quinta-feira, 1 de abril de 2021

O colapso da Venezuela não irá acabar com o poder sedutor do socialismo - e há explicações para isso

Por: Marian Tupy

Três anos atrás, um famoso esquerdista americano, David Sirota, escreveu um ensaio para a revista Salon intitulado "O milagre económico de Hugo Chávez".  Eis um trecho:

Chávez se tornou o bicho-papão da política americana porque sua defesa aberta e inflexível do socialismo e do redistributivismo não apenas representa uma crítica fundamental à economia neoliberal como também vem gerando resultados inquestionavelmente positivos. … Quando um país adopta o socialismo e se esfacela, ele se torna motivo de piada e passa a ser visto como um inofensivo e esquecível exemplo de advertência sobre os perigos de uma economia dirigida pelo governo.  Porém, quando um país se torna socialista e sua economia apresenta o grande desempenho exibido pela economia venezuelana, ele não mais se torna motivo de piada — e passa a ser difícil ignorá-lo.

Já no último domingo, o jornalista Nicholas Casey, do The New York Times, que também é um jornal de esquerda, escreveu um artigo intitulado "Crianças morrendo e nenhum remédio: dentro dos destroçados hospitais venezuelanos".  Eis um trecho:

Pela manhã, três recém-nascidos já estavam mortos.  O dia já havia começado com sua rotina típica: escassez crónica de antibióticos, de soluções intravenosas e até mesmo de alimentos.  E então houve um apagão e toda a cidade ficou sem electricidade, o que desligou os aparelhos respiratórios da sala de maternidade.  Os médicos tentaram manter os bebés vivos manualmente, comprimindo ritmicamente seus pequenos peitos com as palmas de suas mãos para tentar mandar ar para seus pequenos pulmões.  Quando a noite caiu, mais quatro bebés estavam mortos. … A crise económica que assola este país explodiu e levou ao total colapso a saúde pública do país, encurtando as vidas de um incontável número de venezuelanos.

A saúde pública foi apenas uma das áreas destruídas pelas políticas socialistas do governo venezuelano.  Actualmente, não há comida, os supermercados são diariamente saqueados, e os venezuelanos estão recorrendo à prática da caçar cachorros, gatos e pombos nas ruas para tentar saciar sua fome (veja os mais recentes relatos aqui).

Contrariamente à patética previsão feita pelo esquerdista David Sirota, eu não tenho nenhuma intenção de "fazer piada" com a actual situação venezuelana.  Tampouco vejo a situação do país como "um inofensivo e esquecível exemplo de advertência sobre os perigos de uma economia dirigida pelo governo".

Não creio que crianças morrendo como moscas nos hospitais públicos são motivo de piada.  Assim como não faço chacota quando leio sobre os famintos chineses que tiveram de comer seus próprios filhos durante o governo comunista de Mao Tsé-Tung.  Também não acho nenhuma graça quando leio sobre as 14,5 milhões de mortes causadas por Stalin e seu Holodomor na Ucrânia. Tampouco caio na gargalhada quando leio sobre como os soldados do Khmer Vermelho, no Camboja comunista, assassinavam crianças com baionetas.

Muito menos achei qualquer graça quando testemunhei com meus próprios olhos crianças reduzidas à inanição pelo ditador marxista do Zimbábue, Robert Mugabe.

Com efeito, não há absolutamente nada de engraçado nesse quase incompreensível grau de sofrimento que o socialismo impôs — e segue impondo — aos seres humanos em todos os locais em que foi tentado.

Por maior que fosse meu eventual prazer em esfregar o nariz de Sirota na inacreditável estupidez que ele escreveu, não teria como eu genuinamente me divertir com isso, pois sei que o mergulho da Venezuela no caos — com sua hiperinflação, suas prateleiras vazias, sua violência fora de controle (com pessoas sendo queimadas vivas nas ruas), e o colapso total dos mais básicos serviços públicos — não será a última vez em que testemunharemos o colapso de uma economia socialista.

Olhando para o futuro, é seguro prever que mais países irão se recusar a aprender com a história e irão adotar novamente políticas socialistas, ainda que talvez sob outra roupagem e sob outro rótulo.  Pior ainda: estou igualmente certo de que, quando isso novamente ocorrer, haverá "idiotas úteis" — para utilizar as palavras de Lênin — como David Sirota, que irão cantar as glórias do socialismo até o momento em que tal país se afundar no mais profundo colapso.  E, após o colapso, esses nobres palpiteiros irão simplesmente tirar o time de campo, ignorar tudo o que escreveram, e passarão a parolar eloquentemente sobre outros assuntos.

O que nos leva a essa importante pergunta: dado que o socialismo sempre fracassou em todos os locais em que foi tentado, por que ainda existem inúmeras pessoas que insistem em lhe tecer glórias e em tentar fazê-lo funcionar?

A psicologia evolucionária nos fornece uma resposta plausível.  De acordo com os professores John Tooby e Leda Cosmides, da Universidade da Califórnia, a mente humana evoluiu dentro de um "ambiente de adaptação evolucionária", que durou entre 1,6 milhão de anos atrás e 10 mil anos atrás.  "A chave para se entender como a mente moderna funciona", escreve Cosmides, "é perceber que seus circuitos não foram desenhados para resolver os problemas cotidianos dos humanos modernos — eles foram desenhados para resolver os problemas cotidianos de nossos ancestrais, que viviam exclusivamente da caça e da coleta".

Em outras palavras, os crânios modernos abrigam mentes da Idade da Pedra.

Logo, quais são algumas das características dessas mentes da era paleolítica e o que essas características nos dizem a respeito de como entendemos a economia?

  • Primeiro, naquela era, nós nos desenvolvemos e evoluímos dentro de grupos pequenos.  Conhecíamos uns aos outros e, muito provavelmente, éramos todos parentes.  Em um mundo sem especialização, sem divisão do trabalho e sem comércio, os ganhos auferidos por um grupo, "nós", normalmente se davam à custa de outro grupo, "eles".  Isso torna naturalmente difícil para o ser humano entender e apreciar os ganhos trazidos por atividades econômicas complexas, como o comércio global.
  • Segundo, como vários outros animais, nós formamos hierarquias de dominância.  E, como outros animais, nós nos ressentimos com aqueles que estão no topo, e por isso formamos coalizões com o intuito de desalojá-los e substituí-los.  Nosso ressentimento com hierarquias inclui não somente as hierarquias que geram jogos de soma zero, como as ditaduras — que desviam todos os recursos produzidos para quem está no topo —, como também hierarquias de soma positiva, como as empresas, que melhoram o bem-estar das vidas humanas.
  • Terceiro, a "natureza social do arranjo de caçadores e coletores, o fato de que os alimentos se deterioravam e estragavam rapidamente, e a total ausência de privacidade", escreve Will Wilkinson, significavam que "os benefícios do sucesso individual na caça ou na coleta não podiam ser internalizados pelo indivíduo, pois ele tinha de dividir com todos os outros o seu feito.  A inveja em relação aos desproporcionalmente ricos pode ter ajudado ... aqueles das camadas mais baixas na hierarquia de dominância a se protegerem de eventuais confiscos feitos por aqueles que eram capazes de acumular poder e chegar ao topo."

Colocando sucintamente, os humanos são, por natureza, invejosos, rancorosos, ressentidos e incapazes de compreender — muito menos de apreciar — o sofisticado sistema econômico que surgiu e evoluiu apesar dos — e não por causa dos — nossos melhores esforços em contrário.

Por essas e outras razões, pessoas como Sirota gostam de fazer pontificações líricas sobre a Venezuela ao mesmo tempo em que ignoram exemplos de genuíno sucesso na economia global.  Na própria América Latina, temos o exemplo do Chile.  Na década de 1970, o Chile trocou o socialismo pela economia de mercado.  Prosperou.  Em 1973, que foi o último ano de governo socialista, a renda média per capita do Chile era apenas 37% da renda média per capita da Venezuela.  Em 2015, o Chile não apenas já havia ultrapassado com folga a Venezuela, como a renda média per capita da Venezuela era apenas 73% da renda média per capita do Chile.  De lá pra cá, a economia chilena expandiu 231%.  A da Venezuela encolheu 12%. 

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Gráfico 1: evolução do PIB per capita dos EUA (laranja), da Venezuela (azul claro), e do Chile (azul escuro)

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Gráfico 2: expectativa de vida nos EUA (laranja), na Venezuela (azul claro), e no Chile (azul escuro)

Com alguma sorte, Nicolás Maduro rapidamente será história e as pessoas da Venezuela poderão ter alguma liberdade para consertar seu país devastado.  Elas poderiam olhar para o Chile como um exemplo a ser seguido.

Desafio simples: faça o socialismo funcionar com um simples produto - e aí vamos dialogar

Por: Jeffrey Tucker

Se nem num cenário tão simples assim o socialismo funciona, por que ampliá-lo?

Passei os últimos dias profundamente mergulhado na teoria e na história do socialismo do século XX, a pedido da revista National Review. De um lado, foi fascinante revisitar todos os argumentos em defesa do sistema; de outro, foi aterrador ler relatos detalhados sobre a experiência em todos os países que adoptaram tal regime.

Se você já fez isso, irá concordar comigo como é insanamente estranho que o termo e o ideal ainda usufruam alguma credibilidade, especialmente entre pessoas jovens nascidas após 1989. Excepto a falta de interesse em história, é muito difícil descobrir qual é o cerne do erro.

Ainda assim, vou tentar.

Meu principal palpite é que as pessoas que acreditam defender o socialismo (no caso, pessoas que se identificam com a esquerda política; a direita tem outros problemas) nunca abordaram o problema da escassez como sendo uma realidade económica.

Por escassez, não me refiro a desabastecimentos ou racionamentos. Antes, refiro-me à ausência de uma abundância infinita de tudo o que as pessoas querem em um determinado momento. Isso se deve a uma característica intrínseca do mundo material que impede que você e eu possamos exercitar exactamente o mesmo controle sobre o mesmo bem material ao mesmo tempo.

