segunda-feira, 9 de outubro de 2023

“Fui insultado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Infra-Estruturas em directo”

https://www.publico.pt/2023/10/09/politica/entrevista/insultado-primeiroministro-ministro-infraestruturas-directo-2065929?ref=hp&cx=manchete_2_destaques_0

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Texto:

O ex-adjunto acusa António Costa de ter dado o benefício da dúvida a Sócrates — "à justiça o que é da justiça" — enquanto a ele o condenou sumariamente: "É insultuoso, difamatório, injurioso".

Frederico Pinheiro, antigo adjunto de Pedro Nuno Santos e João Galamba, foi acusado de roubo de um computador pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Infra-Estruturas. O SIS foi chamado a intervir e telefonou-lhe à noite, para reaver o computador pessoal que pertencia ao Ministério das Infra-Estruturas.

Vamos àquela noite em que o SIS o abordou…
Em relação a esse episódio, que aconteceu há cerca de meio ano, vou ser completamente honesto: eu tenho muita dificuldade em rever tudo aquilo que aconteceu. Não é dificuldade em lembrar-me. Foi algo muito violento emocionalmente. Só muito recentemente é que consegui assistir na totalidade às conferências de imprensa que o senhor primeiro-ministro e o senhor ministro das Infra-Estruturas deram sobre este caso. Estive meses a preparar-me para ouvir e eu já sabia o que é que diziam porque tinha lido nos jornais. Mas é algo duro, insultuoso, difamatório, injurioso. E, do ponto de vista pessoal, não é fácil ouvir aquilo.

Sou abordado diariamente por pessoas que não conheço, cidadãos completamente anónimos, a expressarem a sua solidariedade, porque creio que perceberam que, num determinado momento, responsáveis políticos com um poder muito grande utilizaram uma narrativa injuriosa, falsa, apenas por motivos políticos. Creio que existe uma dificuldade muito grande no nosso país em perceber como é que um primeiro-ministro que, perante um caso que envolvia um, na altura camarada seu do Partido Socialista, antigo primeiro-ministro, se escudou correctamente numa formulação de dizer que "à justiça o que é da justiça…"...
Estamos a falar de José Sócrates...
Exactamente. E [reage de maneira diferente] num caso perante o qual não tinha informação e que envolvia um trabalhador do Governo que, dias antes, era considerado leal, era considerado competente, era considerado honesto e sincero ao ponto de participar em reuniões altamente sensíveis...
Das negociações da TAP...
Uma ou duas semanas antes de tudo o que aconteceu, participei em reuniões altamente sensíveis. Como é que, passado um ou dois dias, estava a ser injuriado, difamado e insultado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Infra-estruturas em directo, perante milhões de portugueses, acusado de agressões e de roubo? São acusações graves e obviamente que, para mim, é difícil ainda rever tudo o que aconteceu nessa altura.
O que está a dizer é que foi condenado sumariamente pelo primeiro-ministro, ao contrário do que aconteceu com José Sócrates?
Publicamente, sim, pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Infra-Estruturas, que fazem as acusações que estão a fazer.
Avançou com um processo contra o primeiro-ministro e o ministro das Infra-Estruturas por difamação?
Não, ainda não avancei. Mantenho todas as hipóteses legais em aberto. Ainda estamos dentro dos prazos legais. Eu tenho dois filhos, um com seis anos e outro com quatro, que felizmente ainda não percebem o que é que aconteceu. Não viam notícias. Não viram o pai a ser insultado, injuriado na televisão. Isso foi uma das minhas principais preocupações, proteger os meus filhos desse processo. Sei que se avançar judicialmente para proteger os meus direitos e o meu bom-nome na justiça contra entidades políticas tão poderosas, à medida que o tempo vai passando, os meus filhos podem-se aperceber do que está a acontecer. E eu pondero bastante essa situação.
Admite não avançar em nome dos seus filhos?
Na verdade, também para me proteger e para proteger a minha família, porque estamos a falar de processos que são muito longos, são violentos também do ponto de vista pessoal e público. Eu passei por um processo em que foram utilizados todos os instrumentos de coacção que poderiam ser utilizados. Nunca imaginei ter o SIS à minha porta ou a telefonar a meio da noite. Portanto, posso imaginar o que é que pode acontecer se eu avançar uma acção judicial por difamação e injúria contra o primeiro-ministro e contra o ministro das Infra-Estruturas… Creio que é totalmente justificada, obviamente, mas é um processo de decisão que ainda não encerrei.
Como é que é hoje a sua vida? É jornalista, voltou à sua profissão de origem...
Eu estive 16 anos fora da profissão. Mas é de inteira justiça referir a sensibilidade que a administração da RTP teve na minha integração, a direcção de Informação e a equipa na qual estou integrado neste momento, a RDP África, que acabou de ser premiada com o Prémio Gazeta Rádio 2022. Encontrei uma equipa extraordinária, com muita sensibilidade para perceber o que aconteceu e que me tem dado todo o apoio do mundo.


