sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Idosos suecos infectados não foram levados aos hospitais, receberam morfina. O escândalo que está a abalar os lares da Suécia.

Metade das mortes na Suécia aconteceram em lares. Para não sobrecarregar o sistema de saúde, idosos infectados foram tratados só com morfina e mantidos longe. "O meu pai não era bem vindo no hospital."

O Observador publica esta semana uma série de seis reportagens feitas na Suécia, o país que desafiou o confinamento contra a Covid-19. A estratégia, que uns consideram um milagre e outros um desastre; os hospitais, agora com maiores dificuldades; o impacto na economia e os erros que o explicam; o dia a dia de um infectado, com testes em casa e nenhuma punição se violar as regras; o escândalo nos lares de idosos; e Anders Tegnell, o epidemiologista que recebe flores e ameaças de morte. Esta é 5.ª parte.

Thomas Andersson soube que o pai estava doente com Covid-19 a 24 de Março, quando o médico que dá assistência ao lar de idosos de Märsta, nos arredores de Estocolmo, junto ao aeroporto de Arlanda, lhe telefonou a dar a notícia.

Jan, então com 81 anos, teria sido infectado com o novo coronavírus no Hospital de Danderyd, onde recentemente tinha estado internado, para uma operação aos intestinos. Apesar de não o ter examinado, garantiu na altura o médico, Jan estava com muita tosse, mas perfeitamente estável. Se por acaso viesse a piorar, explicou-lhe também, não ia ser enviado para o hospital — seria tratado no próprio lar.

“Foi uma mensagem muito estranha de receber, perguntei-lhe porquê, mas ele limitou-se a dizer que havia muita pressão sobre os hospitais e que precisavam de priorizar e o meu pai estava numa categoria que não era bem-vinda no hospital”, recordou Thomas Andersson oito meses depois ao Observador, através de uma videochamada a partir da sala de estar da sua casa, em Uppsala — está com sintomas e em isolamento profiláctico, à espera do resultado de um teste à Covid-19.

“Foi duro ouvir isto, mas o médico também me informou de que na Suécia há uma organização chamada Assistência Avançada Domiciliar (ASIH é a sigla em sueco), capaz de prestar cuidados de saúde avançados em lares, portanto, se o meu pai piorasse muito, ia chamá-los. Disse-me que tinham equipas com médicos e enfermeiras, oxigénio, e que podiam dar injecções de antibióticos — só não tinham ventiladores. Até fiquei descansado, pensei que talvez fosse o mais adequado para o meu pai.”

Como as visitas estavam suspensas, Thomas Andersson foi acompanhando por telefone a evolução do pai — tal como o médico, que, desde que a pandemia começou, deixou de se deslocar ao lar. “Disse-me que o trabalho que fazia era demasiado importante, e que não podia arriscar ser infectado”, recorda o consultor do ramo da construção.

Apesar da tosse, da recusa em comer, beber e tomar os medicamentos e do cansaço, cada vez mais evidente, diziam-lhe do outro lado do telefone, Jan continuava estável e a fase crítica parecia estar ultrapassada. Depois, a 7 de Abril, o médico ligou-lhe e disse-lhe que o pai estava a morrer, não havia forma de o salvar, se queria despedir-se dele tinha de ir ao lar naquela mesma noite.

“Perguntei-lhe se já tinha chamado a ASIH e ele disse-me que não. Disse-me que não era necessário chamá-los porque também não havia nada que eles pudessem fazer”, recorda Thomas Andersson, que, antes de se pôr a caminho para a viagem de 30 e poucos quilómetros até Märsta, insistiu para que o pai recebesse assistência. “Disse-lhe que o meu pai não bebia água há muito tempo, perguntei-lhe se tinham verificado os níveis de hidratação. Disse-lhe que tinha tido uma sepsis no ombro há dois meses e perguntei se tinham tentado perceber se tinha alguma doença bacteriana. Perguntei-lhe se tinham feito alguma coisa, mas não tinham feito nada.”

Quando chegou ao lar, o consultor encontrou o pai meio inconsciente, incapaz de comunicar ou de dar sequer pela presença do filho. “Nunca me disseram, mas estavam a dar-lhe morfina. Na Suécia chamamos-lhes cuidados paliativos, quando deixam de tentar que as pessoas melhorem e passam a tentar que não sofram. O meu pai foi posto nos cuidados paliativos sem nunca o informarem, nem a ele nem a mim — foi uma decisão que o médico tomou sozinho, e isso é ilegal na Suécia”, acusa Thomas Andersson que, uma vez no lar, voltou a ligar ao médico. “Pedi que o hidratassem, que lhe dessem soro, para ter água no corpo. E ele disse-me que o meu pai estava demasiado fraco e velho: ‘Vai acumular água nos pulmões e vai asfixiar, vai ser muito dramático e ele vai morrer’”, foi a resposta que recebeu.

Hoje Thomas Andersson tem a certeza de que, caso se tivesse conformado, teria sido esse o destino do pai, que tem no historial clínico um AVC e uma doença que lhe provoca rigidez nos músculos e o obriga a deslocar-se de cadeira de rodas. Não o fez: telefonou e enviou e-mails para todas as entidades possíveis e deu o alerta nos meios de comunicação. Na manhã seguinte, depois de ter voltado a visitar o pai, ainda vivo e agora consciente, percebeu que Jan, afinal, não se tinha recusado a tomar os medicamentos, só não conseguia engoli-los — e ficou ainda mais revoltado.

Voltou nesse mesmo dia, com uma equipa de reportagem de uma televisão local: “Aí tudo mudou. De repente já era possível dar-lhe soro e recebeu essa primeira ajuda básica. Depois perguntei ao médico se não era possível injectar-lhe os medicamentos e ele disse que sim. Lentamente começou a melhorar e agora está bem”, revela ao Observador. “O que está a acontecer é uma grande discriminação dos idosos, porque toda a restante sociedade tem acesso aos hospitais e, uma vez lá, têm óptimos tratamentos — nos hospitais salvam-se vidas, não as de toda a gente, mas as pessoas recebem os cuidados adequados. Estas pessoas que vivem nos lares de idosos não têm nada. Pensamos que vivemos num país em que coisas como estas não acontecem, mas pelos vistos acontecem.”

Reguladora da Saúde detectou “deficiências graves” no tratamento dos utentes dos lares em todas as regiões

Cerca de metade das mais de sete mil mortes associadas à pandemia na Suécia aconteceram em lares de idosos. O assunto é particularmente polémico e aquilo que aconteceu a Jan Andersson — que entretanto fez 82 anos, continua a morar no mesmo lar e, garante o filho, ainda não foi visto pelo médico — só por um motivo não pode generalizado ao resto do país — o idoso em causa sobreviveu.

Desde os primeiros meses, têm sido vários os profissionais de saúde e familiares de utentes a denunciar a situação nos lares, cuja gestão está a cargo dos municípios, mas subordinada às regras emanadas por cada uma das 21 administrações locais de saúde, que, por sua vez, respondem à Folkhälsomyndigheten, a Agência Nacional de Saúde Pública da Suécia.

Ao longo de uma série de meses, as denúncias sobre a forma como os hospitais estavam de portas fechadas para os cidadãos idosos e as indicações que os lares tinham para não encaminharem pacientes para as urgências, devendo, em vez disso, prestar-lhes cuidados paliativos nas suas instalações, foram-se acumulando sem consequências visíveis — a não ser para os denunciantes (já lá iremos).

Até que no passado dia 24 de Novembro, a IVO, a agência que supervisiona o sector da saúde no país, revelou as conclusões da investigação feita à acção dos lares de idosos durante a primeira vaga da pandemia: foram detectadas “deficiências graves” no atendimento e tratamento dos pacientes em todas as 21 regiões. As decisões para a implementação de cuidados paliativos nos lares, diz o documento, “não foram tomadas de acordo com os regulamentos actuais para a pandemia de Covid-19”, mas decididas de forma local — ou seja, não terão partido da Folkhälsomyndigheten, pelo menos não de forma oficial.

“Há uma grande indefinição sobre aquilo que aconteceu nos lares”, já tinha dito ao Observador o economista e professor Lars Calmfors, dias antes, acusando as autoridades de falta de transparência. “Aquilo que é claro é que morreram muitas pessoas e que muitas pessoas, que estavam doentes e que já tinham outras condições prévias, não foram levadas para os hospitais; aquilo que já não é tão claro é por que motivos isso aconteceu, é uma espécie de área cinzenta. Há algumas indicações de que isso foi o que aconteceu, que essas recomendações foram feitas, mas não foram feitas de forma explícita, terá ficado implícito… Tem havido muitas críticas sobre o assunto, na Suécia gostamos de ser transparentes, mas neste aspecto não houve transparência, as decisões foram tomadas nos bastidores e sem que as pessoas se tenham apercebido delas.”

Segundo o relatório da IVO, um em cada cinco idosos nunca chegou sequer a ser avaliado individualmente por um médico, sendo que 40% destes (cerca de 8% do total) também não foram examinados por enfermeiros. Mais: a grande maioria destas avaliações, quando aconteceram, foram feitas por telefone. De acordo com o regulador, para além de muitos dos idosos residentes em lares, infectados ou com suspeitas de Covid-19, não terem recebido tratamento diferenciado, também não foram informados sobre o seu estado de saúde nem sobre os cuidados que lhes iriam, ou não, ser prestados.

A situação, disse Sofia Wallström, directora da IVO, aquando da divulgação do relatório e frisando que na Suécia todos têm de ter direito a cuidados de saúde diferenciados e individualizados,  é “inaceitável” — “Não me parece que algum de nós aceitasse ser objecto de uma avaliação de grupo”. No final, as 21 regiões foram intimadas a tomar medidas para colmatar as falhas até ao próximo dia 15 de Janeiro de 2021 — um prazo de quase dois meses, oito meses depois do início da pandemia.

Contactada pelo Observador, a presidente da Câmara de Estocolmo, região onde mais pessoas morreram, recusou falar sobre o assunto e passou a bola para a Agência Nacional de Saúde Pública. Numa curta entrevista através do Zoom, justamente no dia em que as conclusões da IVO foram tornadas públicas, o epidemiologista principal da Suécia, Anders Tegnell, garantiu que as mudanças nos lares de idosos já começaram a ser feitas, mas também assumiu que o mais certo é que o resultado final nesta segunda vaga não seja muito diferente. “Estamos a assistir a uma subida do número de casos nos lares outra vez, esperamos que estas novas medidas consigam refrear melhor a mortalidade do que na Primavera. Mas, por outro lado, este é um padrão que também vemos em muitos outros países — em Espanha, no Reino Unido —, as pessoas que vivem nos lares de idosos, infelizmente, são muito propensas a ser atingidas com muita força por esta pandemia e parece ser muito difícil mantê-las completamente a salvo.”

“Se não temos oxigénio nos lares não podemos deixar lá as pessoas, porque elas vão sufocar até à morte”

A Suécia tem um sistema público de acompanhamento domiciliário a idosos que permite que os cidadãos se mantenham nas próprias casas até uma idade mais avançada, recebendo um máximo de seis visitas diárias de pessoal de apoio, para ajudar com limpezas, refeições, toma de medicação e apoio à higiene pessoal — e muitos dos idosos que beneficiam destes serviços também foram afectados pela Covid-19, engrossando o número de óbitos da pandemia, mas não dos lares: cerca de 90% dos mortos tinham mais de 70 anos.

Nas suas casas, como nos lares, os idosos suecos não têm a supervisão permanente de pessoal médico, sempre que é necessário são os médicos de medicina geral e familiar quem assegura esse acompanhamento, explica ao Observador Jon Tallinger, que, quando a pandemia começou, trabalhava numa clínica em Tranås, uma cidade no sul do país, entre Estocolmo e Gotemburgo.

“Assim que descobri como é que era suposto tratarmos dos idosos, pedi uma licença sem vencimento e empenhei todos os meus esforços em impedir a tragédia que estava prestes a acontecer”, conta o médico, em vídeo-chamada a partir de Frederikshavn, a pequena cidade dinamarquesa para onde se mudou em agosto com a mulher, em consequência, diz, da sua exposição pública como denunciante.

“Logo no início de abril, recebemos orientações do governo regional e do Conselho de Saúde: não era suposto enviarmos os idosos para os hospitais se eles tivessem Covid-19, era suposto que tratássemos deles nos seus lares. Mas nos lares não há instalações com condições e não há oxigénio, por exemplo, que é vital nesta pandemia. Se não temos oxigénio nos lares, não podemos deixar lá as pessoas, porque elas vão sufocar até à morte”, diz Jon Tallinger, que abriu um canal de YouTube para denunciar a situação — “Dr. Whistleblower” foi o nome que escolheu para si próprio.