Nós dois não podemos calçar os mesmos sapatos ou beber água da mesma garrafa ao mesmo tempo. Ou você come aquele pedaço de picanha, ou eu como. Ou então dividimos ao meio (e aí um de nós não ficará saciado). Não há uma máquina mágica de reprodução que faça com que a carne surja do nada.

Escassez também se refere àquela condição da vida que impede você de consumir tudo o que você deseja ao mesmo tempo. Cada escolha que você faz envolve um custo, que é aquilo que você deixou de fazer. Como muito bem diz o ditado, a cada escolha, uma renúncia. Você está lendo este texto agora em vez de estar fazendo outra coisa. O custo desta leitura é tudo aquilo de que você está abrindo mão neste momento. Igualmente, você não pode caminhar, pescar e nadar ao mesmo tempo. Tudo o que você compra requer o gasto de um dinheiro pelo qual você trabalhou, e que agora abriu mão de poupar.

É isso que os economistas rotulam de escassez, e é isso que gera a necessidade de economizar, isto é, escolher entre vários fins concorrentes. É parte irrevogável da realidade. Não importa qual seja a prosperidade que você esteja vivenciando, não interessa qual tipo de avanço tecnológico venha a surgir; a realidade da escassez sempre estará connosco. O mundo material dos seres humanos sempre irá exceder aquilo que está disponível, não importa quanta riqueza haja, simplesmente por causa da realidade da escassez.

Logo, é necessária uma maneira racional e pacífica para lidar com ela.

A solução

Foi a constatação desta realidade, ao longo da profunda história da experiência humana, que nos impeliu a uma solução melhor do que incessantes conflitos físicos para se conseguir algo para comer. Há aproximadamente 150.000 anos, gradualmente descobrimos os benefícios sociais da propriedade privada, do comércio, do cumprimento de contractos, da criação de complexas estruturas do capital, da liberdade de empreendimento, e da escolha do consumidor. Também descobrimos, muito gradualmente, que aderir a estas convenções sociais — minhas e suas — permitiu a divisão do trabalho, a acumulação de capital, a criação de complexas estruturas de produção, e, como consequência de tudo, aquele fenómeno incrivelmente mágico: a criação de mais riqueza.

Já os socialistas imaginam ter outra solução para o problema da escassez sem ter de recorrer à propriedade privada. Para eles, basta apenas dizer: "Que haja o socialismo!", e isso irá magicamente abolir o problema. No entanto, apenas isso pode não soar muito crível. Por que alguém aceitaria adoptar tal arranjo sem uma explicação convincente sobre como ele funcionaria na prática?

Por isso, o truque utilizado no passado foi pegar todos os seu desejos por aquilo que lhe parecia impossível e adorná-los em uma pomposa teoria da história que misturava dialéctica e a inevitabilidade das forças sociais, a qual iria solucionar conflitos até então insolúveis que conduzem a meta-narrativa do progresso — ou algo nessas linhas. Se você insistir bastante nessa ideia convoluta e souber falar bonito, as pessoas irão finalmente ceder: "Ok, óptimo, vamos tentar o socialismo".

Tão logo você acredita que isso é possível, então várias outras coisas também magicamente se tornam dignas de ser experimentadas: serviços de saúde gratuitos, educação gratuita, renda universal garantida, bens e serviços gerais gratuitos, e tudo isso em conjunto com uma redistribuição universal de renda sem que isso prejudique a criação de riqueza.

O fato de tais idéias serem levadas a sério sem nenhuma consideração quanto aos custos, e sem nenhuma consideração de que tais estruturas poderiam criar problemas para o exercício da liberdade humana, é uma daquelas atitudes que podem ser rastreada à negação da escassez.

Na forma mais extrema, a cegueira colectiva em relação à escassez pode levar um indivíduo a acreditar que criar o comunismo é apenas uma questão de apertar um interruptor na máquina da narrativa da história.

Comece pelo indivíduo

Façamos um experimento mental. Vamos tentar criar o socialismo sobre um único bem. Vamos tentar fazer isso com sapatos em uma economia formada por apenas três pessoas. Você e dois amigos. Cada um de vocês possui um par de sapatos e vocês calçam sapatos do mesmo tamanho.

E aí um de vocês estala o dedo e diz: "Que haja o socialismo!".

No início, nada parece mudar. Mas aí então você observa que seu amigo tem sapatos mais elegantes, os quais você agora quer calçar. Ato contínuo, você diz: "Agora eu é que vou usar os seus sapatos".

E ele responde: "Mas aí eu não poderei calçá-los também". E então você retruca: "Sim, mas agora vivemos sob o socialismo, o que significa que você tem de abrir mão deles."

Mas isso é confuso. É fato que, só porque agora há o socialismo, isso não significa que uma pessoa tem o direito de possuir os sapatos de outra. Verdade. Porém, no mínimo, isso também significa que nenhum indivíduo pode reivindicar propriedade exclusiva sobre seus próprios sapatos. Neste caso, surgirão vários tipos de novas dúvidas sobre como decidir quem irá calçar os sapatos de quem.

Como decidir? Bom, há a possibilidade de se buscar a unanimidade. Ou então você pode instituir o voto da maioria. Dois de três. Uma pessoa certamente irá odiar os resultados. A consequência é que você agora passou a incentivar a manipulação dos resultados por meio da organização de facções. Isso tende a gerar mais desconfiança, mais intriga, mais conflitos, mais ressentimentos e mais brigas. E tudo isso pode, por sua vez, levar a outra consequência: o mais forte entre vocês três assumirá o poder de decidir.

Agora, você tem uma ditadura.

E todo esse arranjo totalitário foi muito facilmente criado, com apenas três pessoas, tão logo você decidiu impor o socialismo sobre um único bem.

Já está claro que aquela tão desejada utopia dos sapatos não prosperou. Anunciar a existência do socialismo não produziu nenhum sapato novo. Não mudou absolutamente nada na natureza dos seres humanos naquele ambiente. Não alterou nada do mundo material. Tudo o que ela fez foi remodelar as regras. Antes, as pessoas estavam satisfeitas com suas posses; agora, elas fervem de ressentimento e inveja daquilo que as outras pessoas têm.

Agora, minha proposição é esta: se o socialismo não é capaz de funcionar em um caso tão simples e pequeno quanto este, como pode alguém acreditar que todos estes problemas irão desaparecer caso a ideia de propriedade comunal seja expandida para toda a sociedade e para todos os bens existentes?

A lógica mostra que é bastante provável que a tentativa irá apenas expandir este problema fundamental para toda a sociedade.

A questão é simples

O socialismo, no sentido moderno, surgiu no século XIX como parte de uma revolta anti-liberal. A nova doutrina se subdividiu em várias facções: religiosa, sindicalista, nacionalista, utópica, científica, moralista, nacionalista etc. Você escolhe. Mas todas elas têm em comum este mesmo e inacreditavelmente simples erro: elas foram incapazes de reconhecer a necessidade de se economizar. Como consequência, todas elas acabaram criando caos e conflito (e homicídios em massa).

A alternativa à fantasia socialista é a propriedade, o livre comércio, a concorrência e a produção — e tudo por meios voluntários, sem usar de violência contra indivíduos pacíficos e suas respectivas propriedades. Se você deseja uma ordem social sensata e humana, realmente não há alternativa.

Que o socialismo como uma ideia tenha sobrevivido centenas de anos é um tributo à capacidade da mente humana de imaginar ser capaz de criar aquilo que a realidade sempre irá se recusar a tornar possível.

https://www.mises.org

História da Revolução Russa

A história do século XX teve na Revolução Russa de 1917 um de seus principais eventos. A construção do Estado soviético pelos membros do partido bolchevique resultou em uma mudança das formas de desenvolvimento económico verificadas até aquele momento.

Nicolau II, último czar da Rússia

Nicolau II, último czar da Rússia

A modernização da sociedade russa ocorreu de forma distinta das sociedades capitalistas da Europa Ocidental. Em vez da constituição de uma sociedade industrializada baseada na acção da burguesia e amparada pela propriedade privada dos meios de produção, o que se verificou foi um processo de industrialização e modernização social cujo centro era o Estado. 

O Estado soviético passou a ser o detentor da propriedade dos meios de produção. Essa centralidade da propriedade proporcionou aos controladores do Estado, burocratas do partido bolchevique e administradores das empresas, uma capacidade de planejamento económico e social cuja amplitude não havia sido experimentada em lugar algum.

Mas para compreender esse resultado da Revolução Russa, é necessário antes acompanhar os caminhos do processo revolucionário.


Antecedentes

O processo de modernização da sociedade russa ganhou forte impulso na segunda metade do século XIX. Algumas medidas adoptadas pelos czares da dinastia Romanov contribuíram para essa modernização.

Em 1861, houve a Emancipação dos Servos. O fim da servidão teve como uma de suas consequências uma maior liberdade de produção e comercialização por parte dos camponeses. Essa consequência resultou, por outro lado, na divisão interna do campesinato ao longo das décadas seguintes, com a estratificação entre camponeses ricos, médios e pobres. Porém, uma grande quantidade de terras ainda pertencia à nobreza. Tal situação proporcionaria em 1917 uma das principais reivindicações da Revolução: a distribuição de terras.

Outro componente da modernização realizada no século XIX estava ligado ao estímulo à industrialização. Uma grande quantidade de capitais estrangeiros e russos, em menor parte, foi investida na construção de indústrias em algumas regiões ocidentais da Rússia. Nesses locais, como São Petersburgo e Moscou, formou-se uma numerosa classe operária originária do campesinato. A concentração operária nessas indústrias superava a existente nas mais desenvolvidas economias do ocidente europeu.

Essas alterações sociais e económicas geraram contradições com a estrutura autoritária da autocracia czarista. A guerra russo-japonesa de 1905 foi o estopim do que se convencionou chamar de ensaio revolucionário de 1917.