domingo, 8 de outubro de 2023

Nuvens sobre Kiev

Depois de um período de relativa confiança, acumulam-se sombras sobre a
Ucrânia. Há sinais dispersos de "fadiga da guerra", na Europa e na
América. Os europeus estão perante um dilema. O desfecho da guerra não é
apenas vital para os ucranianos, é-o também para os europeus. E que pode
a Europa fazer sem os Estados Unidos, de onde vem o mais recente alarme?
O Inverno ucraniano anuncia-se difícil.
As más notícias começam na Europa de Leste. A razão chama-se
eleitoralismo. Houve eleições na Eslováquia, em que o vencedor, o
populista Robert Fico (leia-se Fitso), assumiu uma posição claramente
pró-russa.
Na campanha eleitoral polaca (eleições no dia 15), o partido
governamental, Lei e Justiça, PiS, de Jaroslaw Kaczynski, fez uma
viragem de 180 graus: depois de ter sido o mais activo aliado de Kiev,
muda de posição, critica Zelensky e garante não enviar mais armas para
os vizinhos. Varsóvia não tem armas para mandar – limita-se a reparar
tanques alemães Leopard, avariados na guerra – mas o significado
político é muito pesado. O PiS trava uma luta desesperada para conservar
o poder, recorrendo a todos os meios. Note-se que, nas últimas
sondagens, 61% dos polacos defendem o apoio à Ucrânia. Na Hungria,
Viktor Orbán mantém o seu apoio a Vladimir Putin.
A cimeira surpresa dos ministros dos Negócio Estrangeiros da União
Europeia em Kiev, em 2 de Outubro, teve um alto significado: não haverá
marcha-atrás na solidariedade. Dmytro Kuleba, o ministro ucraniano
sublinhou o futuro: "É um acontecimento histórico porque pela primeira
vez [a UE] se reúne fora das suas fronteiras, mas no interior das
futuras fronteiras da UE." Mas foi notória a ausência de dois ministros,
da Hungria e da Polónia, que mandaram funcionários.
A posição pró-russa de Fico pode ser mais verbal que efectiva. E só em
2024 poderemos ter certezas sobra a posição de Varsóvia: depende do
resultado eleitoral e, feitas as eleições, tudo pode mudar, mesmo se
vencer o PiS. Porquê? A política externa polaca é largamente ditada por
Washington.
Quanto à entrada da Ucrânia na UE, ela continua a ser um paradoxo,
"necessária e impossível". Dois politólogos alemães, LuuK Van Middellar
e Hans Kribbe, resumem-no assim: "Ainda que aos olhos de muitos
europeus, não incluir a Ucrânia e outros países seja inaceitável no
actual contexto geopolítico, as reformas e os sacrifícios que estas
