quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Eu amo a portugalidade


Fernando d’Oliveira Neves - Embaixador jubilado.


É claro que o Império Português foi colonialista e racista. Mas todas as

sociedades, por mais opressoras que sejam, têm vida para além dessas

dimensões. É da tradição diplomática, ou melhor, era, que, quando um

embaixador acreditado num posto terminava a sua missão, o ministro do

país anfitrião lhe oferecia um almoço de despedida. Tal era possível quando,

em cada capital, havia uma dúzia de embaixadores. Hoje, numa capital como

Lisboa esse número ronda a centena. É impossível que todos os almoços

sejam oferecidos pelo ministro. Na sua indisponibilidade, é substituído por

um dos secretários de Estado ou pelo secretário-geral do ministério.

Era eu secretário de Estado dos Assuntos Europeus, quando me pediram

para oferecer o almoço de despedida ao embaixador de Cabo Verde,

Onésimo da Silveira. Nunca o tinha visto e confesso que só li o respectivo

currículo pouco antes de me dirigir para a casa de jantar do Palácio das

Necessidades. No fim do almoço, faço um brinde, com as banalidades usuais,

apenas reforçadas pela forte singularidade das relações entre os dois países

e o facto de saber que o meu convidado era poeta. Quando acabo, o

embaixador Onésimo da Silveira levanta-se, com um pequeno caderno na

mão e, antes de começar a ler, diz “Eu amo a portugalidade”. Fiquei

encandeado perante a surpresa e a profunda sabedoria desta frase

maravilhosa. Tive vontade de pintar a cara de preto, face à banalidade do

que dissera. A conjugação do conceito de portugalidade com o verbo amar

enfeitiçou-me e fiquei, encantado, a ouvir a magia do discurso que o

embaixador continuou a ler, levando-nos pelos meandros mágicos da

experiência dessa portugalidade, tão bem cognominada.

Este episódio ficou-me atravessado. Tentei, reconheço que sem a

persistência necessária, obter o texto, sem nunca o conseguir. Agora, que

tantos dislates se ouvem sobre a expansão portuguesa, esse valor que mais

alto se alevantou e calou as musas, tenho-me lembrado dele.

É claro que o Império Português foi colonialista e racista e mais outras

práticas condenáveis de todas as sociedades humanas. Dessa ignomínia não

restam dúvidas. Apesar de tudo, parece avisado olhar para cada época em

função dos valores então prevalecentes. Vivi o bastante para ver valores

considerados vitais desaparecerem e, felizmente, ver surgir novos que

nunca me tinham passado pela cabeça. Mas todas as sociedades, por mais

opressoras que sejam, têm vida para além dessas dimensões. A expansão

portuguesa foi muito mais que isso. Foi uma das epopeias que mais

mudaram a História, dando aos homens uma nova e real dimensão do

mundo em que viviam.

Até pelo limitado número de portugueses que a fizeram, provocou uma

convivência sem precedentes de pessoas de todas as partes do mundo, que,

no quotidiano, se misturaram, fizeram amizades, riram em conjunto,

beberam e comeram ao pôr do sol dos cantos do mundo por onde andámos

e onde muitos ficaram, trocaram experiências e constataram a relatividade

das suas virtudes, crenças, medos e ambições.

Não é fácil definir a portugalidade. Talvez o resultado positivo desse

intercâmbio seja a criação e perpetuação de laços afectivos e familiares

entre gentes das mais diversas partes do mundo. As amas índias da Casa

Grande poderão ser exemplo. Ou talvez não passe de uma amarga saudade

doce, de uma utopia que, por vezes e por instantes, se transforma em

realidade. Talvez seja mais simples dar exemplos concretos.

Portugalidade é estar na antecâmara do chefe do Governo de Malaca, a

conversar com um chinês, e de repente este dizer: “Mas o Senhor é

português? Eu também. Sou da freguesia de S. Pedro, em Singapura, e nos

dias 13 de cada mês fazemos a procissão de Nossa Senhora de Fátima”.

Portugalidade é chegar a Jacarta, ao fim de 25 anos de hostilidade em

torno de Timor, ser levado a jantar no centro histórico da cidade pelo

embaixador do Brasil, amante da presença portuguesa na Indonésia, e ouvi-

lo dizer que o canhão que está no meio da praça é um canhão português,

onde as noivas se vão fotografar no dia do casamento, porque é um símbolo

da fertilidade.

Portugalidade é ser-nos dito, no Barém [Bahrein] e no Kuwait, que os

únicos edifícios de pedra que ali existem anteriores ao século XX são os

fortes portugueses que lá resistem.

Portugalidade é ouvir Samora Machel a olhar para o Índico e dizer do seu

orgulho, quando se lembra que Vasco da Gama ali passou e, logo a seguir,

afirmar, num tom meio agastado: “Nós é que descobrimos o Brasil e agora

têm um Presidente que se chama Geisel!”.

Portugalidade é ouvir um goês a manifestar o orgulho num seu remoto

antepassado agraciado com a Cruz de Cristo pela Rainha D. Maria II e outro

a lembrar que o trisavô fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Portugalidade é ir jantar ao International Hotel do Barém, onde decorria

a semana gastronómica do Texas, e chegar à mesa um empregado indiano,

vestido à cowboy, que nos diz, em bom português, “boa noite” e tem na

farda um dístico onde se lê o seu nome: Bragança.

Portugalidade é verificar que os católicos de diversos países da Indochina

falam um português arcaico a que chamam christian, que é para eles

sinónimo de português, e por isso se dizem portugueses.

Portugalidade é ir ao Portuguese Setllement de Malaca, encontrar uma

mistura inédita de raças, malaios, chineses, indianos, e ouvi-los a cantar e

dançar o Tia Anica de Loulé, em trajes minhotos, e a falar um português

compreensível.

Portugalidade é um liurai timorense desenterrar e entregar-nos uma

bandeira portuguesa e dizer que o pai dele a tinha enterrado quando Timor

foi invadido pela Indonésia, e lhe disse para a dar aos portugueses quando

(não se) eles voltassem.

Portugalidade é ir ao CCB assistir a uma sessão das comemorações dos

500 anos da Descoberta do Brasil e ouvir o embaixador brasileiro, Sinésio

Sampaio Goes, ele também, como historiador, cultor da portugalidade, a

apresentar o chefe da maior tribo de índios do Brasil, os índios tupis, se a

memória não me falha. Vemos entrar um senhor com um aberto ar jovial,

envergando um casaco de tweed e um maravilhoso cocado que lhe caía

pelas costas até aos calcanhares, e ouvi-lo dizer, com ostensivo júbilo e

orgulho: “O meu nome é António Cardoso e o meu avô era de Trás-os-

Montes”.

Acabou o Império colonial português e a opressão de uma nação sobre

as outras. Fica na História um admirável património universal, físico e

afectivo. Este último, símbolo notável de humanismo, será a portugalidade.

Que Onésimo da Silveira me ensinou a amar.

publicado no jornal Público

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Como vai funcionar a conta-corrente entre Contribuintes e Autoridade Tributária?

A partir de 1 de Julho de 2022 vai ser possível utilizar créditos sobre o Estado para fazer face a dívidas que os contribuintes tenham junto do Estado para saldar as contas. Surgira à conta-corrente entre contribuintes e Autoridade Tributária.


Em que consistirá a conta-corrente entre Contribuintes e Autoridade Tributária?

Na prática, a conta-corrente será gerida electronicamente e a relação terá iniciativa do lado do contribuinte.

Imagine que tem uma dívida ao fisco mas tem também um reembolso a haver. A ideia é o contribuinte informar a Autoridade Tributária (AT) através do Portal das Finanças que pretende usar o crédito fiscal (por exemplo o reembolso do IRS) para pagar total ou parcialmente uma dúvida fiscal (por exemplo associada ao IMI).

