dimensão do nosso mercado e que ajudou a tornar a EDP um alvo de ataques.

António Mexia gosta de desafios e de fazer coisas — quando uma está feita quer avançar para outra. Gosta de comprar e vender, como se faz na banca. E na EDP foi também o que fez: começou a comprar em grande e acabou também a vender em grande. Este ano, a empresa vai fechar a alienação das barragens no rio Douro, por mais de dois mil milhões de euros, e já anunciou a venda de uma central de ciclo combinado em Espanha. Há ainda ativos de energia eólica fora de Portugal que estão no mercado.

Ainda que estas operações correspondam à concretização do novo plano estratégico, a narrativa que o acompanha soa a mais do mesmo. Ou seja, a EDP mantém a ambição renovável, comum a todas as empresas de energia e em linha com o discurso da sustentabilidade e as metas políticas da descarbonização. E nota-se um cansaço no discurso e uma repetição de slogans.

Pelo caminho ficaram conversas e abordagens com outras grandes empresas mundiais do setor que poderiam ter alterado o perfil da EDP e dado um oportunidade de ascensão na carreira a António Mexia que já só poderia acontecer, pelos menos como gestor, fora de Portugal.

As rendas que perseguem a EDP

O tema das rendas excessivas, sinalizado em relatórios internacionais, não largava a EDP nem os seus gestores. Em 2014, o Governo de Passos Coelho, já com Jorge Moreira da Silva na pasta da Energia, avançou com a contribuição extraordinária sobre o setor energético. Mas o que deveria ter sido uma taxa feita à medida dos ganhos da EDP, e que teria como principal objetivo abater o défice tarifário, foi suavizada depois de uma intervenção do presidente executivo da elétrica que, acompanhado por João Manso Neto, foi ao Parlamento expor ao grupo parlamentar do PSD as suas queixas em relação à contribuição. A versão final seria menos má para a EDP, mas, para não penalizar as contas do Estado, teve de ser estendida a outras empresas, como a Galp.

A contribuição extraordinária foi o primeiro grande golpe nos ganhos da elétrica no mercado português. Apesar das muitas reclamações, a EDP aceitou pagar, ao contrário do que fez a Galp de Américo Amorim, que sempre a contestou. Só quando a taxa extraordinária se prolongou sem fim à vista é que a elétrica suspendeu o seu pagamento. Voltou a pagar depois de uma negociação com o Governo de António Costa que permitiu baixar o preço da eletricidade em 2019, o que aconteceu após uma remodelação governamental que substituiu um secretário de Estado incómodo. Jorge Seguro Sanches tomou várias decisões contra os interesses da empresa e que foram todas impugnadas judicialmente.

Uma delas foi anular um despacho do seu antecessor, Artur Trindade, assinado no final de mandato que permitia às elétricas passar uma parte dos custos com a contribuição e a tarifa social para os preços da eletricidade. Este mecanismo, de neutralidade com Espanha, chamado de clawback, tem sido apontado como vantajoso para as empresas e a ligação entre esta decisão e a contratação do pai do ex-secretário de Estado como consultor pela EDP criou uma nova linha de suspeitas. Em funções, Artur Trindade também ordenou uma auditoria a ganhos da EDP nos serviços de sistema que deu origem a uma condenação por abuso de posição dominante por parte da Autoridade da Concorrência.

A relação com o Governo socialista melhorou — muito porque a nova tutela de Matos Fernandes e João Galamba assume que precisa da empresa para executar as metas para a descarbonização. As conclusões da comissão parlamentar de inquérito à rendas excessivas da energia não tiveram grande impacto material para a EDP, mas ficou o dano reputacional e horas e horas de afirmações negativas contra a empresa inflamaram suspeitas contra os gestores e decisores políticos.

Na sua intervenção inicial na comissão de inquérito, que demorou mais de uma hora a ler, o presidente executivo da EDP procurou desmontar todas as acusações de ganhos excessivos ou irregulares. Começou com frases fortes: “Chega de manipulação e distorção de factos e números. (…) Não há rendas excessivas na eletricidade. A única coisa que é excessiva é a demagogia e a manipulação.”

As denúncias de portas giratórias com a transferência de consultores dos gabinetes governamentais para empresas do setor da energia fizeram mossa e deram gás à investigação criminal. Invocando novos factos — e também novas operações suspeitas, como o pagamento de trabalhos a mais na barragem do Baixo Sabor —, o Ministério Público avançou com um pedido de agravamento inédito das medidas de coação aplicadas aos gestores da elétrica ainda durante a fase de inquérito.

O fim da linha para o sobrevivente?

Desde 2017 que António Mexia e João Manso Neto, a par de outros atuais e antigos gestores, tinham sido constituídos arguidos na investigação do caso EDP. Mas, ao contrário de outros administradores no passado, estas medidas de coação da justiça não os impediram de se manter nos cargos.

Quando foram conhecidas as suspeitas, os membros do conselho geral e de supervisão — e, em tese, os principais acionistas da EDP — vieram a público em conferência de imprensa reforçar a sua confiança na equipa de gestão e nos dois membros constituídos arguidos. Essa confiança foi renovada quando deram novo mandato a António Mexia, presume-se que o último para o gestor que tem 63 anos, e a João Manso Neto. E mesmo depois da suspensão do exercício dos cargos e da proibição imposta a contactos com pessoas da EDP, decretadas na semana passada, a reação institucional da empresa é a de que as suspeitas da justiça em relação a ganhos ilegítimos não têm fundamento. “A EDP reafirma que, relativamente às matérias em causa, não houve qualquer irregularidade que lhe possa ser imputada. O enquadramento legal existente desde 2004, as decisões da Comissão Europeia de 2004, 2013 e 2017 com estudos e pareceres independentes sobre estas matérias demonstram que os montantes devidos pela cessação dos CAE (contratos de aquisição de energia) e transição para o regime de CMEC (custos de manutenção contratual) e o montante pago pela extensão da utilização do DPH (domínio público hídrico) foram justos e nos termos das condições de mercado”. O comunicado do conselho geral e de supervisão, órgão liderado por Luís Amado que fiscaliza a gestão executiva, acrescenta foram entregues documentos “que sustentam a posição da EDP quanto à inexistência da obtenção de quaisquer benefícios indevidos”, concluindo que “toda a argumentação associada a actos de favorecimento da EDP não tem fundamento.”

A tomada de posição parece manter a expetativa de que a suspensão de funções imposta a António Mexia e Manso Neto é temporária. Miguel Stilwell de Andrade foi nomeado CEO interino, “enquanto se verificar o impedimento do Dr. António Mexia, e em acumulação com as atuais funções”. Mas é uma solução que tem os dias contados. O mandato dos gestores suspensos termina no final do ano e não é evidente se o processo judicial irá ter desenvolvimentos que permitam clarificar o atual quadro.

Nos perfis publicados nos últimos anos, António Mexia é apontado como um sobrevivente e como um homem que teve sempre boas relação com o poder. O presidente da EDP parecia ser o último de uma geração de gestores e talentos da banca que queria mudar muita coisa, mas que saíram de cena ou caíram em desgraça.

Os anos da troika e o período que se seguiu assistiram à queda de pessoas e instituições que antes eram consideradas inquestionáveis, algumas das quais são frequentemente associadas a António Mexia, seja o BES e Ricardo Salgado, ou Zeinal Bava, o ex-presidente da Portugal Telecom, com quem tinha em comum prémios internacionais para melhor gestor.

Apesar de formalmente ter sido apresentada pelo conselho geral e de supervisão, a escolha do administrador financeiro para CEO interino ainda foi feita com a intervenção de António Mexia. Depois de ter renunciado a uma saída diplomática no final do mandato em 2018, parece determinado em impedir que este processo judicial lhe tire aquilo que os acionistas da EDP lhe deram ao longo de cinco mandatos.

Numa entrevista dada em 2010 ao jornal “i”, numa resposta a sobre as suspeitas que rodeavam à data o então primeiro-ministro José Sócrates, relacionadas com o caso Freeport, António Mexia alertava para “uma certa poluição” e defendia que se deve “evitar o principal risco que Portugal hoje tem, que é o risco da mediocridade lenta”. E, para tal, “as elites sociais, empresariais têm de assumir as suas responsabilidades e não assobiar para o lado. É isso que tento fazer enquanto cidadão e como presidente da EDP. (…) O que me preocupa é evitar a degradação da qualidade institucional em Portugal. A facilidade com que queremos degradar a imagem das instituições é assustadora”.