“Havia orientações em toda a Suécia para darmos morfina se as pessoas tivessem falta de ar. E também havia orientações para que fizéssemos planos para providenciar cuidados paliativos aos idosos, em vez de lhes darmos cuidados curativos, se eles fossem frágeis e velhos. Em alguns lares, algumas pessoas foram avisadas previamente de que se os seus familiares fossem infetados e tivessem Covid-19 iam receber cuidados paliativos”, revela o médico.

Se concorda que as pessoas acima de determinada idade são demasiado frágeis para poderem ser admitidas em unidades de cuidados intensivos e entubadas — “ é um tratamento severo” —, Jon Tallinger recorda que nos hospitais há outros recursos e que nem só de ventiladores se fazem os tratamentos para a Covid-19. “As pessoas podiam ir simplesmente ao hospital receber oxigénio. Muita gente concordou com que os familiares ficassem nos lares sem ter sequer acesso a esta informação.”

O que se passou na Suécia é tanto mais grave, acrescenta o médico, que chegou a receber ameaças de morte e diz que foi vítima de uma campanha pública de descredibilização — “Chamaram-me adepto de teorias da conspiração, tentaram fazer-me passar por maluquinho e houve quem me acusasse de ser um extremista de direita a tentar desestabilizar a nação. Não sou. Não tenho opiniões extremadas sobre nada e não me parece que seja extremismo querer bons cuidados de saúde para os idosos” — porque os hospitais, que se tentaram poupar com esta linha de atuação, nem sequer chegaram a estar sobrecarregados.

“Numa situação de guerra, se tivéssemos de escolher entre alguém jovem e alguém muito frágil, a maior parte de nós ia escolher salvar primeiro o jovem. Mas os hospitais não estavam cheios quando fizeram esta priorização, portanto não havia necessidade de o fazer, e não houve comunicação entre os médicos e os hospitais para perceber”, diz. “A coisa trágica em Estocolmo, por exemplo, é que havia um hospital de campanha com 600 camas onde não foi tratado um único paciente com oxigénio durante toda a pandemia, porque ainda havia espaço nos hospitais. A situação nunca ficou fora de controlo, podia ter sido usado. Isto é um escândalo colossal em toda a linha. Se sabes que não vais conseguir tratar de todos os doentes, não deves deixar o vírus soltar-se entre a população.”

“Chamei médicos várias vezes. Nunca vieram”

A enfermeira Latifa Löfvenberg, membro do Partido dos Democratas Suecos, nacionalista, conservador, anti-imigração e contra a União Europeia, diz que perdeu o emprego depois de denunciar o que estava a acontecer nos vários lares a que prestava assistência, em Gävle, cidade 170 quilómetros a norte de Estocolmo. Na altura, garante, os idosos, que na maior parte das vezes não eram testados para a Covid-19, não só não eram enviados para os hospitais como começavam a ser tratados com morfina aos primeiros sinais da doença.

“Não tratávamos os pacientes para eles ficarem melhor, tratávamo-los para morrerem, para não sofrerem. Não consigo contar todos os que vi morrer e não sei quantos tinham ou não Covid, mas muita gente morreu ali. Só num fim de semana morreram quatro pessoas, e no seguinte outras três. Toda a primavera foi assim, muitas pessoas perderam a vida”, contou ao Observador em Estocolmo, horas antes de começar o turno da noite no Hospital Universitário Karolinska, onde agora está a trabalhar no serviço de doenças infecciosas. “Não havia oxigénio nos lares em Gävle, essa foi outra luta que travei. Aqui, quando tratamos os doentes, damos-lhes oxigénio, mesmo que saibamos que vão morrer.”

Os relatos que faz são sustentados pelas conclusões do relatório do regulador da Saúde sueco: muitos dos idosos residentes em lares nunca foram consultados por médicos nem receberam os cuidados de saúde adequados. “Sempre me chamaram muito tarde. Na maior parte das vezes, quando cheguei, os idosos já estavam a receber injeções de morfina e de Midazolam, um relaxante muscular, é isso que costumamos usar quando as pessoas estão a morrer. Mas aqui nem sequer confirmávamos que não era uma pneumonia, podia ser uma pneumonia bacteriana, curável com antibióticos”, argumenta a enfermeira, que acrescenta ainda que, no início da pandemia, não havia equipamentos de proteção disponíveis para os trabalhadores dos lares da sua região, nem regras a recomendar a sua utilização. “Não tínhamos máscaras, eu e o meu filho fizemos umas viseiras, para pelo menos termos qualquer coisa para usar.”

“Chamei médicos várias vezes. Nunca vieram. Tinha o meu próprio aparelho para medir a saturação e perceber se os pacientes eram capazes de respirar, liguei várias vezes aos médicos, a dar estes parâmetros todos, mas eles só me diziam que devia dar mais morfina, porque quando se começa a dar morfina os pacientes ficam apenas ali, não comem, não bebem, ficam só à espera da morte”, descreve Latifa Löfvenberg.

Médica no serviço de urgência do Hospital Universitário de Linköping, a quinta maior cidade da Suécia, a portuguesa Lisa Caiado Thorfinn não pode pronunciar-se sobre esta roda da engrenagem, mas atesta: ao serviço onde trabalha, estes pacientes de facto nunca chegaram. “A maior parte dos doentes com suspeitas de Covid que vivem em lares e que já tinham uma idade avançada e comorbilidades associadas não foram enviados para o hospital, ficaram nos lares, portanto não tivemos aquela sobrecarga”, tinha dito dias antes ao Observador.

“Nos outros países, pelo que percebi das notícias que nos chegam, um idoso que está num lar, tem suspeita de Covid e não está a sentir-se bem vai para o hospital. Aqui eles tentaram aguentar até à última e morreu muita gente nos lares, houve muitos lares que ficaram a menos de metade, o que se tem estado aqui a fazer é quase eutanásia.”

Tinha 96 anos e demência, mesmo assim “autorizou” tratamento paliativo com morfina

Como aconteceu com o pai de Thomas Andersson, também Ulla, mãe das gémeas Susanne Matteuzzi e Hélene Ohrn, de 61 anos, começou a ser tratada com morfina sem que a família fosse consultada. Tinha 96 anos, morreu no dia 16 de abril, dois dias depois de as filhas terem recebido um telefonema do lar a avisar que estava com dificuldades respiratórias.

Apesar de nunca ter sido diagnosticada com Covid-19, os sintomas relatados, associados aos casos da doença que sabiam existir no lar de Årsta Havsbad — uma pequena cidade balnear a 30 quilómetros de Estocolmo onde moram e toda a gente se conhece —, fazem com que, para as irmãs, não se coloque outra opção. “Acho que teve Covid, porque é que havia de ter dificuldade a respirar se nunca tinha tido antes? E porque é que dizem que morreu de demência se ninguém morre de demência?”, questiona Susanne Matteuzzi, citando o relatório da autópsia, que só foi entregue à família dois meses após a morte.

“Ligaram-me eram 16h30 do dia 14 de abril e disseram-me que a minha mãe estava com dificuldades em respirar, e eu disse-lhes: ‘Levem-na para o hospital, ajudem-na, chamem uma ambulância!’. Mas eles disseram-me que iam tratar bem dela, disseram-me que lhe tinham dado duas injeções, uma de morfina, outra de um medicamento para a ansiedade. E eu pensei que era o que se fazia com as pessoas mais velhas. No dia seguinte disseram-me que ela estava melhor. No outro ligaram-me e disseram-me que a minha mãe tinha morrido”, recorda Susanne Matteuzzi, no jardim da casa onde vive, na orla de uma zona de floresta, a 450 metros do Báltico.

“Não somos profissionais de saúde, não sabíamos o que significa dar morfina a alguém que está com dificuldades em respirar, não sabíamos que isso vai fazer com que a pessoa piore e morra. Ninguém nos disse, o médico não nos disse nada. Devíamos ser nós a decidir sobre se a queríamos levar ao hospital”, reforça a irmã, Hélene Ohrn.

Só depois de alguma insistência, explicam, é que conseguiram ter acesso ao processo da mãe. Se a IVO explicou nas suas conclusões que a investigação aos lares foi particularmente dificultada pelos registos “deficientes” sobre os pacientes suspeitos de terem Covid-19 ou mesmo com a doença confirmada, no caso de Ulla Matteuzzi, que sofria de demência em estado avançado, isso não aconteceu.

“Tenho o diário clínico da minha mãe. Diz que falaram com ela sobre que tratamento deviam dar-lhe”, começa a explicar Susanne Matteuzzi, continua logo a seguir a irmã. “Ela concordou com o tratamento com morfina. Tinha 96 anos e às vezes, quando a visitávamos, não nos reconhecia. Não podiam ter falado com ela, ela não pode ter confirmado nada.”

“Quando alguém diz que morreram idosos na Suécia por falta de cuidados é a pior das mentiras”

Apesar da onda de consternação que tem varrido o país sobre a forma como a pandemia foi gerida e das críticas cada vez mais audíveis sobre o assunto, também há quem garanta que a situação não foi igual em toda a Suécia. O português Bruno Simplício, que entre março e agosto trabalhou como auxiliar num lar no município de Gagnef, na região de Dalarna, onde mora com a mulher e os dois filhos bebés, diz que desde que foi detetado o primeiro caso entre os utentes, no fim de março, foram imediatamente implementadas uma série de medidas de segurança e contenção do vírus.

“Começámos logo a usar máscara, viseira, bata e luvas, que tínhamos de descartar e desinfetar quando mudávamos de quarto. A roupa era tirada e colocada dentro de sacos de milho, que se desfaziam na lavagem, e os copos, talheres e plásticos eram todos descartáveis também”, enumera. “Quando detetávamos que alguém estava com sintomas, nem que fosse uma tossezinha de nada, era automaticamente colocado de quarentena — aqui os quartos são todos individuais, o que facilita. As visitas dos familiares foram suspensas e todos os idosos que vinham do apoio domiciliário para o lar ficavam 48 horas isolados no quarto, até chegar o resultado do teste Covid.”

Ainda assim, apesar dos cuidados, no lar onde Bruno Simplício trabalhou temporariamente, e onde quatro dezenas de idosos tinham residência, dez morreram, presumivelmente infetados com Covid-19. Quase todos os funcionários do lar, incluindo o próprio português, também adoeceram, mas recuperaram entretanto.

Para além das enfermeiras residentes, garante o português, natural de Sesimbra, os idosos puderam sempre contar com a assistência do médico do lar, que era chamado apenas nas “situações mais graves”, mas não tinham à disposição nem ventiladores nem garrafas de oxigénio. O tratamento administrado aos idosos doentes, explica, era igual ao recomendado aos não idosos.

“Tomar ben-u-ron e deixar o corpo trabalhar, foi o que me disseram a mim. Quando a situação piorava, a maior parte das vezes a decisão sobre se devíamos ou não fazer alguma coisa era tomada pelos familiares, que se resignavam ao que se estava a passar”, diz o português, há oito anos a viver na Suécia.

“Essa é a parte injusta, se calhar não iam dar um ventilador a uma pessoa idosa, que já tinha vivido a vida, para o tirar a um jovem, mas quando alguém diz que morreram idosos na Suécia por falta de cuidados é a pior das mentiras”, assegurou o português, um dia antes de ser conhecido o relatório do IVO. “Os meus colegas que trabalham nisto já há 10 ou 15 anos dizem que sempre morreram, mais coisa, menos coisa, estes idosos por ano, só não era da Covid, era da influenza.”

Por muito que em 2020 a gripe tenha praticamente desaparecido do território sueco, não será exatamente assim. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística da Suécia, em 2019 morreram 88.766 pessoas no país — este ano, só até ao final de outubro, já foram registados 79.627 óbitos, 10.552 deles apenas durante o mês de abril, sendo que só em janeiro e outubro é que houve menos mortes do que no ano anterior, portanto tudo leva a crer que esse número seja ultrapassado.

