Espero que tenhas uma excelente campanha, João Maria. Mas faz-me um
favor: não te atrevas a comparar o esforço que cada um de nós fez, até
hoje, para chegar onde chegou.
Parabéns a João Maria Jonet pelo título do artigo "O privilégio de não
ser João Miguel". É incisivo, provocador, mauzinho q.b., e tem piada.
Está óptimo. Já o texto propriamente dito é uma colecção de provocações
desconchavadas, escritas com os pés, e que disparam para todo o lado.
Pior: fiquei com sérias dúvidas de que ele tenha percebido o que
escrevi. Bem sei que João Maria Jonet se fez homem no Twitter, mas
convém que dure mais do que 140 caracteres.
O meu texto sobre mérito, privilégio e família que tanto o irritou dizia
três coisas acerca da sua pessoa: 1) Tem 27 anos. 2) Pouco mais fez além
de estudar, comentar e tuitar. 3) Um jovem cheio de talento que tivesse
nascido em Bragança de famílias pobres, em vez de em Cascais de famílias
bem, jamais conseguiria reunir uma Comissão de Honra como a sua. Os
pontos 1 e 2 parecem-me factuais. Já o ponto 3 admite, para quem souber
ler, a possibilidade de Jonet ser um jovem cheio de talento nascido em
Cascais, que simplesmente tem mais oportunidades do que um jovem cheio
de talento nascido em Bragança. Isso bastou para lhe saltar a tampa, com
esta consequência lastimável: na terça-feira eu estava mais optimista
acerca do seu talento do que estou hoje.
Mas como o tema é importante, e João Maria Jonet parece ter reais
dificuldades em perceber o que escrevi, vou ignorar as dezenas de
afirmações bacocas que ele faz no seu artigo e responder à única
pergunta que me coloca: "Qual será a diferença de mérito entre o
comentador profissional, de 52 anos, que apareceu nos blogues e cresceu
nos media, e o candidato, de 27 anos, que apareceu nas redes sociais e
cresceu nos media?"
É fácil de responder. Aos 27, eu era jornalista na secção de cultura do
Diário de Notícias, para onde tinha entrado poucos anos antes graças a
uma bolsa de mérito atribuída ao melhor aluno do meu curso. Não "apareci
nos blogues", como muitos da minha geração, porque não tinha tempo para
isso: trabalhava das dez da manhã às dez da noite, seis dias por semana,
para tentar singrar na minha profissão, ser financeiramente independente
e poder casar-me com a mulher que amava.
Como estou há 25 anos neste meio, é verdade que fiz amigos que hoje são
figuras públicas. Mas alguém quer tentar adivinhar quantas pessoas da
elite lisboeta eu conhecia antes de ingressar na profissão, ou que os
meus pais conheciam, ou que os meus primos conheciam? É fácil contar:
zero pessoas. E por isso, sem o à-vontade próprio de quem nasceu no
Estoril ou no Restelo, e o acesso que isso confere, o João Miguel de
Portalegre nunca teria chegado onde o João Maria de Cascais chegou aos
27 anos.
A minha grande ambição aos 27 era conseguir um emprego estável que me
permitisse sustentar uma família. Sem círculo nem currículo, presidir a
uma câmara com um orçamento de 426,5 milhões estava para lá dos domínios
do imaginável. O privilégio não é apenas uma questão de dinheiro: as
elites sonham de maneira diferente. E sei-o porque os sonhos dos meus
filhos são, felizmente, muito maiores do que os sonhos que eu tinha na
idade deles. Por isso, quando falo no elevador social, não é para
impedir o jovem Jonet de Cascais de ser ambicioso. É para sublinhar a
importância de transmitir essa ambição aos Vinténs de Portalegre ou aos
Campelos de Bragança.
Espero que tenhas uma excelente campanha, João Maria. Mas faz-me um
favor: não te atrevas a comparar o esforço que cada um de nós fez, até
hoje, para chegar onde chegou.
https://www.publico.pt/2025/07/05/opiniao/opiniao/joao-maria-jonet-nao-percebeu-nada-explico-2138977
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