Para Mexia, a missão da política e das elites “passa por uma mudança da responsabilidade de quem gere a riqueza para criar novos horizontes, novos empregos.” E continuava: “Quem consegue beneficiar de um sistema e criar riqueza tem de devolver a essa sociedade. Essa responsabilidade hoje em Portugal é menor do que deveria ser. Há exemplos do contrário: a EDP, a Jerónimo Martins e o BES”. E só há esses três? “Há outros. Hoje digo estes. Amanhã diria outros. Claro que a EDP estaria sempre presente”.



Ana Suspiro

13 jul 2020,

António Mexia.

António Luís Teixeira Guerra Nunes Mexia. Foi demitido no arranque da carreira, mas chegou a gestor mais bem pago do país.

Antes da EDP Mexia já dava nas vistas. Fez a ponte para o projecto da Autoeuropa, mas acabou demitido. Na Galp, estava em vias de perder o cargo, quando Santana o chamou. Parte 1 de um perfil essencial

O nome de António Mexia é praticamente sinónimo de EDP depois de 14 anos de liderança, divididos por cinco mandatos, que atravessaram cinco governos, um resgate financeiro a Portugal, uma mudança de accionista de referência, uma comissão parlamentar de inquérito e uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) falhada. A suspensão de funções de presidente executivo na maior empresa portuguesa, determinada por ordem judicial no quadro do inquérito-crime ao caso EDP, veio pôr um travão a uma carreira única na administração de empresas portuguesas. O presidente da EDP e o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, enfrentam suspeitas de corrupção activa e participação económica em negócio.

Mas até chegar a ser o gestor mais bem pago de Portugal — em 2019 recebeu uma remuneração bruta de 1 milhão de euros, mais 325 mil euros de bónus pelos resultados de 2018 e mais 826,4 mil euros de prémios  atribuídos pelo ano de 2016 e só agora pagos — há um António Mexia com uma carreira de sucessos e também desaires. Ao longo desses anos, ganhou fãs e conquistou aliados — e fez inimigos.

A carreira de António Mexia no mundo dos negócios arrancou no final da década de 198o, a protagonizar os contactos iniciais, e decisivos, para captar o maior investimento industrial que Portugal viria a ter no ciclo de pós-adesão à então Comunidade Económica Europeia. Foi ele quem enviou a carta ao responsável do construtor americano Ford em que afirmava a intenção do Governo português de conceder um pacote elevado de incentivos financeiros para trazer a fábrica de automóveis que a Ford/Volkswagen queria instalar na Europa — e que hoje todos conhecem como Autoeuropa. Havia vários países na corrida e o número que Mexia pôs em cima da mesa era suficientemente elevado para chamar a atenção dos construtores e colocar Portugal em bom lugar nesta corrida.

Entre 1988 e 1990, António Mexia começou a chamar a atenção no mundo dos negócios. Quem trabalhou com ele — ou perto dele — descreve uma pessoa brilhante, com iniciativa e capacidade de afirmação, com ideias inovadoras e capacidade de as executar, sem medo de decidir. Sabia escolher muito bem equipas e mostrou logo capacidade de liderança. Tudo isso fez com que fosse convidado para cargos de responsabilidade e direcção logo no início da carreira. Talvez essa reduzida experiência como subordinado ajude a explicar porque também despertou cedo os primeiros ressentimentos e inimizades, algumas das quais o iriam acompanhar ao longo de muitos anos.

A conquista da Autoeuropa e o despedimento público

Nos anos 80, conquistar aquela que viria a ser a futura Autoeuropa era uma missão prioritária para o Governo do PSD, liderado por Cavaco Silva. Mas desde logo foram visíveis as tensões internas entre os decisores políticos e as suas equipas — cada um deles lutava para aparecer associado aquele grande projecto.

Quem parecia estar a ganhar esta corrida era o lado do ministro do Comércio, Joaquim Ferreira do Amaral, que tinha como assessor João Líbano Monteiro (que viria a fundar uma das mais importantes agências de comunicação do país) e António Mexia no ICEP (Instituto do Comércio Externo de Portugal, hoje AICEP). Do outro lado estava o Ministério da Indústria, liderado por Luís Mira Amaral, cujo papel na atracção do projecto também era importante, mas que não conseguia o mesmo protagonismo na opinião pública que resultava das declarações de António Mexia aos jornais. Anos mais tarde, quando se voltaram a reencontrar no sector da energia, Mira Amaral, esteve quase sempre no lado oposto às estratégias defendidas por Mexia.

Mexia tinha chegado ao gabinete do secretário de Estado do Comércio, Miguel Horta e Costa, em 1986, aos 29 anos,  por sugestão de António Borges, que o conhecia do meio académico. A carreira de Mexia como professor de Economia começara na Suíça, onde se licenciou na Universidade de Genebra, e prosseguiu em Portugal, na Nova e na Católica.

Após dois anos de trabalho no seu gabinete, Miguel Horta e Costa achou que António Mexia era uma boa aposta para o ICEP, a agência que tinha a missão de captar investimento estrangeiro, e juntou-o a um quadro do Estado de reconhecida competência, António Alfaiate, que tinha sido director-geral do Comércio.

Mas o que no papel pareciam dois perfis complementares veio a revelar-se um desastre. Não havia química entre os dois, tinham formas de pensar diferentes, a relação profissional e pessoal era péssima. O mal-estar era profundo dentro do ICEP, onde o presidente António Alfaiate se sentia permanentemente desautorizado. António Mexia não lhe respondia em termos hierárquicos, mas sim ao secretário de Estado e ao ministro — e deixava o presidente às escuras sobre o estado das negociações com os americanos da Ford.

Quando Joaquim Ferreira do Amaral deixou a pasta do Comércio para assumir as Obras Públicas, o novo ministro, Fernando Faria de Oliveira, foi confrontado com uma situação insustentável na relação entre os principais executivos do ICEP. Com o maior projecto internacional em jogo, sentiu que precisava de resolver o impasse. O secretário de Estado que ficou com a tutela do Comércio, Neto da Silva, ainda fez uma tentativa para clarificar as competências dos gestores desavindos. Mas a única coisa em que os dois concordavam era que nenhum deles queria trabalhar com o outro e isso selou o seu destino. A solução foi despedir toda a administração do ICEP, uma demissão que até foi pré-anunciada nos jornais.

Resolvido o problema, foram nomeados para a agência Pedro Almeida e Athaide Marques, que mais tarde viria a assumir a presidência. Será esta equipa, com a tutela de Neto da Silva e do ministro Faria de Oliveira, que irá fazer aterrar com sucesso a fábrica de Palmela, um investimento inicial de 430 milhões de contos (qualquer coisa como 2150 milhões de euros).

O contracto foi assinado meses depois da mudança de protagonistas, em Junho de 1991. António Mexia já não apareceu na fotografia, mas o seu nome ficou ligado à história de sucesso que trouxe a fábrica da Autoeuropa para Portugal, como aliás recorda Luís Palma Féria na sua história do sector automóvel em Portugal. Mexia teve a visão chamar a atenção dos investidores com a promessa de grandes apoios financeiros — ainda que depois tenha sido necessário renegociar em baixa os valores referenciados.

A demissão pública não afectou a carreira de António Mexia, que logo no mesmo ano, em 1990, entrou para a administração do Banco Espírito Santo de Investimento, na altura ESSI. A família Espírito Santo estava já na pole position para recuperar a jóia do grupo, o BESCL (Banco Espírito Santo) numa privatização feita à sua medida. Ricardo Salgado ainda não era o presidente todo-poderoso, mas já tinha grande influência.

É no ESSI que António Mexia se cruza com outro jovem promissor gestor, António Carrapatoso (hoje presidente do conselho de administração do Observador). A convivência é curta porque Carrapatoso começa a trabalhar no projecto da Telecel, que iria explorar a segunda rede móvel em Portugal. Depois de montado o projecto e encontrados os investidores — o grupo Espírito Santo seria um deles, tal como Américo Amorim — o jovem gestor do ESSI dá o salto para presidente da Telecel Vodafone, onde ficaria até 2014.

Do GES ao gás, com Pina Moura e o cunhado de Guterres

Não é claro como Mexia arranja o emprego no ESSI, onde o pai também trabalhou. Mas, por essa altura, já conhecia António Moura Santos, um empresário e intermediário de grandes negócios que iam desde as compras de carvão para a EDP (ainda uma empresa pública) a operações montadas pelo banco de investimento do Grupo Espírito Santo.