Logo no início da pandemia, a equipa do geneticista Ville Pimenoff, no Instituto Karolinska, recuou dez anos nas estatísticas para perceber se, não na Suécia toda mas apenas em Estocolmo, a Covid-19 estava a provocar um excesso de mortalidade. “Os números mostraram muito rapidamente que havia um surto local, que não era visível através dos números da Covid, porque os diagnósticos vêm com algum atraso. E também observámos que uma grande fração das mortes por Covid não estava a acontecer nos hospitais. Percebemos, através da informação que recebemos por parte das morgues, que muitos casos estavam a acontecer em lares de idosos — facto que hoje é bem conhecido sobre a situação em Estocolmo”, explicou o investigador finlandês ao Observador.

No lar de Axelsberg morreram 10 pessoas. Foram tratadas com o “pacote”

Passa pouco das 15h de uma sexta-feira de fim de novembro na Casa de Repouso de Axelsberg, um lar de idosos público na periferia da capital sueca. Lá fora está a cair a noite, no interior, nas zonas comuns e nos corredores, os funcionários vão andando para cá e para lá, sem máscaras nem viseiras — só são obrigatórias no contacto direto com os utentes, que, por causa da pandemia, só saem dos apartamentos (individuais, com casa de banho, cozinha equipada, zona de estar e varanda) à hora das refeições e para as atividades de grupo.

“Temos dança, música, comida e roupas tradicionais e atividades históricas. E quando alguém morre fazemos sempre uma homenagem, juntamos toda a gente em volta de uma fotografia da pessoa — agora, por causa da Covid, com distância — e todos dizem alguma coisa. Somos como uma família”, conta a enfermeira Ana Adamah, moçambicana a viver na Suécia há 32 anos.

Durante a primavera, na primeira vaga da pandemia, dez dos 55 utentes morreram, ali mesmo, no lar. O relato, feito por Maria Borowski, Novka Beginisic e Ana Adamah, três das cinco enfermeiras residentes, com a moçambicana a servir de intérprete, consubstancia uma vez mais o relatório do regulador sueco da Saúde.

“No princípio ninguém tinha informação e não tínhamos nenhuma regra que dizia que tínhamos de levar [os idosos] para o hospital. As pessoas que morreram são pessoas que já tinham outras doenças, eram pessoas idosas, e não sabemos se morreram da pandemia ou da idade. Essas pessoas não foram testadas, naquela altura não havia testes, só a partir de maio é que houve. Podemos dizer que morreram com Covid, mas não sabemos se morreram de Covid”, começam por descrever.

“Quando começou, tínhamos as regras que já existiam há muito tempo: a pessoa está doente, se é da idade fazemos uma reunião com o médico e os familiares onde discutimos se a pessoa quer ficar aqui ou se quer ser enviada para o hospital — porque o que se faz no hospital nós também fazemos aqui — e chegamos à conclusão que o melhor para estas pessoas velhas é morrer em casa, aqui. E isso fica tudo num documento, para quando chegar a vez não precisarmos de levar a pessoa desnecessariamente para o hospital”, continuam a explicar as enfermeiras, a dois tempos, para permitir a discussão e a conversão para o português.

Apesar de frequentemente parecer que algo se perde na tradução, Ana Adamah, que chegou à Suécia vinda de Maputo em 1988, tinha 27 anos, sorri e garante que não. Recorda os dias de março em que se improvisaram máscaras com guardanapos, admite que não há oxigénio para socorrer os doentes e explica logo a seguir que pode facilmente ser encomendado, se for necessário — não que tenha alguma vez sido, ao longo dos meses da pandemia. “Essas pessoas não precisam todas de oxigénio, as pessoas já tomaram a sua decisão, nós não precisamos de fazer muita coisa, é só acompanhar a pessoa todos os dias até ao final”, explica, garantindo que todos os doentes que morreram, morreram com febre, cansaço e falta de apetite — “Dificuldades de respiração não houve.”

Depois, fala no “pacote” de medicamentos que habitualmente se utiliza nos lares da Suécia, para tratar os utentes “na última fase da vida” e que também ali foi administrado durante a primavera. “Quando a pessoa está doente e nós vemos que está nos últimos dias, com aqueles sintomas todos que já conhecemos; quando já não aguenta engolir os comprimidos, nem a comida, começamos a utilizar esse pacote, que tem mais ou menos cinco medicamentos, incluindo morfina. Tudo para que essa pessoa tenha o final da sua vida em condições.”

Apesar de o médico adjudicado ao lar nunca ter deixado de lá ir, todas as terças-feiras, como era habitual, nunca chegou a dar ordem para que algum doente fosse encaminhado para o hospital — “E só o médico é que dá ordem para ir ao hospital”, explicam as enfermeiras.

“No princípio vimos casos em que a pessoa não teve possibilidade de ir para o hospital, porque as portas estavam fechadas, não recebiam todos. Nessa altura havia muitas pessoas, já não havia lugares para tomar conta de todas as pessoas. E havia prioridades também.”

No fim, queixam-se de falta de apoio por parte do médico do lar e das autoridades regionais, que nunca emitiram recomendações nem apareceram para validar o que estava a ser feito, mas garantem que nos últimos meses houve uma aprendizagem, pelo que o desfecho da segunda vaga tem tudo para ser diferente. “Hoje já temos outra experiência, todas as pessoas que dão positivo ficam em quarentena durante 14 dias, só podem sair quando deixarem de ter sintomas. Recentemente tivemos duas pessoas infetadas, a primeira fez quarentena e recuperou, a segunda tinha anticorpos, mas foi contaminada mesmo assim — acaba hoje a quarentena.”

https://observador.pt/especiais/idosos-suecos-infetados-nao-foram-levados-aos-hospitais-receberam-morfina-o-escandalo-que-esta-a-abalar-os-lares-da-suecia/

A Democracia…

A Democracia é uma coisa ‘engraçada 'Na realidade e de acordo com a minha visão de democracia só há um país da Europa que é verdadeiramente democrático – a SUIÇA.

Os 7 membros do ‘governo’ (Federal Council) são eleitos pelo povo por um determinado número de anos (4) e – pasme-se – a função de presidente roda anualmente ao longo desse período (não há o ‘culto da personalidade’).

Quando um grupo de 50.000 cidadãos decide que faz falta uma lei nova, faz um requerimento a pedir um referendo nacional (se essa lei alterar a Constituição serão necessários 100.000 cidadãos).

Em 2016 houve 13 referendos, em 2017 houve 7, em 2018 houve 10.

O Federal Council não só respeita escrupulosamente as decisões do povo, como sempre que quer introduzir uma nova lei sobre a qual tem dúvidas relativamente à sua aceitação pelo povo, faz mais um referendo (os suíços são mesmo muito esquisitos, não são?...eh eh eh).

É mais ou menos como por cá, não é?

Perguntou-se ao povo se queriam entrar para a União Europeia. NÃO.

Perguntou-se ao povo se queriam entrar para o Euro (abandonando o ‘escudo’)? NÃO.

Tudo o resto…

Pequenas reparações domésticas? Damos uma ajuda

Cada dia é um desafio, e as surpresas menos agradáveis em casa, como entupimentos, podem surgir a qualquer altura. Perante isso, temos duas opções: chamar um técnico especializado, o que pode implicar um gasto imprevisto, ou tentar resolver o problema. Ter um seguro, como o seguro de casa da Tranquilidade, é também uma solução, pois abrange as duas opções: pode chamar o técnico a casa, sem custos de deslocação — pois está incluído no seguro—, e ter o problema resolvido de imediato.

Mas por muito cético que seja, ou desastrado que se ache, acredite que existem muitas situações ou contratempos que podem ser resolvidos por qualquer um de nós, de forma simples e, espante-se, com sucesso. Falamos de, por exemplo, uma torneira que pinga, uma fuga de água no lava-loiça, um cano que precisa de ser remendado, uma tomada ou interruptor que devem ser mudados, um fusível que precisa de manutenção, um sifão que está entupido e tem de ser limpo. E para ter noção de que se tratam, de facto, de reparações simples, explicamos como fazer.

> Substituição de um interruptor

Seja devido a uma avaria, alterar por um outro mais eficiente ou simplesmente porque quer renovar, tenha em atenção as seguintes regras:

1. Corte a corrente elétrica no quadro geral;
2. Retire a tampa do interruptor;
3. Desaperte os parafusos que o prendem à parede;
4. Com cuidado, puxe os fios que estão ligados e, para os soltar, afrouxe os parafusos interiores, e retire-os;
5. Pegue no interruptor novo e desaperte ligeiramente os parafusos para conseguir colocar os fios;
6. Antes de colocar os fios, descarne-os sensivelmente entre 8 a 10 mm;
7. Depois de os colocar, aperte os parafusos para que a ponta do fio fique bem presa, sem forçar muito;
8. Encaixe o interruptor na parede, ajustando os fios;
9. Aparafuse à parede e coloque a tampa;
10. Ligue o quadro geral, e faça-se luz!

> Manutenção de torneira misturadora

Objetos essenciais ao dia a dia de qualquer casa, as torneiras, devido à elevada utilização, estão sujeitas a uma manutenção periódica para assegurar o seu bom funcionamento e evitar perdas de água surpreendentemente elevadas, que derivam de uma fuga gota a gota. Eis o que precisa de saber para que a sua torneira misturadora deixe de pingar.  Mas antes de deitar mãos à obra, certifique-se que tem consigo um alicate de pressão, uma chave de fendas e uma chave inglesa.

1. Feche a água na ligação do contador com a rede ou na torneira de segurança de ligação ao lavatório (caso exista) para evitar surpresas desagradáveis e um banho forçado;
2. Retirar o índice (azul, em caso de água fria; vermelho, se quente) do manípulo, com a ajuda da chave de fendas, fazendo o movimento de alavanca;
3. Também com a chave de fendas, retire o parafuso do índice;
4. Retire o manípulo com a ajuda de uma chave inglesa;
5. Desaperte e retire o “castelo” (peça à qual se aperta o manípulo da torneira);
6. Agora, substitua a junta por uma nova de tamanho e diâmetro idênticos;
7. Cubra a junta com massa de silicone antes de recolocá-la;
8. Por vezes, basta limpar a junta para resolver o problema, por isso, tente fazer a devida limpeza da peça. Já que está com a “mão na massa”, aproveite para avaliar o estado do vedante furado de borracha (situada na extremidade do “castelo”) e, se estiver em más condições, substitui-o, evitando previsíveis problemas futuros;
9. Volte a montar as peças, abra a circulação de água, e tarefa concluída.

> Mudar um candeeiro de teto

A razão para tal pode ser uma avaria, a vontade de dar um novo look à casa ou optar por um candeeiro mais adequado às necessidades em termos de luz. Mas, e independentemente da razão, vai ver que é uma tarefa muito simples e relativamente rápida. Dica de limpeza: antes de iniciar esta tarefa, cubra objetos e/ou mobília ao redor do local onde vai furar o teto, de modo a que o pó daí resultante seja mais fácil e rápido de limpar.

1. Desligue a corrente elétrica no quadro;
2. Comece por retirar o casquilho velho, se existir;
3. Corte o fio existente à medida da necessidade para facilitar a instalação e aplicação;
4. Com uma caneta ou lápis, assinalar os locais onde as buchas vão ser colocadas. Mas tenha o cuidado de fazer a marcação desfasada da aparente direção do tubo onde circula o fio elétrico. É que existem situações em que é possível o tubo “correr” paralelamente ao teto, podendo ter-se o azar de, ao fazer os furos, destruir-se a canalização elétrica;
5. Faça as furações com uma broca adequada e aplique as buchas. Nunca se esqueça de comprar as adequadas ao tipo de material do teto;
6. Fixe a chapa do candeeiro no teto;
7. Una os fios do teto aos do candeeiro de forma coincidir as cores;
8. Certifique-se que o fio do candeeiro tem o comprimento certo antes de o unir aos terminais;
9. Antes de colocar as lâmpadas, fixe o topo do candeeiro com a chapa que está no teto;
10. Ligue a corrente elétrica no e experimente se está tudo a funcionar.

> Vedar a junta da banheira

Por vezes, eliminar uma fuga de água na banheira está à distância de aplicar uma camada de silicone nas juntas. Saiba com o fazer.

1. Com a ajuda de uma faca ou x-ato, remova a camada antiga de silicone;
2. Limpe toda a zona onde estava o silicone com álcool;
3. Coloque o tubo de silicone na “pistola”;
4. Tenha o cuidado em cortar a ponta do tubo num ângulo de 45 graus e não fazer um furo muito grande. Assim permite uma melhor aplicação;
5. Se nunca trabalhou com uma pistola de silicone, antes de o aplicar na banheira experimente noutra superfície para se habituar ao gesto;
6. Aplique suavemente o silicone na área desejada, de forma uniforme e constante, sempre com a “pistola” num ângulo de 45 graus;
7. Certifique-se que não aplica silicone em demasia pois pode ser difícil remover o excedente;
8. De forma suave, passe um dedo (que deve estar molhado) no silicone para finalizar a selagem;
9. Deixe secar durante duas horas;
10. Teste a sua reparação e diga adeus à fuga de água.