Assim, a partir do momento da liquidação de um tributo e até à extinção do processo de execução fiscal, o contribuinte poderá comunicar através do Portal das Finanças em requerimento dirigido ao ao dirigente máximo da AT, o pagamento das suas obrigações tributárias por compensação, indicando os créditos e as dívidas objecto de compensação.

Note-se que, a partir do envio de requerimento, qualquer prazo que possa estar a correr relativo a juros de mora é suspenso até à decisão da AT.

A AT terá 10 dias para se pronunciar admitindo-se a aprovação tácita caso, ao fim dos 10 dias, não haja resposta.

A AT poderá ainda recorrer judicialmente durante um ano se encontrar motivos para tal, nomeadamente, visando a declaração da ineficácia, total ou parcial, da compensação, por não estarem verificados os respectivos pressupostos invocado no requerimento do contribuinte.

Confirmado o pagamento com os créditos, a dívida extingue-se. Se os créditos não foram suficientes para pagar a totalidade da dívida, a AT apura qual o remanescente em dívida. Se os créditos excederem a dívida, a AT apura qual o crédito remanescente a favor do contribuinte que se mantém na conta-corrente.


Quais os impostos envolvidos na conta-corrente?

Segundo a Lei n.º 3/2022 que define a Conta-corrente entre os contribuintes e o Estado são 10 os impostos elegíveis para esta conta corrente (IRS,IRC, IVA, IUC, ISV, IMI e adicional de IMI, IMT, impostos especiais sobre o consumo e imposto de selo).

A referida lei estabelece:

“(…) o regime de extinção de prestações tributárias por compensação com créditos de natureza tributária, por iniciativa do contribuinte, incluindo as retenções na fonte, tributações autónomas e respectivos reembolsos, relativas aos seguintes impostos:

a) Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;

b) Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;

c) Imposto sobre o valor acrescentado;

d) Impostos especiais de consumo;

e) Imposto municipal sobre imóveis;

f) Adicional ao imposto municipal sobre imóveis;

g) Imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;

h) Imposto do selo;

i) Imposto único de circulação; e

j) Imposto sobre veículos. (…)”

in Lei Nº3/2022


Conta Corrente entre Estado e Contribuintes.

https://economiafinancas.com/

A cultura da dieta não é saudável. Também é imoral.

Por Kate Manne

Dr. Manne é professor associado de filosofia na Cornell University.

No outono passado, minha filha, de 20 meses, ficou fascinada com o umbigo. A cada chance que tinha, ela começava a levantar a camiseta para mostrar isso com alegria. A inferência de que mamãe e papai também tinham umbigos não ficou muito atrás, nem tampouco outros esforços de exploração. Mas quando ela levantou minha camisa, eu pude sentir meu estômago encolher. Senti vergonha - e vergonha da minha vergonha. E foi aí que me dei conta: tenho que ordenar minha cabeça, em relação ao meu corpo, pelo bem da minha filha.

Meu relacionamento com meu corpo é, para dizer o mínimo, tenso. Nem sempre, mas geralmente, estive gorda. Sempre odiei esse fato, embora tenha tentado não o fazer. Eu tenho tido um peso considerado normal, pelos padrões das diretrizes draconianas de índice de massa corporal, apenas quando estou passando fome ou comendo uma dieta altamente restritiva e muitas vezes totalmente estranha. No ano passado, perdi quase 22 quilos, movida por um vago senso de obrigação de me encolher de volta ao tamanho normal. Como de costume, o peso saiu apenas com esforços tão extremos que hesito em admitir para eles: Ao longo de um mês no inverno passado, não comi por 17 dos 30 dias.

E eu sou alguém que sabe melhor. Eu reconheço todos os motivos pelos quais não deveria fazer isso. Reconheço que a relação entre gordura e saúde está longe de ser simples - que muitas pessoas gordas são saudáveis ​​e muitas pessoas magras não, que a correlação entre ser gorda e ter certas doenças é complexa e geralmente mediada por outros fatores de risco, incluindo pobreza e o estigma social que impede as pessoas gordas de receberem os cuidados de saúde que merecem .

Há muito admiro o trabalho de ativistas gordos - Marilyn Wann, Sonya Renee Taylor e Aubrey Gordon entre eles - e reconheço que corpos gordos podem ser não apenas saudáveis, mas também atléticos, bonitos, sexy. Acredito nos conceitos de alimentação intuitiva e saúde em todos os tamanhos - pelo menos, para outras pessoas. Eu reconheço que a grande maioria das dietas não consegue tornar as pessoas mais magras ou saudáveis ​​a longo prazo. Eu reconheço que mesmo se você for uma pessoa gorda que seria mais saudável se você perder peso, você não deve isso a ninguém; você não deve a ninguém ser saudável em geral. E eu sei o quanto minha fatfobia internalizada deve às forças patriarcais opressoras - as forças que dizem às meninas e mulheres em particular para serem pequenas, mansas, leves, magras e quietas.

Eu reconheço tudo isso no abstrato. Na prática, entretanto, eu luto.

Ultimamente, tenho me perguntado o quanto minha fatfobia autodirigida deve à minha carreira de filósofo acadêmico. Mais de um autor observou que há uma escassez de corpos femininos gordos na academia em geral e na filosofia especificamente . A filosofia, com sua ênfase característica na razão, muitas vezes concebe implicitamente a racionalidade como a jurisdição dos homens brancos magros, ricos, que dominam minha disciplina.

Elogiamos os argumentos por ser musculoso e compacto e criticamos a prosa por ser flácida, florida e, implicitamente, feminina. Quando se trata de nossa metafísica - nossas imagens do mundo - temos orgulho de nosso gosto pela austeridade, ou como WVO Quine colocou, “paisagens desérticas”. E o que é o corpo gordo no imaginário popular senão excesso, extravagância, redundância?

Eu luto como filósofa para reconciliar minha imagem de meu corpo com a sua tarefa no mundo de ser o emissário de minha mente. Eu penso nisso, ironicamente, como meu problema corpomente. Muitas vezes, não consigo suportar a ideia de enviar meu “animal macio” de um corpo, nas palavras da poetisa Mary Oliver, para lutar por visões feministas que são nervosas e polêmicas e para representar uma disciplina que se orgulha de nitidez, clareza e precisão. Sinto-me traído por minhas fronteiras suaves.

Este falso binário existe parcialmente em minha própria cabeça, sim, mas também em outras pessoas: recentemente fui informada de uma legenda num retrato de David Hume, o filósofo do século 18, em um livro introdutório à filosofia : “A leveza e a rapidez de sua mente estava inteiramente oculta por sua aparência grosseira. ” Assim, outros filósofos gordos foram avisados ​​de que nossos corpos podem, da mesma forma, mascarar nossos intelectos.

O psicólogo cognitivo Steven Pinker não é um filósofo, mas seu último livro, “Racionalidade”, demonstra com folga a visão de mundo que iguala a magreza à razão. Depois de lamentar o fato de que a racionalidade não é mais considerada "phat" (como em "legal"), ele repreende o idiota irracional que prefere o "pequeno prazer" de comer lasanha agora ao invés do suposto "grande prazer de um corpo esguio" na perpetuidade. Eles “sucumbem” ao “desconto míope” de recompensas futuras - um termo (apta) para pensamento de curto prazo, ilustrado com um exemplo fatfóbico.

Esses exemplos proliferam também na filosofia: o exemplo padrão do fenômeno muito estudado da acrasia, a fraqueza da vontade, é sucumbir a um biscoito. O apetite humano natural por alimentos ricos e açucarados é, portanto, ridicularizado não apenas como contrário à razão, mas também como algo a ser domesticado, evitado e até mesmo envergonhado. A privação constante e, às vezes, a fome absoluta de alguém que segue uma dieta rigorosa é vista como algo inequivocamente bom e como uma conquista, até mesmo uma virtude.