Moura Santos terá desempenhado um papel determinante na viragem da carreira de António Mexia, anos mais tarde. Quando António Guterres chega a primeiro-ministro, Moura Santos passou a ser conhecido nos bastidores  como “o cunhado de Guterres”. Parecia estar em todos os grandes negócios, sempre na sombra, nunca como protagonista mas sempre como intermediário — o homem que apresenta alguém a alguém e faz o negócio acontecer, ganhando alguma coisa com isso (seja dinheiro ou influência).

Neste caso, António Moura Santos terá apresentado António Mexia a Joaquim Pina Moura. O então ministro da Economia teria conhecido o irmão da primeira mulher do primeiro-ministro em casa deste, depois de ter conquistado a confiança de Guterres nos anos em que foi seu secretário de Estado Adjunto.

A apresentação dos dois, num jantar em casa de Moura Santos, tinha como objectivo indicar um dos pivôs da reorganização do sector energético que o então ministro da Economia ia promover, de encontro às propostas apresentadas pelos grandes grupos portugueses que eram accionistas da Petrogal, e cuja liderança estava nas mãos do Grupo Espírito Santo e de Ricardo Salgado.

De acordo com um perfil publicado em 2017 pela revista do Público, Moura Santos terá mais do que uma intervenção na carreira de gestor de António Mexia. É certo que os dois se conheciam e tinham trabalhado em pelo menos um projecto comum quando o gestor estava na banca de investimento: a construção de centrais de cogeração no Brasil, uma operação que juntou Moura Santos, a Partex e a EDP. A energia viria a marcar o futuro de António Mexia.

Após anos de prejuízos e sem conseguir crescer fora de Portugal, a Petrogal era à data o patinho feio das grandes empresas industriais que o Estado queria vender. Os privados nacionais — GES, Monteiro de Barros, Amorim — estavam fartos de ter capital empatado numa empresa que foi várias vezes ao mercado, mas que ninguém parecia querer. Foram bater à porta de Pina Moura com um projecto de juntar o gás natural ao petróleo. O mercado de gás natural estava em pleno crescimento, alimentado por investimentos de muitos milhões de euros, uma expansão que se fazia à custa do petróleo. O Estado controlava duas empresas: a Gás de Portugal que tinha a distribuição aos clientes finais, e a Transgás que construía a rede e tinha os contractos de abastecimento. Foi por proposta dos privados da Petrogal que nasceu a Galp, uma holding que juntou o petróleo e o gás, dois braços do mesmo grupo. E, para dirigir o braço de maior potencial — o gás — foi escolhido António Mexia.

Das guerras internas na Galp à liderança

O gestor chega à liderança das empresas de gás em 1998, tinha 41 anos, onde irá trabalhar na criação da holding da energia que foi vendida por um bom preço à petrolífera italiana Eni. O negócio permitiu aos privados nacionais encaixar uma mais-valia significativa na venda da sua participação e, como bónus, tiveram direito a uma isenção do imposto sobre os ganhos extraordinários. Tinha compensado juntar o gás ao petróleo.

Na liderança da Petrogal estava o carismático Manuel Ferreira de Oliveira, que tinha regressado a Portugal depois de uma carreira internacional bem sucedida. Rapidamente Ferreira de Oliveira entra em choque com o novo projeto para o grupo Galp que dava prioridade ao gás natural, em prejuízo do petróleo, na estratégia e nos recursos.  Demite-se com avisos de que a italiana Eni iria tomar conta da Galp.

À frente da holding do gás natural estava outro expatriado regressado, Bandeira Vieira, que tinha feito carreira na petrolífera belga Fina. Bandeira Vieira vai manter o projeto de Ferreira de Oliveira de desenvolver a área de exploração e produção de petróleo, com concessões em Angola e também no Brasil. Mas as tensões na holding de energia não terminam com a saída de Ferreira de Oliveira — também há conflitos entre o presidente da Galp e o gestor do gás.

Saem notícias a dizer que Bandeira Vieira falou com o ministro Pina Moura pedir a demissão de António Mexia. Mas quem acaba por sair é ele, numa demissão nunca explicada. Bandeira Vieira deu uma entrevista final ao Diário Económico a contar a sua versão, mas foi ameaçado com a perda da indemnização e as suas declarações nunca foram publicadas. Pelo caminho ficou também Jorge Santos Silva, um gestor da Shell que tinha substituído Ferreira de Oliveira na Petrogal e feito um emagrecimento da área dos combustíveis.

A saída dos dois gestores deixa aberto o caminho para António Mexia assumir sozinho a liderança executiva da Galp Energia. Com Rui Vilar a ocupar o cargo de chairman, Mexia chega a CEO de uma das maiores empresas portuguesas em 2001, ainda no Governo de António Guterres e com Pina Moura na tutela.

Aos 44 anos tem um percurso invejável, mas foi fazendo inimigos pelo caminho. Um dos mais visíveis publicamente terá sido Ferreira de Oliveira. Os dois homens foram vice-presidentes no início da Galp e trabalharam pouco tempo juntos, mas foi suficiente para os colaboradores de ambos sentirem o choque de personalidades, dizem várias fontes. Mexia era um homem da banca e do mundo, Ferreira de Oliveira era um engenheiro e um homem do petróleo.

A saída de Ferreira de Oliveira e a recentragem da Galp do petróleo para o gás natural não caiu bem dentro de algumas estruturas da Petrogal que se consideravam prejudicadas no acesso a cargos de chefia por pessoas contratadas ou promovidas por António Mexia. Por outro lado, o gestor confrontava-se com o que achava ser uma estrutura de “empresa pública”, com muitos cargos e assessorias que não faziam sentido. Uma das pessoas afastadas pelo gestor, mas neste caso na Gás de Portugal, foi Henrique Gomes, com quem António Mexia veio a confrontar-se já na EDP nos primeiros meses da chegada da troika a Portugal.

Se é certo que fez inimigos, foi também na Galp que encontrou, e em alguns casos contratou, os quadros que o iriam acompanhar nas etapas seguintes da sua carreira. Foi igualmente quando estava na empresa que fez aliados que iriam ser preciosos mais tarde. Um dos principais foi Pedro Santana Lopes, que o gestor terá conhecido quando deu uma conferência sobre energia na Figueira da Foz, município que era então dirigido pelo social-democrata.

Quase todos os que o conhecem — mesmo os que não gostam dele — destacam a inteligência, a visão, o pragmatismo e a capacidade de comunicação e de estabelecer relações com quem o rodeia. Mas pode passar nos corredores sem dizer bom dia, mesmo que também seja capaz de mostrar empatia pessoal. E é muito focado nas suas prioridades: consegue ouvir e processar o que lhe dizem mesmo quando não concorda. E às vezes (poucas) até o conseguem fazer mudar de ideias.

Também há quem lhe aponte um certo calculismo nas relações e a preocupação em cultivar as ligações certas com o poder, seja económico, político ou accionista, para ele próprio se manter no poder, um traço que se terá reforçado depois da experiência que viveu na Galp com a mudança política que se dá em 2002.

Muda o Governo, muda a estratégia. Fica o gestor, mas em equilíbrio precário

Foi na presidência da Galp que António Mexia enfrentou as dificuldades da falta de sintonia política. Depois de ter mantido uma excelente relação com Pina Moura, alinhados na mesma estratégia, eis que António Guterres cai e chega ao poder Durão Barroso. Teoricamente mais próximo de um Governo do PSD, o então presidente da Galp tinha uma ótima relação com um dos mais importantes barões do partido, Pedro Santana Lopes — mas Santana não estava no Governo.

A pasta da Economia foi entregue a Carlos Tavares, que estava preocupado com as duas maiores empresas da energia onde o Estado era acionista. A Galp estava em risco de cair nas mãos da Eni; e a EDP estava em conflito com a ex-parceira Iberdrola. A elétrica espanhola era muito maior e mostrava um grande apetite por Portugal, a EDP precisava de ganhar músculo para lhe fazer frente.

Homem da banca, Tavares chamou outro ex-banqueiro. João Talone (accionista do Observador) estava livre para estudar a reorganização do setor depois de sair do BCP. E propôs desfazer aquilo que Pina Moura (e António Mexia) tinham feito: obrigar a Galp a vender o gás natural à EDP e à Eni, abandonando este negócio, ao mesmo tempo que se livrava da incómoda empresa italiana no seu capital. Carlos Tavares não só aplaudiu a solução como convidou o seu promotor a executá-la, nomeando João Talone presidente da EDP.