Intervenção profissional

No entanto, há algumas situações em que é mesmo necessário chamar um profissional especializado. E é nessas situações que o seguro casa da Tranquilidade é o aliado perfeito, pois garante uma ajuda imprescindível e uma enorme variedade de soluções a nível de reparações domésticas.

A cobertura de assistência engloba o envio à sua residência de técnicos na área da canalização ou eletricidade, para pequenas reparações em que a mão de obra especializada é necessária, ficando o custo da sua deslocação a cargo da seguradora. Além disso, ao optar pelo seguro casa da Tranquilidade, garante a reparação de eletrodomésticos até duas vezes por ano — incluindo o pagamento de peças avariadas até 150 euros por intervenção — e assegura ainda outros serviços domésticos, como limpezas, lavandaria e engomadoria.

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Saiba mais em
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Entrevista a Cavaco Silva: “O Estado voltar a ficar com a maioria na TAP foi um erro muito grande”

Em entrevista, Cavaco Silva diz que governo PSD com apoio do Chega nos Açores é melhor do que Governo PS. Critica actuação de Governo na TAP e diz que devolução de rendimentos começou com Passos Coelho.

Cavaco Silva deu a entrevista ao programa Sob Escuta, da Rádio Observador, no gabinete de trabalho que tem como Ex-Presidente no Convento do Sacramento. Mesmo durante a pandemia, o antigo primeiro-ministro e antigo Presidente da República  faz questão de ir todos os dia trabalhar ao gabinete, que não fica muito longe da sua casa nem dos dois palácios (Belém e S. Bento) que ocupou na chefia do governo e do Estado. Diz não ter saudades de nenhum dos cargos e que se sente bem afastado da política activa, mas deixa várias críticas ao Governo de António Costa. Uma das suas actividades pós-presidenciais é escrever livros e já vai no vigésimo quarto. “Uma experiência de social-democracia moderna“, é um livro editado pela Porto Editora que foi pretexto para esta entrevista.

O antigo Presidente da República cita “analistas” para dizer que o actual Governo “como se viu” no Orçamento do Estado para 2021 “depende de uma força política que de democracia tem pouco“. Era um tiro ao PCP. Diz que, por muito que procure, não encontra nenhuma reforma feita pelo Governo de Costa e acrescenta que a “tão falada devolução de rendimentos foi iniciada por Passos Coelho“. A via reformista, defende, só volta quando o PSD voltar a ser Governo. Rui Rio terá mãos para isso? Sobre isso não fala, pois já seria a tal política activa. Na mesma linha, recusa dizer se apoia Marcelo Rebelo de Sousa.

Cavaco Silva não hesita, porém, em apontar “grandes erros” ao Governo socialista na redução das 40 para as 35 horas na função pública, na reversão da privatização da TAP e mais: diz que “nunca imaginou” que Vítor Caldeira não fosse reconduzido como Presidente do Tribunal de Contas. Rejeita a comparação entre André Ventura e Sá Carneiro, mas não tem a “mínima dúvida” que a coligação de direita nos Açores apoiada pelo Chega é muito melhor do que a continuidade de um Governo socialista na região.

Sobre a nova vida, que lhe dá mais tempo para assistir a séries e filmes na Netflix, tem uma nova paixão, embora não jogue xadrez: a série Gambito de Dama e em particular a prestação da actriz Anya Taylor-Joy no papel da personagem de ficção Beth Harmon.

“Não guardo saudades dos lugares políticos que ocupei”

Vem todos os dias trabalhar para o Convento do Sacramento. Num raio de poucos quilómetros tem o Palácio S. Bento e o Palácio de Belém, tudo isto próximo da sua casa. Qual dos percursos tem mais saudades de fazer?
Venho todos os dias trabalhar para o Convento do Sacramento, o gabinete que me foi atribuído depois de terminar as funções de Presidente da República. Foi-me fornecida uma lista de edifícios do Estado que estavam desocupados e eu quis ficar próximo de minha casa, próximo do bairro de Campo de Ourique a que estou muito ligado e também aqui no bulício da cidade. Não guardo saudades dos lugares políticos que ocupei, nem do ministério das Finanças, nem do gabinete de primeiro-ministro, nem do Palácio de Belém. Desempenhei essas funções no tempo que me coube e fiz o melhor que podia, colocando toda a minha experiência acumulada ao longo do tempo e procurando servir da melhor forma o interesse nacional.

Em nenhum dia sentiu saudades?
Não. Foram 10 anos primeiro-ministro, 10 anos de Presidente da República e a certo momento sentimos que precisamos de outro ambiente. É uma outra fase da nossa vida e senti-me bem ao iniciá-la, é uma fase mais próximo da minha família, com mais tempo para ler, com mais tempo para ver alguns filmes em casa que estavam adiados para poder fazer mais facilmente viagens até ao meu Algarve, onde tenho uma casa e onde gosto de descansar de vez em quando. Portanto, nenhumas, nenhumas saudades.

Já tinha escrito 23 livros, este é o 24º. Porque sentiu necessidade de escrever este 24?
Em primeiro lugar porque pensei que era importante recordar algumas linhas fundamentais do pensamento do Francisco Sá Carneiro, porque foi pela mão dele que eu entrei na vida política, ele levou-me para ministro das Finanças e do Plano, sem isso eu não seria conhecido dos portugueses e nunca teria sido primeiro-ministro, nunca teria ganho eleições e nunca teria sido Presidente da República. E queria fazer isso, precisamente, quando se completavam 40 anos da sua morte, que foi a 4 de Dezembro de 1980. Por outro lado, porque entendi que era importante dar o meu testemunho sobre alguns projectos e obras de grande vulto que foram realizadas no tempo dos meus três governos, entre 1985 e 1995, que são projectos com que os portugueses contactam quase diariamente, mas que não se sabe qual o processo político de decisão que esteve por detrás desses projectos que eu considero que foram fundamentais para o desenvolvimento económico e a justiça social no nosso país e que não houve tempo para contar nas autobiografias políticas que publiquei.

“Essas forças, incluindo o PS, não têm nada a ver com social-democracia”

Na primeira parte desse livro fala da experiência social-democrata e a obra tem mesmo como o título “Uma experiência de social-democracia moderna”. Hoje em dia, a social-democracia parece estar na moda: Rui Rio afirma-se como social-democrata e Marisa Matias e Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, também. São mesmo todos social-democratas ou é uma força de expressão
Surpreende-me que algumas pessoas invoquem em tempos de eleições, devemos sublinhar isso, que são da social-democracia procurando-se afastar daquelas ideologias que estão muito longe da social-democracia. Quer dizer que, em tempo de eleições, eles querem mostrar aos portugueses que afinal não são extremistas, no sentido que têm uma ideologia próxima do comunismo e do marxismo, e que preferem dizer ou dar a entender que estão mais próximos das ideologias que consideram a economia de mercado, a livre iniciativa ou a concorrência como os grandes motores do crescimento económico. Quando essas pessoas, sabemos, são contra a livre iniciativa na saúde, contra a medicina privada e contra as escolas privadas com que existiam acordos de associação. Penso que seria muito fácil escrever um livro a demonstrar que essas forças políticas, incluindo o Partido Socialista, não têm nada a ver, pelo menos em Portugal, com a social-democracia.

Portanto, nem o PS, nem o Bloco de Esquerda são sociais-democratas no entendimento que faz da social-democracia.
São forças políticas que defendem a estatização da economia, mesmo agora temos um prova muito clara disso [a TAP] que é agora debatida quase todos os dias. Eles secundarizam a concertação social, são contra a iniciativa privada na saúde, na educação, defendem um Estado grande, impostos muito elevados. Portanto, não têm quase nada ou muito pouco a ver com a moderna social-democracia, que foi aquela que eu tentei implementar em Portugal, inspirado em Francisco Sá Carneiro no período entre 1985 e 1995. Mas mostra bem como a designação social-democracia é apelativa, é atractiva. Pensam que atrai mesmo votos, criando ilusões e enganando os cidadãos.

No livro diz que os seus executivos acabaram por ser a única experiência governativa portuguesa em que se aplicou verdadeiramente uma social-democracia moderna. Com mais tempo, o segundo Governo de Passos Coelho, a que deu posso, teria conseguido lá chegar e ser um Governo social-democrata?
O Governo presidido pelo dr. Passos Coelho teve de implementar em Portugal um programa da troika, negociado pelo Governo do engenheiro Sócrates, do Partido Socialista, por forma a tirar Portugal da situação de quase bancarrota em que se encontrava. Passos Coelho fez um trabalho de grande coragem, muito difícil e, quando chegou a 2014, consegue uma saída limpa sem precisar de um segundo resgate e deixando a economia portuguesa já numa trajectória de crescimento económico que o Governo que  se seguiu não soube aproveitar bem. É essa a razão pela qual Portugal está a decair na escala que o compara com outros países na Zona Euro. Neste momento, apenas dois países estão abaixo de Portugal nos 19 países da Zona Euro, quando fazemos a comparação em termos de rendimento per capita em paridades de poder de compra. É uma coisa que me deixa profundamente triste porque, de acordo com um estudo do Banco de Portugal publicado no fim do ano passado, o rendimento per capita dos portugueses em 2018 era inferior àquele que eu deixei em 1995 quando eu era primeiro-ministro. Nessa altura Portugal estava aí em 11º entre os 19 países que agora fazem parte da União Económica e Monetária e agora está em 17º.

“A devolução de rendimentos de que muito se fala foi iniciada por Passos Coelho”

Pedro Passos Coelho naquele segundo Governo tinha então margem para chegar a essa social-democracia moderna ou pelas circunstâncias do tempo não chegaria lá?
O dr. Passos Coelho seguia a via reformista e tentou bastante avançar nesta via que é o método decisivo da social-democracia. O que nós sabemos é que hoje temos mais globalização e mais integração do que tínhamos no meu tempo, o que condiciona a governação, mas não altera a adopção dos princípios básicos da social-democracia. Estou convencido que se ele continuasse com o Governo, na coligação que tinha, e essas coligações impõe sempre alguns compromissos, que ele daria passos importantes na aplicação da social-democracia moderna no domínio da justiça social. Aliás, a devolução dos rendimentos de que muito se fala já foi iniciada pelo dr. Passos Coelho.

Tem aqui no seu escritório um astrolábio da nau Santíssimo Sacramento, do século XVII, que naufragou no Brasil, em Salvador. É também o astrolábio que aparece representado na capa do seu livro. Sabemos que este astrolábio lhe foi oferecido pelo primeiro-ministro. Hoje aprecia mais as qualidades de navegar de António Costa do que na altura em que lhe deu posse?
Fui eu próprio que escolhi o astrolábio para este livro porque dele próprio resulta claramente que os Governos a que tive a honra de presidir tinham um rumo para alcançar objectivos muito claros. A princípio era como que um objectivo ético o crescimento económico, para criar condições para a justiça social, para depois conseguir um desenvolvimento económico, social, ambiental e cultural. E eu penso que isso seria tido em conta, estou convencido, nesse Governo do dr. Passos Coelho. Quanto ao astrolábio, o primeiro-ministro, muito simpático, e de acordo com a Constituição, convidou-me a presidir ao último Conselho de Ministros que teve lugar durante o meu mandato de Presidente da República. Foram dois ou três dias antes de eu terminar o segundo mandato como Presidente da República, num Conselho de Ministros que teve lugar em S.Julião da Barra e o tema foi o mar. E como eu, como Presidente da República, tinha feito múltiplos discursos a defender a sustentabilidade do mar, que Portugal se devia voltar mais para o mar, o aproveitamento das grandes riquezas do mar, ele simpaticamente no fim ofereceu-me o Astrolábio, que de facto eu guardo: está aqui no meu gabinete na sala ao lado. Foi uma nau que naufragou em Salvador no século XVII e também já sabia nessa altura que eu vinha para o Convento do Sacramento.