É mesmo? Como alguém que recentemente fez dieta com algum sucesso ("sucesso"), é óbvio para mim que dei um mau exemplo para minha filha de agora 2 anos - um exemplo que só se tornará mais problemático com o tempo, à medida que ela se torna cada vez mais ciente do que estou ou não estou comendo. Eu contribuí um pouco para uma sociedade que enaltece certos corpos e deprecia outros por razões mais ou menos arbitrárias e que levam a muita crueldade e sofrimento. (A base mais comum para o bullying infantil é o peso de uma criança .) Neguei a mim mesma o prazer e causei a mim mesma a dor torturante e a ansiedade que exauria a fome.

Essas são coisas que geralmente consideramos males éticos diretos. Quase todas as versões da família de teorias morais conhecidas como consequencialismo sustentam que o prazer é moralmente bom e que a dor e o sofrimento são moralmente ruins. Mesmo que isso não seja toda a verdade da ética, é plausivelmente parte da verdade.

E tem a implicação superficialmente surpreendente de que fazer dieta inflige custos morais reais, danos morais reais, aqueles que em grande parte impomos a nós mesmos (embora sob a influência de poderosas forças sociais). Se as chances de perda de peso a longo prazo (e os supostos benefícios e prazeres que isso significa) são muito pequenas, por que continuamos fazendo isso? Suspeito que a resposta não seja apenas o hábito e um falso senso de obrigação, mas também a isca da aspiração: a sensação perpétua de quem está fazendo dieta de chegar a algum lugar, ficar menor e, assim, se tornar mais aceitável, mais razoável , como um corpo.

Mas, embora a filosofia em sua forma atual possa fetichizar a magreza, ela também tem em si o poder de desafiar essas idéias e até mesmo de reconfigurar inteiramente nossa relação moral com elas.

Estamos num momento durante o ano em que muitas pessoas tentarão, e até se considerarão obrigadas a fazer uma dieta. Mas se fazer dieta é uma prática que causa muitos danos - na forma de dor, sofrimento, ansiedade e fome absoluta - e raramente funciona para proporcionar a saúde ou felicidade que há muito anunciada, então é uma prática moralmente ruim. É plausivelmente não apenas permissível, mas obrigatório para os indivíduos se despojarem dele, condená-lo e não ensiná-lo aos nossos filhos, seja explicitamente ou por exemplo.

Em vez disso, podemos nos esforçar para cumprir “ deveres libertadores ” novos e melhores , para usar uma noção de Joseph Raz. Nesse caso, o dever - para nós que temos a sorte de ter os recursos - é simplesmente, ou não tão simplesmente, comer quando estamos com fome.

Kate Manne é autora de dois livros, incluindo, mais recentemente, “Intitled: How Male Privilege Hurts Women.”

O Times está empenhado em publicar uma diversidade de cartas ao editor. Gostaríamos de ouvir sua opinião sobre este ou qualquer um de nossos artigos. Aqui estão algumas dicas . E aqui está nosso e-mail: letters@nytimes.com .

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domingo, 2 de janeiro de 2022

O Homem e A Mulher.

O homem é a mais elevada das criaturas;

A mulher é o mais sublime dos ideais.

O homem é o cérebro;

A mulher é o coração.

O cérebro fabrica a luz;

O coração, o AMOR.

A luz fecunda, o amor ressuscita.

O homem é forte pela razão;

A mulher é invencível pelas lágrimas.

A razão convence, as lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos;

A mulher, de todos os martírios.

O heroísmo enobrece, o martírio sublima.

O homem é um código;

A mulher é um evangelho.

O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.

O homem é um templo; a mulher é o sacrário.

Ante o templo nos descobrimos;

Ante o sacrário nos ajoelhamos.

O homem pensa; a mulher sonha.

Pensar é ter , no crânio, uma larva;

Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.

O homem é um oceano; a mulher é um lago.

O oceano tem a pérola que adorna;

O lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa;

A mulher é o rouxinol que canta.

Voar é dominar o espaço;

Cantar é conquistar a alma.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;

A mulher, onde começa o céu.

Victor Hugo Citado em "Autoconhecimento: caminhos para a excelência pessoal" - Página 30, Ernani José Mottin - Editora AGE Ltda, 1998, ISBN 8585627425, 9788585627423.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

44 Razões para Votar no Partido Socialista

Se pensa que quem emigra é burro, vote socialista. Se não quer cá empresas estrangeiras a investir e a criar emprego e riqueza, vote socialista. Se teme um futuro melhor, até para si, vote socialista.


1. Se quer um país onde o boletim de voto para as eleições presidenciais tem à cabeça o nome de um candidato que não concorre, vote socialista. Se acha que, apesar dos correios expressos internacionais e das entregas em 24 horas, é muito «complexo» imprimir e expedir os boletins correctos em apenas 15 dias; se na sua vida e na sua mente é frequente as coisas mais simples serem demasiado «complexas», vote nos seus pares, vote socialista.

2. Se quer um governo cujos chefe e ministra da Justiça mentem à União Europeia sobre o curriculum de um candidato a procurador europeu, imposto pelo governo sobre a vencedora do concurso, Ana Almeida, e contra a opção da União Europeia, vote socialista. Se quer um governo que, para justificar essa singular troca, diz seis vezes que o candidato seu amigo, José Guerra, é «Procurador-Geral-Adjunto», categoria máxima do Ministério Público que José Guerra não atingiu; e que identifica a 9.ª secção do DIAP, que Guerra dirigiu, como maior departamento nacional de combate ao crime económico-financeiro, quando esse papel cabe ao DCIAP, onde Guerra nunca trabalhou; que diz que Guerra liderou a investigação e acusação no chamado processo UGT, coisa que nunca fez… Se lhe agrada esta lisura de processos, vote socialista.

3. Se admira o zelo de uma ministra da Justiça tão pronta em promover mentiras (e em desculpá-las quando descobertas), quanto incapaz de gerir um domínio em que se atrasam miseravelmente os três mega-processos Sócrates, BES e Rangel, vote socialista.

4. Se quer uma administração pública que, em plena temporada de colheitas agrícolas – Julho, Agosto e Setembro – propõe que «com vento ou calor não opere maquinaria agrícola», se acredita que a comida nasce nas prateleiras e o dinheiro nas árvores, vote socialista.

5. Se quer um governo que chama a si a responsabilidade da vacinação contra a gripe, garante que não faltarão vacinas, e, depois, falha miseravelmente deixando a maioria da população por vacinar, vote socialista.

6. Se quer um governo que concentra em si a distribuição e vacinação da vacina contra o Covid, rejeitando por preconceito ideológico os meios e os conhecimentos de farmácias e hospitais privados, vote socialista; se considera motivo de orgulho viver no único país do Mundo em que a primeira vacinação serve de publi-reportagem à ministra da Saúde, vote socialista; se tem disposição para esperar longamente pela vacina, enquanto recebe mensagens SMS a dizer que espere até ser contactado/a um dia, em 2021 ou 2022 salvo erro, vote socialista.

7. Se pensa que os profissionais de saúde dos hospitais privados merecem justo castigo por trabalharem num sector responsável por 33% da cobertura hospitalar nacional, se não vê nisso o facciosismo mais miserável, se acha que deve ser-lhes recusada a vacinação anti-Covid, aplauda Temido e Costa e vote socialista.

8. Se lhe agrada o superior ridículo de uma bulha entre escoltas armadas para decidir quem transporta umas doses de vacina anti Covid-19 até um lugar secreto que toda a gente conhece, vote no ministro da tutela e no chefe dele, vote socialista.

9. Se prefere um ridículo de cariz mais letal apoie as instituições e os media que, em plena pandemia e em vésperas do seu pico, proclamavam que «vai ficar tudo bem» – e se foi à janela cantar isso mesmo, decididamente vote socialista.

10. Se gosta mesmo é de ópera bufa, vote em quem garantiu que um vírus chinês nunca cá chegaria, mas que em chegando não teria importância, mas que em tendo não valia a pena usar máscara porque dá uma falsa sensação de segurança, mas que em usando máscara mais vale tornar o uso obrigatório.

