segunda-feira, 19 de abril de 2021

Banco de Portugal não foi o único a falhar no BES. Relatório secreto atira à CMVM, auditoras e Angola.

Relatório Costa Pinto não poupou críticas ao supervisor português. Mas outras entidades esconderam dados, atrasaram respostas ou falharam nos seus deveres. O regulador CMVM é especialmente visado.

João Costa Pinto

O Banco de Portugal é o principal alvo das críticas, mas há alvos secundários na auditoria independente conduzida pela equipa liderada por João Costa Pinto à actuação no caso Banco Espírito Santo. O relatório, concluído em Abril de 2015, que tinha sido encomendado pelo então governador Carlos Costa (e que ficou secreto até o Observador o divulgar esta semana), aponta falhas a outro supervisor importante, a CMVM, bem como a empresas de auditoria e, ainda, ao congénere do Banco de Portugal em Angola, o BNA.

O actual ministro Pedro Nuno Santos foi o deputado do PS que coordenou os trabalhos da comissão de inquérito ao BES

Essas são outras entidades que tinham responsabilidades no controlo e fiscalização do Banco e do Grupo Espírito Santo – e que também tiveram falhas, aponta o relatório. O documento considera que estas prejudicaram algumas das medidas adoptadas pelo supervisor bancário e há críticas fortes à actuação da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, na altura liderada por Carlos Tavares (hoje chairman do Banco Montepio).

No interacção com a CMVM são duas as matérias analisadas: o aumento de capital realizado em Maio de 2014 pelo Banco Espírito Santo e a comercialização pelo banco – junto de clientes de retalho – de produtos financeiros que serviram para financiar as empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo, e que numa fase final foram concebidos e vendidos de forma a contornar as ordens de travão dadas a estas práticas de financiamento do grupo. É neste ponto que o relatório concluiu que houve uma “supervisão ineficaz”por parte do regulador da bolsa.

“Um dos piores negócios da história”

“Um dos piores negócios da história” dos mercados financeiros. A expressão foi usada pelo Financial Times dias depois da resolução para descrever o último aumento de capital do BES, em Junho de 2014, e é reveladora do dano reputacional que Portugal sofreu com o colapso do GES/BES. A operação, fechada entre Maio e Junho, permitiu captar mais de mil milhões de euros, sob a direcção de Ricardo Salgado, e foi considerada um sucesso na medida em que a procura excedeu a oferta.

As novas acções foram liquidadas em meados de Junho, ou seja, foi nessa altura que os accionistas que as compraram debitaram das suas contas de investimento os euros necessários para concluir a transacção. Um mês depois, perante as notícias sobre a falência iminente do Grupo Espírito Santo, tinham perdido quase todo o seu valor e acabaram a valer praticamente zero quando o banco foi alvo de resolução nos primeiros dias de Agosto.

Na página 390 do relatório lê-se que “a informação ao dispor dos reguladores, nomeadamente do Banco de Portugal e da CMVM, no momento da emissão do prospecto do aumento de capital, perspectivava que o incumprimento da ESI não era um mero risco potencial, como indicado no prospecto. Nesta questão específica, não está em causa a actuação do Banco de Portugal, que cumpriu os deveres de cooperação com a CMVM“.

Não sendo uma crítica expressa, a frase pode ser lida como uma crítica ao supervisor do mercado que deu o selo de aprovação ao prospecto da operação no dia 20 de Maio, no mesmo dia em que teve conhecimento da  auditoria final à Espírito Santo Internacional (ESI), que  confirmava o que o Banco de Portugal já sabia desde Novembro do ano anterior.

A dívida da ESI, então a principal holding do GES, era mais do dobro do que estava nas contas e a KPMG aponta para uma subavaliação da ordem dos 1.300 milhões de euros que tinha por base “erros contabilísticos” efectuados intencionalmente desde 2008 pelo responsável da contabilidade” (Machado da Cruz). A auditoria não apontava para a existência de “apropriação indevida de activos”. Poucos dias depois surgiria outra revelação que implicava Ricardo Salgado na falsificação das contas.

A análise liderada por Costa Pinto nota que, “não obstante as conclusões do relatório, a CMVM decidiu aprovar, ainda no dia 20 de Maio, o prospecto da emissão accionista do BES no montante de 1.045 milhões, embora com uma referência explícita aos riscos incorridos pelos investidores devido à situação da ESI”.

Este é o primeiro alerta público e oficial de que algo de muito errado se passa nas contas da principal holding do GES. O prospecto refere: “A Espírito Santo Internacional foi objecto de uma revisão limitada de finalidade especial, relativamente às demonstrações financeiras consolidadas pro-forma referentes a Setembro e Dezembro de 2013, efectuada por um auditor externo, que apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira muito grave“.

O prospecto alertava para o risco que esta situação teria na reputação do BES e na cotação das acções, dado o facto de haver administradores comuns à ESI, ESGF e BES, mas também referia que tinham sido tomadas medidas pela ESFG (a holding financeira do GES que era accionista do BES) para salvaguardar eventuais situações de incumprimento pela ESI que pudessem ter impacto no banco. Era uma referência à provisão de 700 milhões de euros criada para reembolsar os clientes do banco que tinham comprado dívida da ESI. O alerta era mais de natureza reputacional do que centrado num risco para a solidez financeira do BES.

Ora, o relatório Costa Pinto nota que desde o segundo semestre de 2013 que o Banco de Portugal conhecia a fraude contabilística da ESI (o primeiro alerta da KPMG surgiu em Novembro) “que implicaria a falência desta holding quando fosse revelada publicamente. Ficou absolutamente patente a criticidade da enorme exposição directa e reputacional do grupo financeiro às artes relacionadas e o problema tornou-se prioritário para a supervisão. Nessa altura, o risco representado pela exposição à vertente não financeira do grupo deixou de ser remoto e passou a ter uma probabilidade de materialização muito elevada“.

O Banco de Portugal hesitou no afastamento de Ricardo Salgado - MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Foi por isso que foi constituída a estratégia de protecção do banco face ao grupo, o chamado ring fencing, e que passava por:

  1. A constituição de uma provisão de 700 milhões, que implicava um aumento de capital na ESFG para cumprir os rácios, iria mitigar o risco reputacional.
  2. Ordem para reduzir a exposição do banco ao grupo, interrompendo as linhas de financiamento.

Estas medidas de controlo de danos e a situação financeira do GES (e os impactos no BES, como as preocupações prudenciais resultantes da exposição do banco ao grupo) tinham sido tratados numa reunião a 4 de Abril entre o Banco de Portugal e CMVM, quando foi também comunicado o aumento de capital do banco.

Como o Observador já noticiou, o relatório Costa Pinto constata que a estratégia do ring fencing foi insuficiente e aponta defeitos no seu desenho que potenciaram o seu fracasso, nomeadamente o facto de a limitação inicial ter sido apenas para o financiamento à ESI, o que transferiu a emissão de dívida para a Rioforte com a respectiva colocação junto de clientes.

Outra falha foi não ter sido assegurado um controlo independente da conta escrow, para o qual seriam canalizados os recursos libertos pelas entidades não financeiras) e cuja gestão nunca deveria ter sido entregue ao próprio BES.

A guerra nos bastidores para afastar Ricardo Salgado

Para compreender porque foi para a frente o aumento de capital do BES é preciso contar a história que se passava nos bastidores sobre as tentativas do Banco de Portugal para afastar, voluntariamente, Ricardo Salgado. Uma das razões para a manutenção do presidente do BES, mesmo depois de provas do seu envolvimento na fraude das contas da ESI, foi a necessidade de realizar esta operação de aumento de capital, que já tinha sido anunciada ao mercado, e o receio das consequências para o banco e para o sistema financeiro de uma “chicotada psicológica” num dos maiores bancos portugueses.

O aumento de capital ficou concluído a 9 de Junho, com a procura a exceder a oferta, a liquidação aconteceu a 16 de Junho. O período de subscrição tinha decorrido entre 27 de Maio e 9 de Junho. E foi no primeiro dia deste prazo, 27 de Maio, que José Maria Ricciardi, o presidente do BESI – que estava em rota de colisão com Ricardo Salgado há meses –, entregou ao Banco de Portugal um relatório da sociedade de advogados luxemburguesa Arendt & Medernach com a transcrição da audição ao contabilista da ESI, Francisco Machado da Cruz, em que este afirmava que a ocultação do passivo era feita desde 2008, intencionalmente e com o conhecimento de alguns dos seus dirigentes, entre os quais Ricardo Salgado.

O ainda presidente do BES estava à frente da captação de investidores e invocou esta sua capacidade como argumento para dissuadir o Banco de Portugal de o afastar logo do cargo. Desde Novembro de 2013 que o supervisor manifestava intenção de rever a idoneidade de Salgado e outros gestores, na sequência de notícias como a “liberalidade” dada por José Guilherme a Ricardo Salgado, e depois de saber que o passivo da ESI atingia os 6,2 mil milhões de euros, contra os 3,2 mil milhões reportados.

Numa reunião a 17 de Janeiro com Carlos Costa, Ricardo Salgado avisou que, se estivesse em causa a substituição da família, as implicações “seriam muito significativas, penalizando fortemente o Grupo BES”, que deixaria de ter capacidade para captar capitais no mercado. A 31 de Março, alertou para impactos sistémicos significativos de uma saída imediata dos órgãos sociais, com a fuga de depósitos e clientes.

Na fase final do programa da troika, o Banco de Portugal terá sido sensível a estes argumentos e, perante o “dilema” de tomar uma decisão que teria grande impacto na reputação do banco, e que poderia levar a uma crise de confiança com eventuais implicações sistémicas, acordou a saída de Salgado depois do aumento de capital, que veio a acontecer a 20 de Junho.

Olhando para trás, a comissão independente “entende que a manutenção de Salgado em funções não foi a opção adequada” e sustenta que “teria sido preferível uma actuação mais decisiva logo que ficaram disponíveis elementos que confirmavam a insolvência da vertente não financeira do GES, em particular dos primeiros resultado do exercício Etricc (exercício transversal de solidez financeira) em Novembro de 2013.

“Por um lado, reconhece-se que a substituição dos órgãos sociais mais cedo, com os riscos identificados, teria ocorrido na fase final do PAEF, com potenciais implicações na forma como foi concluído. Por outro lado, o aumento de capital de Junho de 2014 não se teria verificado, o que evitaria danos que a operação acabou por causar, quer na confiança dos investidores no mercado de capitais português, quer na reputação nacional e internacional dos supervisores. A estas consequências sobre a imagem do Banco de Portugal e da CMVM, que podem limitar a sua eficácia futura, acrescem riscos de litigância que pode suscitar uma operação com as características desta”.