Foram anos duros para António Mexia, apesar do apoio de outro social-democrata, Joaquim Ferreira do Amaral que substituiu Rui Vilar na presidência não executiva da Galp. Mexia estava do lado errado das opções políticas pela primeira vez na sua carreira.

O distanciamento face ao poder político era visível até na distribuição de lugares numa viagem oficial que Durão Barroso fez a Angola em 2003. Num avião recheado de empresários e gestores, a Galp era à data um investidor fundamental no país. O presidente da EDP, João Talone, seguia na classe executiva perto do primeiro-ministro e dos homens da banca. Já a equipa de gestores da Galp seguia mais atrás, a meio do avião, apanhando com o fumo das últimas cadeiras. António Mexia evitava fumar porque tinha um problema de asma, mas não resistia a um cigarro pontual, sobretudo depois de ir trabalhar para a EDP.

A cadeira ao lado de Durão Barroso estava vazia, mas ia sendo ocupada por pessoas que queriam ter uma conversa mais particular com o primeiro-ministro.  Uma delas foi Ferreira do Amaral — o chairman da Galp era o pivô das relações institucionais com um Governo hostil aos interesses dos então gestores da empresa.

O que terá começado por uma estratégia divergente, rapidamente evoluiu para um conflito de natureza mais pessoal, ou pelo menos de estilos. Mexia estava habituado a gerir sem interferência das tutelas, mas Carlos Tavares queria deixar claro que quem mandava era ele, porque o Estado e as empresas do Estado tinham mais capital na Galp.

O ministro não gostou de várias atitudes dos gestores da empresa e chegou a contrariá-las em público. Quando Ferreira do Amaral confirmou a intenção de vender a produção de petróleo em Angola, que estava a dar os primeiros frutos, o ministro da Economia corrigiu-o, em declarações aos jornalistas nas quais garantiu que a decisão cabia ao acionista Estado. Esta operação tinha sido defendida por António Mexia como forma de canalizar recursos financeiros do petróleo, que exigia muito investimento, para o gás, mas o então Presidente da República Jorge Sampaio interveio e travou a transação.

Outra fonte de conflito foi a entrada em Bolsa da Galp, que iria conduzir a uma redução do poder do Estado. Numa viagem a Madrid, António Mexia falou aos jornalistas num calendário para a operação e, quando as notícias chegaram a Lisboa, Carlos Tavares ficou furioso e telefonou logo ao presidente da Galp. A perturbação foi tal que Mexia e alguns membros da comitiva perderam o avião de regresso a Lisboa. No dia seguinte, o ministro da Economia repetiu em público o que terá dito em privado: quem decide a privatização da Galp é o Governo.

A refinaria de Matosinhos que Mexia queria fechar, por não ser um ativo muito rentável, foi outro ponto de frição com o Governo. As relações atingiram o ponto mais baixo quando o ministro da Economia lançou um concurso para vender a Galp sem o gás natural.

Esta foi uma das operações mais disputadas de uma empresa do Estado, com três fortíssimos concorrentes. Um deles era o fundo americano Carlyle, associado a alguns dos antigos acionistas portugueses da Petrogal, incluindo o Grupo Espírito Santo, e que seria o favorito de António Mexia. Se ganhasse, este ficaria no cargo, de acordo com a imprensa da altura. Mas quem venceu foi um consórcio formado pelo BPI e empresários do Norte, liderado por Ferreira de Oliveira, o antigo rival da Petrogal. Com este desfecho — a operação não viria a concretizar-se porque o negócio foi chumbado pela Comissão Europeia de Durão Barroso, mas Ferreira de Oliveira chegou à presidência da Galp depois de Américo Amorim se tornar o maior acionista — , só restava a António Mexia abandonar a presidência da Galp. O que se seguiu foi totalmente inesperado.

Presidente da Galp em risco chega a ministro

Em junho de 2004, Portugal estava absorvido pelo Euro — do qual a Galp era uma das patrocinadoras e o seu presidente executivo andava a distribuir camisolas da seleção — quando Durão Barroso abandona o Governo para presidir à Comissão Europeia. Pedro Santana Lopes, que era então presidente da Câmara de Lisboa, sobe a primeiro-ministro, sem eleições. E leva consigo António Mexia para um inesperado cargo de ministro das Obras Públicas. Será a estreia política do gestor e, apesar de ser um Governo curto e de grande turbulência, Mexia não se dá mal no cargo. Um dos seus grandes trunfos é a amizade e grande empatia que tem com Santana Lopes. Mexia fora seu apoiante desde os tempos do agora primeiro-ministro como autarca na Figueira da Foz.

Outro aliado de Mexia foi Álvaro Barreto, ministro Adjunto e da Economia, que apoiou o colega das Obras Públicas quando este decidiu segurar Fernando Pinto na TAP. A equipa de gestores brasileiros, que à data era muito respeitada pelo trabalho feito na companhia, estava de saída para dar lugar a Cardoso e Cunha, um peso pesado do PSD. Assim que chegou a ministro, António Mexia travou esta nomeação e manteve a administração da TAP. Cardoso e Cunha e o colega de Governo que tinha a Energia (Sampaio Nunes) viriam a integrar o grupo de personalidades que apresentou uma queixa na Comissão Europeia contra o negócio feito entre o Estado e a EDP liderada já por Mexia sobre as barragens.

Nos oito meses em que esteve no cargo, Mexia foi sobretudo um decisor com as costas quentes. Tinha a reputação de competência num Executivo com tinha muitos erros de casting, contava com o apoio do primeiro-ministro e uma comunicação eficaz. Ao seu lado, estava como secretário de Estado, estava Jorge Borrego, um quadro da energia que António Mexia tinha levado para a Gás de Portugal e mais tarde para a Galp.

Mexia decidiu praticamente tudo o que havia para decidir e estava pendente no Ministério das Obras Públicas. Afinal, um dos lemas que assenta no seu estilo de gestão, de acordo com um antigo colaborador, é o de que vale mais uma decisão imperfeita no tempo certo do que uma boa decisão fora de prazo.

O ministro apresentou uma solução para a cobrança de portagens nas Scut (com uma tecnologia que viria ser implementada anos mais tarde por um governo socialista); indexou o preço dos passes sociais à evolução do custo dos combustíveis; apresentou um plano para sanear as empresas públicas de transporte que introduzia prémios e critérios de gestão por metas; lançou a ideia singular para uma expansão do Metro de Lisboa que serviria os bairros históricos da capital.

Um TGV e duas pontes em véspera de eleições

Já nos últimos dias como ministro, e com eleições marcadas, não resiste a uma tentação comum aos políticos e anunciou o projeto para a linha de TGV entre Lisboa e Porto (em 2003, o Governo de Durão Barroso tinha anunciado quatro ligações de alta velocidade, três com Espanha e uma interna). O traçado combinava troços novos e partes modernizadas da Linha do Norte. Era um investimento de 3,8 mil milhões de euros para ligar as duas cidades em 1h35 minutos até 2012 e  que envolvia ainda a construção de uma nova travessia (ferroviária) sobre o Tejo, que seria provavelmente no eixo Chelas/Barreiro. Antes foi estudada, e afastada, a possibilidade de o TGV entrar pela Ponte 25 de Abril, porque limitaria um serviço ferroviário de alta prestação pretendido.

Mas não ficou por aqui. Com base num parecer do Conselho de Obras Públicas, António Mexia anunciou ainda a construção de uma ponte (ou túnel) rodoviária entre Algés e Trafaria, uma velha aspiração da concessionária Lusoponte que seria financiada por fundos privados e receitas de portagem.

O tempo não permitiu avaliar se seriam decisões fundamentadas, ou sequer executáveis (como o metro ligeiro nas colinas de Lisboa). José Pacheco Pereira, no programa da TVI24 “Circulatura do Quadrado”, recordou esta semana o anúncio onde Mexia propôs uma nova travessia sobre o Tejo como sendo “completamente impreparado”: “Não sabia se era por túnel, se era por ponte, onde é que começava e onde acabava. Essa conferência, dada supostamente como ministro das Obras Públicas, foi uma farsa eleitoral que desqualifica quem a faz”.

Quando o confrontaram com o timing político destas decisões, o então ministro argumentou que seria “insustentável” adiar a tomada de decisões sobre a gestão da mobilidade das pessoas”, sobretudo quando são projetos que demoram anos a concretizar-se.