Acha que hoje o país mantém esse rumo?
São muitos os analistas e comentadores que dizem que falta rumo a este Governo que depende, como se viu, bastante de uma força política que de democracia tem pouco e que é anti-europeia, mas em grau bastante forte. Não sei se isso condiciona totalmente a falta de rumo que tem vindo a ser demonstrada, mas há uma coisa que me parece clara: abandonou totalmente a via reformista que caracteriza a social-democracia. Tem alguns laivos de social-democracia. Porque a via fundamental, que vem desde [Eduard] Bernstein quando escreveu o seu o seu livro 1899. Sobre as tarefas da social-democracia disse que a social-democracia é movimento. Bernstein rompeu com o marxismo. A social-democracia é movimento no sentido que é reformista: fazer reformas graduais, mas seguindo a indicação do voto. Um modelo que foi mais tarde consagrado pelo modelo Bad Godesberg do SPD alemão em 1959, em que adoptam a iniciativa privada, a concorrência, a livre iniciativa como o pilar fundamental do crescimento económico, mas sem considerar que o mercado é um dogma sempre a defender. O Estado tem um papel fundamental a desempenhar na social-democracia, mas a fonte do crescimento económico está na iniciativa privada, está na concorrência e na liberdade de actuar dos indivíduos.

Portugal não está a fazer reformas neste momento? Está parada?
Não sei se me consegue apontar uma reforma. Eu tenho muito dificuldade em encontrar alguma reforma significativa. Pelo contrário o que vejo é a tentativa de desmontar reformas que foram feitas no passado. O caso da saúde é claro. Quando foi feita a Lei de Bases da Saúde, que durou durante 29 anos.

“O maior erro deste Governo foi a redução das 40 para as 35 horas”

A Lei de Bases do seu Governo, aliás.
O Governo fez um claro ataque à actuação privada na área da medicina e depois comete aquilo que considero o maior erro cometido por este Governo que foi a redução do horário semanal de trabalho de 40 para 35 horas. Redução que foi responsável em boa parte pela degradação da qualidade dos serviços de Saúde. Por isso podemos dizer que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda que apoiaram essa medida são claramente responsáveis pela degradação da qualidade dos serviços de saúde e eu considero que isso foi um verdadeiro ataque ao Serviço Nacional de Saúde porque é sabido que em Portugal nunca poderia haver qualidade da prestação de serviços sem a existência de um sector privado complementar do SNS. Isso era claro.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa teve um papel nessas duas decisões que foi em sentido contrário. No caso da Lei de Bases impediu que fosse mais longe e não falasse do privado, nas 35 horas, pelo contrário, aceitou as 35 horas, dizendo que ia estar atento à possibilidade de isso ter reflexos orçamentais, mas, na realidade, tudo se manteve.
Não faço comentários sobre o senhor Presidente da República, o que ele fez ou que ele afirmou. A redução de 40 para 35 horas começou a ser preparada quando eu era Presidente da República. Eu disse ao primeiro-ministro aquilo que ia acontecer. Precisamente aquilo que aconteceu: a degradação dos serviços de saúde ou um aumento substancial da despesa. Como não houve aumento brutal da despesa, houve sim cortes substanciais e subfinanciamento do serviço de saúde, nós tivemos uma degradação substancial da qualidade dos serviços de saúde. Eu disse na altura ao primeiro-ministro numa reunião que teve comigo.

Num tempo de pandemia não quererá falar de questões relacionadas com a resposta à pandemia. Mas os privados deviam ter sido envolvidos nesta resposta e, por exemplo, no plano de vacinação que aí vem?
Ninguém gostaria de ser primeiro-ministro e Governo nestes tempos de pandemia. Os dramas que atingem boa parte da população, o número de mortes que se tem vindo a verificar é de tal forma que nós temos que aceitar, discordando aqui e acolá, de todos os esforços que o Governo tem vindo a fazer. E eu, embora não concorde com muitas coisas, tenho evitado e evitarei fazer comentários em público porque tudo deve ser feito para melhorar a situação em que nos encontramos em comparação com outros países e tentar diminuir o número de mortes que se tem vindo a verificar que nas últimas semanas tem sido demasiado elevado. Portanto, permitam-me que não aborde esse tema. Deixem-me dizer que este livro que está aqui foi escrito antes da pandemia. Terminei de escrevê-lo no fim de 2019, mas depois, devido à crise pandémica, a sua apresentação foi adiada durante vários meses.

Além da crise sanitária temos também económica e social. Como economista quando é que prevê que Portugal saia desta crise?
Portugal vai receber, espero que em breve, empréstimos da União Europeia e apoios do Banco Central Europeu em biliões que nunca se verificaram. De tal forma que até se fala em bazuca. O que eu espero é que esses muitos biliões de euros não sejam atirados para cima dos problemas, mas sejam utilizados para resolver os problemas. Acima de tudo, actuar por forma a que Portugal não continue a evoluir no sentido de ser a lanterna vermelha do desenvolvimento dos países da zona Euro, uma coisa que me entristece bastante. Portanto, é altura de pensar de pensar na tal via reformista que eu defendo da social-democracia e tentar fazer uma boa utilização dos dinheiros públicos e apontando um rumo claro. Não sei se é isso que vai acontecer. Não quero fazer neste momento previsões, apenas manifestar uma certa esperança de que as coisas possam evoluir em matéria de governação e de rumo de governação diferente daquilo que tem sido nos últimos tempos.

No seu livro fala da forma como tentou aplicar os fundos europeus no seu Governo, responde às críticas que foram feitas àquilo a que se chamou política de betão. Naquela altura essa foi a aplicação dos fundos europeus. Agora com esta bazuca europeia, de que forma é que acha que isso pode ser bem aplicado e não ser desperdiçado?
É uma ideia errada falar do betão. O betão foi fundamental para o desenvolvimento do nosso país porque significou obra e obra fundamental. Mas boa parte dos recursos que Portugal beneficiou nessa altura e que os Governos que me sucederam beneficiaram em montante ainda superior — e agora nem se fala, são muito muito mais biliões do que nessa altura — foram utilizados para o desenvolvimento social, para o desenvolvimento ambiental e para o desenvolvimento económico. Desde logo quero sublinhar a Autoeuropa, que teve e tem uma influência decisiva na indústria portuguesa e na nossa capacidade de exportação. Nunca mais ocorreu em Portugal um investimento estrangeiro daquela dimensão. O contributo para o emprego, directo e indirecto, para as exportações, para os ganhos cambiais, é de um montante enorme. Gigantesco, mesmo. Os dinheiros europeus foram utilizados também para criar a Fundação de Serralves, o museu do Siza Vieira, foi financiado em parte com dinheiro vindo da UE. O dinheiro europeu daquela altura foi utilizados para fazer as obras e os projectos que eram fundamentais fundamentais para o desenvolvimento do país. Um desenvolvimento equilibrado a nível económico, social, cultural e ambiental e que abrisse perspectivas para a consolidação da nossa democracia e para a afirmação de sectores que até aí tinham alguma dificuldade em aguentar-se na concorrência de um mercado único, como era a agricultura, como era a indústria. Portanto, espero que agora também se consiga, e com um volume muito maior de recursos, que se avance na preparação da competitividade da nossa economia, que é um dos maiores problemas que temos, na produtividade da nossa economia — muito mais baixa do que noutros países — que é de facto a única forma de nos conseguirmos aproximar do nível médio de desenvolvimento da União Europeia.

Escreve aliás, no prefácio do seu livro, que Portugal desceu no ranking europeu de desenvolvimento.
Doze pontos percentuais na aproximação ao nível de rendimento per capita da União Europeia. Nunca mais se avançou na aproximação à Europa a um ritmo como aquele que se verificou entre 1985 e 1995.

Na forma como ultrapassar isto falava há pouco na via reformista e que era preciso mudar o actual rumo. Vê possibilidades para isso naquilo que se perspectiva na mudança de Governação nos próximos anos?
Portugal precisa de investimento estrangeiro. É fundamental. Falta capital em Portugal. E precisamos de investimento directo estrangeiro que traga capital, que traga tecnologia, capacidade de inovação e capacidade de penetração de outros mercados. Precisa de facto, disso. Sabe o que se diz muito lá fora quando se fala de investimento em Portugal? Da incerteza jurídica, e é defendido que é preciso uma reforma do nosso sistema de justiça; é referida a incerteza fiscal. Nós temos impostos brutais. Compare com outros países que estão ao nosso lado na Europa: os impostos são muito mais baixos, a despesa é muito mais baixo, no entanto o crescimento económico é maior e a justiça [social] é maior. Portanto, algo está errado em Portugal. Se Portugal tem um nível de despesa tão elevado, tem impostos tão elevados, e tem menos crescimento económico e menos justiça social do que os países com que se compara, algo está errado. O nosso sistema fiscal é caótico, não tem o mínimo de coerência. Descobre-se um adicional para aqui, outro adicional para acolá.

São as chamadas taxas e taxinhas.
É verdade. Um sistema fiscal o que deve visar? O sistema fiscal tem um função, de acordo com a social-democracia, que é a equidade na distribuição do rendimento. Portanto, contrariamente aos neoliberais, ou os conservadores, ou o liberalismo clássico, a social-democracia não aceita o sistema fiscal como um instrumento fundamental da redistribuição do rendimento. A segunda função é a eficiência na afectação de recursos: não pôr o dinheiro aqui ou acolá, não pôr facilmente o dinheiro, sei lá, na TAP, sem interrogar sobre o custo de oportunidade de colocar o dinheiro aí. A outra função é o crescimento económico e a criação de emprego. Quando olhamos para o nosso sistema fiscal, que tem a tributação do rendimento, a tributação do património e do consumo, não vemos que isto seja tido em consideração minimamente. E nunca vi num debate no Parlamento interrogar quem suporta a carga dos impostos. Por exemplo: um imposto sobre as sociedades, quem é que suporta? São os accionistas sob a forma de menos lucros, são os trabalhadores sob a forma de menos salários ou são os clientes sob a forma de preços maiores? Nunca ninguém se preocupou com o fenómeno fundamental da tributação que é a repercussão. Porque aquilo que suporta a carga do imposto, não é muitas vezes aquele que entrega o recurso financeiro à Autoridade Tributária. É quase impossível classificar o nosso sistema fiscal.

Define-o como caótico.
Ele é caótico. A ideia que temos é que surge um político e diz: ‘Vamos tributar aquele sector, tributar aquele banco, o sector a, b ou c, é o que vem à cabeça’. Portanto, eu como primeiro-ministro fiz uma reforma fiscal, um imposto sobre o rendimento das pessoas (o IRS), o imposto sobre as sociedades (o IRC), o imposto sobre o consumo (o IVA) e depois os chamados impostos especial, sobre a gasolina. A coerência desse sistema fiscal foi totalmente destruída porque foram feitas modificações avulso, sem se estudar as consequências das medidas que se tomam. Portanto, não é nada fácil atrair o investimento estrangeiro nestas condições. E depois, quem sabe, há um certo enviesamento no Governo e nalgumas forças que o apoiam quanto ao sector privado. Aqui, a sensação que há é que o Bloco de Esquerda, o PC e alguma ala do PS odeia as grandes empresas. Ora, quando um país não tem nenhuma grande empresa controlada por cidadãos portugueses cotada na bolsa, é menos respeitado na cena internacional. Tudo o que é grande empresa é odiado por certas forças políticas quando nos outros países é acarinhado, como é óbvio no princípio da subordinação do poder económico ao poder político. Isso não está em causa. Portanto, Portugal tem algumas dificuldades.

“Continuo a acreditar que predomina no PSD a via reformista”

Na sua opinião, só com o regresso do PSD ao poder é que eventualmente seria possível fazer esse caminho de maior respeito pelo sector privado e pela economia privada?
Com certeza. Muito mais. Não tenho a mínima dúvida. Continuo a acreditar que a via reformista predomina dentro do PSD.

E também vê Rui Rio como alguém capaz de gerir um governo desses?
Quanto a isso não faço julgamentos. Estou afastado da vida política activa.

Há dois novos partidos que surgiram nas últimas eleições e que em matéria fiscal defendem a chamada flat tax, a taxa única. Acha quer podia ser uma boa medida?
Como social-democrata, discordo. Sei que os neoliberais e os conservadores a defendem e que ela existe num ou outro país europeu. Mas eu considero que os objectivos fundamentais da social-democracia, desde os seus primórdios, são a justiça social e a solidariedade social. E há instrumentos fundamentais para os realizar. Um deles é a política fiscal, com impostos progressivos, em que se paga uma taxa mais elevada quando aumenta o rendimento. Outra forma de realizar justiça social é através da política de segurança social. Ou através de políticas de igualdade de oportunidades, em particular a educação. A flat tax não realiza esse princípio da social-democracia de que eu sou um aderente muito forte.