As consequências nefastas da guerra foram sentidas principalmente pelos camponeses, que forneciam os soldados para o exército russo. A morte na guerra, a fome e o frio daquele ano levaram parte da população de São Petersburgo a pedir ao czar medidas que sanassem suas dificuldades. Tal fato ocorreu em um domingo, no dia 22 de Janeiro de 1905. A multidão que se dirigiu ao Palácio de Inverno, em São Petersburgo, foi recebida a tiros pelas tropas do czar. Iniciava-se, assim, a Revolução de 1905.

A principal característica dessa revolução foi a criação de um conselho de delegados dos trabalhadores de São Petersburgo. Essa forma de auto-organização dos operários russos ficou conhecida na história como soviete, que em russo significa conselho.

Paralelamente a esses fatos, alguns partidos políticos estavam se formando. É importante destacar os partidos que se desenvolviam junto às classes exploradas, como o dos socialistas-revolucionários, ligados aos camponeses, e o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), que se dividia em duas frações principais, os mencheviques e os bolcheviques.

No início de 1906, o czar conseguiu conter o processo revolucionário. Criou um parlamento, chamado Duma, apontando para o início de uma liberdade política nos moldes de uma monarquia constitucional. Mas durante os anos de 1906 e 1917, essa liberdade política não se verificou na prática.


Fevereiro de 1917

O Império Russo foi um dos principais interessados na Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914. Mas o exército russo não foi páreo paras as forças militares alemãs. Um dos resultados foi a deserção em massa de soldados da linha de frente. Outro foi a intensificação da fome entre a população que se mantinha em território russo.

Nos dias finais de Fevereiro de 1917, uma manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, em São Petersburgo, transformou-se em uma manifestação contra a fome vivenciada por boa parte da população. A manifestação conseguiu o apoio dos soldados insatisfeitos com a guerra. A insatisfação foi aumentando e as manifestações ganharam força.

Em 27 de Fevereiro, soldados e trabalhadores invadiram o Palácio Tauride, conseguindo a renúncia do czar e a formação de um Governo Provisório. Ao mesmo tempo, os operários e soldados constituíram novamente os sovietes.

Essa situação ficou conhecida como duplo poder, com a burguesia e a aristocracia organizando-se na Duma, e os trabalhadores, soldados e camponeses organizando-se nos sovietes.

A principal reivindicação da população era a saída da guerra e medidas para aplacar a fome, além da distribuição de terras

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Lênin, líder do partido bolchevique.*Lênin, líder do partido bolchevique
Crédito: Iryna1 e Shutterstock.com

Após Março de 1917, uma série de patrões passou a abandonar suas fábricas. Os operários, para não perderem seus empregos, começaram a ocupar as instalações das empresas e a organizar comités de trabalhadores responsáveis pelo controle da produção.

Os conflitos sociais foram se intensificando. Iniciou-se um processo de abertura política. Em Abril, um dos principais líderes bolcheviques, Lênin, voltou do exílio. A partir desse momento, ele conseguiu influenciar mais intensamente os rumos a serem tomados pelo partido bolchevique.

Em Julho, forças militares ligadas ao czarismo tentaram derrubar o Governo Provisório, sendo impedidas principalmente pelos operários e camponeses organizados. Percebendo o acirramento da situação de conflito social, os bolcheviques lançaram o lema Pão, Paz e Terra com o intuito de angariar apoio popular.

Em Outubro de 1917, com a chegada do Inverno, sectores dos bolcheviques viram a necessidade de tomarem uma medida mais radical, a tomada do poder. Os camponeses já estavam ocupando as terras da aristocracia e da igreja, os trabalhadores intensificavam a formação de sovietes e de comités de fábrica.


Outubro de 1917

Em Setembro, os bolcheviques haviam conseguido o controle do Soviete de São Petersburgo. Às vésperas do Segundo Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, os bolcheviques decidiram pela derrubada do Governo Provisório. Em 25 de Outubro de 1917, o Instituto Smolni foi invadido pela Guarda Vermelha.

Baseando seu poder nos sovietes e aliados com a ala esquerda do partido socialista- revolucionário, os bolcheviques iniciaram as medidas para a construção do Estado Soviético. A realização da Assembleia Constituinte foi interrompida. O controle operário da produção foi instaurado. As terras da nobreza e da igreja foram divididas entre o campesinato. Para administrar o Estado, o Congresso dos Sovietes criou o Conselho dos Comissários do Povo.

Entre Outubro de 1917 e Março de 1918, os bolcheviques lançaram as bases do novo Estado. A administração da economia foi centralizada em instituições estatais que passaram a esboçar o planejamento da produção, buscando manter o controle operário das empresas sob certos limites. A Guarda Vermelha foi substituída pelo Exército Vermelho, comandado por Trotsky. O Tratado de Paz de Brest-Litovsk foi assinado com a Alemanha, retirando a Rússia da Primeira Guerra Mundial.


Guerra Civil

Logo após a assinatura do tratado de paz, iniciou-se na Rússia uma Guerra Civil, que durou de 1918 a 1921. As forças ligadas ao antigo regime czarista reuniram-se no Exército Branco. Conseguiram ainda apoio de potências capitalistas ocidentais para tentar derrubar o nascente poder soviético.

Leon Trotsky à frente de tropa do Exército Vermelho.**
Leon Trotsky à frente de tropa do Exército Vermelho
Crédito: Biblioteca da Universidade de Toronto

A organização soviética na Guerra Civil criou as bases da centralização estatal da economia e do controle da vida social. A constituição do Comunismo de Guerra procurava administrar o novo Estado. Tendo por base a militarização da economia, direccionando-a para os esforços da Guerra Civil, o Comunismo de Guerra impôs a disciplina militar nas indústrias e também passou a confiscar as colheitas dos camponeses.

Na Ucrânia, que havia se tornado independente, camponeses e operários organizaram-se em torno da guerrilha liderada por Nestor Makhno. A makhnovtchina foi uma importante organização na luta contra o Exército Branco e também na organização da produção, principalmente agrícola, na Ucrânia.

A acção da makhnovtchina e do Exército Vermelho conseguiu conter a invasão do Exército Branco. Porém, ao fim da Guerra Civil, a Rússia estava arrasada pela fome e pela destruição causada pela guerra. Porém, a militarização promovida pelos bolcheviques se manteve, principalmente no papel centralizador do Estado.

As forças de Makhno foram destruídas logo após a guerra civil. Uma rebelião contra o novo Estado, realizada na fortaleza de Kronstadt, foi massacrada pelos bolcheviques. Os marinheiros dessa fortaleza, que eram a principal força revolucionária da Rússia, pediam a eleição de sovietes livres, buscando assim diminuir o poder bolchevique.

Mesmo a liberdade económica temporária, proporcionada pela Nova Política Económica (NEP), não abalou as estruturas centralizadoras do Estado Soviético. O período de centralização do controle económico, político e social da Guerra Civil moldou a forma de organização da URSS, principalmente a partir de 1928, quando as terras foram estatizadas e foi inaugurado o primeiro Plano Quinquenal. Os burocratas do partido e os administradores das empresas puderam com esse plano iniciar o planejamento da economia soviética, impulsionando a industrialização da URSS

Oficiais do Exército Vermelho reunidos para jurar fidelidade ao governo surgido da Revolução de Outubro

Oficiais do Exército Vermelho reunidos para jurar fidelidade ao governo surgido da Revolução de Outubro

https://www.historiadomundo.com.b

Sobre o que é "essencial" — quem tem a moral de decidir isso?

Por: Filipe Celeti

Aceitar ditames de políticos significa renunciar às liberdades mais básicas.

As recentes decisões de fechar comércios e definir, por meio de um "comité de científicos", quais são as "actividades essenciais" que podem funcionar esquentaram os ânimos e debates.

Mais profundo do que o debate sobre as decisões políticas para conter a pandemia está uma discussão necessária.

Afinal de contas, o que é essencial?

Em filosofia, o essencial é aquilo que confere ao particular a sua característica mais importante, aquela sem a qual este particular não existiria. Ao longo da história, inúmeros debates existiram sobre a essência das coisas, do mundo, dos números, dos fenómenos, dos entes.

No cotidiano, o essencial constitui aquilo de mais básico, necessário e indispensável. É nestes termos que se afirma o economicamente necessário.

O que não pode faltar para que a sociedade funcione? Pensando nestes termos, é óbvio que surgem replicações dos direitos positivos, como a necessidade de alimento, segurança, abrigo. Não há vida sem pessoas alimentadas, sem pessoas medicadas, sem pessoas em segurança.

Para manter estas actividades essenciais é preciso que exista transporte (e postos de gasolina), energia, sistemas de dados e sistema bancário, alimentação (cultivo, colheita, controle de pragas, transporte, industrialização).

A lista é, obviamente, grande.

Entretanto, o debate sobre o que é essencial para a economia se assemelha a um debate muito presente na educação. O que é essencial ensinar?

Faça essa pergunta e depare-se com os comentários ao redor dela: a impressão é a de que as respostas são sempre de cunho pessoal.

Se não uso a fórmula de Bhaskara no meu trabalho, o ensino de matemática não foi essencial. Se não me é importante saber se uma oração é subordinada predicativa, o ensino de gramática não foi essencial. Se não trabalho em um laboratório de genética, o ensino de biologia não foi essencial.

Cada sujeito é a sua própria medida para o mundo que o cerca.

Para responder aos que indagam sobre a importância de se aprender sobre tantos assuntos nos anos escolares, eu costumo responder:

1) Não temos a visão do todo.

A escola é o momento de apresentar conteúdos aos alunos. Por não sabermos para onde seguirão e quais são suas aptidões e afinidades, precisamos apresentar tudo a todos para que cada um siga seu caminho tendo a maior gama possível de opções. Não ensinar tudo é limitar os alunos.

2) Há importâncias ocultas no aprendizado de disciplinas que consideramos inúteis.