Venda de produtos a clientes do BES. Banco de Portuga autolimitou-se, mas a CMVM falhou

O “Relatório Costa Pinto” faz uma extensa análise das responsabilidades dos dois reguladores financeiros, concluindo que o Banco de Portugal se autolimitou nas suas competências, na sequência de um acordo de cooperação assinado com a CMVM em 2009. Tendo deixado a supervisão comportamental de todos os produtos vendidos pelos bancos, com a excepção dos depósitos, à CMVM.

Apesar de existir uma sobreposição legal de competências, Costa Pinto alega que isso não dispensaria o Banco de Portugal de apreciar o modo como a CMVM executa a sua actividade de supervisão e até de intervir directamente. Isso acabou por acontecer só em Novembro de 2013, no caso das obrigações, e em Fevereiro de 2014, no contexto do ring fencing.

Para os autores do documento, havia sinais claros desde 2012 “de que a CMVM não estava a disciplinar adequadamente a comercialização de produtos financeiros aos balcões do BES, com destaque a para a venda de obrigações próprias do banco, de unidades de participação de fundos de investimento e de papel comercial de entidades não financeiras do GES”. Neste último caso, o relatório vai buscar as declarações de Carlos Tavares numa audição parlamentar a 24 de Julho para ilustrar as “falhas” que atribui à actuação da CMVM.

“O presidente da CMVM declarou-se convicto de que os clientes de retalho do BES que compraram papel comercial da holdings ESI e Rioforte estavam convencidos de que tinham constituído depósitos tradicionais junto do banco, e que esperava que os honrasse”. Essas declarações, conclui o documento, “traduzem o reconhecimento da supervisão ineficaz da CMVM, entidade que, de acordo com o Código dos Valores Mobiliários, tem responsabilidades na supervisão das condições de emissão e comercialização do papel comercial. Sem prejuízo de uma eventual co-responsabilidade do BdP, a falha da CMVM não é ultrapassada pela repetida exigência a posteriori, isto é depois das consequências se manifestarem, de reembolso dos investidores prejudicados”.

É uma referência à divergência entre os dois reguladores sobre a obrigação de reembolsar o papel comercial aplicado pelos clientes de retalho, que Carlos Tavares defendia mas o Banco de Portugal acabou por atirar para o banco mau, dando origem ao movimento dos chamados “lesados do BES”.

O relatório indica ainda uma deficiente articulação entre os dois supervisores. No final de 2012, já o Banco de Portuga tinha conhecimento da concentração de dívida das empresas do GES na carteira dos fundos de investimento, mas essa preocupação não terá sido partilhada com a CMVM. O Banco de Portuga também sabia desde Outubro de 2013 que a venda de papel comercial da ESI aos clientes de retalho do BES foi o mecanismo encontrado para refinanciar a dívida do GES quando esta teve de ser retirada dos fundos de investimento. Mas só há registo de o ter reportado na reunião de 4 de Abril de 2014.

O movimento dos chamados "lesados do BES", investidores em títulos do grupo GES que reclamaram as suas poupanças. JOÃO PORFÍRIO/LUSA


A CMVM tinha responsabilidades específicas de supervisão nos dois casos que “não desempenhou satisfatoriamente”, conclui o relatório. Mas “o Banco de Portugal, para além da autolimitação a que se remeteu desde 2009, em termos de supervisão comportamental na comercialização de produtos financeiros aos balcões do banco, não tomou a iniciativa de passar à CMVM informações relevantes”.

No caso do papel comercial, e com o recurso a ofertas privadas com valor nominal até 50 mil euros, os emissores ficam dispensados da autorização final da CMVM à informação a transmitir aos subscritores e de apresentar o último balanço de contas da entidade emitente. No entanto, competia à CMVM fiscalizar o mercado onde o papel fosse negociado, “pelo que tendo conhecimento de que as contas da emitente constantes da nota informativa não estavam correctas”, ou que o limite legal que impede uma emissão de arrecadar valores superiores ao triplo dos capitais próprios do emitente estava a ser violado “deveria proibir essa negociações”.

O relatório defende ainda que o recurso “sistemático a emissões de valor nominal de 50 mil euros deveria ter suscitado reservas por parte da CMVM. Mais: “A circunstância de tais títulos estarem a ser vendidos sistematicamente na rede de retalho do BES, a investidores pouco qualificados, deveria ter levado a CMVM à conclusão de que a utilização do valor nominal elevado visava pura e simplesmente iludir o regime de ofertas pública, que obrigaria à aprovação de uma nota informativa”.

A KPMG (Portugal) usou como justificação para as dificuldades na troca de informação com o Banco de Portugal o facto de ser a KPMG Angola que auditava o BESA. WALLACE WOON/EPA

KPMG. A auditora que foi “claramente negligente” no dever de informação ao supervisor

O “Relatório Costa Pinto” tem 496 páginas e tem 518 referências à auditora KPMG, que acompanhou o BES entre 2002 e o colapso, em 2014. Vários anos depois da conclusão dos trabalhos desta comissão, o Banco de Portugal viria a condenar a auditora KPMG a pagar uma coima de três milhões por causa do BES Angola – isto no culminar de um processo de contra-ordenação contra a auditora, que considerou terem havido “infracções especialmente graves”.

No final de 2020, o Tribunal da Concorrência absolveu a auditora KPMG e cinco dos seus sócios de todas as contra-ordenações pelas quais foram condenados em Junho de 2019 pelo Banco de Portugal, no âmbito do caso BES. O Banco de Portugal recorreu dessa decisão e é nesse ponto que está o confronto entre o supervisor e a auditora.

O relatório feito pela comissão independente recupera, porém, os detalhes sobre como a auditora fez o seu trabalho de acompanhamento das contas do grupo liderado por Ricardo Salgado. E a apreciação de Costa Pinto, a partir da análise da interacção entre a KPMG e o Banco de Portugal, é que a auditora foi “claramente negligente” no dever de informação ao supervisor.

Um dos principais problemas relacionados com a KPMG diz respeito a Angola, mas está longe de ser apenas isso que está em causa. Um exemplo: logo em 2012 o Banco de Portugal pediu “que fosse efectuado um trabalho, pelo auditor externo, com a intenção de avaliar o grau de transferência efectiva de riscos para fora do Grupo BES, com a colocação nos seus clientes das UP dos fundos mobiliários geridos pela ESAF”, conta o relatório.

Quatro meses depois, o trabalho estava feito. Mas não correspondia às expectativas. Por um lado, “não foi feita uma circularização de clientes e, por outro, porque o foco da análise incidiu nos clientes de gestão discricionária (para clientes de retalho, que representavam mais de 95% do valor das UP, a KPMG limitou‐se a avaliar a minuta do respectivo contracto de subscrição)”.

Aqui, o Banco de Portugal insistiu, mas acabou por, “surpreendentemente, permitir uma actuação dilatória da KPMG, a qual nunca chegou a fornecer as informações solicitadas”.

No que diz respeito ao BESA, que era seguida pela KPMG Angola (e não pela KPMG Portugal, como a empresa várias vezes usou como argumento), o “Relatório Costa Pinto” advoga que “os indícios de que o Banco de Portugal dispunha, a partir do final de 2013, sobre a qualidade da carteira de crédito do BESA eram suficientes para que tivesse sido desencadeada uma inquirição formal da KPMG Portugal”.

Essa inquirição formal serviria para “garantir que esta obtinha da KPMG Angola, em tempo útil, os esclarecimentos necessários para um cabal conhecimento e avaliação dos riscos que o BESA representava para o Grupo e, em particular, para o BES”, diz Costa Pinto.

Mas “esta solicitação só veio a verificar‐se em 30 de Maio de 2014, na fase final do processo que levaria à resolução do BES”, aponta o “Relatório Costa Pinto”, criticando a passividade com que o supervisor agiu nessa ocasião. Essa passividade, porém, “não reduz a responsabilidade da actuação dilatória da KPMG”, defende a comissão Costa Pinto.

Nos problemas em Angola, terá sido no final de Dezembro de 2013, de acordo com informação prestada ao Banco de Portugal pela KPMG Portugal em Junho (de 2014), que a KPMG Angola teria tomado conhecimento de um conjunto de dossiers de crédito considerado incobrável, com valor relevante. Foi nesse final de 2013 que foi emitida a controversa garantia do Estado angolano aos créditos do BESA.

Depois disso, no final de Maio de 2014, o Banco de Portugal questionou, então, a KPMG Portugal sobre os resultados da auditoria da KPMG Angola à carteira de crédito do BESA, “perguntando se tinham sido encontrados activos cuja valorização ou colateral não fossem adequados, bem como sobre qual o entendimento da KPMG Portugal relativamente aos potenciais riscos existentes no BESA e às consequências para o BES de uma eventual materialização desses riscos”.

A resposta da KPMG Portugal? Ponto um: Não tinha “conhecimento de quaisquer questões relevantes no BESA”. Ponto dois: alegava que “a eventual existência de perdas estaria coberta pela garantia do Estado angolano”.

Aí, o Banco de Portugal perguntou qual era o montante de perdas que o BESA teria de suportar caso não existisse a garantia, “ao que a KPMG Portugal respondeu ainda não ter informação para responder”, lê-se no relatório.

Foi só em 6 de Junho de 2014 que a KPMG Portugal indicou ao Banco de Portugal os valores em causa. No dia seguinte, 7 de Junho de 2014, foi publicado pelo jornal Expresso um artigo onde se dizia que o BES Angola tinha perdido “o rasto a 5,7 mil milhões”.

Foi esta sequência de acontecimentos que contribuiu para que, nas conclusões, a comissão diga ter “uma opinião muito crítica sobre a actuação do auditor externo KPMG em várias fases do processo que levou ao colapso do BES, a qual se reporta a aspectos de falta de qualidade técnica do trabalho desenvolvido, a problemas no cumprimento de deveres de informação face à materialidade das situações em causa a cada momento e ainda a questões graves do ponto de vista ético”.

PwC e o “desrespeito” e “violação” das regras quando omitiu ao BdP porque rompeu com o BES

O “Relatório Costa Pinto” recua no tempo e prestou alguma atenção à anterior auditora do BES e, em particular, à decisão tomada pela PwC em 2002 de deixar de auditar as contas do grupo financeiro do BES, ao fim de dez anos.

Na altura, o Banco de Portugal questionou a auditora sobre as razões para esta decisão e se essas razões deveriam ser do conhecimento do supervisor, ao que a auditora respondeu que a cessação de funções não tinha por base factos relevantes que fossem do interesse do supervisor, garantindo ter notificado ao Banco de Portugal o que considerou importante relativo às contas de 2001.

Treze anos depois, a audição do sócio responsável pela PwC em Portugal na comissão de inquérito ao BES terá gerado perplexidade no Banco de Portugal. José Pereira Alves revelou que uma das razões para interromper o contracto com o grupo tinha sido, afinal, o incumprimento básico de regras básicas de governação na holding ESGF e no BES e com o facto de Ricardo Salgado acumular a presidência de vários órgãos sociais do grupo, concentrando muita informação e dificultando o seu acesso por parte do auditor externo.