11. Se gosta de oxímoros e magia vote no governo que ordena que todos os súbditos fiquem em casa a partir das 13 horas de todos os fins de semana, que não visitem os familiares, que não se reúnam com amigos, mas proclama, do mesmo passo, que ninguém se infecta ao viajar em carruagens de comboio como sardinhas em lata.

12. Se quer um governo que se proclama campeão das energias renováveis à custa do fecho de centrais de produção de eletricidade limpa e barata, e assim lhe garante uma das eletricidades mais caras do Mundo, vote socialista.

13. Se gosta de histórias ecológicas trapalhonas, vote numa administração pública socialista que se indigna com a chacina de 540 animais, no local para onde autorizou previamente a instalação de uma central solar que ocupará uma área de mais de 700 hectares, a qual tinha que ser previamente aliviada dos referidos animais, e foi também previamente aliviada de dezenas de sobreiros, uma árvore protegida. Se isto não lhe causa riso amargo ou lágrimas de embaraço, vote socialista.

14. Se gosta de ser troçado/a por um primeiro-ministro e um secretário de Estado que lhe dizem que a tarifa regulada de eletricidade vai baixar 0,6% (uns euros por ano) para um milhão de pessoas, quando estas têm alternativas mais baratas, e quando a maioria dos consumidores fica, na realidade, com eletricidade 3,6% mais cara, vote socialista.

15. Se insiste em ser troçado/a por um primeiro-ministro que anuncia como alívio fiscal e grande benesse a baixa na retenção na fonte, não faça contas – que lhe permitiriam saber que fica a ganhar 1 ou 2 euros por ano no IRS – e vote socialista. E se gosta de propaganda, como a da celebração desta medida em praticamente todos os media, vote em quem sustenta a claque dos media, vote socialista.

16. Se quer que o Governo estoire 7 mil milhões no projeto de risco de produção de hidrogénio verde, que poderá talvez ser rentável em 2050, e parece tão promissor como o TGV, as autoestradas da Ota para o Algarve, o aeroporto de Beja, a La Seda, a «reversão» da Tap, e a terceira autoestrada para o Porto, vote socialista.

17. Se quer um governo preconceituoso que reverte a PPP do hospital de Braga, vote socialista. Vote contra o melhor hospital do país (este ou qualquer outro, se for privado), que segundo «a avaliação da Unidade Técnica de acompanhamento de Projetos criada pelos Ministérios das Finanças e Saúde, para o período de 2011 a 2015, (…) gerou uma poupança para o Serviço Nacional de Saúde, de cerca de 199 milhões de euros», e que, porém, só no primeiro ano da reversão, custou mais 100 milhões e passou a ter listas de espera…

18. Se quer consultas e cirurgias com anos de atraso, vote socialista. Em março, abril e maio de 2020 registavam-se menos três milhões de consultas nos cuidados primários (uma quebra de 57%), menos 900 mil consultas nos hospitais (menos 38%), menos 900 mil cirurgias, e uma redução de 44% no acesso às urgências, segundo dados apresentados pela Ordem dos Médicos.

19. Se pouco lhe importa que morra gente desde que toda a saúde seja do sector público, vote socialista. Em Julho de 2020, morreram 10 390 pessoas em Portugal, o valor mais alto num mês nos últimos 12 anos, e um aumento de 26% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Destes óbitos “apenas” 159, ou seja, 1.5%, teve a COVID-19 como causa. Em declarações à Rádio Renascença, o bastonário da Ordem dos Médicos disse que «o excesso de mortalidade se deve aos doentes não-COVID» cujas consultas, diagnósticos e tratamentos «claramente ficaram atrasados. (…) Não vale a pena arranjar outras explicações». Entre os mais de 10 000 mortos restantes estão os que morreram devido à incompetência e cegueira ideológica que levam ministra da Saúde e primeiro-ministro a recusar acordos com hospitais privados para reforço da capacidade de atendimento, e para que os doentes não-Covid não fossem enxotados.

20. Se quer uma comunicação social domesticada, que praticamente ignora estes números e a sua gravidade, vote em quem a subsidia e controla, vote socialista.

21. Se quer um silêncio ensurdecedor sobre a «bazuca» má de que ninguém fala, ou seja, as consequências dos 46 mil milhões de moratórias, vote socialista. As moratórias expiram e explodem em Setembro de 2021, mas, se gosta, como o actual governo, de empurrar os problemas com a barriga; se considera, como o actual governo, que por essa altura já as eleições autárquicas estão resolvidas; se pensa, como o actual governo, que «depois se verá», por maioria de razão vote socialista.

22. Se pensa que quem emigra é burro, vote socialista. A emigração voltou a subir em 2018. Emigraram 81 754, depois de em 2017 terem saído de Portugal 81 051. Desde o ano em que a troika saiu de cá e até 2018 saíram de Portugal em busca de melhor vida 495 mil portugueses. Se acha que o fazem por ser cegos às maravilhas socialistas, vote nelas. E vote socialista se pensa que a burrice dos emigrantes é confirmada pelo facto de estarem a baixar as suas remessas (dados Pordata, 2017-2019 em milhões de euros: remessas dos EUA – 254,4 – 214,2; Espanha –15,28 – 10,09; França – 30,00 – 21,50; Alemanha – 4,62 – 3,84; Reino Unido – 5,51 – 4,30). Considera cegos os emigrantes que não vislumbram este paraíso fiscal, este altar da poupança e do investimento, e que o abandonaram? Vote socialista.

23. Se quer uma comunicação social melodramática e farsante que, em 2012, em plena crise resultante da bancarrota socialista, chorava e buscava nos aeroportos mães chorosas de filhos que partiam, para com elas compor peças histriónicas contra o governo PSD/CDS, vote socialista. Vote socialista para manter alimentada esta comunicação social que agora nem vê nem dá por nada.

24. Se vê na destruição de valor um feito admirável, vote nos socialistas e nos idiotas úteis que promoveram e realizaram a «reversão» da TAP para uma empresa «nossa», regional, insignificante; que vão eliminar os 3000 novos empregos criados pel`«o privado»; que cancelam os contratos de aumento da frota celebrados pel`«o privado»; que pagam a «o privado» 55 milhões de euros para se ir embora a rir; e que conseguem o raro feito de diplomacia económica de ser o único país europeu cuja companhia aérea não tem direito a financiamentos a fundo perdido (que tiveram até as companhias aéreas pertencente a qualquer «o privado», em países onde o que interessa é a criação de riqueza).

25. Se está do lado do militar de Abril na lendária conversa com o saudoso e então primeiro-ministro da Suécia; se quer, como Otelo, acabar com os ricos, e não, como Olof Palme, acabar com os pobres, então, veementemente, vote socialista.

26. Se a gestão de 2 pesos 2 medidas lhe parece uma coisa excitante, vote no Governo que proíbe despedimentos nas empresas ajudadas, mas despede na TAP – ajudada com 1,2 mil milhões só para começo – porque, diz o ministro soviético, «não se pode ter empregos para que depois não há trabalho». E se o ressentimento é o seu pão de cada dia, faça como o ministro e acirre ódios e invejas contra os pilotos ou qualquer especialista que ganhe bem. Vote no ministro e no socialismo soviético.

27. Se quer uma comunicação social apologética, que diz que o que importa no desastre da TAP é que o corte de 25% nos salários e os primeiros 1000 despedimentos «poupam» o despedimento de uns 900 (assim como, depreende-se, a venda, abandono ou «reversão» de 90 aviões e dezenas de rotas há-de «poupar» a venda ou perda do pouco que sobre) vote socialista.