Um dos poucos momentos em que se pronunciou sobre uma polémica pública desde que deixou de ser Presidente da República foi quando se deu a substituição da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Falou das preocupações com o combate à corrupção. Vem muito dinheiro para Portugal, com a “bazuca europeia”. Sabemos que esta área dos fundos europeus por vezes pode levar a situações dessas — houve casos nos anos 80 e 90 e há o receio de que possa haver casos hoje em dia. Fala-se da criação de um portal que permita monitorizar a aplicação dos fundos. Como é que se consegue evitar que uma parte desse dinheiro vá para onde não devia ir?
No livro de memórias que escrevi sobre o meu tempo como Presidente da República dediquei um capítulo à escolha do procurador-geral da República. Não conhecia Joana Marques Vidal, mas considero que fez um trabalho notável. Não quero agora, que estou fora da vida política activa, dizer que tenho as soluções. Mas, em relação a esse tema, quero dizer-lhe que o presidente do Tribunal de Contas que foi afastado, o juiz-conselheiro Vítor Caldeira, foi por mim condecorado com uma das condecorações mais altas que existem em Portugal, a Grande Cruz da Ordem Militar de Cristo — a mesma que se dá aos primeiro-ministros. Não o conhecia. E porque é que o fiz? Porque ele tinha sido o presidente do Tribunal de Contas europeu, eleito três vezes. Mais nenhum país alguma vez teve alguém do seu país eleito três vezes para aquele cargo. Eu disse: “Tem que ser um homem de grande valor”. E quando António Costa o propôs para para presidente do Tribunal de Contas português eu aplaudi.

Teve pena que Vítor Caldeira não fizesse um segundo mandato?
É óbvio que tive. Nunca imaginei que não fosse reconduzido. Mas repito: desculpe, não quero entrar em detalhes da vida política actual em público.

No seu livro, fala extensamente sobre Francisco Sá Carneiro, que reconhece ter sido uma inspiração política. Fala também da sua morte em Camarate. Passaram agora 40 anos dessa data e o actual Presidente da República disse ter a convicção de que a queda do avião foi um atentado. Concorda?
Não tenho informação suficiente para tomar posição sobre isso. É uma matéria de tal forma delicada que entendo que não devo tomar posição porque não tenho informação suficiente.

No seu livro, defende que a divisão direita-esquerda serve a “partidos mais ideológicos” como “instrumento de radicalização do discurso”. No seu tempo como primeiro-ministro não teve que lidar com o fenómeno recente dos partidos populistas. Como vê o crescimento destes partidos em vários países, nomeadamente em Portugal?
É difícil responder. Nesse domínio, as coisas são um pouco diferentes daquele que foi o tempo que vivi como primeiro-ministro. Mas penso que alguma responsabilidade haverá dos partidos tradicionais. Acho que devem ter sido muito eles — os democratas-cristãos, os sociais-democratas também, os socialistas, os comunistas, os mais marxistas ou menos marxistas — que, pela forma de atuarem e de responderem às aspirações da população foram criando esse espaço. O que é fundamental na governação? Falar verdade, cumprir as promessas feitas, trabalho — muito trabalho —, estudar bem os problemas, procurar responder às verdadeiras preocupações das pessoas, não ter medo de seguir a via reformista, não criar ilusões, não mentir às pessoas, elas não se sentirem enganadas. Penso que, nesse sentido, eles foram um pouco responsáveis pelo aparecimento destes partidos que, de alguma forma, também procuram criar ilusões e medos a uma parte dos cidadãos. Mas não quero expressar a solução para esse problema neste momento.

Açores. “Não tenho a mínima dúvida” que coligação de direita é melhor que PS

O líder de um desses partidos populistas, André Ventura, já se comparou com Sá Carneiro. Vê alguma semelhança entre os dois?
Sá Carneiro era um social-democrata convicto. A resposta é esta e não precisa de mais nada. Inspirava-se na social-democracia sueca e alemã. E o que eu procurei fazer enquanto primeiro-ministro foi dar continuidade às orientações que Sá Carneiro imprimiu ao seu governo. Para Sá Carneiro, o critério básico da governação era a defesa do interesse nacional. Eu também sempre coloquei isso em primeiro lugar. Ele dizia algumas vezes: “Nós temos apenas dois ou três meses para culpar o governo anterior por aquilo que não está bem”. E eu dizia o mesmo quando fui primeiro-ministro — e a situação que herdámos era difícil. Quando cheguei a primeiro-ministro, o défice orçamental era de 11%, a inflação era de 20%, o desemprego era elevado e havia muita injustiça social. Procurei utilizar os métodos que Sá Carneiro usava na governação. Primeiro, a importância do Conselho de Ministros — debater tudo com grande franqueza. Depois, reunir frequentemente com os ministros — ouvir com atenção aquilo que não só recolhia do contacto com as populações, mas também do debate com os ministros. Portanto, Sá Carneiro era um social-democrata.

Fez parte desses governos da Aliança Democrática nos anos 80 e agora, com a passagem dos 40 anos da morte de Sá Carneiro, a AD tem sido muito lembrada. Até nesta solução governativa nos Açores: chamaram-lhe “nova AD”. Essa solução governativa junta PSD, CDS e PPM com o apoio da Iniciativa Liberal e do Chega. As duas experiências são comparáveis?
Não, não são comparáveis de forma nenhuma. A Aliança Democrática foi o entendimento, primeiro, entre o PSD e o CDS, a que se juntou o PPM e um grupo chamado Reformadores. Era um conjunto com muito mais coerência e proximidade ideológica do que talvez o que se verificou no Açores. Mas, sabe, conheço os Açores. Visitei todas as ilhas — e mais do que uma vez. E acho que os Açores precisavam de uma mudança, de forma inequívoca. E não estou a criticar o líder do PS que perdeu as eleições, Vasco Cordeiro — tenho, aliás, muito respeito por ele. As coisas que não estavam bem nos Açores tinham raízes anteriores à chegada dele ao governo. Eu vi uma afirmação de alguém do PS dos Açores que dizia que uma sondagem muito próximo das eleições dava mais de 50% ao PS — e depois o partido teve 39%. Dá ideia de que havia um sentimento de medo acumulado na população que a impedia de exteriorizar as suas preferências eleitorais — e que depois, no segredo da câmara de voto, se libertou e votou.

Esta solução de mudança é preferível a termos tido uma continuação de um governo do PS nos Açores?
Não tenho a mínima dúvida. Não conheço José Manuel Bolieiro, mas as informações que me chegam são extremamente positivas. Não tenho um conhecimento aprofundado da actual realidade política açoriana, mas tenho uma confiança muito forte de que é um contributo para a melhoria do funcionamento da vida democrática nos Açores. Temos que aguardar.

Mesmo com este polémico apoio do Chega?
Esse foi o entendimento que nos Açores foi encontrado por parte do líder do PSD. Não quero criticá-lo por isso. Acho que não o devemos criticar por isso. Ele conhece melhor os Açores do que qualquer um que aqui o criticou. Não tenho dúvidas quanto à afirmação que faço de que era tempo de mudar.

“Maioria do Estado na TAP foi erro muito grande”

Há pouco falávamos da AutoEuropa e, há dias, o ministro da Economia disse que “deixar desaparecer a TAP era como deixar desaparecer a Autoeuropa”. Acha que são duas realidades comparáveis?
Não. Discordo totalmente disso. Tem-se falado muito deste programa de reestruturação da TAP. Eu não sei se é positivo ou não e estou convencido que nenhum membro do governo e nenhum político sabe se esta decisão do governo é positiva ou negativa. Porque quando se discute um projecto onde se tem de colocar muitos biliões de euros, tem que se perguntar: qual é o custo de oportunidade? O que é que se deixa de fazer no país pelo facto de aquele montante tão elevado de recursos ser colocado na TAP? O que é que tem mais valor social? É o plano de reestruturação ou é aquilo que se faria se o dinheiro não fosse colocado na TAP? Até agora, nada foi dito sobre o custo de oportunidade — e existem técnicas de análise para calcular quanto vale aquilo que se faria com esses 4 biliões de euros se não fossem colocados na TAP. É óbvio que pode existir aquilo a que nós em economia chamamos os intangíveis. Podemos dizer assim: “O valor social da TAP é superior a outro investimento porque há uns aviões no ar a voarem com a bandeira de Portugal”. Bem, então ficamos a saber em quanto é que o poder político valoriza esse intangível que é o de ter um avião com uma bandeira de Portugal. Mas ninguém fez ainda este cálculo: o que é que se conseguiria fazer no país utilizando os mesmos biliões de euros noutro lado?

No limite, poderia ser preferível a TAP entrar em insolvência?
Um governo deve escolher o que tiver maior valor social. Neste momento, nós não sabemos. Eu não sou capaz de dizer se a decisão do governo tem mais valor social do que teria a aplicação da mesma importância de outra forma. É isso que falta. E isso não pode deixar de ser feito quando temos investimentos desta dimensão. E há outro ponto. Sabe porque é que eu tenho também dúvidas? Porque não vejo o Estado a gerir uma empresa que tem concorrência internacional. Já imaginou a AutoEuropa, que também concorre internacionalmente — na produção de automóveis — a ser gerida pelo Estado? Uma coisa é o Estado gerir os transportes colectivos ,ou o metropolitano, ou a fábrica de produzir notas de euro no Banco de Portugal. Mas uma empresa que concorre a nível mundial com outras companhias?

Mas seguramente que discorda da posição maioritária do Estado na TAP.
Já agora, quero-lhe dizer: eu avisei o primeiro-ministro, quando isso foi feito em 2016. Tudo começou aí. O erro está aí. Disse-o claramente quando numa jogada meramente politico-ideológica, o Estado que tinha apenas 36%, quis ficar com 50% da TAP. Não digo que seja um erro na mesma dimensão das 35 horas, mas agora se calhar revela-se tão má como essa. Foi um erro muito grande. Aliás, muitos cidadãos apelaram a que o Governo fizesse isso e eu sei bem que o PC e o Bloco de Esquerda defenderam isso e pressionaram. Eles são responsáveis por aquilo que está a acontecer. As coisas seriam muito diferentes hoje, muito diferentes se não tivesse sido tomada essa decisão em 2016. E, portanto, eu já referi isso.

Estamos a poucos dias das eleições presidenciais e já se perfilaram quase todos os candidatos. Sei que não vai fazer um balanço do actual Presidente, mas vai apoiar Marcelo Rebelo de Sousa?
É uma regra que tem vigorado em Portugal dos Ex-Presidentes da República não se pronunciarem sobre os actos eleitorais relacionados com a Presidência da República. Eu farei isso e penso que o mesmo irá acontecer com os outros Presidentes da República.

Mas vai votar?
É um dever cívico. Eu tenho sempre cumprido os meus deveres cívico.

“O que adorei na Netflix foi o xadrez. Oh my…”

Disse numa entrevista recente que costuma ver a Netflix. Não sei se já viu a última temporada de The Crown, que tem sido muito criticada pela forma como retrata Margaret Thatcher,, que conheceu muito bem.
Conheci muito bem. Estou muito desiludido com esta temporada. É muito pior que as outras anteriores. Não só conheci a Margaret Thatcher como me encontrei mais do que uma vez também com a princesa Diana. E até me encontrei com ela em Edimburgo num jantar oferecido pela Rainha numa cimeira que teve lugar em Edimburgo, quando foi anunciada a separação entre a Diana e o príncipe Carlos. Mas Margaret Thatcher era a ministra da Educação quando eu estudava em Inglaterra. Portanto, comecei por conhecê-la como ministra da Educação. Não participava nas manifestações que ocorriam na universidade com toda a ordem e que terminavam sempre no pub contra Margaret Thatcher, mas depois ela sentava-se ao meu lado nos Conselhos Europeus. E, portanto, a imagem que se tentou passar logo no início de que Margaret Thatcher não se sabia comportar quando estava com a família real, não conduz com alguém que já tinha sido ministra da Educação e deputada durante 20 anos. Era uma mulher muito inteligente que defendia com muita garra os interesses britânicos, mas nunca lhe passou pela cabeça tirar o Reino Unido da União Europeia, mas defendendo muito os interesses da Grã-Bretanha. Está muito mal e injustamente retratada. Era uma mulher de uma grande firmeza. Eu discordava de algumas das políticas dela, mas ela tinha muita simpatia por mim por eu ter sido estudante na Universidade de York e ela invocava sempre isso.