Muitas destas decisões foram revertidas pelo PS em 2005. Mas algumas ficaram, como a escolha de António Ramalho, gestor que também vinha da banca e estava a trabalhar para a rede de alta velocidade, para a presidência da CP, as negociações que levaram a TAP a comprar a Portugália ao Grupo Espírito Santo, e o projeto da ponte Chelas/Barreiro ligado ao TGV que acabou por não sair do papel.

A passagem de Mexia pelo Governo ficou marcada por uma decisão dramática tomada em poucas horas numa sexta-feira à noite: o encerramento do túnel ferroviário do Rossio, por onde chegava a maioria dos comboios da Linha de Sintra. Foi a resposta a um relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) que alertava para uma deficiência estrutural no túnel com risco para a segurança. O problema era conhecido e já há muitos anos que a gestora da rede queria fazer obras neste túnel, mas não se entendia com a CP por causa da perturbação nos horários. A situação ter-se-á agravado, segundo a Refer.

A proposta de encerrar o túnel recebeu luz verde do secretário de Estado, Jorge Borrego, e também do ministro António Mexia, depois de a comunicar a Santana Lopes. O primeiro-ministro ainda terá perguntado se seria possível esperar por segunda-feira para reorganizar a oferta de comboios, mas no Ministério ninguém quis arriscar: a Ponte de Entre-os-Rios tinha caído apenas quatro anos antes.

Apesar de admitir que “não havia nada que impedisse que o túnel continuasse a laborar”, o então ministro sublinhou que havia um risco numa zona de 40 metros. “Seria necessário intervir. Porque deveríamos adiar a intervenção se era necessária?” Depois de uma madrugada a refazer os horários com as empresas de transportes, no sábado, 23 de outubro de 2004, o túnel fechou. Só reabriu mais de três anos depois, com uma grande derrapagem nos custos e no calendário previstos para a obra.

Quando é aprovado em Conselho de Ministros o ajuste direto desta obra por 50 milhões de euros, dada a “extrema urgência”, o Governo de Santana Lopes já tinha os dias contados. A demissão acontece em novembro e as eleições são em fevereiro do ano seguinte. Mexia fica ao lado do líder do PSD e coordena o programa político que o partido leva a votos. Se ganhasse, estaria na calha para ser super-ministro.

Em fevereiro de 2005, José Sócrates conquista a primeira maioria absoluta para os socialistas. Os tempos eram de mudança, mas nem todas foram previsíveis. Depois do apoio a Santana Lopes, que se demite da liderança do PSD, António Mexia está desempregado e sem aparentes oportunidades de carreira em empresas onde o Estado tinha influência.

De um Governo à direita ao maior cargo da vida com a bênção do PS

No início de 2004, António Mexia foi um dos fundadores do Compromisso Portugal. O movimento de gestores e empresários mais jovens e internacionais opunha-se a visões mais tradicionais da defesa dos centros nacionais que até então dominavam a classe empresarial. O movimento, que tinha como porta-voz António Carrapatoso,  então presidente da Vodafone, defendia também um maior liberalismo económico e queria colocar na agenda as reformas estruturais no Estado que, do seu ponto vista, Durão Barroso não estava a promover.

À data presidente da Galp, António Mexia esteve no movimento inicial, mas não foi um das figuras mais centrais nos trabalhos deste movimento que reuniu no Convento do Beato centenas de pessoas em fevereiro de 2004. Mas foi lá que se cruzou com várias personalidades com quem partilhava alguns conceitos económicos e ideológicos e que tiveram ou vieram a ter alguma influência na sua carreira. Entre eles António Borges, Paulo Teixeira Pinto e Diogo Vaz Guedes.

Terá sido Mexia a propor para secretário-geral do movimento Rafael Mora, o dinâmico partner da consultora de recursos humanos Heidrick and Struggles, que também estava com Nuno Vasconcelos na Ongoing. A consultora ficaria célebre pelo modelo de governo implementado no BCP e que foi o pretexto para o confronto entre Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto. Este modelo foi replicado na EDP quando Mexia foi nomeado e coube à consultora desenhar também o modelo dos prémios de desempenho dos gestores que tanta polémica causou anos mais tarde.

O Compromisso Portugal tem sido apontado como um dos cenários preparatórios para a chamada guerra do BCP, que rebentou em 2007 e que também foi um conflito de gerações e visões empresariais. António Mexia, presidente da EDP há pouco mais de um ano, é visto como um aliado de Paulo Teixeira Pinto. O núcleo à volta de Jardim Gonçalves irá atacá-lo pelo papel central que terá tido na definição uma nova solução de liderança para o banco, e que foi desenhado numa reunião entre alguns acionistas na sede da EDP.

Ainda em exercício de funções governativas, Mexia reencontrou-se com os promotores do Compromisso Portugal, que se reuniram com os líderes dos principais partidos antes das eleições de 2005 para os sensibilizar para a sua agenda reformista e produziram uma avaliação dos programas partidários. Na crítica ao programa do PSD, coordenado por Mexia, reconheceram uma maior clareza nos princípios, valores e compromissos, mas apontaram várias falhas na definição do papel do Estado e na especificação de medidas. No capítulo sobre a reforma do sistema político, concluíram que o PSD “esquece” o tema, enquanto os socialistas apontam caminhos.

Livre depois das eleições de 2005, Mexia terá ponderado ficar na política, tendo admitido que “gostou imenso”  da experiência como ministro. As fotos desse tempo mostram quase sempre um homem descontraído e à vontade no seu papel.

Um perfil publicado pela revista Sábado em 2004, quando foi para o Governo, mostra um outro lado, pessoal e familiar, do executivo de empresas. Desde andar à boleia e servir mesas em restaurantes na Suíça, onde estudou, para ajudar a pagar as despesas, até è relação com a filha então criança e a referência à primeira mulher, que era pianista (António Mexia está atualmente com Guta Moura Guedes, presidente da associação da ExperimentaDesign), Nesse artigo fala-se também da paixão pela música, desde a clássica à pop, e da prática de desportos como o ténis, a equitação ou o ski, apesar de a natação se ter tornado a opção para quem desenvolveu problemas nas costas. Entre os amigos contavam-se artistas, como por exemplo Rodrigo Leão, e há quem se lembre de o ver aparecer de boina basca quando passava pela empresa ao fim de semana.

Mas, tal como aconteceu a outros quadros empresariais e da gestão ligados ao PSD, a carreira política a que nunca fechou a porta não arrancou. Colaboradores próximos admitem que o gestor estaria pouco disponível para fazer aquilo que seria necessário para chegar mais longe. Não era pessoa para andar a distribuir cumprimentos pelos populares.

No verão de 2005, o seu nome é então falado para presidir à Vivo, a operadora móvel brasileira que a Portugal Telecom dividia com a espanhola Telefónica. A ideia terá vindo de Miguel Horta e Costa, o antigo secretário de Estado que contratou Mexia para o seu gabinete e que era à data presidente da PT. Mas a sugestão não reúne o necessário consenso.

A Telefónica, cuja área internacional era então liderada pelo português António Viana Batista (accionista do Observador), torce o nariz à escolha de Mexia. Estava previsto entre os dois sócios que, depois da saída do primeiro gestor português da Vivo, a empresa seria gerida por um brasileiro. Já um perfil publicado em 2017, da autoria da jornalista do Público Cristina Ferreira, indica que quem não quis Mexia na Vivo foi Ricardo Salgado. O então presidente do BES, o maior acionista privado da PT, terá receado o desagrado de Sócrates pela escolha de uma pessoa próxima do Governo anterior.

A proximidade de Mexia com o PSD não impediu que, menos de um ano depois e para surpresa de muitos, fosse nomeado para a maior empresa portuguesa, onde o Estado era o principal acionista. O nome do gestor foi avançado pelos principais acionistas privados da EDP, que aliás já o confirmaram ao Ministério Público. Paulo Teixeira Pinto, então presidente executivo do BCP, foi um dos promotores da ida de Mexia para a EDP, tendo sido apoiado pelo grupo José de Mello e pela espanhola Cajastur.