28. Se quer ouvir Catarina Martins 7 vezes por dia a falar sobre a evaporação de água nas barragens e outras efemérides, se quer ouvir 8 vezes cada dia o primeiro-ministro a anunciar amanhãs que cantam (hoje, não tenho nada), vote em quem mantém os orçamentos e os critérios noticiosos televisivos [e, à falta do interlúdio anti-Trump diário, o pânico Covid permanente], vote socialista.

29. Se é jovem, e/ou estudante à beira da idade activa, e ambiciona um ambiente económico em que salário médio e salário mínimo são praticamente a mesma coisa, vote socialista.

30. Se gosta de ter o penúltimo mais baixo rendimento bruto por hora de trabalho entre todos os países da Europa (4,6 euros – na Dinamarca são 19,2; no Luxemburgo, 15; em Espanha, 10; na Polónia, 8) e o penúltimo mais baixo poder de compra (dados Eurostat) vote socialista.

31. Se esse penúltimo lugar não parece satisfatório; se exige o último lugar em qualquer coisa; se quer viver no país mais pobre da Europa, vote socialista. Não falta muito: Portugal está atualmente na 23.ª posição entre 28 países, mas, segundo cálculos do economista Abel Mateus (em Ensaio publicado no Observador), entre 2003 e 2017 foi ultrapassado por Eslovénia, República Checa, Malta, Estónia e Lituânia, e em breve o será por Polónia, Hungria, Letónia e Roménia.

32. Se deseja ardentemente não passar da cepa torta, vote socialista. Segundo as projecções de crescimento da OCDE para o biénio 2021-2022, Portugal é o país com pior taxa de crescimento (1,7 e 1,9%, respetivamente) de entre 46 países analisados. Em 2022, o PIB de Portugal será 5,1% inferior ao de 2019. E o World Economic Forum conclui no seu relatório sobre competitividade que a prontidão do país para a transformação económica ocupa o 22.º lugar entre 37 países.

33. Se quer ser o mendigo da Europa, se lhe são indiferentes uma descida de 12% do PIB, uma subida do desemprego para 8,1%, os sucessivos recordes da dívida pública e 25 anos de bancarrotas e crescimento medíocre; se crê que tudo se remedeia com esmolas da Europa; se clama por elas apelidando-as de «solidariedade», e ofendendo quem se sentir cansado de ser esmoler sempre com os mesmos, vote socialista.

34. Se gosta de cómicos sisudos, vote socialista. Tem um primeiro-ministro que garante que a austeridade acabou. E não o garante a rir. Tem um ministro da Administração Interna que se gaba de ser campeão dos direitos humanos 9 meses depois de um crime hediondo num organismo sob sua tutela. E gaba-se sem rir. Tem um ministro da Economia que vislumbra uma situação positiva e já vê luz ao fundo do túnel. E não se ri do que diz ver.

35. Se não gosta de contestação e escrutínio, vote socialista – os socialistas acabam com uma coisa e a outra. Se a excessiva seriedade do presidente do tribunal de Contas obstaculiza e incomoda os negócios socialistas, os socialistas mudam o presidente do Tribunal de Contas; se a Procuradora-Geral da República investiga suspeitas de crimes graves cometidos por camaradas socialistas em altos cargos (e médios, e baixos), despede-se a Procuradora-Geral da República; se o governador do Banco de Portugal não dá provas da devida admiração pela acção do governo socialista, põe-se a governador o ministro das Finanças, que ali analisará os efeitos promissores da sua própria acção no ministério de onde veio. Os socialistas despedem até o médico que tão inconvenientemente denunciou um homicídio no SEF. Vote socialista em nome de cegueira, silêncio e sossego.

36. Se, ao contrário, anseia por extravagância e aventura, fogos que matam, indemnizações prometidas e que não chegam, arsenais assaltados, e um chefe de governo que diz que a realização de uma final da Champions em Portugal é um prémio aos trabalhadores da saúde, então, vote sempre socialista.

37. Se quer uma Comunicação Social que não lhe dê dores de cabeça, que não escrutine (e mal aborde) os temas da dívida, do défice, do desemprego, da competitividade, do peso e arbitrariedade do fisco, da descida no nível de PIB per capita para último lugar na UE, vote socialista – são os socialistas que preservam, povoam, alimentam e controlam essa Comunicação Social.

38. Se ainda não compreendeu que os «apoios do Estado» por que clama são feitos com os impostos espremidos do seu orçamento, vote socialista. Continue a viver descansado sob a bota de um fisco que leva em média 41% dos rendimentos do trabalho (47% se somarmos o IVA; muito mais se somarmos as taxas e taxinhas, e impostos sobre isto e aquilo).

39. Se não quer cá empresas estrangeiras a investir e a criar emprego e riqueza, vote socialista. E vote socialista, também, se não gosta de iniciativa privada. Mal chegaram ao governo, logo os socialistas de António Costa renegaram a reforma do IRC que tinham acabado de assinar, e que tornaria o país atrativo para o investimento estrangeiro. Pode ficar descansado/a: Portugal ocupa hoje o 33.º lugar (4º a contar do fim) na lista da competitividade fiscal. E, em algum caso mais desesperado, há sempre Pedro Nuno Santos para afugentar «o privado», o investimento, o desenvolvimento e a riqueza. Vote no herdeiro putativo, vote socialista.

40. Se não gosta de expressões complicadas, como «investimento reprodutivo», vote socialista. Vote António Costa, vote no chefe de governo que, na actual situação de desastre económico, recusa empréstimos reembolsáveis da União Europeia de 15,7 mil milhões de euros. A pretexto, afirma Costa, de que não pode aumentar a dívida pública, a qual, no entanto, não parou de bater recordes desde o seu primeiro governo – mas talvez, na verdade, por também ele não gostar de expressões complicadas como «investimento reprodutivo», sobretudo quando os empréstimos são «reembolsáveis», e os investimentos ficam sujeitos a «análise», «projecção de rentabilidade» e «veto».

41. Se quer uma Comunicação Social reverente e festiva, vote socialista. A Comunicação Social reverente e festiva, que nunca registou nem criticou o aumento da dívida pública, está disposta a aplaudir que esses 15 mil milhões não venham por preocupação com a dívida pública. Aliás, a Comunicação Social reverente e festiva está disposta a aplaudir tudo o que venha de um governo socialista – como aquele jornal «de referência» que um dia aplaudiu o primeiro-ministro por recusar encerrar as escolas devido à pandemia, e um dia depois, o aplaudiu por encerrá-las. Os socialistas sabem alimentar uma Comunicação Social assim; se é esse o seu alimento, vote socialista.

42. Se o seu pior pesadelo é que os seus filhos tenham um futuro melhor do que o seu, vote socialista; os socialistas preparam activamente a geração mais mal preparada de sempre. Em 2015, na avaliação internacional Trends in International Mathematics and Science Study, organizada de quatro em quatro anos pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement, os alunos portugueses do 1.º ciclo de ensino básico, vindos das reformas de Nuno Crato, com curricula mais exigentes e exames, registaram uma subida em flecha. Após tomar posse, o governo de António Costa eliminou os exames finais dos 1.º e 2.º ciclos, e adoptou outras medidas para baixar a exigência, dispensar a avaliação, e – como o Bloco de Esquerda exigia – deixar os professores felizes, e, os alunos, ignorantes e sorridentes. Na avaliação TIMSS de 2019, os alunos do 1.º ciclo despenharam-se na classificação. Se prefere assim, vote socialista – e terá sempre uma Catarina Martins a dizer que o que é bom é ter estudantes que saibam pouco e riam muito, e um secretário de Estado deste governo a dizer que a culpa não é do facilitismo dele, do ministro e do primeiro-ministro, mas do Bei de Tunis. Se acha que Costa e seus ministros nunca têm culpa de nada, castigue o Bei de Tunis, vote socialista.