Tem alguma história?
Não me esqueço quando foi a aprovação do PEDIP, o programa de apoio à indústria portuguesa em 500 milhões de contos, ela sentava-se ao meu lado e, quando o chanceler Khol submeteu à votação ela disse: “Mas o que é isso? O que é isso? O que é isso?” E tentou levantar a mão a pedir a palavra e eu segurei-lhe no braço e não deixei levantar o braço e o chanceler Khol disse: “Está aprovado”. E, de facto, passou. Quanto à princessa Diana, a atriz [de The Crown] é muito boa. Em termos de imagem é o mais próximo que alguma vez eu vi. Ela está ali, não está? [Cavaco Silva aponta para moldura com fotografia em que está ao lado da princesa Diana no Porto] Está ali comigo no Porto. Foi uma conversa interessante.

Mas também não está bem retratada na série.
O comportamento dela não está bem retratado, mas a imagem é ela. Parece que estamos a vê-la. Esta série é bastante mais fraca do que as anteriores. O que adorei na Netflix foi o xadrez.

O Queen’s Gambit.
Oh my… Essa prende do princípio ao fim. Eu não sei jogar xadrez, não sei, mas aquela atriz que não sabia nada de xadrez é notável na representação. Na forma como mexe as peças e, segundo dizem os especialistas, aquilo que está lá está correto.

Também gostou da parte de vencer a União Soviética?
Aquilo tinha de terminar com uma vitória americana. Sabe, na televisão, a minha preferência vai sempre para os programas da natureza. Isso aí eu vejo tudo. O [David] Attenborough conhece-o desde os tempos que vivi em Inglaterra. Acho um homem notável na defesa do ambiente a nível global e, como o meu Governo também foi aquele que colocou o Ambiente na agenda política nacional. O primeiro secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais fui eu que nomeei, o primeiro ministro do Ambiente e Recursos Naturais fui eu que o nomeei, fui eu que assinei o protocolo das alterações climáticas, o Plano Nacional do Ambiente. Isto é, que sujeito os grandes projetos à aprovação do impacto ambiental e, portanto, tenho uma grande satisfação por ter colocado desde a primeira hora em que cheguei ao Governo em 1985 a defesa do Ambiente e do Ordenamento do Território como uma parte central do desenvolvimento económico sustentável do país.

https://observador.pt/especiais/entrevista-a-cavaco-silva-o-estado-voltar-a-ficar-com-a-maioria-na-tap-foi-um-erro-muito-grande/

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Fez-se Justiça em Portugal, finalmente!!!

A justiça portuguesa está de parabéns!

            * Depois de anos e anos a batalhar eis que surgem os primeiros resultados:

             · Desde a morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia,

             · Ao desaparecimento de Madeleine McCann,

             . Ao caso Casa Pia,

             . À saída do processo de Paulo Pedroso, sem sequer chegar a julgamento.

             · Do caso Portucale,

             · Da compra dos Submarinos,

             · Às escutas ao primeiro-ministro,

             . Ao caso Freeport,

             . Ao curso tirado a um domingo,

             - Ao Caso TVI,

             - Ao Caso Figo - Tagus Park,

             . À Falência da Empresa de que Sócrates era sócio com Armando Vara,

             . À licenciatura de Armando Vara e ascensão meteórica até vice-presidente     da CGD e Millennium.

             · Do caso da Universidade Independente,

             · Ao caso da Universidade Moderna.

             - Do Futebol Clube do Porto,

             · Ao Apito Dourado (Azulado?).

             · Da corrupção dos árbitros

             · À corrupção dos autarcas,

             · De Fátima Felgueiras

             · A Isaltino Morais.

             · Da Braga Parques

             · Ao grande empresário Bibi.

             · Das queixas tardias de Catalina Pestana

             · Às de João Cravinho,

             . Aos doentes infectados por acidente (e negligência de Leonor Beleza) com     o vírus da sida.

             . Do processo Costa Freire / Zézé Beleza (quem não se lembra ?)

             · Ao miúdo electrocutado no semáforo,

             · Do outro afogado num parque aquático,

             · Das crianças assassinadas na Madeira,

             . Do mistério dos crimes imputados ao padre Frederico.

             · Do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do     Instituto de Medicina Legal,

             · A miúda desaparecida em Figueira,

             · As famosas fotografias de Teresa Costa Macedo, em que ela reconheceu imensa gente 'importante', jogadores de futebol, milionários e políticos,

             · Aos crimes de evasão fiscal de Artur Albarran,

              · Os negócios escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal.

             · O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins  da Cruz, apeado    por causa dum pequeno crime sem importância: o da cunha para a sua filha.

             · E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado     doentes por negligência.

             - O caso BPN e os inefáveis Dias Loureiro, Oliveira e Costa,

             - Os Vistos Gold,

             - A Operação Marquês, etc etc..

             Pois é... a justiça portuguesa está de Parabéns!

             Depois de anos e anos a batalhar eis que surgem os primeiros resultados:

             Leia com atenção, por favor.

    MULTADO POR GUIAR BURRA, EMBRIAGADO.

            O agricultor que há uma semana foi apanhado a conduzir embriagado uma carroça puxada por uma burra, na EN 17, em Celorico da Beira, foi condenado, em processo sumário, a pagar 450 euros de multa, pena que pode ser substituída por trabalho comunitário (pois este sr. trabalha e não vive com qualquer subsídio do governo).

             Foi-lhe ainda aplicada, como pena acessória, a inibição de conduzir qualquer veículo motorizado por um período de sete meses.

             A pena exclui a proibição de o arguido guiar a carroça puxada pela burra, o meio de transporte que mais utiliza, pese embora ter licença, segundo o próprio, para conduzir tractores e motociclos.

             Até que enfim.... e em tempo recorde: 8 dias depois, julgado e condenado !!!!!!!!!!!!!!

             YEAAAAAAAAH!...

             Agora sim, sinto-me mais seguro!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Bom dia, Lenine!

Observador/premium

Rui Ramos

A interpretação comunista do regime é hoje a mais elucidativa de todas: este é um país onde mandam as famílias socialistas, e quem quer ter poder em Portugal tem de estar com essas famílias.

O congresso do PCP serviu, este ano, para toda a gente aludir ao filme Adeus, Lenine: eis um fóssil, mais ou menos alheio ao mundo de hoje, a fingir que o dia 9 de Novembro de 1989 nunca aconteceu. Ninguém reparou, todavia, no êxito que os comunistas têm tido no suposto fingimento: quem é que, em Novembro de 1989, imaginou que ainda estaríamos a falar em Portugal do PCP em 2020, a não ser em algum curso de história do século XX? Creio, aliás, que o fóssil percebe muito melhor o mundo de hoje do que os que, muito satisfeitos consigo próprios, escarnecem do seu revolucionarismo fora de moda ou se indignam com a sua insistência em abrir excepções ao confinamento. De facto, a leitura comunista do regime é hoje a mais interessante de todas. Só que não está no que o PCP diz, mas, como sempre, no que o PCP faz. Aí, ainda teremos alguma coisa a aprender com Lenine antes de lhe dizer adeus.

O PCP foi, como os outros partidos similares, uma organização financiada pela União Soviética, com activistas profissionais que eram, de facto, funcionários soviéticos. Nesse sentido, sim, o PCP perdeu a razão de ser. Hoje, é uma espécie de embaixada de um país que já não existe. Mas a máquina ficou, com todas as posições adquiridas, e com a sua cultura estratégica. E continuou, como antes de 1989, a tentar perceber uma só coisa, e a agir em conformidade: onde está o poder em Portugal? Desde 1974, o PCP nunca quis estar contra o poder; e fez tudo, com razoável sucesso, para estar com o poder.

Em 1974, o PCP percebeu que, como então se costumava dizer, o trunfo era espadas. Primeiro, tentou o general Spínola, mas logo identificou, assediou e passou a controlar, com maior proveito, os oficiais que viriam a compor a  chamada “esquerda militar”. Foi assim que, em 1975, um partido com 12% de votos pôde dominar o governo, as autarquias, os organismos corporativos, e quase toda a comunicação social, incluindo a única estação de televisão, e ainda recortar no território do país uma espécie de feudo medieval, no Alentejo. Porquê? Porque esteve com quem, durante mais de um ano, teve o poder em Portugal, a “esquerda militar”. E porque é que, depois do colapso da “esquerda militar”, em 25 de Novembro de 1975, o PCP, sem aumentar os votos, continuou no VI Governo Provisório e conseguiu até que a Assembleia Constituinte, que até então desprezara, consagrasse as nacionalizações e a reforma agrária? Porque o PCP, ao contrário da lenda do Adeus, Lenine, nunca perdeu de vista o que estava a acontecer. A “esquerda militar” abriu-lhe as portas para uma influência com que o PCP nunca sonhara, mas o PCP não teve a mínima hesitação em deixá-la cair e em procurar novos interlocutores quando percebeu que a “esquerda militar” já não mandava.

Desde 1976, o PCP continuou à procura do poder e julgou identificá-lo na presidência da república. Em 1976, o presidente da república era o general Eanes, um dos vencedores da “esquerda militar” e o oficial que, à frente do Estado Maior do Exército, desmobilizou o exército que fez a revolução. O PCP devia odiá-lo. Não o odiou. Pelo contrário. Percebeu que o general Eanes ia confrontar-se com os partidos que o tinham elegido em 1976 (o PS, o PSD e o CDS), e tornou-se, contra todas as expectativas, o mais fiel companheiro de estrada do chefe do 25 de Novembro. Nunca, jamais, Cunhal, se permitiu irreverências contra o presidente, como se permitiram Soares e Sá Carneiro, mesmo quando o presidente nomeou um governo de “recuperação capitalista” como o de Mota Pinto. Para o PCP, Eanes não valia apenas como o presidente da Constituição de 1976, antes da sua revisão em 1982. Valia como um político que, pela sua origem militar, representava um factor bonapartista, capaz de impedir o regime de evoluir no sentido das democracias da Europa ocidental. Era o que importava ao PCP, para manter a sua influência. Por isso, em 1985, o PCP juntou-se aos eanistas na campanha presidencial de Salgado Zenha, e em 1987, aos eanistas e ao PS de Vítor Constâncio, na tentativa de formar uma maioria de esquerda para suceder no governo a Cavaco Silva. Só graças a Mário Soares, é que a “geringonça” não aconteceu em 1987. E Mário Soares não a impediu por causa do PCP, mas precisamente por causa do general Eanes.

O PCP talvez tenha andado perdido depois do fim do eanismo, que por, por acaso, coincidiu mais ou menos com o fim da União Soviética. Mas agora, o PCP não anda perdido. Sabe onde está o poder. Muita gente olha para o PCP como o apoio parlamentar de um governo minoritário do PS. E por isso, muita gente espera do PCP os cálculos e as jogadas típicas desses apoiantes. É uma análise errada, porque ignora a realidade que o PCP contempla muito lucidamente. O PCP não apoia um governo minoritário: o PCP parasita, como sempre fez, o poder em Portugal, e esse poder é agora o das famílias socialistas que há vinte e cinco anos colonizaram o Estado e, a partir do Estado, controlam a sociedade. É esse poder que hoje, em Portugal, dá poder ao PCP, e lhe permite ignorar os confinamentos e fazer comícios, festas e congressos, tal como foi o poder da “esquerda militar”, em 1975, que  lhe permitiu ignorar a legalidade e ocupar as terras alentejanas.

Nas suas memórias, Carlos Brito conta que, nas primeiras reuniões para preparar eleições, Álvaro Cunhal fazia sempre questão de surpreender os seus camaradas com a declaração de que o PCP era “um partido revolucionário”, para quem os resultados eleitorais não tinham assim tanta importância. Era, segundo Carlos Brito, uma rábula que muito divertia Cunhal. No entanto, continha algo de sério. Cunhal era um revolucionário. Só que o seu partido não era, ao contrário da mitologia do revolucionarismo ingénuo, um partido para morrer nas barricadas. Era um partido de estalinistas dos anos 1930, para quem a missão principal era manipular o poder no seu país a favor dos interesses soviéticos, o que nem sempre significava imitar o Lenine de 1917. Esse foi sempre um grande equívoco em relação a Cunhal, e que por vezes também baralhou os seus camaradas, sobretudo em 1975. O importante não era subir aos tanques, mas manter a organização de revolucionários profissionais junto ao poder, tragando todos os sapos que viessem na ementa. O PCP foi sempre um partido dependente de quem tem poder. Por isso, como costuma dizer António Barreto, já não me lembro se citando alguém, “os comunistas fazem tudo o que lhes consentem, e consentem tudo o que lhes fazem”.