Muitas delas nos trazem novas formas de pensar e resolver problemas. Aprender essas disciplinas cria sinapses que serão utilizadas no futuro sem que tenhamos consciência disso.

3) Por último, trago Hannah Arendt para dizer que a novidade da próxima geração só aparecerá se dermos a ela todo o saber possível disponível.

Se tentamos moldar a geração com os conhecimentos específicos ou limitados, estamos apenas permitindo que a nova geração implante uma ideia antiga que lhe foi herdada.

Essas respostas para a questão do "educacionalmente essencial" podem iluminar o debate sobre o economicamente essencial.

Não-essencial para quem?

Quando Eduardo Leite (PSDB), governador do RS, decreta que apenas alimentos podem ser comercializados nos supermercados, falta-lhe completamente a visão do todo. Embora alimentos sejam altamente necessários, há tantas necessidades diárias das pessoas que nenhum governo é capaz de perceber.

Uma lâmpada é essencial para que uma pessoa de idade não tropece e se acidente no meio da noite. Um chuveiro é essencial para que o banho gelado não adoeça o morador da Serra Gaúcha. As coisas quebram e precisam ser recompradas, repostas, arrumadas.

Em Salvador, sob uma forte onde de calor, o governo proibiu até mesmo a venda de ventiladores (político deve achar que todos os mortais têm ar-condicionado em casa).

Além disso, por mais que não seja possível ver, há diversas outras conexões que não somos capazes de compreender na economia. Vários dos empreendimentos listados como não-cruciais para a vida humana são, com efeito, integrantes da cadeia de suprimentos daqueles outros empreendimentos tidos como cruciais para a vida humana. Os próprios hospitais, por exemplo, não podem permanecer funcionais sem toda uma cadeia de suprimentos minimamente funcional. E os trabalhadores dos hospitais podem precisar de recorrer a serviços não-essenciais para se manterem sãos.

Se, por exemplo, a peça de um aparelho de ar-condicionado do hospital quebra, ou, igualmente ruim, se qualquer peça de qualquer equipamento hospitalar (e todos eles são cruciais) tiver de ser reposta, de onde elas virão? Além de o comércio de manutenção e reparação ter sido fechado em algumas localidades, ordenar uma peça nova para as poucas fábricas que ainda estão operando não é viável (por causa do factor tempo). E as distribuidoras não necessariamente estão estocadas. Dependendo da peça, ela pode estar em falta. E aí o hospital tem de parar suas actividades. E em meio a um surto.

Se ocorre uma pane em algum computador ou equipamento electrónico dos hospitais, nada pode ser feito, pois as oficiais de consertos também estão fechadas em determinadas localidades.

E todo o sector de serviços voltados para o necessário relaxamento e distracção das equipes médicas, que são seres humanos como nós e que estão intensamente sob pressão, também está abolido. A rotina dessas pessoas é hospital-casa-hospital, sem nada mais com o que se distrair.

Até mesmo se o celular de algum deles estragar (o que é perfeitamente factível), não há o que fazer, pois as lojas de consertos de celulares também estão fechadas. Ou seja, o médico nem sequer conseguirá se comunicar.

Com efeito, está proibido até mesmo comprar uma latinha de cerveja para relaxar após um dia extenuante.

Ou seja, além de haver inúmeras actividades e necessidades interconectadas, até mesmo produtores são consumidores. Definir o que é essencial na economia é impedir novas conexões, é limitar a criação de redes que facilitam a resolução de problemas sociais.

Por fim, as restrições na economia impedem que o novo surja. O mercado funciona para resolver problemas. Em um novo momento de pandemia, surgem novas demandas e lacunas que podem ser preenchidas através da criatividade empreendedora. Limitar a economia é limitar as novas soluções, reproduzindo um modelo antigo, imposto por quem detém o poder.

Castas

Há de se considerar, para além das frases de efeito e dos panfletos, que o essencial numa economia é a produção e a comercialização de bens. Limitações sobre quem pode produzir e comercializar, como pode produzir e comercializar, onde pode produzir e comercializar, o que pode ser produzido e comercializado, não representam uma defesa do que é essencial numa economia.

O essencial numa economia é a liberdade.

E nenhum político tem a capacidade de discernir e decidir para todos nós o que é e o que não é essencial. Esse descritor homogéneo não é aplicável a indivíduos e suas actividades. Qualquer que seja a definição desta palavra nebulosa, o fato é que, em última instância, os governos empregaram o termo para criar um sistema de castas separando indivíduos "dignos" dos "indignos".

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Caranguejos e esquerdistas - ambos têm a mesma mentalidade invejosa.

Por: José Azel

Para os coletivistas, os únicos direitos que o indivíduo possui são aqueles que a 'sociedade' decreta.

Há algo de engraçado nos caranguejos: quando um único caranguejo está sozinho dentro de um balde, ele fará de tudo para tentar escalar e escapar. E normalmente conseguirá.

Já se você colocar vários caranguejos dentro do mesmo balde, nenhum conseguirá escapar, pois todos os outros caranguejos sempre irão puxar para baixo aquele que eventualmente estiver conseguindo fazer sua escalada rumo à liberdade. No final, em decorrência disso, todos morrem.

Sociólogos utilizam o termo "mentalidade de caranguejo" como uma referência metafórica a um grupo de pessoas que, ao ver que um indivíduo está tentando melhorar sua vida, tenta impedir que isso ocorra, fazendo de tudo para puxá-lo para baixo, mantê-lo inerte e compartilhando o mesmo destino coletivo do grupo.

A mentalidade do caranguejo segue a máxima do "se eu não consigo, você também não pode conseguir". Não tenho a mínima ideia do motivo de os caranguejos fazerem isso; mas sei por que seres humanos agem assim: inveja e ciúmes.

A mentalidade de caranguejo pode ser observada nos humanos sempre que membros de um grupo tentam negar, diminuir ou mesmo acabar com os feitos de qualquer outro membro que consiga ser mais bem-sucedido que todos os outros. A motivação da mentalidade de caranguejo é a inveja, o rancor e o ódio em relação a quem está sendo bem-sucedido em meio a todos, e o objetivo é acabar com o progresso dessa pessoa.

A síndrome dos caranguejos em um balde é a atitude negativa que algumas pessoas têm em relação ao sucesso das outras. Quantos de nós já tentamos abrir um negócio, melhorar a própria educação, aprender um novo idioma, tentar um novo emprego, ou mesmo começar uma dieta ou um programa de exercícios físicos, e fomos prontamente dissuadidos por outros à nossa volta dizendo que não valia o esforço e que estaríamos perdendo tempo?

Obviamente, a mentalidade de caranguejo não está limitada a indivíduos. Ela é facilmente observada no comportamento de grupos, comunidades e até mesmo nações inteiras. E, embora a mentalidade de caranguejo seja universal, em algumas sociedades ela já se tornou uma atividade genuinamente nacional, coordenada e implantada sob o disfarce de políticas públicas que almejam a redistribuição de riqueza, a igualdade de renda, a tributação progressiva, as reservas de mercado, as cotas raciais, sociais e sexuais em empresas e universidades, e vários outros tipos inimagináveis de igualitarismo.

O objetivo final é sempre puxar para baixo aqueles que estão conseguindo algum progresso.

A mentalidade de caranguejo ao redor do mundo

Esta é, obviamente, a política oficial de regimes comunistas, nos quais as ideologias coletivistas apelam ao mais baixo sentimento de inveja dos indivíduos, excitando a cobiça destes pela propriedade e pela renda alheia.

Na China, em 1984, quando o líder comunista Deng Xiaoping introduziu reformas de mercado para reverter o estrago de décadas de comunismo sangrento, seu objetivo era conter o avanço dessa mentalidade de caranguejo. Isso o levou a pronunciar sua famosa frase: "enriquecer é glorioso". Por outro lado, em Cuba, o general Raul Castro disse que não será permitido que eventuais atividades econômicas "não-estatais" levem a uma "concentração de riqueza".

No Leste Europeu, após décadas de experiência comunistas, as atuais sociedades pós-comunistas ainda hoje sofrem de severos casos de síndrome da mentalidade do caranguejo sempre que tentam estimular o empreendedorismo e elevar o progresso econômico. Formas mais sutis e não-oficiais de mentalidade de caranguejo podem ser observadas nas culturas latinas (inclusive européias), onde há um certo estigma em relação a empreendedores e a pessoas bem-sucedidas em geral.

Historicamente, na Europa — e, por legado cultural, na América Latina —, a boa vida almejada pela maioria era uma vida de lazer, uma vida livre da necessidade de trabalhar, simbolizada pelo aristocrata que não sujava suas mãos. Na América Latina, isso se traduziu em políticas governamentais que, ao priorizarem o igualitarismo e criminalizarem o empreendedorismo e o sucesso, não criaram condições propícias para que os indivíduos fossem livres para criar, empreender, comercializar, prosperar e, com isso, escapar do seu balde da pobreza.

Sociedades que condenam o individualismo, o empreendedorismo e a busca pelo lucro, e que fomentam uma cultura de igualitarismo, vitimismo e inveja, enfatizando a necessidade de todos serem cuidados dentro de um mesmo balde comunitário cheio de caranguejos, estão condenadas ao declínio e à irrelevância. Os defensores desse arranjo parecem não entender que, quando há políticos e burocratas cuidando de nós, são eles também que estão decidindo por nós. A liberdade e a responsabilidade individual são abolidas.

Conclusão

Ideologias coletivistas, representadas pela mentalidade de caranguejo, se baseiam na ideia de que a vida de um indivíduo não pertence ao indivíduo, mas sim à sociedade na qual ele está inserido.  O indivíduo não é reconhecido como um ser que possui direitos inalienáveis — como o de não ter sua propriedade confiscada, sua liberdade tolhida e sua vida retirada —, e que pode conquistar o sucesso, mas sim como um ser amorfo que deve abrir mão de seus valores e interesses em nome do "bem maior" da sociedade.

