segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

COMO COSTA ME PEDIU PARA SER VIGIADOR-GERAL DA MAIORIA, E COMO COMBINÁMOS AS COISAS.

ESTA MAIORIA VAI DESMENTIR TUDO O QUE AS OUTRAS MAIORIAS ABSOLUTAS FORAM. NÃO HAVERÁ JOBS NEM BOYS. EU ESTOU CÁ PARA VASCULHAR TUDO.


Logo após ter ganho as eleições com maioria absoluta, António Costa telefonou-me. Eh pá, disse ele, ‘vamoláver’, eu preciso de ter aqui uma maioria que seja um brinquinho. Não há lugar para amigos, nem nomeações de favor, nem vantagens para quem for do PS, nem nada disso. Portanto, quero que aceites o lugar de vigiador-geral da maioria absoluta (VIGAM), de modo que todos os processos corram ordenadamente e sem favoritismos, nepotismos, caciquismos e essas coisas que minam a democracia.

Eu, como é evidente, sempre fui um grande apoiante de Costa, como, aliás, o país todo, desde os mais recônditos lugares, aos mais selectos bairros das grandes cidades. Por isso, não tinha como recusar aquele convite tão honroso. Após reflectir cerca de cinco segundos e meio disse-lhe que sim.

Ultrapassada esta parte do convite e da sua aceitação, sempre a mais difícil, veio o aspecto mais fácil para dois homens desprendidos que não ligam ao dinheiro e às honrarias, pois apenas querem servir o bem público.

Aliás, Costa insistiu muito no ponto de que o cargo de VIGAM seria totalmente a bem do Estado e do espírito de serviço e de desenvoltura que o caracterizam. Ambos concordámos que só dessa forma se podia encarar um VIGAM que assentasse nos alicerces de uma sólida democracia consolidada. Naturalmente, e embora fosse algo que não me preocupasse nem me interessasse muito, tive de falar dos meus honorários e condições de trabalho. Costa propôs:

— Acho que deve ser o que ganha um regulador! E eu perguntei quanto ganha um regulador, mas Costa não sabia ao certo. Combinámos uma coisa assim entre os 12 e os 20 mil euros mensais. Ainda alvitrei que o intervalo me parecia muito grande, que seria melhor ser entre os 18 e os 20 mil euros, mas Costa lembrou-me das contas certas com que se tinha comprometido, e deu-me a estocada final com esta frase:

— Havia sondagens que tinham intervalos maiores!

Assim sendo, concordei com os termos salariais — mais de 12 mil, menos de 20 mil — mas ainda havia muito a discutir. Por exemplo: o gabinete, os assessores, o chefe de gabinete, os adjuntos, o motorista, etc..

Costa achou justo. Afinal, o VIGAM tem de ter os seus vigários, os seus ajudantes, substitutos e ainda pessoal menor. Não faz sentido o VIGAM deslocar-se sem ter um carro jeitoso e um motorista experiente. E esta era a parte mais difícil de concretizar.

Para chefe de gabinete, disse eu, preciso de alguém da minha inteira confiança! Alguém que não me contradiga, nem me traia. Assim como os teus chefes de gabinete, estás a ver? Costa concordou e perguntou-me em quem estava a pensar. Falei-lhe em várias pessoas, como o Fernando Medina, mas este já tinha destino; o filho de António Costa, mas faz falta na Junta onde é presidente; até que optei por um sobrinho meu, coisa que Costa elogiou, dizendo que não devíamos ter medo de nomear os mais competentes, e que os nossos familiares não podiam sofrer pelo facto de serem nossos familiares. Concordei imediatamente. E assim ainda pus uma prima e um amigo como assessores, além de uma cunhada do meu genro como secretária.

O gabinete do VIGAM, bem como o respectivo organograma estava a tomar forma e nós, à medida que a coisa progredia, ficámos ambos contentes. Porém, em boa hora me lembrei:

— Falta um motorista, ou melhor dois, por causa das horas extraordinárias!

— Sim — assentou António Costa — e um motorista é dos cargos mais importantes num gabinete; são pessoas que sabem os nossos segredos e transportam os nossos corpos. Digamos que têm de ser responsáveis pelo nosso corpo e pela nossa alma. Concordei com aquela brilhante reflexão do primeiro-ministro e pus-me a pensar em pessoas a quem podia confiar corpo e alma… Não é fácil, até porque no geral não se confiam as duas coisas numa só pessoa. Já o capitão da “Nau Catrineta” dizia — e bem — ao ver-se tentado pelo diabo: “A alma dou-a a Deus e o corpo dou-o ao mar.”

Veio-me à ideia João Perna, mas desisti dele por estar envolvido no caso daquele que Costa não gosta que pronunciemos o nome. De resto, não me ocorria mais ninguém. Até que Costa alvitrou: “E o motorista do Cabrita?”

Boa!, respondi-lhe, um tipo rápido e seguro. Está feito. Este gabinete de 24 pessoas do VIGAM não deixará passar nada em claro!


COMENDADOR MARQUES DE CORREIA

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