adesões exigiriam à UE podem também aparecer inaceitáveis." Kiev tem
feito reformas mas a posição dominante da Europa é ganhar tempo.
Quem pode confiar na América?
O Presidente Joe Biden tem uma posição determinada em relação à Ucrânia,
mas encontra obstáculos na Câmara dos Representantes, dominada pelos
republicanos. A questão ucraniana, que gozava de um largo consenso
bipartidário, entrou na "guerrillha política" americana. Donald Trump
está a fazer dela arma eleitoral, prometendo que se for eleito "acaba
com a guerra em 24 ou 48 horas".
Biden conseguiu um raro acordo com os republicanos da Câmara para
prolongar por 45 dias o financiamento do Estado, evitando a sua
paralisação. Fez o acordo com o speaker da Câmara, Kevin McCarthy, mas à
custa de suspender a nova tranche de biliões para fornecimento de armas
a Kiev. É um golpe para Zelensky. A seguir, num processo aberrante, um
representante trumpista propôs e conseguiu a destituição de McCarthy,
por "traição" – fazer acordos com os democratas. A Câmara está agora à
deriva. Será preciso esperar por Novembro para saber se há ou não novo
acordo e financiamento para a Ucrânia.
Quem pode confiar nesta América à deriva? Há um consenso bipartidário
sobre a Ucrânia mas que é parasitado pelas hostes trumpistas. Não há
nenhuma vaga de fundo popular contra a ajuda à Ucrânia, mas alguma
"fádica", perante a virulenta campanha do aparelho trumpista e seus media.
"A Europa segue com atenção esta tempestade política que se amplifica na
América [uma crise] perigosa para a Ucrânia", afirma Zelensky. A
perspectiva de um corte da ajuda financeira americana causa pavor na
Europa, pois corresponde a quase metade desses fundos. Calcula-se que a
parte europeia seja hoje de 85 mil milhões de euros, contra 70 dos EUA.
E depois das presidenciais americanas? Conseguirá a América, mesmo com
Biden, manter os compromissos com Kiev? Se os americanos se afastam,
esta guerra tornar-se-á exclusivamente europeia. Ao contrário de
Washington, "a Europa não se pode dar ao luxo de sacrificar a Ucrânia",
escreve no Le Monde a editorialista Sylvie Kauffmann.
Perdida a guerra e 2022, Vladimir Putin apostou num conflito longo para
cansar os apoiantes de Kiev e tentar dividir americanos e europeus. Esta
semana, Washington ofereceu-lhe um presente.
Até sexta-feira.
Jorge Almeida Fernandes
jafernandes@publico.pt