Apesar de o episódio ter mais de uma década, o “Relatório Costa Pinto” é duro no ataque à conduta da auditora, considerando omitir os problemas de governance que justificaram a sua saída, revela “um comportamento de desrespeito por padrões éticos que deveriam pautar a actuação das empresas de consultoria e auditoria”.

E mais, ao “ocultar deliberadamente ao BdP no momento de saída, em 2002, o incumprimento de regras básicas de governação na holding ESFG e no BES, e a acumulação de funções de Ricardo Salgado — esta realidade seria conhecida do BdP, mas não a circunstância de a acumulação de cargos dificultar o acesso a informação — a PwC “incorreu na violação das normas do regime geral das instituições de crédito” que obrigam a comunicar essas situações ao supervisor bancário.

Conclui, ainda, a avaliação independente que a “negação categórica da existência de problemas potencialmente relevantes para a supervisão, assumem de particular gravidade as declarações do um seu responsável à CPI”.

Um dos autores do relatório Costa Pinto é Norberto Rosa, que era director-adjunto de supervisão do Banco de Portugal nos últimos anos em que a PwC foi auditora. É, portanto, alguém que terá um conhecimento pormenorizado de todas as interacções do Banco de Portugal com a PwC até ao momento em que a auditora decidiu prescindir de um cliente como o BES.

Não há informação sobre se, possivelmente, terá sido alguma vez transmitida pela PwC ao Banco de Portugal (e a Norberto Rosa) alguma preocupação particular com o BES ou com a complexidade do grupo, nas reuniões regulares que o supervisor teve com a auditora. Mas o que fica para a história é que, de facto, a PwC não transmitiu formalmente qualquer problema ao Banco de Portugal na carta que enviou ao supervisor a informar que teria colocado um ponto final na relação com aquele cliente de longa data.

Norberto Rosa é um dos autores do Relatório Costa Pinto e era director-adjunto de supervisão do BdP em 2002. DAVID MARTINS

Como um BNA pouco cooperante contribuiu para condicionar a acção do Banco de Portugal

O relatório considera “que o comportamento do BNA (Banco Nacional de Angola), conjuntamente com o dos auditores externos, contribuiu de modo essencial para explicar a actuação do Banco de Portugal, na medida em que este não tinha condições para aferir tempestivamente que as diversas comunicações prestadas pelo BNA não reflectiam a situação efectiva do BESA”.

O “desconforto” marca a relação entre o Banco de Portugal e o Banco Nacional de Angola, com muitas trocas de mensagens, pedidos e recusas, como já foi contado pelo Observador no trabalho focado no tema da garantia soberana de Angola.

O Banco de Portugal e o BNA assinaram um protocolo em 2012 que dava corpo à equivalência de supervisão entre os dois países. No entanto, isso não resultou num compromisso firme de partilha de informação sobre as entidades supervisionadas. E ao contrário do protocolo feito com o Banco do Brasil, deixava uma margem de interpretação maior que limitou a capacidade de iniciativa do Banco de Portugal junto das filiais angolanas dos bancos portugueses que não podiam ser inspeccionadas.

Até 2013, a informação prestada pelo BNA sobre o BESA foi sempre positiva e atestando a robustez do banco, com uma carteira de crédito muito relevante, mas de baixo risco, porque os grandes clientes eram o Estado e empresas angolanas. Por outro lado, e durante um período longo de tempo, o Banco de Portugal não pediu informação ao BNA para confirmar a informação que o BES dava sobre os grandes riscos da sua participada.

Terá sido apenas em 2014, e quando foi convidado a participar no exercício transversal de robustez dos bancos europeus promovidos pelo BCE e nos quais se incluía o BESA e o BFA (controlado pelo BPI), que surgiram resistências. Em Março, o BNA afirmou-se indisponível para participar neste exercício enquanto não concluísse outras inspecções. O governador Carlos Costa remeteu uma carta em Março onde manifesta a “surpresa” pela recusa, alertando que tal poderia afectar a forma como o BCE olhava para a regulação europeia. E pede autorização para supervisores portugueses irem a Angola para colaborar com o BNA.

O problema foi desbloqueado por telefone em Abril e porque Carlos Costas cedeu e aceitou que o trabalho fosse feito sem auditores portugueses e garantiu que não haveria informação individualizada sobre créditos no reporte ao BCE. Mas a 7 de Maio, e por e-mail, um técnico do Banco de Portugal transmite à contraparte angolana o “forte desconforto do BCE” porque a avaliação aos créditos das filiais de Angola ainda não tinha começado. A resposta do BNA é recusar, também, por e-mail a deslocação a Luanda dos técnicos portugueses para avaliarem a qualidade do trabalho. Só em Junho foi possível chegar a um compromisso.

Para a auditoria independente, esta postura marca uma “manifesta falta de cooperação do BNA”, escudada no enquadramento legal relativo ao segredo bancário, sobretudo na partilha de créditos individualizados.

Os autores do “Relatório Costa Pinto” consideram que a lei angolana não impede que o BNA possa partilhar informação sobre a qualidade do crédito. “Não se compreende assim, nem tem qualquer justificação admissível, a resposta do BNA invocando a lei angolana de sigilo bancário” quando recusou o pedido de colaboração do BdP. “Também não se compreendem posteriores exigências de que o trabalho fosse realizado apenas por auditores locais e de que as informações não fossem transmitidas para fora de Angola.

Com a notícia do Expresso de que não há rasto a créditos de 5,7 mil milhões de dólares do BESA, o Banco de Portugal manda uma carta ao BNA que não terá sido respondida. A 14 de Julho, o BNA envia uma avaliação ao perfil de risco do BESA que contraria o que tinha garantido até 2013: há “deficiências materiais — nomeadamente nos mecanismos de controlo da carteira de crédito — que requerem intervenção imediata do supervisor”. E aponta para graves problemas de solvabilidade e liquidez

O governador Carlos Costa remeteu ao BNA uma carta, em Março, onde manifestava a "surpresa" pela recusa em colaboração. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O “Relatório Costa Pinto” assinala que esta resposta “altera radicalmente, e sem qualquer reporte intercalar”, o sentido das avaliações anteriores sobre o BESA, mas o BNA apontava como medida de saneamento para a existência da garantia soberana emitida pelo Governo angolano que cobria cerca de 70% da carteira de crédito. E a 23 de Julho garantiu ao Banco de Portugal que o reembolso da linha de crédito do BES ao BESA (coberta pela garantia) estava assegurado”, admitindo contudo a sua reestruturação.

Novamente questionado pelo Banco de Portugal, que estava sob pressão do BCE, o governador do supervisor angolano disse a 27 de Julho que estavam a aprofundar as graves situações detectadas na gestão da carteira de créditos, informando que a linha de crédito seria reestruturada e que estava a reavaliar a elegibilidade de alguns dos créditos incluídos na garantia. A 1 de Agosto, o BNA determinou medidas de saneamento ao BESA e a 4 de Agosto, logo após a resolução do BES, o supervisor angolano revogou a garantia soberana.

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A resistência dos rentistas e a arte do Governo.

Os empresários do regime fizeram pressão e, aparentemente, conseguiram ficar com uma parcela maior, mas de empréstimos. Porque verdadeiramente pouco mudou no Plano de Recuperação e Resiliência.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), quando se compara com o rascunho inicial, introduz apenas duas mudanças: a Cultura e o Mar. Já vamos ver de onde saiu esse dinheiro. A capitalização e inovação empresarial até recebe menos 32 milhões de euros do que anteriormente. O que o Governo fez foi embrulhar as coisas de outra maneira para satisfazer as criticas, sem nada mudar de substancial. Vamos é agora ver como vai explicar à Comissão Europeia por que não coloca 37% do dinheiro na transição energética e 20% na digital, respeitando as orientações gerais do Mecanismo europeu de Recuperação e Resiliência.

O PRR, contas feitas, concentra 60% dos 13.944 milhões de euros na componente Resiliência, ficando 22% para a Transição Energética e 18% para a Digital.  Se esta for a organização apresentada em Bruxelas, não respeita as regras. Mas olhando para o documento, percebe-se que existe margem para o refazer, ajustando-se ao fato das regras europeias. Por exemplo, o pilar da Resiliência tem investimentos que cabem quer na transição digital como na energética.

A nova versão reforçou a componente da transição energética graças fundamentalmente à inserção de medidas associadas ao Mar. Esta área vai receber 252 milhões de euros para a “reforma do Ecossistema de Infra-estruturas de Suporte à Economia Azul”.  Neste momento não se percebe bem que projectos são estes.  A Cultura é outra das novidades, recebendo 243 milhões de euros para o património cultural e para redes culturais e transição digital.

Mas para termos o Mar e Cultura no PRR, isso significou retirar dinheiro de outras áreas. No domínio da transição energética, ficou a perder a mobilidade – leia-se transportes –, a eficiência energética dos edifícios onde está, por exemplo, o combate à pobreza energética e a o hidrogénio e renováveis. As infra-estruturas, a habitação, a gestão hídrica, as florestas, as qualificações e a inovação empresarial foram os que perderam dinheiro na componente de resiliência.

Quanto a uma das principais criticas, a de que o dinheiro ia fundamentalmente para o Estado, nada mudou. O que os empresários conseguiram foi um compromisso do Governo de lhes dar uma verba mais elevada nos empréstimos que vai pedir, deixando cair o financiamento para os comboios. Quer no rascunho inicial como na versão final, o Governo diz que vai usar 2,7 mil milhões de euros da componente de crédito do mecanismo europeu. No rascunho 300 milhões seriam investidos em comboios que agora desaparecem. Para as empresas ficam 1,55 mil milhões de euros.

Resumindo, os empresários ficaram aparentemente satisfeitos porque boa parte do aumento da dívida do país vai ser para eles. Não é, de facto, só o Estado que funciona mal em Portugal. Os empresários do regime estão viciados em apoios, parecendo incapazes de se capitalizarem. Não são todos, como é óbvio, são aqueles que vivem nos corredores do poder e se queixam no espaço público e nas reuniões com o Governo e o Presidente da República. Há décadas que recebem apoios europeus sem que se perceba o que fizeram com eles. O crescimento medíocre que o país tem tido é também da responsabilidade destes empresários que vivem à custa do regime.

Concentrar os investimentos no Estado pode não ser o ideal, mas é seguramente o que pode dar maiores garantias de um uso rápido do dinheiro e, além disso, promete modernizar um Estado que está à míngua pelo menos desde o início do século XXI. Sim, é verdade que o dinheiro dos contribuintes podia ter sido melhor usado, até nestes últimos cinco anos. Mas já percebemos que não haverá coragem política para o fazer. E precisamos urgentemente de investimentos na saúde, na educação e na justiça, para dizer o mínimo. Investimento físico, mas também humano e de organização. E essa é a parte, a da organização, com coragem para acabar com cargos e empregos improdutivos, que pode faltar.