O ideal coletivista identifica o coletivo como sendo a unidade central da preocupação moral.  Os únicos direitos que um indivíduo possui são aqueles que a sociedade autorize que ele tenha.

Por isso, escapar do balde e abolir a mentalidade de caranguejo só será possível quando as pessoas adotarem atitudes sociais cujo foco seja a melhora da própria vida, e não a inveja em relação às conquistas dos outros. Para escapar do balde é necessário valorizar o sucesso, e não puni-lo. É de suma importância reconhecer que a acumulação de capital (ou seja, a riqueza não consumida) daqueles que escaparam do balde da pobreza antes de nós representam uma capacidade de investimento que, quando colocada em prática, impulsionam o crescimento econômico de uma nação.

Eis a receita: buscar inspiração no sucesso daqueles que escaparam do balde, e incentivar aqueles que estão tentando escalar as laterais do balde. Talvez, se todos nós escalarmos juntos, podemos acabar virando o balde e nos libertando a todos.

Diferença entre Xiitas e Sunitas

A diferença entre Xiitas e Sunitas reside principalmente na concepção sobre a linhagem sucessória do profeta Maomé e na sua autoridade político-religiosa.

Após a morte do profeta Maomé (ou Mohammed), o fundador do Islamismo e autor do livro sagrado Alcorão, houve um processo de disputa para decidir quem deveria sucedê-lo, já que o Islã não consistia apenas em uma religião desconectada do poder político. O Islã, em si mesmo, está estruturado em uma proposta de civilização que articula princípios religiosos e políticos.

Da disputa pelo direito de sucessão legítima do Profeta, duas correntes tornaram-se majoritárias: os xiitas e os sunitas. Tal disputa teve seu início em 632 d.C., quando os califas (sucessores de Maomé), que também eram sogros de Maomé, Abu Bakr e Omar, tentarem organizar a transmissão do poder político e da autoridade religiosa. Essa tentativa logrou êxito até o ano de 644 d.C., quando um integrante da família Omíada, também genro de Maomé, chamado Othmã, tornou-se califa e passou a ter sua autoridade contestada por árabes islamizados que viviam próximos à Medina. Othmã acabou sendo assassinado.

Ao assassinato de Othmã esteve associada a figura de Ali, primo de Maomé que sucederia ao califa assassinado. Os muçulmanos contrários a Ali declararam guerra ao califa e seus simpatizantes. A figura mais proeminente que contestou a autoridade de Ali foi o então responsável pelo poder da Síria, Muhawya. Esse último decidiu apurar o assassinato de Othmã e averiguar a participação de Ali no caso. Isso foi o bastante para que outro grupo muçulmano conspirasse contra Ali, que acabou também assassinado.

Muhawya, então, tornou-se um califa poderoso e transferiu a capital do califado de Medina para Damasco, actual capital da Síria. Seus oponentes, que defendiam a sucessão do califado pela hereditariedade, isto é, pelos descendentes da família de Maomé, ficaram conhecidos como xiitas, um grupo ainda hoje minoritário e que se caracteriza por ser tradicionalista, conservando as antigas interpretações do Alcorão e da Lei Islâmica, a Sharia.

Já os membros do outro grupo, muito maior em número de adeptos ainda hoje, constituindo cerca de 90% da população islâmica, ficaram conhecidos como sunitas, primeiro por divergirem da concepção sucessória dos xiitas e, segundo, por sempre actualizarem suas interpretações do livro sagrado do Alcorão e da Lei Islâmica, levando em consideração as transformações pelas quais o mundo passou e valendo-se de outra fonte além das citadas, a Suna — livro onde estão compilados os grandes feitos e exemplos do profeta Maomé. Daí deriva o nome sunita.

Do Islã, fundado pelo profeta Maomé, duas correntes principais nasceram: Sunitas e Xiitas

Do Islã, fundado pelo profeta Maomé, duas correntes principais nasceram: Sunitas e Xiitas

Não, o que diferencia o capitalismo não é a competição, mas sim a liberdade de escolha.

Por: Antony Sammeroff

Em termos de competição, o capitalismo é um sistema como todos os outros.

O capitalismo é frequentemente descrito pelos seus detractores como "um sistema darwinista de competição", uma selva na qual apenas os mais fortes sobrevivem, e na qual os mais fracos e os menos capazes definham.

Já os mais comedidos simplesmente descrevem o capitalismo como um sistema "baseado na concorrência".

Curiosamente, vários defensores do capitalismo também parecem assimilar essa ideia de que o capitalismo é um sistema baseado na competição. Eles apenas contra-argumentam que essa concorrência, longe de ser um defeito, é na realidade a grande virtude do sistema, sendo ela a responsável por elevar o padrão de vida da população ao criar bens e serviços de melhor qualidade.

Em minha visão, isso é um erro. Aceitar a pressuposição de que o capitalismo é um sistema baseado na competição — em contraste a outros sistemas que hipoteticamente seriam de cooperação (como socialismo e comunismo) — significa aceitar um debate que já começa inteiramente moldado nos termos criados pelos seus detractores, de modo que, a partir daí, qualquer discussão já está contaminada e enviesada.


No âmbito estatal, a competição é selvagem

Obviamente, não estou criticando a concorrência. Nem poderia. Afinal, não fosse a concorrência entre produtores, com cada um deles se esforçando para ganhar acesso ao dinheiro dos consumidores, não haveria como vivenciarmos um progressivo aumento em nossa qualidade de vida em decorrência da contínua melhora observada nos bens e serviços que usufruímos — os quais, vale ressaltar, apresentaram quedas reais nos preços em decorrência exactamente desta competição.

A concorrência de mercado é o que aumenta a eficiência e reduz o preço real dos bens e serviços, ao mesmo tempo em que gera inovação. Dado que todos nós já estamos familiarizados com este argumento — até porque o vivenciamos diariamente —, é desnecessário ficar reforçando este ponto.

Adicionalmente, a alternativa à concorrência é o planejamento centralizado, no qual há um único fornecedor de bens e serviços, sendo ele quem decide "em nosso nome" como estes serão produzidos e alocados. Todas as sociedades que tentaram este arranjo se afundaram na miséria e no extermínio em massa.

O ponto aqui é outro.

Se os detractores do capitalismo consideram a competição de mercado algo ruim, por que o mesmo não se aplica à esfera política?

Peguemos a tão venerada democracia. Se a competição é um factor deletério e corruptor, então a democracia tem de ser o primeiro sistema a ser abolido. Afinal, o que fazem os políticos senão competirem acirradamente entre si para conseguir um cargo?

Pior: não apenas há essa acirrada competição entre partidos políticos, como também há uma vigorosa competição entre empresas, lobistas e grupos de interesse para ver quem consegue tratamento preferencial (subsídios, patrocínios, reservas de mercado etc.) de políticos e legisladores, tudo com o dinheiro do povo.

Se as pessoas que estão no mercado (a seção livre e voluntária da sociedade) vivem em um sistema de competição, o que dizer então do aparato estatal? O que dizer das pessoas que querem acesso a ele? A democracia é também um sistema de competição. E darwinista. Os políticos estão sempre competindo pelo acesso ao aparato de controle da sociedade. Estão competindo pelo "direito" de aprovar e impingir leis, legislações e políticas que serão aplicadas a todos e que afectarão a todos (queiramos nós ou não). Mais: tudo isso será compulsoriamente pago por nós.

Políticos e todas as pessoas que querem fazer parte do aparato estatal não estão simplesmente competindo por uma fatia de mercado, na qual o vencedor da competição é aquele que melhor satisfaz as demandas dos consumidores. Eles estão afectando directamente a todos nós, a sem a nossa anuência.


O capitalismo é sobre trocas voluntárias

É óbvio que a competição, por si só, não é um mal. Longe disso. O problema é que definir o capitalismo como um sistema "baseado na competição" — em comparação a outros arranjos que supostamente são baseados na cooperação — é um truque retórico.

Aqueles que acreditam que o capitalismo é baseado na concorrência podem honestamente acreditar nisso, mas não é verdade. O capitalismo é um sistema tão concorrencial e competitivo quanto qualquer outro sistema. Concorrência e competição existem em todos os arranjos. Não é uma exclusividade do capitalismo.

Consequentemente, o correcto seria dizer que o capitalismo (ao menos no ideal laissez-faire) é um sistema baseado em transacções livres e voluntárias de bens e serviços, transacções estas que ocorrem na ausência de coerção física, roubo, compulsão ou fraude, e é baseado no direito fundamental de ter e acumular propriedade.

Ou, em nome da brevidade: o capitalismo é um sistema de trocas voluntárias, baseado no direito de ter propriedade.

Sendo assim, é até possível concluir que o capitalismo é, com efeito, o sistema que mais apresenta as características de cooperação. Afinal, no capitalismo, a competição significa que os produtores têm de se esforçar para agradar seus clientes, e eles terão de agir assim exactamente porque visam ao seu interesse próprio. Em outras palavras, os vendedores cooperam com os consumidores, atendendo às suas necessidades e preferências.


Dado que há escassez, sempre haverá competição — em qualquer sistema

Não é a existência da propriedade privada ou da livre transacção de bens que gera a concorrência. O que gera a concorrência é a escassez.

Em qualquer situação em que haja escassez de recursos, haverá alguma forma de competição pela apropriação destes recursos (bem como para decidir a maneira como esses recursos serão alocados).

Se houver um sistema que permita trocas voluntárias, alguma competição surgirá naturalmente neste arranjo. Mas a competição também surgiria em qualquer outro sistema. Mesmo se existisse uma sociedade completamente comunista, que fosse inteiramente planejada por um comité central, e que não praticasse absolutamente nenhuma transacção envolvendo dinheiro, ainda assim haveria competição, e por um motivo incontornável: o tempo das pessoas sempre será limitado.