Eis porque a interpretação comunista do regime é, hoje, a mais elucidativa de todas. É uma interpretação despida de idealismos jurídicos ou de ilusões políticas: este é um país onde manda uma clique instalada no Estado, muito atreita a desenhar linhas vermelhas para os outros, e sem noção de ter linhas vermelhas para si própria, como se tem visto nos entendimentos de António Costa com Viktor Orban, ou nas negociações dos deputados do PS com o Chega. São os socialistas que ocupam o Estado numa sociedade que é fraca. São os socialistas que vão distribuir o dinheiro dos alemães numa economia que está descapitalizada. A isso, chama-se poder. Não há outro, tal como durante muitos meses, em 1975, não havia outro, a não ser o que andava em chaimites. Quem está com os socialistas, está bem; quem está contra eles, está mal, não faz reuniões durante o confinamento nem vai à televisão. Cunhal teria certamente mandado os seus camaradas colarem-se a António Costa, engolindo os sapos que fossem precisos. Aos verdadeiros revolucionários, importa o poder. E o poder, em Portugal, é das famílias socialistas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A farsa equivalência

Pelo planeamento sem falhas, via-se bem que estávamos num congresso comunista organizado durante a pandemia. Pelas intervenções, dir-se-ia que a pandemia era a gripe espanhola de 1918.

01 dez 2020, José Diogo Quintela , ‘Observador’

O Congresso do Partido Comunista Português foi um evento impressionante. Pelo planeamento sem falhas, pelo respeito escrupuloso do afastamento social, pelo zelo no uso das máscaras e na aplicação das medidas de higiene, via-se bem que estávamos num congresso comunista organizado durante a pandemia. Pelas intervenções, dir-se-ia que a pandemia era a gripe espanhola de 1918. Montaram um grande aparato de segurança, mas sem necessidade. Os comunistas estão imunes ao contágio, uma vez que a Covid está em 2020 e os comunistas em 1920.

Devo dizer que foi com grande satisfação que passei uma tarde a ouvir os delegados. Na espiral de incerteza em que vivemos, é reconfortante saber que ainda há faróis de coerência por onde nos podemos nortear. O comunismo nunca muda e os comunistas não têm pejo em afirmá-lo. Gabo-lhes a constância dos princípios. São contra a propriedade privada e também contra a impropriedade privada: tudo o que têm a dizer que seja inconveniente, dizem-no em público.

Gostei de todos os discursos. Cada qual, à sua maneira, contribuiu com uma camada de mofo para aquele sabor a antigo com que fiquei no fim da sessão. No entanto, tenho de salientar a comunicação do camarada Albano Nunes, membro da Comissão Central de Controlo (a CCC do PCP é uma espécie de polícia interna, ou seja, fiscaliza os comunistas como os comunistas gostavam de nos fiscalizar a nós).

No início, confesso que tive receio. Ao ser apresentado, anunciaram que Albano Nunes iria “intervir sobre a actualidade da ideologia marxista-leninista”. Pensei: “Olha! Tu queres ver que há novidades? Que actualizaram o marxismo-leninismo e chegaram a novas conclusões? Substituíram por uma versão mais moderna? Espero que não estraguem!”

Mas não tinha com que me preocupar. Felizmente, Albano Nunes é, segundo o site do PCP, um “intelectual”. Ora, para os comunistas, o “Intelectual” é o responsável por, através da repetição, decorar a doutrina e passá-la à próxima geração de “intelectuais”. “Marxismo-leninismo” e “novidades” são antónimos. Eis alguns dos destaques:

Como escreve Marx ‘a arma da critica não pode substituir a critica das armas. O poder material tem de ser derrubado por poder material.’

Tal não desmente que os grandes avanços e transformações revolucionárias do século XX estejam indissoluvelmente ligadas à acção revolucionária das forças que têm o marxismo-leninismo como base teórica e ao papel da URSS e do campo socialista.

Mas o capitalismo não cai por si, tem de ser derrubado pela força. Também aqui a prática confirma as grandes teses do marxismo-leninismo, relativas à revolução, a teoria da luta de classes, (…) ao Estado como questão central da revolução, à socialização dos grandes meios de produção, ao internacionalismo proletário.

Muita conversa sobre derrubar coisas à força, muita saudade da URSS. Enfim, comunistas a serem comunistas. Num dia, a aprovarem orçamentos burgueses no Parlamento, no dia seguinte, a quererem pegar em armas para abolirem parlamentos, burgueses e orçamentos.

Em Portugal há uma complacência com o comunismo que tem a ver com o nome. “Comunismo” soa mesmo bem. Traz uma mensagem tão linda, como é que quem o propõe pode fazer malfeitorias? Só por azar. Se o PCP se chamasse antes Partido De Bater Com Um Pau Nas Costas e organizasse um congresso, é certo que também ia aparecer alguém a dizer “olhem que o Partido De Bater Com Um Pau Nas Costas já não defende que se bata com um pau nas costas”, mas ia ser mais difícil convencer o resto das pessoas. Se mantivessem no nome e nos estatutos o bater com o pau nas costas; se louvassem o inventor da doutrina que advoga o bater com o pau nas costas; se mostrassem com orgulho o pau com que querem bater nas costas; se se queixassem de quem não acha boa ideia bater com paus nas costas; se lembrassem com saudade os grandes batedores de paus nas costas de antanho; se saudassem os actuais batedores de paus nas costas que brilham no estrangeiro; e se dissessem que, actualmente, não há condições para bater com paus nas costas em Portugal, por causa das leis contra bater com paus nas costas, mas é inevitável que um dia haja condições, a histórica caminha para lá; então, de certeza, que ninguém lhes virava as costas nas imediações de um pau.

Há quem esperasse que, ao fim de 46 anos de convivência com moderados (principalmente desde 2015), o PCP tivesse moderado os seus ímpetos. Pelos vistos, não só não moderou como, pelo contrário, foram os moderados que, no convívio com os extremistas, extremaram as suas posições.

Isso já se nota no PS, que guinou à esquerda. Basta ver que Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, futuros candidatos a PM, ultimamente parecem dois pequenos comissários dos sovietes. Um nacionaliza a TAP, todo contente por o Estado ficar dono de uma companhia aérea que, ao que tudo indica, ficará em breve reduzida a uma rota, e que vai para o galheiro. O outro propõe criar uma empresa de entregas de comida para levar as que operam no mercado à falência, só por pirraça contra a iniciativa privada. Não contente com isso, quer também ilegalizar um partido com representação parlamentar.

Era esperado. Os radicais, como o nome indica, têm raízes no seu extremo. Não é fácil arrancá-los de lá. Se vai haver aproximação, é mais provável que sejam os moderados, que não estão presos a nada, a irem ter com eles.

É, aliás, o que já está a acontecer ao PSD por causa do Chega. Nem há um mês começaram a entender-se nos Açores e Rui Rio já está a extremar discurso e posições, com bocas aos habitantes de Rabo de Peixe que “não querem ir ao mar” e votações irresponsáveis no

Essa foi uma das razões pelas quais assinei o texto “A clareza que defendemos”, por não querer a minha área política aliada ao Chega. Para saber que foi a decisão certa, basta prever como será um país em que o Chega governe com maioria absoluta. É ouvir o que o Chega diz, ver quem costuma e quem costumava dizer as mesmas coisas, as acções de quem se associa ao Chega, os amigos estrangeiros do partido, as suas referências históricas. A partir daí é fácil imaginar Portugal ao fim de um ano de Governo Chega. Um país em que proíbe que se ofendam magistrados, polícias e órgãos de soberania, ou seja, onde há censura política. Um país onde os ciganos estão confinados em reservas, primeiro por causa da Covid, depois por causa do sarampo, depois por causa das cáries, depois porque já é hábito. Os ciganos e as pessoas que não gostam de sapos, só para garantir. E as que cantam o “Bamboléo” dos Gipsy Kings. E os romenos, que fazem lembrar ciganos. E os moldavos, que aquilo é tudo igual. Um país que expulsa portugueses nascidos noutros países ou nascidos cá, mas filhos de cidadãos de outros países. Um país onde só não se retiram os úteros às mulheres que abortam porque o aborto é proibido. As que conseguem abortar, são presas. Um país onde os abusadores sexuais são castrados e os ladrões só não são manetas porque precisam das mãos para trabalhos forçados nas prisões. E em que não podemos filmar nenhum destes abusos, que é a última tolice proposta pelo Chega. No fim, obviamente, somos expulsos da UE, portanto somos ainda mais pobres.

É um bom exercício, este de imaginar Portugal governado por um partido. Como seria o país se o PCP mandasse? Albano Nunes deu um lamiré. “Ah, é só um velhinho!”, dirão. Ok. E a jovem que saudou os povos da Síria, da Bielorrússia, da Coreia do Norte, de Cuba e da Venezuela? Ou estava a gozar com os povos, acenando-lhes enquanto está repimpada numa democracia; ou estava mesmo a saudar Assad, Lukashenko, Kim Jong-un, Castro e Maduro.

Também não é difícil prever um Portugal comunista. Por mais que, por exemplo, Pacheco Pereira diga que o “programa activo” do PCP se afasta da tradição histórica, ela está lá. É a base, a basesinha. E, se hoje, o que esses partidos dizem parece adaptado à realidade democrática, numa situação hipotética como a que imaginei com o Chega, seria diferente. É aplicar o modelo ético e económico de sociedade que continuam a defender e deixar marinar. Em cinco anos, com o fim da economia privada e fora da UE, estamos a passar fome como na Venezuela. E com a larica, as garantias democráticas que o PCP dá agora perdem a validade.

Porque o povo manifesta-se, as manifestações reprimem-se, as cadeias enchem-se, os cemitérios também e o exílio volta a estar na moda. Não houve uma única vez em que o modelo marxista-leninista, quando aplicado com precisão pelos admiradores de Marx e Lenine, não tenha acabado assim. Eu sei que os portugueses são pouco rigorosos a respeitar instruções, mas o comunismo é como se fosse uma guilhotina do IKEA: seguindo os desenhos, qualquer um consegue montar a máquina de matar. Até os intelectuais bonacheirões do PCP.

(Quem diz o PCP, diz o Bloco. Quando Mariana Mortágua ameaça que “temos de perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular”, não está a exagerar. A sanha anti-capitalista e anti-democracia burguesa, presente em sub-grupos bloquistas como o Climáximo, mostra que o BE é tão contra o nosso sistema como o PCP. E como o Chega).

Portanto, os comunistas passam três dias a louvar uma doutrina que, nos sítios onde foi aplicada, matou sempre e querem-nos convencer que, em tendo oportunidade, não aplicavam cá a tal maravilha.

O estranho não é haver gente à direita a assinar aquela carta, é não haver ninguém à esquerda a assinar uma carta do mesmo género sobre o PS se aliar à esquerda radical. É que – e isto pode parecer surpreendente – é possível condenar-se vários extremismos ao mesmo tempo. A sério.

A 5 de Março de 1946, no Missouri, Churchill proferiu o seu famoso discurso sobre a “Cortina de Ferro” que já se estendia do Báltico ao Adriático. O então ex-PM britânico avisou o mundo, recém-saído da devastação da Segunda Guerra Mundial, para a ameaça soviética que se levantava. Disse que as democracias ocidentais tinham falhado ao não evitar a ascensão do Nazismo e que não podiam repetir o mesmo erro com o Comunismo.

A 6 de Março de 1946, no Facebook, vários comentadores disseram: “Vergonha! A comparar nazismo e comunismo!” ou “Falsa equivalência! Diz uma coisa que os nazis tenham feito que os comunistas façam igual!”

A 7 de Março, de 1946, no Twitter, Churchill pede desculpa por ter comparado os dois regimes e retira o que disse.

É pilhéria! Não aconteceu nada disso. Provavelmente, houve críticas. Mas não tem grande interesse referi-las. É que Churchill estava certo. Como se veio a confirmar, o comunismo era perigoso e era preciso combatê-lo como se combateu o nazismo. A verdade é se podem reprovar dois extremismos ao mesmo tempo, sem antes ter de fazer um Excel com tudo o que os assemelha e os distingue, para decidir qual o menos mau. É possível fazer multitasking ético. Sem medo que nos dêem com um pau nas costas.