O problema não é haver dinheiro em excesso para o Estado, até porque o que se investir no sector público significará negócios para os privados. O problema é se nos ficamos apenas pelo investimento físico, de construção e compra de computadores e carros eléctricos e nos esquecemos de contratar as pessoas que de facto o Estado precisa. Quanto às empresas, com excepção das que sofreram com a pandemia, era tempo de se capitalizarem com os lucros que vão tendo. Um dia o dinheiro da Europa acabará e terão de deixar de viver de rendas.

O Governo continua a revelar uma enorme arte de nada mudar parecendo que tudo mudou. O PRR o que oferece aos empresários é apenas mais empréstimos, com a respectiva dívida para o país.

Helena Garrido

https://observador.pt/

sábado, 17 de abril de 2021

Quem são os “portugueses de bem” que se chegaram ao Chega:

1) João Maria Bravo – Dono do Grupo Sodarca. Lidera o fornecimento de armas, munições, tecnologia e equipamento militar ao Estado, forças Aramadas e Segurança.

2) Paulo Corte-Real Mirpuri – Empresário que liderou a Air Luxor (que acabou sufocada em dívidas, tendo os bens desaparecido misteriosamente), filantropo.

3) Francisco Sá Nogueira, gerente da área turística da Helibravo. Ex-presidente da antiga holding do Grupo Espirito Santo para as atividades de agencias de viagens e operador turístico, a Espirito Santo Viagens.

4) Jorge Ortigão Costa – Empresário e produtor agricola, amante de touradas (coudelaria com o mesmo nome), cujo nome consta no Panama Papers

5) Francisco Cruz Martins – Advogado, padrinho de casamento de Ventura, também citado no Panama Papers, administrador de imobiliárias pertencentes à Breteuil Strategies (sediada no Chipre, reconhecido paraíso fiscal).

6) Salvador Posser de Andrade – Co-administrador da antiga empresa imobiliária do Grupo Espirito Santo, e administrador da Coporgest.

7) Jaime Nogueira Pinto – histórico militante fascista, “o grande pai da extrema-direita portuguesa desde o fim da ditadura salazarista” (Steven Forti)

8) Eduardo Amaral Neto – Empresário com ligações à Chamusca. Dono da sociedade de consultoria Gavião Real.

9) César do Paço – empresário, ex-consul honorário de Portugal na Florida (cargo do qual foi exonerado), dono da multinacional Sumit Nutritionals, fanático da Defesa. Pelo Codigo Penal de André Ventura, hoje seria “maneta” porque roubou um relógio de 7.500€.

10) Helder Fragueiro Antunes – Empresário, Engenheiro, ex-piloto de corridas. CEO da Global Data Sentinel. Parceiro de Cesar do Paço em alguns negócios, primo de Miguel Frasquilho (chairman da TAP).

11) Pedro Pessanha – Militar na Reserva, gestor imobiliário. Assessorou vários negócios do BES Angola (BESA), hoje Banco Económico.

12) Fernando Jorge Serra Rodrigues – Empresário Textil (sofás). Salazarista devoto, defensor da ditadura fascista do Estado Novo e divulgador de propaganda nas redes sociais. É o famoso autor da saudação Nazi no jantar de apoio a André Ventura no Porto.

13) Igreja Maná (de Jorge Tadeu) – detentora dos canais de televisão Kuriakos TV, TV Maná e ManáSat 1, tem dado especial destaque a André Ventura nos seus canais promovendo-o como “defensor da moral e dos bons costumes cristãos contra gays e outras modernices antinatureza e antifamilias”.

14) Luis Filipe Graça- sócio na mediadora Elegantalfabeto. Foi angariador imobiliário no segmento premium. Ex-dirigente do PNR e do Movimento de Oposição Nacional, embrião dos neonazis da Nova Ordem Social, tendo aparecido em vídeos com skinheads em protestos.

15) Cristina Vieira – Cartomante na TVI, antiga diretora de Operações da LibertaGia, sociedade que a partir das Bahamas terá lesado perto de 2 milhões de clientes através de um esquema fraudulento de pirâmide.

16) José Lourenço – Consultor Imobiliário. VP na “Fundação” dePaço. Acusado pelo ex-dirigente Nacional do Chega (Miguel Tristão) de fazer entrar dinheiro de formas “estranhas” no partido. O seu nome consta da lista publica de devedores fiscais em Portugal. Amigo do espião Silva Carvalho “com muito gosto”.

17) António Tanger Correia – ex-diplomata, adjunto de Freitas do Amaral durante o governo de Sá Carneiro. Suspenso de várias funções devido a VÁRIAS irregularidades na gestão da embaixada em Vilnius: lesou o Estado em 348.270€ em IVA mais 411.181€/ano em despesas pessoais

18) Paulo Lalanda de Castro – Empresário. Referenciado nos Panama Papers, Operação Marquês e nos Vistos Gold. Acusado de corrupção no processo Máfia do Sangues. Dono da Intelligent Life Solutions, empresa que André Ventura ajudou a ilibar no pagamento de mais de 1 milhão de Euros em IVA, enquanto Inspetor Tributário.

19) Armando Batista – Comandante da Delegação da Cruz Vermelha da Amadora. Defende a criminalização e deportação de imigrantes ilegais. Promoveu petições contra o Pacto de Migração e Asilo da CE, mas afirma não ser xenófobo. Ligação às forças e aos serviços de Segurança.

20) Arlindo Fernandes – Empresário, admirador de Salazar, ex-dirigente e breve deputado do CDS. Acusado em 2019 pelo MP de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais em negócios imobiliários. Ameaçou de morte João Ferreira, outro dirigente do Chega.

21) Manuel de Carvalho – O “Miterrand” de Armamar. Empresário, consul honorário da Costa do Marfim, antigo deputado e ex-vereador do CDS (Viseu). Em 2012 foi declaro insolvente por dividas à banca, tendo cumprido o prazo da exoneração do passivo.

22) Diogo Pacheco de Amorim – antigo ideólogo do PND.

Vitamina D: A vitamina da discórdia.

O que é? Para que serve? A população portuguesa tem défice? Qual é o seu papel na Covid-19? A SÁBADO preparou um conjunto de respostas a todas estas questões, mas nem toda a informação é concordante.

Uma coisa é certa: a vitamina D é um assunto que divide os próprios profissionais de saúde. Não há propriamente dois lados da questão, ou seja, quem defenda que é importante e quem a demonize. A discussão é mais sobre o seu papel, a necessidade de fazer suplementação e, mais recentemente, sobre a relação com a própria Covid-19. A SÁBADO ouviu dois especialistas – o médico de medicina geral e familiar, João Júlio Cerqueira, e a professora de Nutrição e Metabolismo da Nova Medical School, Conceição Calhau – e tentou sintetizar num explicador toda a informação, que nem sempre é concordante. Para o médico João Júlio Cerqueira, a vitamina D "é o santo Graal dos mitos" e a deficiência desta vitamina poderá ser apenas um marcador de falta de saúde e sua suplementação não resolver as razões inerentes a essa condição. Já Conceição Calhau considera que "há muita resistência para as pessoas compreenderem o quanto a deficiência de vitamina D está relacionada com a doença".


O que é a vitamina D?
Não é bem uma vitamina, na verdade, trata-se de uma hormona que regula funções múltiplas no organismo, assim como o próprio metabolismo energético (o conjunto de reacções químicas que produzem a energia necessária para a realização das funções vitais dos seres vivos). 

Para que serve?
Está ligada sobretudo à saúde óssea. Tradicionalmente, o défice de vitamina D está associado ao raquitismo nas crianças – "felizmente, uma doença rara nos dias de hoje", diz João Júlio Cerqueira – e à osteomalacia nos adultos. "Ou seja, a deficiência de vitamina D compromete a massa óssea, porque o metabolismo do cálcio e do fósforo está muito dependente desta vitamina enquanto hormona", explica Conceição Calhau.
Contudo, hoje já se sabe que também tem importância para o sistema imunitário e está associada a doenças auto-imunes, como a diabetes tipo 1 ou a esclerose múltipla. "No mundo árabe, quando as mulheres passaram a estar com o corpo todo coberto, houve uma prevalência nunca antes vista de esclerose múltipla", diz a também investigadora do CINTESIS, Conceição Calhau. Sabe-se ainda que tem um papel na regulação da pressão arterial, daí que em muitos casos de hipertensão haja uma deficiência de vitamina D.

Quais são as principais fontes de vitamina D e onde a podemos obter?
A exposição solar é uma das principais fontes de vitamina D. "No hemisfério norte, entre o início de Abril até final de Setembro, a maioria das pessoas é capaz de obter grande parte da vitamina D de que precisa através da exposição solar", considera João Júlio Cerqueira. Também é possível obtê-la através da ingestão de alguns alimentos como o óleo de fígado de bacalhau (que era o antigo suplemento de vitamina D), peixes como o salmão, a sardinha, o arenque e a cavala, os cogumelos, carne vermelha, gema de ovo e lacticínios (que não sejam magros).
"Mas ao fazer as contas ao longo do dia é muito difícil garantir o aporte diário necessário – precisamos de 1000 a 2000 unidades internacionais por dia [a unidade de medida da quantidade de uma substância] – com a alimentação", alerta Conceição Calhau.

A relação entre a exposição solar e os níveis de vitamina D que temos no organismo é linear?
Apanhar sol não significa ter melhores níveis desta vitamina no organismo, há vários factores que influenciam, como por exemplo a cor da pele – quanto mais escura, maior dificuldade de produção de vitamina D. Conceição Calhau vai ainda mais longe e diz que "afirmar que há uma relação linear parece até tolo". Explicação: para que haja a sintetização desta hormona através da incidência da radiação ultravioleta é preciso uma série de pressupostos, chama a atenção a profissional.
Primeiro, fazer exposição solar sem protector; segundo, sem roupa e terceiro, na quantidade de tempo necessária. A estação do ano também tem influência já que no Inverno, por exemplo, a incidência dos raios solares é menor, logo é mais difícil sintetizar vitamina D. A especialista alerta ainda para outro factor que pode condicionar: a medicação para o colesterol, as chamadas estatinas.
Razão: "As estatinas vão inibir uma enzima que é usada na síntese da vitamina D", explica. Na verdade, no estilo de vida contemporâneo não há tanta exposição solar como existia antigamente – em que as principais actividades, como a agricultura e a pesca, eram feitas ao ar livre e a pele estava mais habituada e sujeita à exposição solar.