43. Se teme um futuro melhor, até para si, vote socialista. Os socialistas já dispõem, na creche da Juventude Socialista, de um grande valor, um valor ainda mais soviético do que o soviético Pedro Nuno Santos. Diz o secretário-geral da Juventude Socialista, Miguel Matos,que «o capitalismo desenfreado, a acumulação de riqueza e a ganância do lucro têm mesmo de ter um fim». Nada de EUA, Alemanha, Canadá ou Austrália, ou sequer China, proclama Matos; Cuba ou Venezuela é que é bom. Igual ou melhor do que Pedro Nuno Santos, o que ele propõe é «um Estado interventivo e forte», ou seja, exatamente aquilo que temos tido e temos, e nos coloca na cauda da Europa. Se vê aqui um futuro muito à imagem do presente e muito ao sabor do seu gosto, vote socialista.

44. Se acha que «os políticos são todos iguais», e que «a sua política é o trabalho», vote socialista. E se acha que «eles só querem é encher-se», igual por igual vote socialista. E tenha o ano de 2021 que merece (e os seguintes).

José Mendonça da Cruz, ‘Observador’

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A maneira russa, que o governo português adora. Alexey Navalny critica Portugal por ter concedido cidadania a Roman Abramovich.

O opositor de Putin diz que Abramovich subornou Portugal e outros países para conseguir cidadania portuguesa e ter uma boa influência em Estados-membros da NATO. Para Navalny, quem ganha é Putin.

Rally in support of political prisoners in central Moscow

Alexey Navalny, opositor de Vladimir Putin e mais recente prémio Sakharov, criticou Portugal, um país da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), por ter concedido cidadania a Roman Abramovich, que classifica como o “oligarca mais próximo de Putin e uma das suas carteiras”. No rol de acusações, Alexey Navalny chega a dizer que “as autoridades portuguesas carregam malas com dinheiro”.

A crítica surge numa altura em que cresce a tensão entre a NATO e a Rússia por causa da Ucrânia e está relacionada, sobretudo, com o facto de Roman Abramovich ter conseguido cidadania portuguesa ao abrigo da Lei da Nacionalidade que concede esse direito aos descendentes de judeus sefarditas.

Num conjunto de publicações do Twitter, o activista russo, preso pelo Kremlin, diz que Abramovich e Putin fizeram negócios que prejudicaram o povo russo e que, com esse dinheiro, o agora cidadão português conseguiu tornar-se dono do Chelsea (clube britânico), comprar um avião da Boeing nos Estados Unidos e dar dinheiro a vários países (incluindo Portugal).

As autoridades portuguesas carregam malas com dinheiro. A economia dos EUA recebeu 350 milhões de dólares. Os apresentadores de TV elogiam Putin na sua luta contra a NATO enquanto espuma pela boca”, escreveu Alexey Navalny, a 23 de Dezembro. “Um ciclo perfeito de hipocrisia e corrupção”, concluiu.

Roman Abramovich, dono do Chelsea, não conseguiu renovar o visto para permanecer no Reino Unido em 2018 — diz-se que em retaliação pelo assassinato de Sergei Skripal, agente duplo russo radicado em Londres. Na mesma altura, conseguiu nacionalidade israelita. E, em Abril deste ano, cidadania portuguesa.

A cidadania portuguesa permitirá assim a Abramovich circular livremente na União Europeia, tal como a todos os cidadãos dos Estados-membros.

Observador – Vera Noais

Democracia, à maneira russa. 3

“Pode não haver nada de mais no facto de alguém querer jogar ténis com Boris Johnson ou ir a este tipo de festas. Mas temos de colocar a questão: se mantêm contactos na Rússia, terão algumas lealdades lá ou alguma motivação em termos de influência política que pode tentar limitar o Partido Conservador e o governo?”

Thomas Mayne, co-autor de relatório da Chatham House sobre a cleptocracia em Londres. Observador

Democracia, à maneira russa. 2

“Londres é mais perto de Moscovo do que Nova Iorque, por exemplo. É fácil trazer a família para cá, têm uma comunidade russa onde se integrar e é mais fácil abrir negócios aqui do que em países como a Alemanha, por exemplo. Portanto eles viajam de cá para lá com frequência."

Elisabeth Schimpfössl, socióloga que estudou as elites russas. Observador

Democracia, à maneira russa.

“Quando vemos o que está a acontecer a Catherine Belton, vemos o risco que as pessoas correm quando escrevem abertamente sobre estes oligarcas.”

Oliver Bullough sobre o processo movido por Abramovich à jornalista Belton

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Long Covid em crianças e jovens: a maioria dos sintomas são semelhantes a quem não teve a doença.

Uma revisão sistemática de estudos, revelou que a frequência da maioria dos sintomas persistentes após infecção por SARS-CoV-2, em crianças e jovens, foi semelhante aos não infetados (grupo de controlo). Em alguns sintomas, foram detetados aumentos pequenos, mas estatisticamente significativos.

Nesta revisão sistemática sobre sintomas persistentes após infeção SARS-CoV-2 em jovens e crianças, foram incluídos estudos com grupo de controlo e outros sem grupo de controlo. O objetivo foi estimar a prevalência desses sintomas em pessoas previamente infetadas em comparação com as não infetadas (grupo de controlo).

Comparação entre o grupo de “caso Covid” com o grupo de controlo (não Covid)

A frequência da maioria dos sintomas persistentes reportados foi semelhante em casos confirmados de infeção e no grupo de controlo.

Em sintomas associados com a Long-covid, como a dor abdominal, a tosse, a fadiga, a mialgia (dores musculares), a insónia, a diarreia, a febre, as tonturas ou a dispneia (falta de ar), não foram encontradas qualquer diferenças.

Por outro lado, em alguns sintomas foram identificados aumentos pequenos a residuais, mas estatisticamente significativos. Na perda de olfato foi onde se registou uma maior diferença (8%), seguida da dor de cabeça (5%), de dificuldades cognitivas (3%), da garganta inflamada (2%) e de olhos doridos (2%).

Prevalência de sintomas em todos os estudos (com e sem grupo de controlo)

Entre os estudos incluídos na meta-análise (cinco com grupo de controlo e 12 sem grupo de controlo) a prevalência de sintomas pós-Covid variou entre os 15% (diarreia) e 47% (fadiga).

A idade foi associada com maior prevalência de todos os sintomas, exceto tosse. A maior qualidade do estudo foi associada com a menor prevalência de todos os sintomas, exceto perda de olfato e sintomas cognitivos.

Qualidade geral dos estudos sobre Long-covid

Os autores salientam que a maioria dos estudos incluídos eram de má qualidade, predominantemente sem grupo de controlo e retrospetivos, e abertos ao viés de seleção.

Apresentam igualmente razões para a reduzida fiabilidade de muitos desses estudos:

Há uma série de razões pelas quais os sintomas relatados em muitos destes estudos podem não ser específicos da SARS-CoV-2, incluindo a alta prevalência de sintomas somáticos, tais como fadiga e dor de cabeça em crianças e jovens saudáveis, a sobreposição de sintomas como fadiga, concentração e dor de cabeça, com sintomas de saúde mental (que subiram durante a pandemia) e potencial viés de atribuição.”

Conclusões dos autores

Alguma evidência (dois grandes estudos controlados) apontam para que 5 a 14% dos infetados possam ter múltiplos sintomas persistentes de quatro semanas ou mais após infeção aguda. No entanto, a maioria dos 14 sintomas mais frequentemente relatados igualmente comuns nos infetados do que nos não infetados.

Estes resultados sugerem que os sintomas persistentes possam ocorrer, “mas a prevalência é muito menor do que o sugerido por muitos estudos descontrolados de baixa qualidade”.

O facto de a (maior) qualidade do estudo, o recrutamento comunitário e o diagnóstico confirmado por testes de infeção estarem, forte e consistentemente, associados à menor prevalência de long-covid, “destaca a importância da qualidade científica na investigação de fenómenos emergentes, como as síndromes pós-Covid”.

É destacada, em particular, a importância crítica de existir um grupo de controlo neste tipo de estudos.

https://theblindspot.pt/

Borrados de medo.