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Isto não é alarmismo, é snoozismo.

Sobrevivência da espécie humana é um objetivo nobre, mas o Marques Lopes não sabe se sobrevive à convivência com a espécie humana que frequenta o intercidades durante 3 horas.

Quando vi as empregadas de limpeza da FIL a esfregarem as paredes de vidro todas vermelhas, pensei: "Até que enfim! Um protesto climático como deve ser!" Só depois é que percebi que afinal era apenas tinta. E eu com esperança que fosse sangue de administradores de empresas maléficas. Fiquei indignado. Principalmente depois de ouvir uma das ativistas a dizer que lá dentro estavam os responsáveis pelo iminente fim da humanidade, que, aliás, ainda há dias tinham afogado 11 mil líbios. Então tem os bandidos todos no mesmo sítio e não aproveita para atirar 3 ou 4 granadas lá para dentro? Ou, para ser mais ecológico, atiçar-lhes um tigre esfomeado?

Mas não, estava mais interessada em lamuriar-se do que em agir. Parecia uma futebolista na flash interview, a queixar-se do árbitro, e não uma justiceira com pressa para evitar o extermínio da raça humana na próxima quinta feira.

Ter à sua mercê os assassinos de 11 mil inocentes e atirar-lhes tinta é como estar a guiar, ver o Hitler a atravessar a rua e, em vez de o passar a ferro, optar por baixar o vidro e fazer-lhe um manguito enquanto grita: "Malandro!" Ou seja, na semana passada perdeu-se uma estupenda oportunidade para vários linchamentos em legítima defesa. Menos do que dois tiros em cada um daqueles criminosos foi cobardia e falta de civismo.

Uma das desculpas de quem hesita em avançar para os cortes exigidos pela neutralidade carbónica é que, sendo Portugal um país que contribui muito pouco para as emissões de CO2, os cortes que pode fazer não têm qualquer impacto no mundo se a China, a Índia, a Indonésia e os outros grandes emissores em vias de desenvolvimento não cortarem as suas. Apesar disso, os ativistas climáticos exigem que Portugal avance com os cortes. Dizem que é um imperativo ético e temos de liderar e ser um exemplo para o mundo. Têm razão. As atitudes morais não se tomam por causa dos seus resultados, mas sim porque são a acção certa a fazer. É uma questão de princípio.

Ora, se Portugal deve reduzir as suas emissões mesmo que os grandes emissores não o façam, então, pela mesma ordem de ideias, os ativistas climáticos devem reduzir as suas emissões, mesmo que o resto dos portugueses optem por não o fazer. Como já ficou demonstrado, a eficácia dos impactos da redução não é um objetivo essencial. Essencial é a posição ética.

Portanto, se Portugal deve avançar mesmo que os grandes emissores não avancem, estes ambientalistas também têm o dever de avançar, mesmo se o resto dos portugueses não avançam. Logo, é óbvio que se uma pessoa acredita mesmo que a vida na Terra está em perigo imediato, tem o dever de agir e começar, desde já, a viver de uma forma não carbónica. É o mínimo que se exige às pessoas que estão convencidas que o Armagedão já tem data.

E, pelo que tenho lido e visto, são muitas. Normalmente, reconhecem-se por dizerem, nos jornais e televisões, que não são capazes de condenar os jovens ativistas pelas suas acções violentas, pois a causa é justa e urgente e eles só fazem estas patifarias porque o mundo vai acabar.

Um exemplo. No Eixo do Mal da semana passada, o comentador Pedro Marques Lopes garantiu: "Não há causa mais importante do que esta. Não há emergência maior para o mundo, não houve nunca emergência tão grande para o mundo do que este problema, quer dizer. O que aqui está em causa é muito simplesmente a sobrevivência da raça humana, a sobrevivência da Terra, a sobrevivência das pessoas, da própria espécie, portanto, não há nada mais importante do que esta batalha, digamos assim".

Meus amigos, isto não deixa margem para hesitações. Não há, nunca houve, emergência tão grande para a humanidade! Está em risco a sobrevivência não só da raça humana, como também das pessoas e ainda da própria espécie. Comparado com isto, a Peste Negra foi uma constipação e o Holocausto uma partida de Carnaval. Não há nada mais importante do que esta batalha. Nada!

Trata-se do tipo de discurso dos heróis do Bravehart, do Gladiador, do 300 ou do Dia da Independência. Um discurso inspirador, que começa sombriamente a lembrar o perigo existencial que se enfrenta, para depois se tornar arrebatador ao exortar à luta e ao sacrifício pessoal em prol do grupo. William Wallace, Maximus e Leónidas erguem a espada e, arriscando a sua vida, carregam sobre ingleses, bárbaros e persas. O Presidente dos EUA lança os caças contra a nave dos ET maus que (como o clima!) também desejam destruir o planeta e exterminar a humanidade, as pessoas, a raça humana e também os indivíduos. Já Pedro Marques Lopes esclarece: "Eu vim de avião, hoje. Mal. Não gosto de vir de avião exactamente por causa disso. Mas nós temos um problema que o Daniel bem disse. Ou venho de avião ou levo três horas e tal para chegar ao Porto. Ou então venho de carro que se calhar ainda é pior."