A população portuguesa tem défice de vitamina D?
Há um estudo publicado em 2020 no jornal científico Archives o Osteoporosis, e realizado por investigadores portugueses de Coimbra, Leiria e Lisboa, que concluiu que mais de dois terços da população apresenta níveis insuficientes de vitamina D.
O valor que se considera como referência, ou seja, o normal, é 30 nanogramas por mililitro, contudo se se considerar os 10 nanogramas por mililitro – valor a partir do qual é consensual a existência de suplementação –, então a percentagem de população com deficiência é apenas 1/5, destaca João Júlio Cerqueira.
O profissional também chama a atenção para o facto de a base de dados usada no estudo português não ter sido feita para avaliar a vitamina D (mas a prevalência de doenças reumáticas e musculoesqueléticas para um estudo anterior da Sociedade Portuguesa de Reumatologia).

O que explica esta insuficiência? 
Há uma razão genética, mas não só. "Geneticamente, já percebemos que a população portuguesa tem umas caraterísticas que fazem com que tenhamos menos capacidade de fazer a síntese da vitamina D, mesmo apanhando sol", diz à SÁBADO Conceição Calhau. A investigadora concluiu recentemente um estudo que chegou a esta conclusão e cujos resultados serão conhecidos nos próximos dias.
Além disso, também o facto de se achar que a exposição solar que temos é suficiente. "Isso não é verdade. Nós já não somos um país de sol porque já não temos o estilo de vida de andar ao ar livre, isso é uma evidência", explica.

Devemos tomar suplementos de vitamina D?
A resposta não é consensual e é controversa. Para Conceição Calhau, o que é importante é monitorizar os níveis de vitamina D, como se controla qualquer outro parâmetro, e consoante o resultado procurar um profissional de saúde. Não tem dúvidas sobre a necessidade de suplementação abaixo do valor de referência de 30 nanogramas por mililitro, o que considera discutível é a frequência com que se toma. "Não é igual tomar só uma vez por mês ou tomar diariamente. Para mim, todos os dias faz mais sentido do ponto de vista fisiológico, porque é assim que funciona o nosso metabolismo, nós também não comemos só uma vez por mês", diz.
João Júlio Cerqueira destaca duas posições distintas: o serviço nacional de saúde britânico que aconselha a toma de vitamina D de forma generalizada, principalmente no inverno (à semelhança do que já acontece em alguns países do norte da Europa) e a US Preventive Services Task Force (um painel independente de especialistas na prevenção de doenças e na medicina baseada na evidência) que "refere existir evidência insuficiente para validar o rastreio e suplementação com vitamina D para a prevenção de doenças cardiovasculares, cancro ou fraturas".

Ter níveis baixos de vitamina D prejudica a nossa saúde?
Sem dúvida, sobretudo no que diz respeito à saúde dos ossos. Níveis baixos de vitamina D também estão associados a uma série de outras doenças (ver pergunta 2). "Mas quando se fazem estudos controlados em que se suplementam pessoas com vitamina D, conclui-se que têm pouco ou nenhum impacto no controlo ou progressão dessas doenças. Ou seja, a insuficiência de vitamina D poderá ser apenas um marcador de falta de saúde e a suplementação não resolver as razões inerentes a essa falta de saúde", considera João Júlio Cerqueira.

Qual é o papel da vitamina D na covid-19?
Saiu recentemente uma meta-análise no Metabolism Clinical and Experimental que afirma que não há diferenças estatisticamente significativas no que diz respeito ao prognóstico entre as pessoas com níveis de vitamina D normais e aquelas com níveis baixos. Contudo, também se refere que a suplementação pode diminuir o risco de ter doença grave.
Ou seja, défice de vitamina D poderá estar associado à vulnerabilidade de ter doença mais grave. "Apanhar covid tem a ver com o meu comportamento e com a probabilidade de contactar com um ambiente infetado. Já se fico assintomática, se tenho sintomas ligeiros ou se fico em estado grave, a resposta que vou ter a nível do sistema imunitário depende de vários fatores, um deles, a vitamina D", diz Conceição Calhau.  

Tomar em excesso, ou seja, fazer suplementação sem ser necessário, pode ser prejudicial para a saúde?
Dificilmente acontece tomar em excesso, a não ser que se façam doses muito elevadas, dizem os especialistas. "Claro que tudo o que tem a ver com a alimentação é uma curva em U, o pouco faz mal, mas o muito também", diz Conceição Calhau. Nesse caso, o risco é acumular-se uma quantidade de cálcio no sangue superior ao normal, ou haver mais probabilidade de ter as chamadas pedras nos rins.

Lucília Galha

Vitamina D: A vitamina da discórdia - Ciência & Saúde - SÁBADO (sabado.pt)

É pró menino e prá menina

Ai filhos, isto foi só pousar os sacos aqui no hóle e vir a correr para o computador, que ter uma coluna numa revista é uma grande responsabilidade. Vinha eu a contar pôr já as máquinas da roupa a fazer, mas o Dom Pedro trocou-me as voltas.

Ai filhos, isto foi só pousar os sacos aqui no hóle e vir a correr para o computador, que ter uma coluna numa revista é uma grande responsabilidade. Vinha eu a contar pôr já as máquinas da roupa a fazer, mas o Dom Pedro trocou-me as voltas. Diz que amanhã já abre.

E prontos, lá se acabaram as férias. Não há bem que sempre dure, nem mal que não sei quê, como dizia a minha avó. Por acaso, apanhámos muito bom tempo, e esteve sempre calor. Olha, pelo menos de roda do fogareiro das sardinhas, que foi de onde eu não saí.  É que isto em Agosto, vem sempre muito primo de fora, gente que anda emigrada. E, vai-se a ver, ainda estão mais pobres que a gente, que aquilo lá fora também anda muito mal. A diferença é que eles lá, não percebem o que os outros dizem. Olha, antes assim, que a gente cá percebe, e também não ouvimos nada de jeito.

Por falar em nada de jeito, eu gosto muito de campismo! Sempre gostei, desde miúda. A gente não era bem campismo que a gente fazíamos. Mas a casinha dos meus pais, Deus me perdoe, era tão pobre que só lhe faltava um pau no meio para ser uma tenda. Olha, ou um circo, que os meus irmãos e mais eu, podíamos ser pobrezinhos, mas éramos muito reinadios. Mas hoje em dia, os miúdos só querem é estar agarrados aos computadores. Tínhamos lá uma data de gaiatos no campismo, e já nem uma bola se joga, nem uma macaca, nem um elástico, é tudo pós poquémõns. Eu ainda disse prá minha cunhada: «Ó Isaurete (que é como ela se chama, que a mãe era meio brasileira, por acaso, já morreu, foi de uma trombose que lhe deu na cabeça, e a filha até ficou muito bem, que ela tinha umas poucas de casas lá no Nordeste ou que é, e agora quem está a explorar aquilo é o meu irmão. A explorar aquilo e a mulher, vá).

Bom, onde é que eu ia? Ah, e digo eu assim prá Isaurete: «Ó Isaurete, em vez dos miúdos estarem com as caras enfiadas nos ai-pedes, porque é que a gente não vamos ali ao Fórum Almada, que é mesmo aqui defronte do campismo, e não les compramos uns cadernos de actividades? Olha, depois quando acabarem, podemos usar as folhas para acender o carvão, que aqui pinhas é coisa que não há, e a acendalha está pela hora da morte. O que é que tu achas, ó Isaurete?»

E lá foi ela perguntar ao meu irmão, que é o marido dela, que a Isaurete nunca não acha nada, vai-lhe sempre perguntar.  Educações antigas, como deve de ser.

Bom, nisto, lá se metemos a gente dentro de uma carreira que vai mesmo do campismo até Entrecampos, mas que pára lá no centro comercial. E lá fomos todas lampeiras, sentadinhas, todas muito animadas, no meio daqueles miúdos que são os drogados que vêm da praia, que é quem mais usa esta carreira. Lá iam, com as guitarrinhas deles, com os cãezinhos deles, com as garrafinhas de cerveja deles, e com aqueles cigarros que eles fumam que parece que cheiram a um Brise que há, não me lembra se é o de pinho se é o de frutos do bosque.

O que eu sei dizer é que a gente entramos na livraria e damos logo de caras com um livro de actividades que tanto dava para rapazes como para meninas! Juro pela minha saúde! Ia-me caindo tudo. E o tudo, neste caso, era o porte-moedas que eu levava debaixo do braço, que a tenda não tem chave. Pois com certeza.

Só de me lembrar, já estou a levar outra vez as mãos à cabeça! O mesmo livro de actividades para rapazes e pra raparigas, tudo junto. E a capa assim numa cor que eu não sei dizer qual é. Só sei que não era nem de rapaz nem de menina, que até aí chego eu, e só tenho a terceira classe. A quarta já não fiz, que a minha mãezinha era muito religiosa e dizia sempre «três foi a conta que Deus fez». E foi. Por acaso, foi. Pelo menos, é o que está lá escrito...

Bom, toca de abrir o livro, a Isaurete e mais eu, e só não cuspi o abatanado porque não estava a beber. A gente bate os olhos, oiçam bem, a gente bate os olhos num desenho de um rapaz a ajudar a mãe a fazer o lanche! A estender uma monda de roupa! A descascar ervilha pra dentro de um alguidar! A ter aulas de balé! De sapatilha! De sapatilha!

Mas não se ficou por aqui a fanchonice! Mais à frente, às páginas tantas (olha, por acaso agora é mesmo, que a gente às vezes usa assim estas expressões sem querer dizer nada, e agora até quer. Giro!) Bom, mais à frente, está-me um desenho duma miúda, de calção, assim a fazer a parte que vai a entrar num labirinto. E o que é que estava do outro lado? Um telescópico, senhores! Um telescópico! A menos que a menina fosse ceginha e aquilo servisse pá ajudar a enfiar melhor a linha no buraco da agulha, é uma pouca vergonha!

Mas que exemplos é que a gente queremos dar às nossas crianças? Que os rapazes e as meninas é tudo a mesma coisa? Que se devem vestir como quiserem, com as cores que lá entendem, e brincar com as coisas que gostam mais? Querem que os catraios e as catraias metam na cabeça que não há trabalhos para os homens e trabalhos para as mulheres? Que qualquer pessoa pode ser aquilo que quiser? Depois admiram-se, por exemplos, de haver mulheres cientistas, como eu ouvi outro dia na televisão! É verdade que os laboratórios devem de ficar mais num brinquinho, mas depois não descobrem é nada, e os cientistas é para descobrir coisas. E a gente, as mulheres, não estamos tão calhadas para isso. Estamos mais calhadas é para tomar conta dos filhos, tomar conta da casa, trabalhar fora, trabalhar dentro, tomar conta dos netos, tomar conta do marido, tomar conta dos pais, tomar conta do cão. Tirando isso, e eu contra mim falo, não sabemos fazer mais nada. Se não fossem os homens, isto não andava para a frente.

