Numa coisa Ventura tem razão: há 40 anos, os nomes dos meus colegas eram Carlos, Fernanda, Paulo, Sandra, Vítor; agora chamam-se Martim, Sofia, Benedita, Vicente, Francisca. Parece outro país
deputado suíço pediu a palavra e disse ao Parlamento que ia ler os nomes das crianças inscritas numa escola de Zurique. Eram nomes bastante exóticos na Suíça: "Silva. Santos. Ferreira. Costa. Oliveira. Sousa. Rodrigues." Como é evidente, o caso gerou indignação em Portugal. Manifestando-se contra a presença de apelidos portugueses nas escolas suíças, o deputado hostilizava os nossos emigrantes, e revelava que o povo suíço não tinha especial vocação para acolher estrangeiros, ao contrário do português, celebremente hospitaleiro. Juntamente com a valentia, uma das características de que os portugueses mais se orgulham é a de saber receber e conviver com pessoas de outros povos. Por isso, este foi um episódio muito significativo — e o facto de, que eu saiba, nunca ter acontecido não lhe retira importância.
Esta semana, André Ventura leu no Parlamento uma lista de nomes de crianças filhas de imigrantes inscritas numa escola portuguesa, para demonstrar que está em curso uma mudança cultural e civilizacional no nosso país. O presidente do Chega disse ter tido a preocupação de referir nomes "não identificáveis", mas horas antes a deputada Rita Matias, do mesmo partido, tinha lido nas redes sociais uma lista com nomes e os respectivos apelidos. Rita Matias esteve melhor: como o Chega é um partido que se preocupa com os valores da família, identificar o nome de família das crianças é, obviamente, um gesto nobre e bonito.
Numa coisa, é preciso reconhecer, Ventura tem razão. Não há dúvida de que basta olhar para os nomes das crianças para perceber a profunda transformação cultural e civilizacional que o país sofreu. Há 40 anos, os nomes dos meus colegas eram Carlos, Fernanda, Paulo, Sandra, Vítor. Agora, as crianças chamam-se Martim, Sofia, Benedita, Vicente, Francisca. Parece outro país — o que, de facto, assusta. Além disso, Ventura tocou noutro ponto importante. Depois de ler a lista de nomes inscritos no ensino pré-escolar, bradou: "Estes senhores são zero portugueses!" Mesmo quem não vota no Chega há-de concordar que, se há senhores a inscreverem-se no ensino pré-escolar, as autoridades deviam fazer alguma coisa. Por outro lado, começa a ser difícil compreender o que é que o Chega defende no que toca à imigração. Às segundas, quartas e sextas, acusam: "Olhem para estes imigrantes, que nem sequer falam a nossa língua!" Às terças, quintas e sábados, denunciam: "Olhem para estes imigrantes, a inscreverem-se na escola para aprenderem a falar a nossa língua!" E ao domingo descansam a voz, que deve estar exausta.
Sem comentários:
Enviar um comentário