O Mel Gibson só estava a lutar pela independência da Escócia e mesmo assim meteu a carne toda no assador, mas o Pedro Marques Lopes, apesar de acreditar piamente que a humanidade tem o prazo de validade mais curto que o das natas frescas, mesmo assim não está disposto a abdicar do avião para ir ao Porto, porque de comboio demora três horas. E tal. Afinal, não há nada mais importante do que esta batalha, tirando a maçada de ter de ir a Santa Apolónia apanhar um comboio que, na maior parte das vezes, tem o wifi escangalhado e um bar sem condições, que nem sequer serve um Aperol Spritz em termos.

Dizer que foi de avião para o Porto depois de avisar contra a catástrofe próxima, é como se o Leónidas acrescentasse ao seu discurso: "Malta, eu sei que isto é Esparta, e não sei quê, mas afinal vocês vão ser só 299, que eu já tinha dentista marcado em Atenas. Boa sorte!" Sobrevivência da espécie humana é um objetivo nobre e virtuoso, mas o Marques Lopes não sabe se sobrevive à convivência com a espécie humana que frequenta o intercidades durante 3 horas. E tal, não esquecer.

Acho que identifiquei o problema. A maioria das pessoas, quando ouve "neutralidade carbónica" foca-se mais na parte da neutralidade. Nomeadamente, a neutralidade ali entre radicalismo e displicência. Parece-lhe a atitude sensata. Uma postura meias-tintas. É a sonsa posição de emissionário. Acreditar na destruição da humanidade, mas não estar disposto a grandes maçadas para o evitar.

Não se pode berrar "vamos todos morrer amanhã!" e depois chocar-se se os ativistas agem em conformidade e um dia enforcam um CEO. Nem se pode julgar que a acção é urgente, mas vacilar ao mínimo desconforto. É como ver um filho pequeno empoleirado na varanda e não correr a agarrá-lo porque está muito frio lá fora. Não, pá. Não é isso que significa urgência. Urgência significa já. Experimentem ligar para o 112 a dizer que têm uma "emergência maior" que põe em causa a "sobrevivência" de alguém. Acham que o operador envia o INEM ou marca uma consulta para dali a 3 meses? Quando toca o alarme, o verdadeiro alarmista não carrega no snooze para ficar na sorna só mais um bocadinho. Levanta-se e vai salvar o mundo. Isto como está já não é alarmismo, é snoozismo.

Só há uma razão digna para um crente no apocalipse climático imediato apanhar um avião rumo ao Porto. É para o sequestrar e jogá-lo ao chão. De preferência contra a sede de uma gasolineira.

Observador

terça-feira, 3 de outubro de 2023

1872 Portugal e a Grécia 2011

1872 Portugal e a Grécia 2011
!!! ... 139 anos depois ... !!!

Eça
de Queirós escreveu em 1872
"Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade
política, a mesma trapalhada económica, a mesmo baixeza de carácter, a mesma decadência
de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua
decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a
Grécia e Portugal"

(in As Farpas)

1872 ... !!! Verdadeiramente impressionante !!! ...2011

Eça de Queirós sempre actual
"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição"

"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de
organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma
rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela
inveja, pela intriga, pela
vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas
vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali
luta
-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos;
ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de
nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em
volta daquela arena enxameiam os aventureiros
inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos;
há a tristeza
e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-
se, foge
-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali
com dor e com raiva.

À
escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos
dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de
dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade."
Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora" (
1867)

Política de acaso, política de compadrio, política de expediente

Portugal e a crise
"
Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito.
Hoje crédito não temos, dinheiro também
não - pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política. De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura."
Eça de Quei
rós, in "Correspondência" (1891)

" ... somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados ... "
"
Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente."
In "
Citações e Pensamentos" de Eça de Queirós».

José Maria de Eça de Queirós
Povoa de Varzim
- 25 de Novembro de 1845
Paris
- 16 de Agosto de 1900