Por isso, pensem muito bem que exemplos é que estamos a dar às crianças. É que as crianças são o futuro, que era o que dizia a minha avó (também dizia que eram outra coisa, quando lhe íamos ao pomar, mas isso não posso escrever aqui).

Qualquer dia, põem as mulheres a tomar conta disto tudo. E depois venham-se cá queixar-se e dizer que eu não avisei! Não tem corrido tudo muito bem assim como está? Mudar para quê? Manias, é o que é!

Bom, tenho de ir, que está o marido a chamar. Deve de ser para lhe mudar o canal do televisor, que ele e a box...

Até prá semana, e com licença.

PS: Até liguei prá revista que era para publicarem as fotografias que tirei ao livro com o meu telemóvel, para vocês verem! Mas ninguém atendeu. Deviam de estar a almoçar. Aquilo também deve de ser horários à espanhola, com certeza, com almoços de três horas...

Enfim, é o país que temos.

É pró menino e prá menina - A Porteira - SÁBADO (sabado.pt)

sexta-feira, 16 de abril de 2021

O plano de Pedro Marques Lopes para passar de ilustre desconhecido a influente.

Sedutor e dramático, fez as amizades que o levaram para os blogues, jornais e programas que interessavam. Foi próximo de Passos e de Sócrates ao mesmo tempo e hoje é amigo de meia Lisboa, enquanto a outra meia o despreza.

Índice

"Era suposto ser um almoço, mas ele preferiu um jantar." No dia 24 de Agosto de 2008, o Diário de Notícias (DN) publicava mais uma edição da sua rubrica Dois Cafés e a Conta, que era escrita aos domingos pelo jornalista Jorge Fiel e se resumia a uma pequena entrevista à mesa com uma personalidade. Mas naquela edição quem escreveu a rubrica não foi Jorge Fiel, mas Fernanda Câncio. O entrevistado era Pedro Marques Lopes e a conta do jantar a dois no Pap’Açorda chegou aos €127,50: couvert (€5), carpaccio de mero (€16), pimentinhos padron (€10), linguadinhos fritos (€18), caldeirada (€25), Quinta dos Quatro Ventos tinto (€28), flûte de champanhe Mumm (€15), mousse de chocolate (€7), água do Luso (€2) e café (€1,50).

No texto, Câncio escrevia que Pedro Marques Lopes (PML) era uma estrela em ascensão: "Em pouco mais de seis meses, passou de ilustre desconhecido a vedeta do Jornal das 9 da SIC Notícias". Era um exagero, mas PML estava de facto em alta (ia começar também a comentar no Eixo do Mal) e Câncio terminava dizendo que "vai haver muitas ocasiões para falar de Pedro Marques Lopes". Foi uma frase profética. Poucos meses depois, PML aparecia como novo cronista do DN depois de o seu nome ter sido sugerido no jornal por Fernanda Câncio, como confirmaram à SÁBADO dois elementos da direcção da altura.

Ao mesmo tempo, Pedro Marques Lopes era também próximo de José Sócrates (primeiro ministro e namorado de Fernanda Câncio), ao ponto de o receber em casa em jantares, como revelam à nossa revista duas fontes que estiveram nesses repastos, onde também iam outros membros do Eixo do Mal. Sócrates podia até ir a pé, porque a casa de Marques Lopes, na Borges Carneiro, distava apenas 200 metros da residência oficial do primeiro-ministro.

A influência do governo de Sócrates no grupo do DN (a Global Media) é hoje conhecida face ao exposto nos processos Face Oculta e Operação Marquês, mas na altura era apenas uma teoria do meio. Do outro lado da barricada estava o Público, que andava a publicar peças sobre a licenciatura do primeiro-ministro, com o DN a responder num editorial (16 de Abril de 2007) que Sócrates foi "convincente nas respostas" e que o caso estava a ser "péssimo para o jornalismo português".

O jantar dos €127,50 entre Fernanda Câncio e o 'ilustre desconhecido' Pedro Marques Lopes. A conta que aparece no jornal (€122,50) está mal feita

O jantar dos €127,50 entre Fernanda Câncio e o "ilustre desconhecido" Pedro Marques Lopes. A conta que aparece no jornal (€122,50) está mal feitaDR


Quando entrou no DN, PML começou os ataques a tudo o que na imprensa incomodava Sócrates. O director do Público passou de referência a escárnio: se a 18 de Maio de 2007 escrevia no blogue Atlântico que José Manuel Fernandes era "um grande senhor", a 10 de Setembro de 2011 (é só um exemplo) já garantia no blogue União de Facto que "José Manuel Fernandes tomou banho".

Depois, o grupo Cofina, nomeadamente o Correio da Manhã e a SÁBADO (após o exclusivo da revista de 31 Julho de 2014 – de que Sócrates estava a ser investigado pelo Ministério Público –, PML falou no Eixo do Mal em "canalhice", apelidou a revista de "pasquim" e disse que "chamar àquilo uma notícia é um insulto a qualquer jornalista").

Até João Miguel Tavares se tornou um alvo quando em 2009 foi processado por Sócrates por causa de uma crónica – PML respondeu com outra, irónica, chamada "Mártires da opinião". Ainda hoje, sempre que pode, PML ataca o jornalista, tal como ataca o Observador, jornal digital onde Tavares e José Manuel Fernandes coincidem.

"O que mais me irritava era eu achar que ele [PML] argumentava que estava a defender o segredo de justiça e a presunção da inocência, mas eu tinha sempre a sensação de que estava era a defender os seus amigos", diz João Miguel Tavares à SÁBADO. "É uma coisa muito comum em Portugal. Só que depois esse padrão não é mantido quando estão a falar de pessoas de que não gostam, ou que não são de Portugal. Ou seja, enches a boca apenas para proteger pessoas do teu círculo de amizades."


O mistério dos ataques a António Oliveira

Na mesma altura em que Pedro Marques Lopes (PML) recebia Sócrates em casa, fazia também parte do núcleo duro de Pedro Passos Coelho, candidato a líder da oposição. Desde finais de 2007 que PML auxiliava Passos, e isso incluía desferir ataques a todos os líderes do PSD em todos os fóruns que tinha ao dispor.

Marques Mendes (2005-07) foi mimado com "falta de jeito", "terrível preguiça", "falta de preparação", "trapalhada", "inenarráveis declarações", "pior exemplo da política portuguesa" ou "capacidade quase ilimitada de fazer e dizer disparates". Luís Filipe Menezes (2007-08) "de cada vez que pensamos que já disse todos os disparates, consegue sempre surpreender com mais um". E em Manuela Ferreira Leite (2008-10), PML só via "incompetência", "oposição inexistente", ou "nível zero". Com Menezes ainda foi pior porque o PSD levantou suspeitas sobre a contratação que a RTP fez de Fernanda Câncio para uma série de reportagens.

561 exemplares. Foi o que vendeu o seu livro de crónicas (Suaves Portugueses, de 2014)

561 exemplares. Foi o que vendeu o seu livro de crónicas (Suaves Portugueses, de 2014)


Nessa altura, PML, que era oficialmente de direita, estava em dois tabuleiros (Sócrates e Passos) movendo a mesma peça: atacar o líder do PSD vigente. Quando o País se afundou numa grave crise financeira, em 2009, Sócrates só via à frente um Bloco Central de salvação nacional com Passos do outro lado. E até foi nesse ano que a TSF (outro órgão da Global Media) lançou um programa de debate chamado Bloco Central (com PML e o socialista Pedro Adão e Silva) e que o próprio PML criou um blogue chamado União de Facto ao lado de Francisco Proença de Carvalho, que mais tarde seria advogado do banqueiro Ricardo Salgado e que era filho de Daniel Proença de Carvalho, o advogado de José Sócrates.

Mesmo Daniel Proença de Carvalho, viria a ser nomeado administrador da Global Media, empresa cujo dono, Joaquim Oliveira, era há muito amigo e colega de golfe de Pedro Marques Lopes, que ainda hoje, sempre que pode, ataca o seu irmão (António Oliveira), como ainda agora o fez a propósito da candidatura à câmara de Gaia. O que não é surpreendente porque Joaquim e António estão de relações cortadas há muito, assim como não é surpreendente que as duas figuras da justiça que PML mais atacou tenham sido o juiz de instrução da Operação Marquês e a procuradora do Apito Dourado, Carlos Alexandre e Maria José Morgado, as duas maiores dores de cabeça de José Sócrates e Pinto da Costa, o mesmo presidente do FC Porto que em 2018 entregou o "Dragão de Ouro" a Pedro Marques Lopes.

O espaço público português é quase sempre composto por estes puzzles escondidos e saber como é que um "ilustre desconhecido" conseguiu ser uma peça em tantos é o que se tenta contar a seguir.

Imagens das suas inúmeras facetas públicas, a começar em 2008, quando comentava futebol para o Sapo

Imagens das suas inúmeras facetas públicas, a começar em 2008, quando comentava futebol para o Sapo


Neto de um guarda-rios e de um taxista, filho de um milionário

Pedro Marques Lopes (PML) nasceu na madrugada de 22 de Maio de 1966 em Santo Ildefonso, Porto. Os pais moravam numa zona modesta, na rua de Monsanto. O pai, Domingos Marques Lopes, era um pequeno empresário que viria mais tarde a fazer fortuna. Nasceu em 1940 em Eira Vedra, Vieira do Minho, e teve mais sete irmãos. O seu pai (o avô paterno de PML) "era guarda-rios", diz à SÁBADO o padre da aldeia, Luís Jácome. A mãe (a avó paterna de PML) "creio que era doméstica". Em 1965 casou-se com Maria Olímpia, filha única de uma professora primária e de um taxista ("A gente conhecia-o como o ‘Alfredo do assento’", recorda uma vizinha). Um ano depois nasceu PML e em 1971 uma filha, Leonor – já em Lisboa, para onde os Marques Lopes se tinham mudado.

Domingos Marques Lopes viria a fazer fortuna nos anos 90. Um acórdão de 2012 do Tribunal Central Administrativo Sul (relativo a uma acção fiscal do Feira Nova contra a Fazenda) revela que em 1992 o pai de Pedro Marques Lopes era o

principal accionista de uma holding de hipermercados (entre eles o Feira Nova) vendida à Jerónimo Martins (JM) por €142 milhões (preços de hoje). Esse valor foi por 74%. Os outros 26% foram comprados pela JM por €49 milhões a uma holding da Zona Franca da Madeira detida por duas empresas sediadas em paraísos fiscais (Gibraltar e Ilhas Virgens) – não está escrito quem eram os seus accionistas.

Além do império de supermercados que começou no Minho nos anos 70-80, Domingos Marques Lopes teve gasolineiras, foi administrador da Casa da Sorte e presidente de uma imobiliária do universo do BPN, banco de que foi secretário da Mesa da Assembleia-Geral (saiu em 2008, em vésperas da nacionalização). Hoje, gere património e é sócio na Ourogal (azeite).