Se você fosse, por exemplo, um cineasta nesta sociedade comunista utópica, você provavelmente iria querer que o máximo possível de pessoas assistisse ao seu filme. só que todos os outros cineastas iriam querer o mesmo. Isso colocaria você em concorrência directa com eles. Podemos então concluir que o comunismo também é um sistema baseado na competição? É certo que você estaria competindo pelo único cliente: o patrocínio do estado. Corrupção e compadrio certamente seriam o inevitável resultado. Quem terá seu filme financiado? Quem não terá? Quem ganhará o altamente cobiçado emprego de cineasta em vez do nada desejável emprego de varredor de rua ou de recolhedor de lixo? Como conseguir favores das autoridades? A competição será selvagem. Mas, em vez de ser decidida pelas transacções livres e voluntárias dos espectadores, dos investidores e dos cineastas, ela será decidida por uma autoridade do comité central — e de maneira bastante autoritária, eu apostaria.

A competição, em suma, continuaria existindo. Ela apenas seria de outra natureza: em vez de produtores competindo entre si para conseguir clientes, eles irão competir entre si para ver quem obtém mais favores da poderosa e corrupta estrutura do estado.

A competição é simplesmente uma característica inerente ao fato de que vivemos em um mundo de escassez. Ela existiria em qualquer outro sistema económico. O socialismo não pode abolir a competição. Assim como nenhum outro sistema.


O custo de oportunidade significa que a competição está em todos os lugares

Quando você finalmente constata essa realidade, você percebe que a escassez faz com que a competição esteja muito além da economia.

Por exemplo, imagine que dois amigos distintos me convidem para um jantar em suas respectivas casas na mesma noite. Eu, obviamente, terei de optar por apenas um, o que fará com que o outro fique sem minha companhia. Isso por acaso significa que a amizade é um sistema baseado na competição?

Não podemos nos encontrar com todos os nossos amigos o tempo todo, ou mesmo com todos eles ao mesmo tempo. E, mesmo se conseguíssemos, teríamos de dividir nossa atenção entre eles. Adicionalmente, não somos íntimos de todos eles, de modo que apenas alguns serão realmente amigos. Não dá para ser amigo íntimo de todos. Tudo isso significa que inevitavelmente teremos de fazer escolhas. E, com elas, renúncias. No final, não importa quais critérios você utilizará para escolher quais amizades priorizar: você estará optando e decidindo; escolhendo alguns e isolando outros. Em alguns casos, você pode acabar isolando pessoas que adorariam ter a sua companhia. Mais: ao optar por priorizar amizades, você terá de sacrificar outras actividades que gostaria de fazer, apenas para ficar na companhia deles.

Estes são fatos básicos da vida, pelos quais todos nós já passamos. Mas eles não fazem com que a amizade seja vista como um sistema de competição.

Similarmente, no mercado, nossos recursos e tempo são limitados. Estamos, a todo o momento, fazendo juízos de valor, escolhendo quais produtos e serviços iremos consumir tendo por base a utilidade que imaginamos que eles nos trarão. Ao fazermos isso, sacrificamos algumas opções em prol de outras. Talvez iremos escolher uma cafeteria que tenha o café mais saboroso. Ou então aquela que tem o melhor ambiente. Ou talvez aquela que é mais próxima. Ou aquela outra cujo serviço é o melhor. Ou então aquela que é a mais barata. Ou quem sabe aquela a que sempre fomos e com a qual estamos mais familiarizados. Ou talvez aquela que implantou atitudes mais "socialmente conscientes" — a que sempre privilegiou a contratação de deficientes físicos, por exemplo. O fato é que nós decidimos.

Cada provedor de serviços acredita que irá se beneficiar de nossa clientela e fará diversas tentativas de nos atrair, seja melhorando a qualidade dos serviços, seja reduzindo (os mantendo baixos) os preços, o que correctamente podemos identificar como uma forma de competição. Dado que seres humanos não são infalíveis, em algumas ocasiões alguém irá comprar um café do qual não irão gostar; mas, no longo prazo, a competição tenderá a ser vencida por aqueles que agradarem de maneira melhor e mais consistente seus clientes.


Os benefícios da liberdade de escolha

O fenómeno realmente miraculoso que ignoramos ao concentrarmos nossa atenção na concorrência é a própria capacidade que temos de fazermos escolhas.

Por exemplo, suponha que dois eventos comerciais estejam ocorrendo na mesma tarde. Cada cliente potencial irá escolher aquele evento que mais lhe seja atraente, utilizando para isso uma variedade de critérios subjectivos. Entretanto, simplesmente dizer que esses dois eventos são "concorrentes" seria ignorar completamente o ponto essencial: os frequentadores destes eventos (que são muito mais numerosos que os organizadores destes eventos) podem escolher entre dois eventos. Muito melhor ter a opção de dois (e inclusive optar por nenhum) do que ter apenas a opção de um. Com efeito, pode até ser possível ir aos dois na mesma tarde, sacrificando o tempo que ficam em cada um.

Sendo assim, a realidade é que há muito mais cooperação envolvida no acto fornecer bens e serviços às pessoas do que há competição. Para conseguir fazer qualquer coisa no mercado, você tem de cooperar com compradores, vendedores, administradores, gerentes, empregados, fornecedores, clientes, anunciantes, promotores de eventos, comerciantes, negociantes, compradores colectivos etc..

O clássico ensaio Eu, o Lápis ainda continua sendo o melhor exemplo ilustrativo disso: quando você se dá conta da quantidade de pessoas, nos mais distintos lugares do mundo, trabalhando conjuntamente para fabricar um simples lápis de madeira — e cada um buscando apenas seus próprios interesses financeiros —, é inevitável não se maravilhar ao constatar como realmente funciona todo este arranjo empreendedorial. Essas pessoas, que nem se conhecem, estão actuando em conjunto, em cooperação, e o resultado é que você consegue comprar um lápis — algo que jamais conseguiria fabricar sozinho — por centavos.


A competição no mercado é o que permite a escolha em meio à escassez

Dado que os recursos são escassos e o tempo sempre é limitado, as pessoas têm de fazer escolhas. Consequentemente, a competição sempre será uma parte inerente a todo e qualquer sistema económico. Enquanto vivermos em um mundo caracterizado pela escassez, haverá competição.

A característica precípua do capitalismo de livre mercado não é a competição, mas a liberdade de escolha. Pessoas que criticam a competição no capitalismo estão, na prática, pedindo para que o estado substitua a competição entre produtores para ver quem obtém mais consumidores voluntários por uma competição entre produtores para ver quem obtém mais favores do governo. Em vez de produtores tentando convencer consumidores a voluntariamente gastar seu dinheiro em uma ampla variedade de bens e serviços, cada vez mais vastos, teremos produtores tentando convencer políticos a coercivamente tomar dinheiro da população para lhes repassar na forma de subsídios e demais proteccionismos.

Compare o arranjo capitalista com arranjos corporativistas e socialistas: em todos há competição, mas apenas no primeiro há liberdade de escolha para os indivíduos.

Compare o livre mercado com outros sistemas nos quais a competição é feroz para ver quem consegue obter mais favores de burocratas em cargo de poder: é nestes que realmente há a "lei da selva" e a "sobrevivência do mais forte".

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Lockdown: a nova ideologia totalitária

Vivenciamos o novo fanatismo do século

Por : Jeffrey Tucker

Toda ideologia política tem três elementos: uma visão do inferno com um inimigo que tem de ser esmagado; uma visão de um mundo mais perfeito; e um plano de transição de um para o outro.

Os meios de transição geralmente envolvem a tomada e a subsequente utilização total da ferramenta mais poderosa da sociedade: o estado.

Por esta razão, a tendência das ideologias é serem totalitárias. Eles dependem fundamentalmente de sobrepujar as preferências e escolhas dos indivíduos e substituí-las por um sistema de crenças e comportamentos planejado por algum comité de iluminados.

Um caso óbvio é o comunismo. O capitalismo é o inimigo. Controlar os trabalhadores e abolir a propriedade privada seria o paraíso. E os meios para se alcançar isso seriam a expropriação violenta das posses da burguesia, com o assassinato dos resistentes.

O socialismo oferece uma versão mais suave do mesmo projecto: na tradição fabiana, você alcança estes mesmos objectivos por meio do planejamento económico gradual.

A ideologia do racismo postula algo diferente. O inferno seria a integração étnica e a mistura de raças. O paraíso seria a homogeneidade racial. E os meios de mudança são a marginalização ou o genocídio de algumas raças.

O fascismo vê o livre comércio global, o individualismo e a imigração como os inimigos, ao passo que um poderoso nacionalismo seria o paraíso. E a maneira de se fazer a transição é tendo um grande líder. Você pode observar as mesmas características em certos tipos de tradicionalismo religioso teocrático.

Cada uma dessas ideologias vem com um foco intelectual principal, algum tipo de estória projectada para chamar a atenção. Exploração. Desigualdade. Teoria racial. Identidade nacional. Salvação. E cada uma vem com sua própria linguagem para sinalizar o apego à ideologia. 

Praticamente todas as ideologias acima já são bem conhecidas e já estão bem desgastadas. O mundo já tem muita experiência prática com cada uma delas. É possível simplesmente recorrer à história para observar os padrões, reconhecer seus apoiantes e refutar suas teorias.


A nova ideologia totalitária

O ano de 2020 nos deu uma nova ideologia com tendências totalitárias. Ela possui uma visão do inferno, do céu e um meio de transição. Possui um aparato de linguagem único. Tem um foco mental. Possui sistemas de sinalização para revelar e recrutar adeptos.

Essa ideologia tornou-se mundialmente conhecida como "lockdown". Podemos também adicionar o sufixo "ismo" à palavra: lockdownismo.

Sua visão do inferno é uma sociedade na qual os patógenos circulam livremente. Seu paraíso é uma sociedade controlada inteiramente por tecnocratas médicos, cuja principal tarefa é a supressão de todas as doenças. O foco mental são os vírus e outras pragas. A antropologia é considerar todos os seres humanos como pouco mais do que sacos recheados de patógenos mortais. As pessoas susceptíveis à ideologia são as pessoas com vários graus de misofobia — outrora considerada um problema mental, mas que agora foi elevado à condição de consciência social.