O Governo de Sócrates, onde Manuel Pinho assumia a pasta da Economia, tinha dado aos acionistas portugueses margem para indicarem o sucessor de João Talone. O gestor tinha feito apenas um mandato na liderança da elétrica. Apesar dos sucessos em dar escala à EDP, a sua estratégia de juntar o gás tinha caído em Bruxelas. Talone era visto como muito próximo do Governo de Durão Barroso e, como o próprio contou no Parlamento, não havia uma relação de confiança com o novo Executivo, em particular com o ministro da Economia, que estaria mais aberto às pretensões da Iberdrola de chegar à administração da elétrica.

Num gesto inédito, o presidente executivo da EDP faz um comunicado ao mercado no início do ano a dizer que não pretende fazer um novo mandato. Nele, alerta para a ausência “inaceitável” de uma tomada de posição pública por parte dos acionistas de referência contra a possibilidade de a Iberdrola chegar aos órgãos sociais da elétrica, um recado para o Governo.

Se parece confirmado que foi proposto pelos acionistas privados da EDP, o nome de António Mexia passou sem resistência no Governo socialista, apesar de haver quem preferisse o presidente da REN, José Penedos, um homem do setor que era também do PS e tinha sido secretário de Estado.

Manuel Pinho e António Mexia já se conheciam do Grupo Espírito Santo. As relações pessoais entre os dois não seriam as melhores quando Pinho chegou a ministro porque terá havido divergências do tempo em que Mexia esteve no banco Essi e Manuel Pinho regressou ao grupo BES em 1995, depois de ter tido uma passagem pelo Governo do PSD como diretor-geral do Tesouro. Mas havia outra afinidade entre os dois: António Mexia foi padrinho do filho de Manuel Pinho. O convite terá chegado por ter emprestado a casa em que vivia em Genebra, na Suíça, para Manuel Pinho e a mulher passarem uns dias.

Os dois iriam estar no centro da investigação judicial que agora levou à queda de Mexia. Mas, até chegar aí, o homem que passou de gestor a ministro e de ministro a gestor outra vez passaria 14 anos à frente de uma das maiores empresas portuguesas.

Na segunda parte deste perfil são contadas as histórias dos 14 anos de António Mexia na liderança EDP.

Ana Suspiro – Observador 12 jul 2020,

“Marroquinos” que, só por um acaso, não falam francês…

Em 16 de Junho de 2020. Os 22 migrantes, que alegam ser de origem marroquina,

Tenho de rectificar um comentário que fiz.Disse achar estranho uma embarcação costeira, atrever-se em alto-mar, no Atlântico, com um motor de 50 CV.

Depois de analisar as imagens, constatei que:A embarcação é de pesca costeira, em madeira, pesa mais de 1 tonelada (1000kg).

Não é de alto-mar.

Depois, disse (presumi) que tinha atravessado o Estreito de Gibraltar.

Falso.

Agora sei que partiu da costa Atlântica de Marrocos.

Agora, vamos fazer contas.

Ora só o casco pesa no mínimo 1000kg, agora temos 22 manfias, como passageiros (vamos calcular cerca de 70kg, cada um), temos mais 1600kg. Acrescentar o peso do motor, o combustível e outros, vamos apontar 600 kg. Já vamos em 3200kg.

Agora expliquem lá, como é que um motor de 18 CV (e não 50CV), faz cerca de 300km, (isto em linha recta) em alto mar, sem terra à vista, sem mapas, sem bússola, sem GPS, sem nenhum sistema de orientação?

Expliquem-me também, como estes “marroquinos”, não sabem uma palavra de Francês?

Não têm documentos (deve ser efeito da guerra em Marrocos), mas têm telemóveis e sapatos da Nike.

Se isto não é, mais um caso de invasão do Espaço Shengem, não sei que dizer.

Muito mal a actuação da Marinha Portuguesa, das Forças da Nato, da Policia Marítima e da Defesa Nacional.

Teve de ser um pescador a “acordar” as Autoridades e dar o alerta.

Pelo jeito, estavam todos a dormir no quartel e ninguém se dignou, olhar para o radar.

É mais que evidente, que esta embarcação, veio a reboque de outra e que foram largados a poucas milhas da costa.

Quem foi?

Mistério!

Não se sabe.

Pudera, os gajos que deviam estar a olhar para o radar, estavam a dormir.

Depois do alerta, pânico geral no quartel.

Intercepção no mar.

Que fizeram?

Mandaram-os sair das nossas aguas (com umas boas coimas, em cima)?

NÃO.

Escoltaram-os até terra, fizeram-lhes testes (que eu nunca fiz), deram-lhes, roupa, comida, refrigerantes, transporte e puseram-os num hotel.

Desconhecido

PS: eu como muitos já vimos filmes de como se faz esta emigração…

UM DIA ISTO TINHA QUE ACONTECER

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.

A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.

Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.

Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos…), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.

Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, … A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.

Foi então que os pais ficaram à rasca.

Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.

Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.

São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não".

É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.

Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou.

Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.

Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum.

Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.

Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.

Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.

Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.

Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?

Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retracto colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).

Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.

Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.

Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.

A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

Mia Couto

segunda-feira, 13 de julho de 2020

O AVENTAL DA AVÓ


O primeiro fim do avental da avó foi proteger a roupa de baixo.

Depois… serviu como luva para tirar a panela do fogão…

Foi maravilhoso para secar as lágrimas dos netos e também para limpar as suas caras sujas.

Do galinheiro, o avental foi usado para transportar os ovos e, às vezes, os pintainhos.

Quando os visitantes chegavam, o avental servia para proteger as crianças tímidas.

Quando fazia frio, à avó servia de agasalho.

Esse velho avental era um fole agitado, para avivar o lume da lareira.

Era nele que levava as batatas e a madeira seca para a cozinha.

Da horta, servia como um cesto para muitos legumes, depois de apanhadas as ervilhas, era a vez de arrecadar nabos e couves.

E, pela chegada do Outono, usava-o para apanhar as maçãs caídas.

Quando os visitantes apareciam, inesperadamente, era surpreendente ver quão rápido esse velho avental podia limpar o pó.

Quando era a hora da refeição, da varanda, a avó sacudia o avental e os homens, a trabalhar no campo, sabiam, imediatamente, que  tinham

que ir para a mesa.

A avó também o usou para tirar a tarte de maçã do forno e colocá-la na janela para arrefecer.

Passarão muitos anos, até que alguma outra invenção ou objecto possa substituir esse velho avental da minha Avó.

Em memória das nossas avós, enviei esta história para aqueles que achei que a apreciarão.


(Tradução e adaptação livre de um texto, em Castelhano, em CITAS LITERÁRIAS).

terça-feira, 7 de julho de 2020

*IRLANDÊS: OS ESCRAVOS BRANCOS ESQUECIDOS*

Eles vieram como escravos: carga humana transportada em navios britânicos com destino às Américas. Eles foram enviados por centenas de milhares e incluíam homens, mulheres e até as crianças mais novas.

Sempre que se rebelavam ou mesmo desobedeciam a uma ordem, eram punidos da maneira mais severa. Os proprietários de escravos pendurariam suas propriedades humanas pelas mãos e incendiariam as mãos ou os pés como uma forma de punição. Alguns foram queimados vivos e tiveram suas cabeças colocadas em lanças no mercado como um aviso para outros cativos.

Nós realmente não precisamos passar por todos os detalhes sangrentos, precisamos? Conhecemos muito bem as atrocidades do tráfico de escravos na África.

Mas estamos falando sobre a escravidão africana? O rei James VI e Charles I também lideraram um esforço contínuo para escravizar os irlandeses. Oliver Cromwell, da Grã-Bretanha, aprimorou essa prática de desumanizar o vizinho do lado.

O comércio de escravos irlandês começou quando James VI vendeu 30.000 prisioneiros irlandeses como escravos para o Novo Mundo. Sua Proclamação de 1625 exigia que prisioneiros políticos irlandeses fossem enviados ao exterior e vendidos a colonos ingleses nas Índias Ocidentais.

Em meados dos anos 1600, os irlandeses eram os principais escravos vendidos para Antígua e Montserrat. Naquela época, 70% da população total de Montserrat eram escravos irlandeses.

A Irlanda rapidamente se tornou a maior fonte de gado humano para os comerciantes ingleses. A maioria dos primeiros escravos do Novo Mundo era na verdade branca.

De 1641 a 1652, mais de 500.000 irlandeses foram mortos pelos ingleses e outros 300.000 foram vendidos como escravos. A população da Irlanda caiu de cerca de 1.500.000 para 600.000 em uma única década.

As famílias foram destruídas porque os britânicos não permitiram que os pais irlandeses levassem suas esposas e filhos através do Atlântico. Isso levou a uma população desamparada de mulheres e crianças sem-tecto. A solução da Grã-Bretanha foi leiloá-los também.