O filho não teve tanto sucesso. Pedro Marques Lopes é vogal na Dónigo, empresa fundada pelo pai em 1980. Com capital social de €12 milhões, já se chamou Ino – Supermercados e é hoje uma imobiliária com seis alojamentos locais no Grande Porto. Teve em 2019 vendas de €310 mil e resultados de €22 mil (em 2018 tinham sido de €844 mil). É vogal noutra imobiliária, a Edipad, fundada em 2001 com capital social de €250 mil. Em 2019 teve vendas de €553 mil e resultados líquidos de €189 mil. Desde 1991, teve participações em várias empresas já extintas, incluindo de eventos (TeamPlay), exploração agrícola e pecuária (Monte da Borra), computadores (Desembrulhadas), construção (Século XVII, Mestre Pedreiro e Senama) e postos de combustível (Auto D. Dinis de Odivelas).

Em 1985, PML entrou em Direito na Católica. Falámos com três ex-colegas e todos disseram o mesmo. PML era "popular, gozão e sem filtro; era um tipo do Norte entre os betos de Lisboa". Mais: "Era endinheirado, era livre [financeiramente], mais do que os outros; foi a primeira pessoa que vi a usar um cartão de multibanco." PML atravessou o curso apenas com uma namorada (a "Bel"), que era o oposto, "uma ternura, muito calma; era difícil perceber como é que aquela relação batia certo, porque ele era um espalha-brasas".

A turma criou o primeiro jornal na Católica, A Palmada, onde PML terá escrito as primeiras opiniões. Marcelo Rebelo de Sousa foi um dos professores, Jorge Brito Ferreira (ex-advogado de Isabel dos Santos) foi um dos colegas de curso. Outra colega foi Paula Lourenço, que viria a ser a advogada de Carlos Santos Silva, o amigo rico de Sócrates. Lisboa sempre foi assim: pequena.

Em 1986, com 20 anos (e com cabelo), num jantar de turma do curso de Direito da Católica

Em 1986, com 20 anos (e com cabelo), num jantar de turma do curso de Direito da CatólicaDR


PML não exerceu e foi trabalhar nos negócios do pai, mas a dada altura terá tido um susto de saúde e decidiu que queria ser feliz e cumprir o seu sonho: escrever, opinar, ser influente. Esta viragem faz parte da sua narrativa de vida e deve tê-la contado dezenas de vezes porque várias fontes (díspares entre elas) nos disseram que lha ouviram.

A visibilidade de PML começou nos blogues numa altura em que eram uma febre. Foi na blogosfera que nasceram grande parte das estrelas das colunas de jornais de hoje. Muitos chegaram a deputados e alguns estão no Governo (o secretário de estado João Galamba e a ministra Mariana Vieira da Silva). Quanto a PML, todos são unânimes em considerar João Marques de Almeida, consultor, ex-assessor de Durão Barroso na Comissão Europeia, como "o pai do monstro", para usar uma expressão emprestada de uma das fontes. "Tínhamos amigos em comum e apresentei-o ao Paulo Pinto Mascarenhas", diz à SÁBADO. Este último, ex-jornalista, ex-assessor de Paulo Portas no governo de Durão Barroso (2002-04), criou em 2004 um blogue coletivo de direita, O Acidental. Entre os 23 autores estava Pedro Marques Lopes.


O pedido a João Quadros para chegar a Nuno Artur Silva


Em 2006, PML entrou noutro blogue coletivo famoso na altura, o 31 da Armada. A cidade continha em si uma aldeia de bloggers. "No 31 da Armada fazíamos festas onde convidávamos toda a gente. De esquerda também. As pessoas davam-se, o ambiente era saudável", recorda à SÁBADO Rodrigo Moita de Deus, cofundador.

Muitas redes de contactos nasceram assim na noite de Lisboa – no Frágil, no Lux, no Incógnito, no Snob, no Old Vic – e não foi de estranhar que em 2007, quando foi lançado um blogue pelo referendo sobre o aborto, estivessem lá a escrever esquerdistas (Câncio, Daniel Oliveira, Isabel Moreira ou Pedro Adão e Silva) e passistas (PML, Vasco Rato ou Carlos Abreu Amorim). Uma fonte desse movimento diz à SÁBADO que Câncio e PML se tornaram mais próximos nessa causa comum.

Como todos os comentadores, já se enganou muito. Previu a derrota do PSD nas Europeias de 2009 e um descalabro do CDS-PP nas
Legislativas de 2011. E em vésperas da geringonça: “Até me dá vontade de rir quando se faz o discurso de que António Costa vai unir a esquerda”

Como todos os comentadores, já se enganou muito. Previu a derrota do PSD nas Europeias de 2009 e um descalabro do CDS-PP nas Legislativas de 2011. E em vésperas da geringonça: “Até me dá vontade de rir quando se faz o discurso de que António Costa vai unir a esquerda”DR


Longe dos negócios do pai, PML estava agora no seu habitat. "É um tipo sedutor, muito bom vendedor, muito afável, põe-nos logo à vontade, acabou de nos conhecer e já nos trata por ‘meu querido’", disse-nos uma fonte. Outra quis desmistificar a ideia de que é só um tipo porreiro: "Ele não pode ser subestimado, de todo. Não é destituído de inteligência e quem o subestimar está tramado, porque quando der por ela, já soltou o seu charme." Os dois retratos fazem lembrar um post de PML em 2011 no blogue Sinusite Crónica, recordando o que aprendeu nas empresas do pai: "O merceeiro, que nunca deixarei de ser, é mais forte que os meus apetites. A atividade do merceeiro é vender. Se não se vender não se é merceeiro. Não é o produto que define o comerciante, é a venda."

A chegada ao Eixo do Mal – programa da SIC Notícias feito pelas Produções Fictícias, cujo dono era Nuno Artur Silva, o atual secretário de Estado do Cinema, Audivisual e Media – é todo um programa de vendas. João Quadros, na altura guionista na produtora, recorda à SÁBADO um jantar com PML (de quem era vizinho e conhecido desde a infância). "Ele pediu-me para o apresentar ao Nuno Artur Silva porque queria fazer coisas para aparecer, segundo as suas palavras. Eu perguntei-lhe o que é que ele ia para lá fazer se não escrevia." Não o fez. "Nunca meto cunhas."

Quem fez então a ponte? Foi outro blogger d’O Acidental. "Quem me falou do Pedro Marques Lopes foi o Nuno Costa Santos", recorda à SÁBADO Nuno Artur Silva. "Comecei a lê-lo, gostei do que ele escrevia, e depois conheci-o e gostei logo dele. Era um tipo curioso. Lembro-me de me dizer que chegou a um momento da vida em que só queria fazer o que lhe apetecia." Ficaram amigos. "O Pedro é muito sociável, gosta muito de rir, de conversar, é um hedonista, é viver a vida e tirar partido dela. Adora conversar, adora almoços e jantares, adora intriguices, adora humor – uma das coisas de que gosto imenso é da gargalhada dele e dos disparates que a gente diz quando vamos almoçar. Estamos o tempo todo a rir, é um tipo francamente bem-humorado."

Contámos a Nuno Artur Silva o sucedido com João Quadros. "Se me está a perguntar se eu me senti usado, de maneira nenhuma", diz. "Nunca senti que o Pedro estivesse atrás do que lhe pudesse proporcionar."

Com os filhos, a enteada e Pinto da Costa na gala em que recebeu o Dragão de Ouro.  Marques Lopes casou-se em 1993. A mulher era divorciada e tinha uma menina de 4 anos. Tiveram dois filhos e divorciaram-se em 2016

Com os filhos, a enteada e Pinto da Costa na gala em que recebeu o Dragão de Ouro. Marques Lopes casou-se em 1993. A mulher era divorciada e tinha uma menina de 4 anos. Tiveram dois filhos e divorciaram-se em 2016 Facebook Pedro Marques Lopes


PML pegou de estaca nas Produções Fictícias no verão de 2008. Começou por fazer comentários de futebol para um canal de Internet que a produtora tinha no portal Sapo (o embrião do atual Canal Q) e logo depois, quando José Júdice saiu do Eixo do Mal, Nuno Artur Silva convidou-o para o substituir. Só no Canal Q encontrámo-lo em seis programas; num deles, Inferno, apareceu 13 vezes, entre as temporadas 1 e 7 (2011 a 2017).

O mesmo aconteceu na Global Media – uma vez dentro do DN, começou a espalhar-se pela empresa: teve programas na TSF e crónicas e rubricas na Life, no Jornal de Notícias e no Dinheiro Vivo. Em 2009, ganhava €1.000 para escrever no DN (mais tarde passou para €1.200) e €250 por cada programa semanal do Eixo do Mal, apurou a SÁBADO.

Passos Coelho foi ao Frágil?Falta uma ligação: com Passos Coelho. Nasceu também através de outro blogger d’O Acidental, Vasco Rato, politólogo e professor universitário. A história remonta a finais de 2007, quando Pedro Passos Coelho começou a preparar a sua candidatura ao PSD e teve almoços e jantares com várias personalidades para falar sobre o estado do País. Vasco Rato ajudou nesses contactos e entre eles estava Pedro Marques Lopes (PML). Foi assim que Passos Coelho o conheceu, num almoço no resturante japonês de Tomo Kanazawa, em Pedrouços, recorda Vasco Rato à SÁBADO. Passos Coelho não resistiu à energia de Marques Lopes, e este começou aqui o seu Bloco Central privativo que iria durar até à primavera de 2010.

Do outro lado estava José Sócrates, outro sedutor, e este muito preocupado com a opinião publicada. "Houve ali um momento em que o Sócrates decidiu arregimentar uma série de bloggers em jantares e conferências. O Pedro Marques Lopes foi só mais um deles. Foi completamente seduzido por aquilo. Era giro, era o poder, o ficar a saber as coisas em primeira mão, o que para um comentador até faz algum sentido", diz Rodrigo Moita de Deus.

A amizade com Sócrates foi ocultada do grande público. Em 2016, Sócrates usou um artigo de Pedro Marques Lopes num pedido de recusa do juiz Carlos Alexandre da Operação Marquês

A amizade com Sócrates foi ocultada do grande público. Em 2016, Sócrates usou um artigo de Pedro Marques Lopes num pedido de recusa do juiz Carlos Alexandre da Operação MarquêsDR


Passos fez a mesma coisa nas suas campanhas no PSD e PML ajudou nos contactos. "Houve uns sete ou oito almoços e jantares em Lisboa, quase sempre no Nobre, porque tinha uma sala à parte. Eram convidados bloggers de todas as tendências", recorda um elemento do staff de Passos. "Lembro-me perfeitamente do fim de um desses jantares, já cá fora, na rua, um desses bloggers perguntou ao Passos se não queria ir ao Frágil, porque estavam lá o Marques Lopes e a Câncio." Passos não foi.