O ano de 2020 foi o primeiro teste do lockdownismo. Ele já chegou impondo os controles mais intrusivos, abrangentes e praticamente globais de seres humanos na história registrada. Mesmo em países onde o Estado de Direito e as liberdades individuais são fontes de orgulho nacional, as pessoas foram colocadas em prisão domiciliar. Suas igrejas e empresas foram fechadas. Milhões de empreendedores e trabalhadores foram humilhados pelo estado, o qual, além de proibi-los de trabalhar, ainda afirmou que suas actividades não eram essenciais para ninguém. A polícia foi estimulada a impingir todos os decretos draconianos e a prender dissidentes que oferecessem qualquer resistência.

A devastação é comparável a períodos de guerra, excepto pelo fato de que foi uma guerra imposta pelo governo ao direito das pessoas de se locomoverem e comercializarem livremente.

E o que é mais impressionante é que, depois de tudo isso, ainda não foi apresentada uma mísera evidência empírica, de qualquer lugar do mundo, de que esta política totalitária, estupefaciente e sem precedentes teve algum efeito em controlar o vírus, para não dizer em aniquilá-lo.

Ainda mais impressionante, os poucos locais que permaneceram completamente abertos (Dakota do Sul, Suécia, Tanzânia, Bielorrússia) não perderam mais do que 0,06% da sua população para o vírus, em contraste a locais como Nova York e Grã-Bretanha, que se fecharam totalmente e apresentaram as mais altas taxas per capita de mortalidade.


A mesma metodologia

Logo no início, a maioria das pessoas concordou, pensando que a mediada era de alguma forma necessária e de curto prazo. Duas semanas se estenderam para 30 dias, que se estenderam para 7 meses, e agora somos informados de que nunca haverá um momento em que não mais seremos obrigados a continuar professando essa nova fé de política pública. Trata-se explicitamente de um novo totalitarismo. E, como ocorre com todos esses regimes, há um conjunto de regras para os governantes e outro distinto para os governados.

O aparato da linguagem agora é incrivelmente familiar: achatamento da curva, desaceleração da disseminação, distanciamento social, contenção em camadas direccionadas, intervenção não-farmacêutica.

O inimigo é o vírus e qualquer pessoa que não esteja vivendo sua vida de maneira exclusivamente voltada a evitar a contaminação. Como você não pode ver o vírus, isso geralmente significa gerar uma paranóia sobre O Outro: alguém diferente de você tem o vírus. Qualquer um pode ser um super disseminador, e você pode reconhecê-los por seu comportamento desobediente e não-submisso.

Repentinamente, "especialistas" e autoridades ao redor do mundo impuseram restrições sobre quem você pode receber em sua casa, proibiram todos os eventos, aboliram as viagens, e até mesmo atiçaram desconfiança contra animais de estimação. Tudo isso levou ao efectivo desmantelamento da rotina em todas as cidades, algo que ainda está longe de se recuperar.


O novo puritanismo e o desprezo pelas consequências

A postura dos adeptos do lockdown almeja uma sociedade de volta ao estado da natureza, com uma idílica purificação da vida. Essa neurose com uma sociedade sem patógenos ajuda a explicar uma das mais estranhas características do lockdownismo: seu puritanismo.

Observe que o lockdown atacou especialmente qualquer coisa que se pareça com diversão: filmes, teatros, eventos culturais, desportos, viagens, boliche, bares, restaurantes, hotéis, academias e clubes. Ainda agora existem locais com toques de recolher para impedir as pessoas de ficarem fora de casa até tarde — sem absolutamente nenhuma justificativa médica.

Se uma actividade é divertida, ela vira um alvo.

Existe um elemento moral aqui. O pensamento é que, quanto mais as pessoas estão se divertindo, quanto mais escolhas elas fazem por conta própria, mais doenças (pecados) se espalham. Trata-se de uma versão sanitária da ideologia religiosa de Savonarola, que levou à Fogueira das Vaidades.

O lockdownismo tem todos os elementos esperados. Tem um foco maníaco em uma única preocupação — a presença de patógenos —, com a exclusão de todas as demais preocupações. A menor das preocupações é a liberdade humana. A segunda menor preocupação é a liberdade de associação. A terceira menor preocupação são os direitos de propriedade. Tudo isso deve se curvar à disciplina tecnocrática dos mitigadores de doenças.

As constituições e os limites ao governo não importam. E observe também quão pouco a terapêutica médica aparece. Não se trata de fazer as pessoas melhorarem. Trata-se apenas de controlar toda a vida. 

E vale notar também que não se deu a mais mínima atenção para as consequências não-premeditadas. A destruição de milhares de pequenas empresas e empregos levou milhões à depressão (com aumento substantivo no número de overdoses e suicídios). As vidas de incontáveis milhões ao redor do mundo foram despedaçadas. Em outras palavras, o lockdown não apenas não alcança bons resultados em termos de saúde pública, como, ao contrário, ele faz o oposto.

Isso nada mais é do que puro fanatismo, uma espécie de insanidade forjada por uma visão selvagem de um mundo unidimensional em que toda a vida é organizada em torno da prevenção de doenças.

Note-se, também, a ignorância (intencional) do fato de que nossos organismos (por meio do sistema imunológico) evoluíram junto com os vírus ao longo de um milhão de anos. Não há nenhum reconhecimento dessa realidade, mesmo entre os "especialistas".

Ao contrário, o único objectivo é tornar o "distanciamento social" o novo credo nacional.


O objectivo

Isso tem de ser dito mais claramente: o que tudo isso realmente significa é a imposição da separação humana forçada. Significa o desmantelamento de mercados, cidades, eventos esportivos presenciais e o fim do seu direito de circular livremente.

Todo o argumento se baseia em um simples erro: a crença de que mais contacto humano dissemina mais doença e mortes. Em contraposição a essa insanidade, a eminente epidemiologista de Oxford Sunetra Gupta argumenta que a globalização e mais contacto humano amplificaram as imunidades e tornaram a vida vastamente mais segura para todos.

Os defensores do lockdown foram surpreendentemente bem-sucedidos em convencer as pessoas de seus pontos de vista malucos. Todo o necessário é você acreditar que o único objectivo de todos na sociedade é evitar o vírus. A partir daí, todas as implicações se tornam explícitas. Antes que você perceba, você já se juntou a um novo culto totalitário.


Para concluir

Os lockdowns estão cada vez menos parecidos com um gigantesco erro e cada vez mais semelhantes a uma ideologia política fanática, um experimento político que ataca frontalmente os postulados básicos da civilização.

Já passou da hora de levarmos essa ideologia a sério e combatê-la com o mesmo fervor com o qual indivíduos livres resistiram a todas as outras ideologias maléficas que visavam a destituir a humanidade de toda a sua dignidade, e a substituir as liberdades individuais pelos terríveis sonhos de intelectuais e seus fantoches empoleirados nos governos.

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Renascimento Urbano medieval,

Mais ou menos…

A Idade Média europeia foi marcada por uma organização social e económica predominantemente rural. As invasões bárbaras do século V levaram ao declínio das cidades do Império Romano, aumentando a importância dos campos para a habitação e produção económica. Essa situação iria mudar a partir do século XI quando teve início o chamado Renascimento Urbano.

A ruralização da sociedade medieval não significou a extinção das cidades. Apenas resultou na diminuição de sua importância no conjunto da sociedade, mudando ainda seu carácter se comparadas às funções desempenhadas pela cidade durante a Antiguidade romana.

A cidade medieval – também conhecida como burgo – até o século XI era, de certa forma, uma extensão do mundo senhorial. Por se localizarem em terras que eram dominadas por um senhor, as cidades estavam sujeitas a seu poder. Além disso, habitavam as cidades principalmente os nobres, reis, bispos e comerciantes, mostrando que era também espaço de concentração do poder político e religioso. Geralmente ao centro das cidades encontravam-se mercados e igrejas.

Os senhores conseguiam exercer influência sobre as cidades ao enviar os excedentes da produção agrícola das terras sob seu domínio e comercializá-los nesse espaço urbano. Estabeleciam ainda relações de dependência entre si e o conjunto dos moradores das cidades, principalmente através da cobrança de tributos.

Muralha da cidade medieval francesa de CarcassoneMuralha da cidade medieval francesa de Carcassone

A partir do século XI, teve início uma expansão do comércio em decorrência das Cruzadas e da acumulação de excedentes agrícolas. Esses excedentes foram possibilitados pelas inovações técnicas adoptadas na agricultura, como a charrua, novas formas de atrelamento dos animais ao arado e também com a adopção da rotação de cultura. Dessa forma, o comércio com o Oriente possibilitado pelas Cruzadas e as trocas de excedentes levaram paulatinamente as cidades a crescerem de importância no mundo feudal.

Para realizar as transacções comerciais foram criadas feiras, dais quais se destacaram a de Champagne e de Brie, na actual França. Por serem fortificadas e se localizarem próximas às rotas de comércio, as cidades eram consideradas locais seguros, principalmente para manter as estruturas bancárias necessárias à realização dos negócios.  Uma classe de comerciantes foi se formando internamente aos burgos e também enriquecendo, dando origem aos burgueses.

Por outro lado, foram se formando grupos de artesãos que também vendiam sua produção nas feiras. Eles passaram a se organizar nas corporações de ofício, que eram organizações que reuniam pessoas que exerciam a mesma profissão. Dentro das corporações havia uma rígida divisão, tendo ao cimo o mestre-artesão, abaixo dele estavam os jornaleiros e, por fim, os aprendizes. Havia regras na adopção das técnicas de produção que buscavam uniformizar as formas de trabalho e os próprios produtos, criando, dessa forma, uma tradição de produção. Era papel do mestre-artesão garantir o cumprimento dessas regras.