Durante a década de 1650, mais de 100.000 crianças irlandesas entre 10 e 14 anos foram retiradas de seus pais e vendidas como escravas nas Índias Ocidentais, Virgínia e Nova Inglaterra. Nesta década, 52.000 irlandeses (principalmente mulheres e crianças) foram vendidos para Barbados e Virgínia.

Outros 30.000 homens e mulheres irlandeses também foram transportados e vendidos pelo maior lance. Em 1656, Cromwell ordenou que 2.000 crianças irlandesas fossem levadas para a Jamaica e vendidas como escravas para colonos ingleses.

Hoje, muitas pessoas evitarão chamar os escravos irlandeses do que realmente eram: escravos. Eles apresentarão termos como "Servidores contratados" para descrever o que ocorreu aos irlandeses. No entanto, na maioria dos casos dos séculos XVII e XVIII, os escravos irlandeses nada mais eram do que gado humano.

Como exemplo, o comércio de escravos na África estava apenas começando nesse mesmo período. É bem registrado que os escravos africanos, não contaminados pela mancha da odiada teologia católica e mais caros para comprar, eram frequentemente tratados muito melhor do que seus colegas irlandeses.

Os escravos africanos eram muito caros durante o final dos anos 1600 (£ 50 Sterling). Os escravos irlandeses eram baratos (não mais que 5 libras esterlinas). Se um fazendeiro chicoteava, marca ou espancava um escravo irlandês até a morte, nunca era um crime. A morte foi um revés monetário, mas muito mais barato do que matar um africano mais caro.

Os mestres ingleses rapidamente começaram a criar as irlandesas tanto para seu próprio prazer pessoal quanto para obter maiores lucros. Os filhos de escravos eram eles próprios, o que aumentava o tamanho da força de trabalho livre do mestre.

Mesmo que uma irlandesa conseguisse sua liberdade, seus filhos continuariam escravos de seu mestre. Assim, as mães irlandesas, mesmo com essa nova emancipação encontrada, raramente abandonam seus filhos e permanecem em servidão.

Com o tempo, os ingleses pensaram em uma maneira melhor de usar essas mulheres para aumentar sua participação no mercado: os colonos começaram a criar mulheres e meninas irlandesas (até os 12 anos) com homens africanos para produzir escravos com uma aparência distinta. Esses novos escravos “mulatos” trouxeram um preço mais alto que o gado irlandês e, da mesma forma, permitiram aos colonos economizar dinheiro ao invés de comprar novos escravos africanos.

Essa prática de cruzar fêmeas irlandesas com homens africanos continuou por várias décadas e foi tão difundida que, em 1681, foi aprovada uma legislação "proibindo a prática de acasalar mulheres escravas irlandesas a homens escravos africanos com o objetivo de produzir escravos para venda". Em suma, foi interrompido apenas porque interferiu nos lucros de uma grande empresa de transporte de escravos.

A Inglaterra continuou a enviar dezenas de milhares de escravos irlandeses por mais de um século. Registros afirmam que, após a Rebelião Irlandesa de 1798, milhares de escravos irlandeses foram vendidos para a América e a Austrália. Houve abusos horríveis de cativos africanos e irlandeses. Um navio britânico até jogou 1.302 escravos no Oceano Atlântico, para que a tripulação tivesse comida suficiente para comer.

Há pouca dúvida de que os irlandeses experimentaram os horrores da escravidão tanto (se não mais no século XVII) quanto os africanos. Também há pouca dúvida de que aqueles rostos bronzeados e bronzeados que você testemunha em suas viagens às Índias Ocidentais são provavelmente uma combinação de ascendência africana e irlandesa.

Em 1839, a Grã-Bretanha finalmente decidiu por si mesma encerrar sua participação e parou de transportar escravos. Embora a decisão deles não impedisse os piratas de fazer o que desejavam, a nova lei concluiu lentamente este capítulo da miséria irlandesa.

Mas, se alguém, preto ou branco, acredita que a escravidão era apenas uma experiência africana, eles entenderam completamente errado. A escravidão irlandesa é um assunto que vale a pena lembrar, não apagando de nossas memórias.

Mas, por que isso é tão raramente discutido? As lembranças de centenas de milhares de vítimas irlandesas não merecem mais que uma menção de um escritor desconhecido?

Ou a história deles é a que seus mestres ingleses pretendiam: desaparecer completamente como se nunca tivesse acontecido.

Nenhuma das vítimas irlandesas voltou a sua terra natal para descrever sua provação. Estes são os escravos perdidos; aqueles que o tempo e os livros de história tendenciosos esqueceram convenientemente.

Nota histórica interessante: a última pessoa morta nos Julgamentos das Bruxas de Salem foi Ann Glover. Ela e o marido foram enviados para Barbados como escravos na década de 1650. O marido dela foi morto por se recusar a renunciar ao catolicismo.

Nos anos 1680, ela trabalhava como empregada doméstica em Salem. Depois que algumas das crianças que ela cuidava ficaram doentes, ela foi acusada de ser uma bruxa.

No julgamento eles exigiram que ela dissesse a Oração do Senhor. Ela fez isso, mas em gaélico, porque não sabia inglês. Ela foi enforcada.

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( via Monique Ray / Curiosidades históricas)

sexta-feira, 3 de julho de 2020

O Fim do “Milagre Português” e o declínio da mentira!

Num silêncio aparente por parte do vírus, parecia que a situação estava circunscrita e controlada, levando à euforia do “Milagre Português”, como se de uma predestinação divina se tratasse. Pior era Impossível! Entre as muitas pressões por um lado, das associações empresariais e dos sindicatos por outro, ao abrigo da urgência de não se matar a economia traçou-se o destino de uma crónica de uma morte anunciada.

Durante o período da Segunda Guerra Mundial, os Aliados mapearam os buracos das balas nos aviões que foram atingidos pelo fogo Nazi, procurando dessa forma reforçar os aviões nas áreas fortemente fustigadas pela artilharia inimiga para que estes pudessem resistir mais à dureza desses confrontos.

O pensamento imediato foi reconstruir e reforçar as áreas dos aviões que tinham mais pontos vermelhos assinalados (que tinham sido mais atingidos). Teoricamente era uma dedução “lógica”, afinal estas foram as áreas mais afectadas. Mas Abraham Wald, um matemático da altura, chegou a uma conclusão completamente diferente: os pontos vermelhos representavam apenas os danos nos aviões que conseguiam voltar às suas bases.

As áreas que realmente deveriam ser reforçadas deviam ser as zonas onde não havia pontos vermelhos, pois essas eram justamente aquelas onde o avião uma vez atingindo não sobreviveria. Este fenómeno ficou conhecido como Viés de Sobrevivência (distorção na maneira de observar, avaliar e agir em relação à realidade dos factos). Dá-se quando olhamos para as coisas que sobreviveram, quando devíamos concentrar-nos nas que não. E é aqui, que o “Milagre Português” caiu por terra!

Qualquer que fosse o partido que estivesse no actual exercício de funções de governação, nunca estaria suficientemente preparado para uma hecatombe destas e disso são exemplo, as mais variadas abordagens a esta Pandemia, consequência do vírus Covid-19, nos mais diversos Países e suas consequências. E em Portugal, não fugimos à regra passámos por uma abordagem inicial de sensibilização bem conseguida, junto de um comportamento exemplar por parte da maioria dos Portugueses, apreendendo com o que se estava a passar em tempo real nos outros Países, contando internamente com o apoio dos Partidos da coligação que suportam o actual governo, passando pelos partidos da oposição, nomeadamente o PSD, que teve sempre uma atitude responsável, construtiva e de cooperação frente a esta situação difícil em que o Pais mergulhou.

Para além disso, a simbiose era quase perfeita entre o Presidente da República e o Primeiro-ministro. Aparentemente estavam reunidas condições únicas para se fazer um excelente trabalho político, diferente da “politiquice” aproveitando a janela de oportunidades que estas crises abrem. A difícil tarefa de compreender o óbvio! Na gestão deste tipo de crises, importa saber se o somatório das partes é inferior, igual ou superior ao todo, ou seja, se temos o controlo de todas as variáveis e neste caso, era óbvio que não!