Vejo-os à minha volta. Todos os dias. A toda a hora. Em qualquer sítio.


Borrados de medo.

São aqueles que ajustam a máscara quando passam por mim na rua. São os seguranças que me perseguem no supermercado e me mandam repetidamente pôr o nariz para dentro da máscara. São os que desinfectam as mãos à entrada de cada loja, e os que me mandam fazê-lo quando não o faço. São os que evitam reunir-se com quem sempre se reuniram. São os que seguem os números e as notícias sem fazerem crítica nem pensarem pela própria cabeça. E são também aqueles que fornecem os números e as notícias. São os que fazem as regras e as impõem sem permissão de escolha. São os que mandam e os que obedecem.

Borrados de medo, uns e outros.

Os borrados de medo podem ser qualquer um. Aparecem nos locais mais insuspeitos e surpreendentes. Mas também surgem onde sempre soubemos que a cobardia era omnipresente.

Os borrados de medo existem em todos os países, em todas as ideologias, religiões e partidos. Nada nem ninguém está livre dos borrados de medo.

Os borrados de medo podem ser pessoas previamente inteligentes, seguras, afoitas, aparentemente corajosas. E que se revelam agora borrados de medo.

E há pessoas inseguras, não muito inteligentes, com medo de tudo, que são agora imunes a toda a propaganda evangelizadora dos borrados de medo. E não são borrados de medo.

Os borrados de medo podem ser profissionais de saúde que inventam mil desculpas para não   se aproximarem destes doentes, chegando a usar baixas médicas para não o fazerem. E são seguramente todos aqueles que consideram normal que isso assim seja, e aceitam enviar uns para a frente dos cuidados, e asseguram que os outros ficam na retaguarda. Não foi assim em todas as guerras?

E claro que aqueles profissionais de saúde que não se desculpam e não fogem, que se aproximam destes doentes, que lhes tocam, que os observam de perto, que lhes falam sem medo nem barreiras, que não são borrados de medo, estes são por sua vez chamados de cobardes, de não resilientes, ou mesmo de negacionistas. Tudo para que os borrados de medo não se sintam mal quando comparados com eles.

Os borrados de medo podem ser os que se fecham em casa voluntariamente durante 14 dias porque contactaram com alunos de uma escola onde algures noutra turma qualquer um outro aluno testou positivo. Ou então podem tornar-se incapazes de beber água de uma garrafa em cima de uma mesa, atrapalhados à procura de um lenço, tal é o medo de tocar nessa garrafa, fonte assustadora de infecção e de mal e de morte. E podem ser ainda aqueles que exigem testes negativos às pessoas saudáveis e já vacinadas.

São borrados de medo as autoridades de saúde que mandam para casa centenas de milhares de pessoas saudáveis, porque contactaram ligeiramente com um caso positivo, ou até apenas porque contactaram com alguém que contactou com um caso positivo.

São autoridades de saúde, mas borrados de medo.

São borrados de medo todos os que gritam “ponha a máscara!” e “desinfecte as mãos!” e se afastam sempre ligeiramente quando alguém se aproxima para falar com eles.

Os borrados de medo não podem nunca permitir que a sua cobardia seja desmascarada. E a sua estratégia de dissimulação é essencial, até para eles próprios e para a sua auto-estima.

É absolutamente necessário que o seu comportamento seja considerado nobre e belo e correcto, e que o dos outros seja visto como mau, irresponsável, egoísta e inconsequente. E é com violência e raiva e ódio que se referem e atacam os que não são borrados de medo, como eles são. E sobre esses fazem chover insultos, processos disciplinares na ordem dos Médicos, ou multas e repressão por parte da polícia.

Para além da repressão violenta, os borrados de medo usam também a evangelização. A evangelização dos outros é essencial. Para que se convertam em borrados de medo também. Os borrados de medo são exímios no uso de todos os meios evangelizadores. A toda a hora. Sem descanso.

Usam cartazes enormes de publicidade, mostrando pessoas gravemente doentes, dizendo que uma máscara, uma janela aberta ou dois metros de distância poderiam ter evitado aquele sofrimento. Manipulam informação e dados, que fornecem todos os dias sem excepção, falando de “casos”, de internados e de mortos, do nosso e de outros países, mas sem nunca explicarem a gravidade relativa das coisas, sem dizerem a quantos dos “casos” nada de especial acontece, ou de que forma tantas outras doenças matam tanto mas tanto mais do que esta. A saturação das cabeças com a repetição das informações manipuladas é um excelente meio evangelizador.

E há-que evangelizar, fazer a ré-educação das massas, e mostrar-lhes a mesma informação manipulada vezes e vezes sem conta, até que se ré-eduquem.

Até que se tornem borrados de medo como eles.

Os borrados de medo estão sempre borrados de medo. Se não for com os números do presente, é com os números do passado. Ou então são os números do futuro que os aterrorizam. Ou os de outros países. Ou de outras variantes. Se não é a (escassa) gravidade da doença, são as suas consequências futuras, que afinal parece que não existem. Por que os borrados de medo estão sempre borrados de medo.

Os borrados de medo explicam que aquilo que fazem não é (nunca!) para sua protecção pessoal (não!), mas sim para proteger os outros, os seus pais, os seus filhos ou uma tia velhinha de quem muito gostam.

Porque eles não são borrados de medo, (disparate!) são, isso sim, pessoas responsáveis, preocupados com os outros.

Deve ser por isso que ajustam a máscara quando passo por eles desmascarado na rua. E que me interpelam e perseguem e insultam quando não a uso. Deve ser para me protegerem a mim.

E a vacinação das crianças também deve ser para as proteger a elas, e não para os proteger a eles, os borrados de medo.

Os borrados de medo começaram por nos dizer que era só até vir uma vacina. Depois que era só até estarmos todos vacinados. Depois que era a terceira dose. Os ingleses já falam da quarta dose. Outros dizem que agora tem de ser até vir uma nova vacina que impeça a transmissão.

Os borrados de medo eram borrados de medo antes da vacina e continuaram a sê-lo já vacinados. Eram borrados de medo antes de terem a doença e continuaram depois de recuperarem dos seus sintomas ligeiros.

Os borrados de medo serão sempre borrados de medo.

E os que não o são, não o eram antes, nem o são depois.

Porque os que não são borrados de medo aceitam simplesmente os riscos inerentes a estarmos vivos. Para os borrados de medo nenhum risco é pequeno o suficiente para que deixem de ser borrados de medo.

É muito perigoso ir contra os borrados de medo. O medo é uma força poderosa, que os torna inabaláveis nas suas crenças e agressivos com quem lhes demonstra o seu ridículo borrado de medo. Quem anda sem medo, sem máscara, sem distanciamento, sem desinfecção… e sem consequências desse comportamento, esse é um indivíduo mortal para os borrados de medo. Essas pessoas são a criptonite e a némesis dos borrados de medo. Porque desmascaram o medo verde-vómito que os cobre.

Por isso, estamos perdidos. Os borrados de medo são implacáveis. É necessário que todos os outros cumpram as suas regras de borrados de medo, para que fique disfarçada a sua fraqueza vergonhosa.

Os que não são borrados de medo não querem nem saber o que os borrados de medo fazem. Mas os borrados de medo precisam de controlar tudo aquilo que fazem aqueles que não o são.

O que seria do mundo, se cada um pudesse decidir fazer o que queria em relação ao vírus? E se nada de diferente atingisse os que nada fizessem e andassem sem preocupação nem medo, na sua vida normal? Os borrados de medo seriam descobertos.

Não pode ser.

Coragem não é não ter medo. Coragem é ter medo, e enfrentar esse medo, e agirmos como se não sentíssemos dentro de nós esse medo. E, quando agimos como se o medo não existisse, ele efectivamente vai diminuindo dentro de nós até desaparecer.