Com o aumento de sua importância económica, as cidades foram se expandindo. Mais pessoas passaram a morar nas cidades, resultando na ampliação dos muros que demarcavam seus limites. Porém, esse crescimento gerou uma grande aglomeração de pessoas para os números da época. Paris chegou a ter cerca de 100 mil habitantes no período, número considerável se for levado em consideração o fato das demais cidades não chegarem a ter mais de 20 mil habitantes.

Mas não havia práticas de salubridade nesses burgos. O saneamento básico, como o conhecemos hoje, não existia, tornando as cidades um local propício à propagação de epidemias. Foi o que ocorreu no século XIV, quando as pulgas infectadas pela bactéria Yersinia pestis foram transportadas por roedores e peles de animais do Oriente para as cidades europeias. As pulgas infectadas pela bactéria, ao picarem os seres humanos, transmitem a peste bubónica. Nas condições insalubres das cidades europeias, a peste bubónica transformou-se em uma epidemia que dizimou cerca de um terço da população europeia.

Pintura retratando Segovia, cidade medieval da EspanhaPintura retractando Segóvia, cidade medieval da Espanha


As cidades sobreviveram à peste negra, outro nome dado à epidemia. O patriciado que controlava politicamente os burgos fortaleceu-se com o desenvolvimento urbano, gerando uma crescente autonomia frente aos senhores feudais. A comuna eram as cidades que se tornavam livres e organizavam-se a partir de relações distintas das que caracterizavam a dependência dos senhores da nobreza rural.

Essas diferenças foram se tornando maiores ao longo do tempo e opondo a burguesia urbana à nobreza rural. Tal situação iria se resolver apenas ao fim da Idade Moderna, quando a burguesia já havia acumulado um considerável poder económico para também se impor politicamente à nobreza.

* Crédito da Imagem: Palazzo Pubblico

Obra de Ambrogio Lorenzetti (1285-1348) retratando uma cidade medieval.*Obra de Ambrogio Lorenzetti (1285-1348) retractando uma cidade medieval.*

Por Tales Pinto-https://www.historiadomundo.com.br/

Revolução Húngara e a luta contra os soviéticos

A Revolução Húngara, de 1956, iniciou-se contra o governo comunista no país, passando posteriormente a se direccionar para as questões económicas e sociais.

A luta de classes durante a Guerra Fria ocorreu tanto dentro do bloco do capitalismo ocidental quanto dentro do bloco do capitalismo soviético. Sim, capitalismo soviético, como aponta autores que vêem a URSS como um capitalismo de Estado, e não uma soma de Repúblicas comunistas.

E isso pelo fato de ter sido substituída a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade estatal desses mesmos meios, sem que as relações de produção capitalista e sem que a exploração do trabalhador assalariado fossem suprimidas. Uma classe de burocratas dos órgãos estatais e das empresas transformou-se em classe exploradora. Foi contra ela que ocorreu a Revolução Húngara de 1956.

O levante na Hungria iniciou-se em 23 de Outubro de 1956, quando uma manifestação organizada pelo Círculo Petofi, formado por estudantes e intelectuais húngaros, mostrava sua contrariedade contra as condições de vida e contra o governo comandado pelo Partido Comunista, liderado por Ernö Gerö. Pediam em seu lugar a volta de Imre Nagy, figura que representava um distanciamento da URSS e a possibilidade de adopção de algumas medidas democráticas no país.

Cerca de 200 mil pessoas participaram da manifestação entre estudantes, operários e soldados. Os manifestantes derrubaram a estátua de Stalin e passaram a perseguir os agentes da polícia secreta, a AVH, que passou a atirar contra os manifestantes. Soldados chamados para reforçar a repressão passaram para o lado dos manifestantes.

Gerö, o líder do Partido Comunista, nomeou Nagy como primeiro-ministro com o objectivo de acalmar os ânimos. Ao mesmo tempo, buscou apoio das tropas soviéticas. O partido passou a ser liderado por Janos Kadar, que acabava de ser reabilitado após sofrer pena por crimes políticos.

Porém, os estudantes, operários e soldados não se contentaram com as mudanças. De uma luta política, a revolução passou a ser também uma luta económica e social.

Fábricas foram ocupadas, criando-se comités formados por operários para geri-las. Conselhos revolucionários foram criados em Budapeste e em outras cidades, nos dias seguintes, para organizar a população contra a reacção soviética. Houve a generalização de uma greve geral, ao mesmo tempo em que os operários, junto a soldados e estudantes, passaram também a se armar.

O clima de guerra civil cresceu no país, principalmente com a perseguição aos agentes da AVH. Os governantes tentaram chegar a um acordo com Moscou. Em 30 de Outubro, as tropas soviéticas retiraram-se de Budapeste e de outros locais da Hungria. Foi pedida a intervenção da ONU e do Ocidente, o que não ocorreu.

A Revolução Húngara ameaçava alastrar-se para os demais países da esfera da URSS, ameaçando o Pacto de Varsóvia. Os soviéticos não podiam aceitar a ameaça a seu poder, e os EUA e demais países estavam mais preocupados com a crise do Canal de Suez. Em 04 de Novembro, os tanques do Exército Vermelho entraram em Budapeste, reprimindo brutalmente a revolução. Cerca de 20 mil húngaros foram mortos, contra pouco mais de 700 soldados soviéticos. Era o fim da Revolução Húngara.

Mas não era o fim das manifestações operárias contra a URSS. A formação de conselhos operários, como o Conselho de Szegel, reivindicavam a autogestão operária contra a gestão capitalista burocrática dos comunistas. Reacções como as do Conselho de Szegel e outros que surgiram na Hungria durante esse curto período também aconteceram na Polónia, em 1971-72 e em 1981, na Checoslováquia, em 1968, e também na primeira fase da Revolução Cultural Chinesa.

A Revolução Húngara de 1956 mostrou-se como uma das formas de manifestações autónomas dos trabalhadores, que, entre as décadas de 1950 e 1960, lutavam tanto contra os capitalistas privados do Ocidente quanto contra os burocratas do bloco soviético.

Tanque soviético entrando em Budapeste, em 1956, durante a Revolução Húngara

Tanque soviético entrando em Budapeste, em 1956, durante a Revolução Húngara

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Holodomor (palavra ucraniana)

O Holodomor consistiu no genocídio de milhões de ucranianos, que foram vitimados pela fome, em razão da política económica de Stalin entre 1931 e 1933.

Holodomor é uma palavra ucraniana que quer dizer “deixar morrer de fome”, “morrer de inanição”. Tal palavra passou a ser empregada no contexto da história ucraniana para definir os acontecimentos que levaram à morte por fome de milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e 1933. Grosso modo, o holodomor, assim como o holocausto nazista contra os judeus, consistiu num genocídio contra a população da Ucrânia empreendido pelo comunismo soviético, que era liderado por Stalin.

A atrocidade de holodomor remonta às políticas económicas que Stalin passou a empregar logo que assumiu o poder, em 1928. Uma das medidas empregadas consistia em controlar a produção de cereais dos países da União Soviética por meio da “requisição compulsória”, isto é, um artifício burocrático que obrigava os camponeses a fornecerem grande parte do excedente produzido para o Estado a baixos custos. Seguiu-se, nos anos seguintes, a política de colectivização forçada das propriedades agrícolas, cuja administração passou a ser completamente racionalizada pelo Estado soviético.

A Ucrânia foi o país da URSS que mais demonstrou resistência a tais medidas. A autonomia cultural ucraniana e sua forte identidade nacional tornavam-na intolerável aos anseios dos soviéticos russos. A insurreição dos camponeses ucranianos contra as medidas de colectivização forçada e requisição compulsória de cereais obrigou Stalin a impingir medidas ainda mais drásticas do que aquelas que foram executadas em outras regiões.

Stalin, então, passou a traçar uma campanha anti ucraniana com o objectivo de demonstrar o quão “nociva” era a postura desse país com relação aos anseios comunistas. Inicialmente, deu-se início a uma sistemática humilhação de intelectuais ucranianos, que foram submetidos a julgamentos pecaminosos e ridicularizações diversas. Houve também uma debelação de possíveis focos de organização anti-soviética que pudessem irromper a longo prazo. Depois dessas medidas, Stalin passou a atacar o próprio campesinato.

A partir de 1929, deu-se início a uma ferrenha estipulação de metas de produção de cereais, destinados ao poder central soviético, que passaram a ser exigidas dos camponeses da Ucrânia. A rigidez era tão grande que esses camponeses só conseguiriam atender à demanda se deixassem de consumir sua parte do que era produzido, isto é, só se passassem fome, de fato. Tudo passou a ser de propriedade do governo. Muitas pessoas foram presas e condenadas a trabalhos forçados simplesmente por comerem batatas ou colherem espigas de milho para consumo.

Progressivamente, a morte foi se acentuando na Ucrânia. Entre 1931 e 1933, o número de mortos era tão grande que os cadáveres se espalhavam pelas ruas e pelos campos. O odor dos corpos apodrecidos dominava regiões inteiras. O historiador Thomas Woods reitera esse fato:

Em 1933, Stalin estipulou uma nova meta de produção e colecta, a qual deveria ser executada por uma Ucrânia que estava agora à beira da mortandade em massa por causa da fome, que havia começado em Março daquele ano. Vou poupar o leitor das descrições mais gráficas do que aconteceu a partir daqui. Mas os cadáveres estavam por todos os lados, e o forte odor da morte pairava pesadamente sobre o ar. Casos de insanidade, e até mesmo de canibalismo, estão bem documentados.” (Woods, Thomas. A fome na Ucrânia – um dos maiores crimes do estado foi esquecido. Instituto Mises Brasil.)

Estipula-se que o número de mortos nesses três anos tenha sido de cinco milhões. Porém, se se levar em conta os efeitos prolongados dessa política económica perversa e os ucranianos que foram levados ao trabalho forçado e lá morreram, esse número pode ser superior a 14 milhões.

*Créditos da imagem: Shutterstock e IgorGolovniov

Ucranianos homenageiam os milhões de mortos do Holodomor em frente ao monumento em Kiev *

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