Sabia-se que o vírus teria vários picos como qualquer mutante, que estava a apreender esta nova realidade e seria ele, que mais tarde ou mais cedo marcaria o ritmo das nossas vidas, enquanto não se descobrir algo que o neutralize. E é aqui, que entramos na gestão das expectativas! Entre aquilo que as pessoas querem ver, ouvir e a realidade concreta, vai uma grande diferença! A verdade pode ser dura, mas não deixa de ser a verdade.

Num silêncio aparente por parte do vírus, parecia que a situação estava circunscrita e controlada, levando à euforia do “Milagre Português”, como se de uma predestinação divina se tratasse. Pior era Impossível! Entre as muitas pressões por um lado, das associações empresariais e dos sindicatos por outro, ao abrigo da urgência de não se matar a economia traçou-se o destino de uma crónica de uma morte anunciada.

O erro foi partir-se de uma perspectiva ou falta dela, de que a economia existe por vontade própria e está para lá da dimensão do serviço em prol do bem-estar humano, esquecendo-se de que se não houver pessoas ela não existe. Se a tudo isto juntarmos a falta de perspectiva e compreensão da verdadeira dimensão e escala desta mudança de Paradigma que esta em andamento, facilmente se cai no cúmulo do erro - que é aplicar sistematicamente as mesmas fórmulas à espera de resultados diferentes.

Os sinais tinham de ser dados no sentido de restituir alguma confiança e esperança junto da população, dos mais variados quadrantes da sociedade e foram dados, como foi o caso do soundbite - “O Novo Normal”! Comemorações, Celebrações, Espectáculos, Manifestações descontextualizadas começaram a acontecer um pouco por todo o lado, sem uma justificação plausível passaram a ser excepção, violando as regras que foram impostas a todos a bem da contenção da propagação do vírus, como se houvesse cidadãos de primeira e de segunda. Toda esta embrulhada, conjuntamente com a negação da realidade, só veio confundir ainda mais e dividir a opinião pública que já se encontrava saturada e à beira de um ataque de nervos em consequência do confinamento.

Quando os sinais de quem de direito vêm tortos, tarde ou nunca se endireitam! Passámos de “Bestiais a Bestas” rapidamente, esvaziando-se assim, todas as expectativas milagrosas confrontadas com a dura realidade de quem não sabia da missa a metade e que ainda a procissão vai no adro! Tal como na Segunda Guerra Mundial, o fenómeno - Viés de Sobrevivência (distorção na maneira de observar, avaliar e agir em relação à realidade dos factos) que se dá, quando olhamos para as coisas que sobreviveram, quando devíamos concentrar-nos nas que não. Pergunto-lhe a si, que está a viver a actual crise, como é que está a observar as coisas?

VÍTOR NAVALHO

Psicólogo e Presidente da GRACI – Grémio das Artes e Ciência

quinta-feira, 2 de julho de 2020

COMPRE JORNAIS

O jornal impresso em papel, como sempre o conhecemos, realmente não poderá nunca ser substituído pela internet.

A seguir, alguns dos importantes usos do jornal:

    Uso doméstico:

     Cobrir bananas ou abacate para amadurecer.

     Recolher lixo.

     Limpar vidros.

     Dobradinho, serve para alinhar os pés da mesa.

     Embrulhar louças numa mudança.

     Recolher a caca do cachorro.

     Forrar a gaiola do passarinho.

     Cobrir os móveis e o chão antes de pintar a casa.

     Evitar que entre água por baixo da porta.

     Proteger o chão da garagem quando o carro está a pingar óleo.

     Embrulhar o tacho do arroz para o manter quente.

     Fazer palmilhas para os sapatos para os dias frios e chuvosos.

     Matar moscas, baratas e demais insectos.

     Na época da crise económica, usá-lo como papel higiénico, mesmo que seja um pouco duro.

     Uso educativo:

     Bater no focinho do cão quando faz xixi dentro de casa.

     Fazer barquinhos de papel.

     Arrancar um pedacinho em branco para anotar um número de telefone.

    Usos comerciais:

     Alargar os sapatos.

     Encher carteiras de senhora para conservar a forma.

     Embrulhar peixes.

     Embrulhar pregos na loja de produtos para construção.

     Fazer um chapeuzinho para o pintor.

     Cortar moldes para o alfaiate ou para a costureira.

     Embrulhar quadros.

     Embrulhar flores.

    Embrulhar as castanhas assadas

     Uso festivo:

     Acender a churrasqueira ou a lareira.

     Rechear a caixa do presente-surpresa.

     Outros Usos:

     Fazer bolinhas para atirar aos companheiros de classe.

     Fazer uma capinha para o machado ou foice.

     Nos filmes, para os bandidos esconderem o revólver.

     Para te esconderes atrás dele quando não queres que te vejam.

     Ah, … e por último: para ler as notícias !

     Alguém consegue fazer isto tudo com o computador?

    Usar molhado, para misturar com gesso, para formas

Afinal o Infarmed mudou mas foi para Enfardamed.

Aqui há tempos foi notícia que o governo de António Costa pretendia mudar o Infarmed para o Porto. Naquele que terá sido um, creio que singular, caso de incumprimento de uma promessa governativa, o Infarmed permaneceu bem quietinho em Lisboa. Entretanto, na semana passada, constatámos que, afinal, houve efectivamente uma mudança na Autoridade Nacional do Medicamento. Só que não se tratou de uma mudança de localização, mas antes de uma mudança de designação. Depois de, na última reunião semanal sobre a Covid-19 lá realizada, António Costa ter chegado a roupa ao pêlo da Ministra da Saúde, o Infarmed passou a ser conhecido como Enfardamed.

Sobre este incidente, a ministra Marta Temido afirmou que “se o Primeiro-Ministro puxou as orelhas à Ministra da Saúde teria certamente razão”. Portanto, a ver se percebi. Marta Temido não tem a certeza de ter sido vilipendiada pelo Primeiro-Ministro mas, na dúvida, e caso tenha de facto enfardado, considera que foi justíssimo. E mesmo que desta vez não tenha feito nada de mal, não importa. O correctivo aplicado por António Costa fica já em carteira, por conta de patacoadas vindouras. É incrível como, mesmo numa polémica em que calha os dois membros do Governo envolvidos não serem familiares, continua a parecer que estamos perante um típico caso de violência doméstica.

O certo é que, a juntar àquele episódio na campanha para as Legislativas em que António Costa quis agredir um idoso, desta feita o Primeiro-Ministro fustigou a Ministra da Saúde. Ou seja, tanto para ministras que desejem permanecer à frente da pasta da Saúde, como para os velhinhos, António Costa é uma ameaça muito mais aterradora que a própria pandemia de coronavírus. Aliás, nos futuros compêndios de História de Portugal figurará, não a ministra Marta Temido, mas sim o implacável chefe de governo António Costa, O Temido. E receio bem que, como para a Covid-19, também para esta outra maleita estejamos bastante longe de descobrir a vacina.

Embora dê razão ao Primeiro-Ministro quando se queixa da falta de clareza dos dados que os técnicos de saúde lhe têm fornecido. Então se António Costa, que tem de dominar toda a sorte de informação de molde a tomar decisões sobre a vida de milhões de pessoas, ainda não foi sequer informado pelos técnicos de saúde que os antibióticos não servem para matar vírus, como é que querem que ele tome boas decisões? Primeiro deixem o homem completar a lição introdutória do manual “Covid-19 para Totós” e, então sim, exijam-lhe medidas que façam sentido.

E foi precisamente à conta de toda uma miríade de decisões parvas que, neste momento, Portugal possui o segundo pior rácio de contágio da Europa. Resultado, os únicos turistas que vamos receber este Verão são mesmo os planteis das equipas que vêm disputar a Liga dos Campeões. Agora, é óbvio que há inúmeros países europeus a manipular os números de contágios para nos roubarem turistas. Felizmente, qual António Costa e Silva gizando planos para 10 anos em 2 dias, também eu idealizei um estratagema para resolver o problema do turismo português, mas em escassos 17 segundos. A solução é muito simples: demitir a directora da DGS e a Ministra da Saúde e trocá-las por dois taxistas, daqueles que fazem serviço no Aeroporto de Lisboa. Se lá fora andam a aldrabar nos números para nos prejudicar, levavam logo com os novos governantes-fogareiros: com a criatividade deste meninos ao nível do manuseamento do taxímetro, aí sim, também nós manipulávamos números para roubar turistas, mas à séria.

Tiago Dores

https://observador.pt/opiniao/afinal-o-infarmed-mudou-mas-foi-para-enfardamed/