Pouco tempo depois do almoço, os dois Pedros já se tratavam por tu e eram próximos. A 15 de março de 2008, o DN escrevia que Passos jantara dois dias antes com Pedro Marques Lopes, "analista político e um dos bloggers de maior sucesso". A 19 de abril, Passos Coelho foi à sede do PSD formalizar a candidatura "num potente Mercedes conduzido por… Pedro Marques Lopes", escrevia de novo o DN, que não tinha dúvidas: "Cada vez mais, Marques Lopes se afigura como o principal conselheiro de Passos. Um braço-direito na verdadeira aceção da palavra." A 24 de agosto, Fernanda Câncio jantava com PML no Pap’Açorda (a refeição dos €127,50) e descrevia-o assim: "Há quem o diga ‘a cabeça’ de Pedro Passos Coelho." A seguir, indicou-o à direção do DN. Marques Lopes chegou ao jornal com o mesmo rótulo com que chegou ao Eixo do Mal: alguém que falava pelo novo PSD, o de Passos.

Marques Lopes conheceu  Fernanda Câncio na altura em que bloggers políticos se davam na noite de Lisboa

Marques Lopes conheceu Fernanda Câncio na altura em que bloggers políticos se davam na noite de LisboaDR


Em pouco tempo, PML já conhecia meia Lisboa e aparecia em todo o lado: debates, conferências, movimentos, entrevistas e manifestos. Começou a escrever sobre golfe porque o diretor da revista Golfe Magazine (Ramiro Jesus) o conhecia do campo da Penha Longa, e lhe pediu umas crónicas pro bono, como contou à SÁBADO. Apareceu como convidado em vários festivais literários (Braga, Oeiras, Matosinhos, Guimarães, Viseu, etc.) porque eram todos organizados pela mesma empresa, a Booktailors, cujo dono, Paulo Ferreira, conheceu PML em lançamentos de livros de amigos, diz à SÁBADO. Haverá razões iguais para textos seus de blogues terem sido publicados num jornal de Moçambique (A Verdade) ou para ter escrito numa revista erótica portuguesa (Penthouse), mas os respetivos diretores não quiserem falar para este artigo. E começou a escrever n’A Bola e a opinar n’A Bola TV, porque era um portista conhecido, diz à SÁBADO Vítor Serpa, o diretor.

O padrão estabeleceu-se num círculo: os amigos levaram-no para espaços de opinião, que trouxeram a notoriedade que originou novos espaços de opinião.

A sua lista de colaborações e opiniões desde 2004 é extraordinária. Encontrá-mo-lo em 11 blogues e sites (O Acidental, 31 da Armada, Atlântico, Sim ao Referendo, Sinusite Crónica, Pedro Marques Lopes, União de Facto, Fãs da Madeira, Sapo, TV Net e Bons Rapazes).

Em jornais e revistas, também 11: DN, JN, A Bola, Jornal I, Dinheiro Vivo, Life, Atlântico, Epicur, Penthouse, A Verdade e Golfe Magazine.

Finalmente, em três rádios (Europa, RCP e TSF) e cinco canais de televisão (SIC Notícias, Canal Q, RTP 3, A Bola TV e Porto Canal)

Este ano, saiu do DN depois de uma longa colaboração. O jornal renegociou as avenças com os cronistas e Marques Lopes, soube a SÁBADO, não aceitou e saiu.

O segredo com Sócrates e o choque com Relvas

Dando-se com Sócrates e Passos, PML não o escondia. Uma fonte lembra-se de "estarmos a discutir política e ele estar sempre ‘pois, eu já disse isso ao Pedro [Passos Coelho]’" Era frequente falar de Sócrates em jantares. Num deles, do blogue Atlântico, no restaurante Alfândega, com dezenas de pessoas à mesa, "fez questão de dizer que era íntimo do Sócrates", recorda quem lá estava. "Ele gostava de aparecer como o conselheiro do príncipe, fosse qual fosse, o Sócrates, ou o Passos Coelho, um tipo que estava por dentro das coisas, um conselheiro, que era escutado e ouvido quando era preciso tomar decisões."

Se a proximidade com Passos foi pública, a com Sócrates foi privada – a SÁBADO não encontrou qualquer disclaimer de PML aos seus leitores, ouvintes ou telespetadores, como fez por exemplo há pouco tempo com Nuno Artur Silva, quando comentou no Eixo do Mal uma polémica do secretário de Estado.

Subitamente, PML passou a crítico de Passos Coelho. Corre a teoria de que almejava um cargo que lhe foi sonegado. A ideia de que PML queria ser político é controversa. Até para ele. Em 2014 dizia no Canal Q: "Nunca pensei na minha vida exercer um cargo político." E no mesmo ano ao Expresso: "Acho perfeitamente possível. Se o cargo político for interessante, não vejo porque não."

O DN bem  promoveu Pedro Marques Lopes em 2008, mas o braço-direito de Passos era Miguel Relvas

O DN bem promoveu Pedro Marques Lopes em 2008, mas o braço-direito de Passos era Miguel Relvas


No mínimo, a relação foi ficando fria. Há relatos de que PML se gabava de ser o cérebro de Passos, há suspeitas de fugas de informação para o DN e para Sócrates, ou que PML antecipava nos seus espaços de opinião as estratégias de Passos (a gota de água terá sido o discurso no congresso de 12 de março de 2010). Várias fontes garantiram-nos que Miguel Relvas, braço-direito de Passos, chocou de frente com PML. Quando Passos foi eleito no PSD, a 26 de março de 2010, PML estava já distante. No verão, já não era visto no PSD. O conselheiro acabava de perder um dos seus príncipes.

Depois, foi um crescendo de críticas até ao fim da legislatura de Passos, em 2015. A amizade com Sócrates e os ataques a todos os líderes do PSD deixaram-no com anticorpos em toda a Lisboa de direita. João Marques de Almeida, o que "criou o monstro", não esconde a surpresa: "Fiquei muito surpreendido. Eu não seria capaz de atacar pessoas com quem trabalhei e que me fizeram convites. Chama-se a isso lealdade. E credibilidade das nossas opiniões. Só uma grande ambição pode explicar a falta de lealdade."

Fernanda Câncio não respondeu aos nossos emails, sms, chamadas e mensagens via WhatsApp. Sócrates não quis saber qual era o assunto e desligou o telefone. Miguel Relvas e Nuno Costa Santos não quiseram falar. Pedro Marques Lopes disse que só respondia por escrito, por email. Fizemos-lhe perguntas sobre Sócrates, Câncio, António Oliveira, Nuno Artur Silva e Passos Coelho. Respondeu por email: "As perguntas que me envia são insidiosas e insultuosas. Não pretendem traçar um perfil, são um processo de intenções, prática aliás comum do grupo empresarial de que faz parte. Não as posso, evidentemente, considerar."

https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/o-plano-de-pedro-marques-lopes-para-passar-de-ilustre-desconhecido-a-influente

Pentágono confirma que fotos e vídeos de Ovnis vazados são legítimos

O Departamento de Defesa dos EUA afirma que imagens de objectos triangulares piscando no céu e outros Ovnis foram tiradas por pessoal da marinha em 2019

Fomentando o crescente interesse em objectos voadores não identificados, ou o que o governo dos EUA chama de fenómenos aéreos não identificados (UAP), o Departamento de Defesa confirmou na quinta-feira que as fotos e vídeos de Ovnis vazados recentemente eram legítimos e tirados por pessoal da marinha.

Sue Gough, porta-voz do Pentágono, confirmou à CNN que as imagens e filmagens de um objeto triangular piscando no céu, junto com outras UAPs que foram categorizadas como uma "esfera", "bolota" e "dirigível metálico", foram tiradas por pessoal da marinha em 2019.

Gough disse à CNN que o departamento de defesa não comentaria mais sobre a natureza das filmagens ou compartilharia quaisquer exames sobre elas.

“Para manter a segurança das operações e evitar a divulgação de informações que possam ser úteis a adversários em potencial, o DoD não discute publicamente os detalhes das observações ou dos exames de incursões relatadas em nossos campos de treinamento ou espaço aéreo designado, incluindo aquelas incursões inicialmente designadas como UAP ”, Disse Gough no comunicado.

Em abril passado, o Pentágono lançou três vídeos de UAPs feitos em 2004 e 2015 que incluíam áudio de pilotos maravilhados com a velocidade dos objetos que estavam vendo. "Olha essa coisa, cara!" disse um piloto. “Está girando!”

O lançamento da filmagem despertou o interesse federal na investigação das UAPs. Em agosto, o departamento de defesa criou uma força-tarefa da UAP após pressão de legisladores do Congresso. Em dezembro, o Congresso aprovou seu projeto de lei de financiamento do governo que incluía uma diretiva ao diretor nacional de inteligência e ao secretário de defesa para divulgar um relatório sobre as UAPs em seis meses.

No mês passado, o ex-diretor de inteligência de Donald Trump, John Ratcliffe, provocou o conteúdo do relatório, dizendo à Fox News que o documento incluiria avistamentos desconhecidos de “todo o mundo”.

“Francamente, há muito mais avistamentos do que os que foram divulgados”, disse Ratcliffe.

De acordo com o projeto de lei de gastos do Congresso, o relatório da UAP deve ser publicado no início de junho para cumprir o prazo.

Em abril passado, o Pentágono lançou três vídeos de OVNIs feitos em 2004 e 2015.

Em abril passado, o Pentágono lançou três vídeos de OVNIs feitos em 2004 e 2015. Fotografia: Staff / AFP / Getty Images

https://www.theguardian.com/us-news/2021/apr/16/pentagon-ufos-leaked-photos-uap

quinta-feira, 15 de abril de 2021

O Cão de Sócrates e o Cão de Costa

À semelhança do presidente dos estados unidos, José Sócrates adoptou um animal de estimação e foi ao canil buscar um cachorro. Como bom canino que é o animal tinha o hábito de roer tudo aquilo a que conseguia deitar o dente. Adorava documentos oficiais e deitou o dente a um «dvd intitulado 'espanhol para falar com chefes de estado'», a «um telemóvel que fazia ruídos estranhos quando se atendia (este por acaso até foi o meu dono que me deu para roer)»,e a «três ou quatro orçamentos de estado», que «são sempre os mais difíceis de roer». Viveu uma vida de luxo em são bento até ao dia em que roeu um «miserável papel», «uma coisa aparentemente rasca, sem valor mas afinal era valiosíssima», o certificado de habilitações do seu dono. De castigo foi para Bruxelas/Estrasburgo.

À semelhança de Sócrates, Antonio Costa, também foi ao canil adoptar um cachorro de estimação.