Cobardia não é ter medo. Cobardia é ter medo e entregarmo-nos ao medo e ficarmos paralisados e condicionados na nossa acção por causa dele. E, quando condicionamos aquilo que fazemos ao medo que sentimos, ele vai crescendo e aumentando, dominando-nos cada vez mais.

Cobardia é ser-se borrado de medo.

Os borrados de medo estão à nossa volta. São quem manda em nós. Querem que todos sejamos  como eles. Eles odeiam quem não é borrado de medo, porque o nosso comportamento desmascara a sua cobardia.

Os borrados de medo são o Novo Normal.

Tiago de Abreu, médico, especialista em Medicina Interna

O Estado xenófobo, torturador e assassino

Em vésperas de eleições, importa saber o que cada partido pretende fazer para acabar com a xenofobia e tortura praticada por representantes do Estado. A democracia tem 47 anos, é demasiado tempo a assobiar para o lado.


Ana Sá Lopes


Quando em Março de 2020 o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk foi morto por servidores públicos, ninguém deu por isso porque andava toda a gente cheia de medo da Covid-19 que tinha acabado de chegar. Alguns jornalistas não deixaram cair o assunto – nomeadamente Joana Gorjão Henriques aqui no PÚBLICO – e o ministro da Administração Interna foi chamado ao Parlamento. Mas a mais cristalina das verdades é que, com a população e os actores políticos centrados no vírus, no exacto momento do acontecimento, não houve um clamor nacional. Esse clamor só viria a acontecer uns nove meses depois, quando Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a demissão de Eduardo Cabrita – embora depois tenha negado que fosse esse o objectivo da frase que disse: “Quem protagonizou o passado provavelmente não tem condições para protagonizar o futuro”.

O crime da tortura de imigrantes em Odemira por agentes da GNR, noticiado pela CNN Portugal, é outro crime de Estado que corre o risco de ficar submerso durante muitos meses, entre o caso Rendeiro, o caso Manuel Pinho, o congresso do PSD, as legislativas e o Natal. Se Eduardo Cabrita fosse ministro da Administração Interna, é provável que alguém já se lembrasse de pedir a demissão. Mas já não é. Deixou de servir de bode expiatório e ninguém se vai lembrar de, em fim de Governo, pedir a demissão de Francisca Van Dunen, uma ministra que já anunciou que mesmo que o PS ganhe as eleições vai deixar de o ser, e que acumulou a pasta da Administração Interna com a Justiça só porque sim.

Já sabemos que em Portugal as forças policiais podem torturar e não perdem o cargo de responsáveis pela autoridade do Estado, como aconteceu com os agentes condenados na esquadra de Alfragide. Sobre a tortura dos imigrantes de Odemira, Marcelo Rebelo de Sousa pediu na sexta-feira justiça célere, mas veio rapidamente apelar a que não se confunda torturadores e instituição GNR – “Os crimes ou infracções cometidos por elementos de uma força não podem ser confundidos com a missão, a dedicação e a competência da generalidade dos seus membros”. Mas foi também Marcelo que em Janeiro admitiu, no podcast “Perguntar Não Ofende” de Daniel Oliveira, que existia um problema grave no país, que definia como “um problema de cultura cívica, que não é necessariamente de uma instituição” no tratamento de imigrantes e estrangeiros. Um problema de xenofobia reconhecido pelo Presidente da República – para quem existem “sectores da sociedade portuguesa, atravessando várias instituições, que verdadeiramente não assimilam o espírito da Constituição, que é o espírito da igualdade e da integração e da inclusão”.

O Ministério Público considerou que os agentes da GNR que actuaram em Odemira “agiram em manifesto ódio pelos visados”, “ódio esse claramente dirigido às nacionalidades”. Ou, como disse o deputado do PSD Duarte Marques ao PÚBLICO, “comportaram-se pior do que animais”. A justiça vai seguir o seu curso mas, em vésperas de eleições, importa saber o que cada partido pretende fazer para acabar com a xenofobia e tortura praticadas por representantes da autoridade do Estado. A democracia tem 47 anos e passou demasiado tempo a assobiar para o lado.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O PS de Costa é o PS de Sócrates.

O PS não consegue pedir uma maioria absoluta por uma razão simples: sabe o que aconteceu na única vez em que a conquistou. E também sabe que os portugueses não esqueceram Sócrates nem os seus governos

O PS é um partido muito descarado. Em 2011, um governo socialista levou Portugal à falência, pediu ajuda externa, mas teve, e tem, o descaramento de culpar o governo do PSD e do CDS pela vinda da troika. Os últimos governos socialistas não investiram nos hospitais públicos, mas o PS tem o descaramento de se apresentar como o grande defensor do SNS. O PS aliou-se à extrema esquerda para governar Portugal, mas tem o descaramento de acusar o PSD de se ter aliado à extrema direita nos Açores. Os exemplos de falta de vergonha do PS podiam encher muitas páginas.

Mas há uma questão onde os socialistas não conseguem ser descarados: no pedido de uma maioria absoluta aos portugueses. Querem a maioria absoluta, mas não conseguem pedi-la de uma forma clara. Arranjam fórmulas como uma “uma grande maioria”, uma “maioria estável”, “um governo para quatro anos”, mas dizer claramente que querem uma maioria absoluta, não o fazem. E não conseguem fazê-lo por uma razão muito simples: o PS sabe o que aconteceu na única vez que conquistou uma maioria absoluta. E também sabe que os portugueses não esqueceram Sócrates nem os seus governos.

Os portugueses sabem que foi o governo socialista de Sócrates que levou o país à falência, obrigando a quatro anos de austeridade. Os portugueses lembram-se dos abusos cometidos pelo primeiro governo de Sócrates, de maioria absoluta, contra o estado de direito e a liberdade de imprensa. Os portugueses não se esqueceram das mentiras sucessivas de Sócrates, do seu modo de vida milionário, e como um governo de esquerda foi até hoje o maior cúmplice do verdadeiro capitalismo selvagem, e das maiores falências, na história da democracia portuguesa. A acusação a Manuel Pinho na semana passada recorda aos portugueses que o PS não pode ter maioria absoluta. Como é possível num país onde o ordenado médio é pouco mais de mil euros por mês, um ministro receber às escondidas cerca de 15 mil euros mensais de um grupo económico privado? Para os socialistas, as maiorias absolutas são o caminho para o enriquecimento.

Mas o PS não mudou. É o mesmo partido do tempo de Sócrates, sem o antigo líder. O antigo número um foi-se embora, e subiu o antigo número dois, António Costa. No resto, são os mesmos que continuam no poder: muitos ministros foram os mesmos, muitos deputados são os mesmos, e os mesmos dirigentes. E se alguma dúvida houvesse, a notícia de que Edite Estrela poderá ser a candidata socialista à Presidência da Assembleia da República confirmou com toda a clareza a natureza “socrática” do actual PS. Depois de tudo o que aconteceu, o PS prepara-se para escolher para número dois da hierarquia do Estado, a maior aliada política de Sócrates. Aparentemente, a outra possibilidade seria Francisco Assis. Nem sequer está nas listas de deputados. Só um partido “socrático” é que poderia escolher Edite Estrela e ignorar Francisco Assis.

Cada vez que um dirigente do PS, na campanha eleitoral que aí vem, pedir uma “grande maioria”, lembrem-se do que aconteceu a Portugal quando Sócrates governou com maioria absoluta. E não tenham qualquer dúvida: o PS de Costa continua a ser o mesmo partido que foi liderado por Sócrates.

Aliás, há um teste para o PS. Veremos se algum dirigente socialista dirá aos portugueses o seguinte: “o PS merece maioria absoluta porque quando a teve com Sócrates, fez isto, e isto, e isto de bom para os portugueses.” Seria isso que um partido orgulhoso de um anterior governo de maioria absoluta faria. Mas o PS sabe que se dissesse isso, seria fatal para as suas aspirações eleitorais. Espero que os partidos de direita o digam.

João Marques de Almeida

Observador