O que é? Para que serve? A população portuguesa tem défice? Qual é o seu papel na Covid-19? A SÁBADO preparou um conjunto de respostas a todas estas questões, mas nem toda a informação é concordante.
Uma coisa é certa: a vitamina D é um assunto que divide os próprios profissionais de saúde. Não há propriamente dois lados da questão, ou seja, quem defenda que é importante e quem a demonize. A discussão é mais sobre o seu papel, a necessidade de fazer suplementação e, mais recentemente, sobre a relação com a própria Covid-19. A SÁBADO ouviu dois especialistas – o médico de medicina geral e familiar, João Júlio Cerqueira, e a professora de Nutrição e Metabolismo da Nova Medical School, Conceição Calhau – e tentou sintetizar num explicador toda a informação, que nem sempre é concordante. Para o médico João Júlio Cerqueira, a vitamina D "é o santo Graal dos mitos" e a deficiência desta vitamina poderá ser apenas um marcador de falta de saúde e sua suplementação não resolver as razões inerentes a essa condição. Já Conceição Calhau considera que "há muita resistência para as pessoas compreenderem o quanto a deficiência de vitamina D está relacionada com a doença".
O que é a vitamina D?
Não é bem uma vitamina, na verdade, trata-se de uma hormona que regula funções múltiplas no organismo, assim como o próprio metabolismo energético (o conjunto de reacções químicas que produzem a energia necessária para a realização das funções vitais dos seres vivos).
Para que serve?
Está ligada sobretudo à saúde óssea. Tradicionalmente, o défice de vitamina D está associado ao raquitismo nas crianças – "felizmente, uma doença rara nos dias de hoje", diz João Júlio Cerqueira – e à osteomalacia nos adultos. "Ou seja, a deficiência de vitamina D compromete a massa óssea, porque o metabolismo do cálcio e do fósforo está muito dependente desta vitamina enquanto hormona", explica Conceição Calhau.
Contudo, hoje já se sabe que também tem importância para o sistema imunitário e está associada a doenças auto-imunes, como a diabetes tipo 1 ou a esclerose múltipla. "No mundo árabe, quando as mulheres passaram a estar com o corpo todo coberto, houve uma prevalência nunca antes vista de esclerose múltipla", diz a também investigadora do CINTESIS, Conceição Calhau. Sabe-se ainda que tem um papel na regulação da pressão arterial, daí que em muitos casos de hipertensão haja uma deficiência de vitamina D.
Quais são as principais fontes de vitamina D e onde a podemos obter?
A exposição solar é uma das principais fontes de vitamina D. "No hemisfério norte, entre o início de Abril até final de Setembro, a maioria das pessoas é capaz de obter grande parte da vitamina D de que precisa através da exposição solar", considera João Júlio Cerqueira. Também é possível obtê-la através da ingestão de alguns alimentos como o óleo de fígado de bacalhau (que era o antigo suplemento de vitamina D), peixes como o salmão, a sardinha, o arenque e a cavala, os cogumelos, carne vermelha, gema de ovo e lacticínios (que não sejam magros).
"Mas ao fazer as contas ao longo do dia é muito difícil garantir o aporte diário necessário – precisamos de 1000 a 2000 unidades internacionais por dia [a unidade de medida da quantidade de uma substância] – com a alimentação", alerta Conceição Calhau.
A relação entre a exposição solar e os níveis de vitamina D que temos no organismo é linear?
Apanhar sol não significa ter melhores níveis desta vitamina no organismo, há vários factores que influenciam, como por exemplo a cor da pele – quanto mais escura, maior dificuldade de produção de vitamina D. Conceição Calhau vai ainda mais longe e diz que "afirmar que há uma relação linear parece até tolo". Explicação: para que haja a sintetização desta hormona através da incidência da radiação ultravioleta é preciso uma série de pressupostos, chama a atenção a profissional.
Primeiro, fazer exposição solar sem protector; segundo, sem roupa e terceiro, na quantidade de tempo necessária. A estação do ano também tem influência já que no Inverno, por exemplo, a incidência dos raios solares é menor, logo é mais difícil sintetizar vitamina D. A especialista alerta ainda para outro factor que pode condicionar: a medicação para o colesterol, as chamadas estatinas.
Razão: "As estatinas vão inibir uma enzima que é usada na síntese da vitamina D", explica. Na verdade, no estilo de vida contemporâneo não há tanta exposição solar como existia antigamente – em que as principais actividades, como a agricultura e a pesca, eram feitas ao ar livre e a pele estava mais habituada e sujeita à exposição solar.
A população portuguesa tem défice de vitamina D?
Há um estudo publicado em 2020 no jornal científico Archives o Osteoporosis, e realizado por investigadores portugueses de Coimbra, Leiria e Lisboa, que concluiu que mais de dois terços da população apresenta níveis insuficientes de vitamina D.
O valor que se considera como referência, ou seja, o normal, é 30 nanogramas por mililitro, contudo se se considerar os 10 nanogramas por mililitro – valor a partir do qual é consensual a existência de suplementação –, então a percentagem de população com deficiência é apenas 1/5, destaca João Júlio Cerqueira.
O profissional também chama a atenção para o facto de a base de dados usada no estudo português não ter sido feita para avaliar a vitamina D (mas a prevalência de doenças reumáticas e musculoesqueléticas para um estudo anterior da Sociedade Portuguesa de Reumatologia).
O que explica esta insuficiência?
Há uma razão genética, mas não só. "Geneticamente, já percebemos que a população portuguesa tem umas caraterísticas que fazem com que tenhamos menos capacidade de fazer a síntese da vitamina D, mesmo apanhando sol", diz à SÁBADO Conceição Calhau. A investigadora concluiu recentemente um estudo que chegou a esta conclusão e cujos resultados serão conhecidos nos próximos dias.
Além disso, também o facto de se achar que a exposição solar que temos é suficiente. "Isso não é verdade. Nós já não somos um país de sol porque já não temos o estilo de vida de andar ao ar livre, isso é uma evidência", explica.
Devemos tomar suplementos de vitamina D?
A resposta não é consensual e é controversa. Para Conceição Calhau, o que é importante é monitorizar os níveis de vitamina D, como se controla qualquer outro parâmetro, e consoante o resultado procurar um profissional de saúde. Não tem dúvidas sobre a necessidade de suplementação abaixo do valor de referência de 30 nanogramas por mililitro, o que considera discutível é a frequência com que se toma. "Não é igual tomar só uma vez por mês ou tomar diariamente. Para mim, todos os dias faz mais sentido do ponto de vista fisiológico, porque é assim que funciona o nosso metabolismo, nós também não comemos só uma vez por mês", diz.
João Júlio Cerqueira destaca duas posições distintas: o serviço nacional de saúde britânico que aconselha a toma de vitamina D de forma generalizada, principalmente no inverno (à semelhança do que já acontece em alguns países do norte da Europa) e a US Preventive Services Task Force (um painel independente de especialistas na prevenção de doenças e na medicina baseada na evidência) que "refere existir evidência insuficiente para validar o rastreio e suplementação com vitamina D para a prevenção de doenças cardiovasculares, cancro ou fraturas".
Ter níveis baixos de vitamina D prejudica a nossa saúde?
Sem dúvida, sobretudo no que diz respeito à saúde dos ossos. Níveis baixos de vitamina D também estão associados a uma série de outras doenças (ver pergunta 2). "Mas quando se fazem estudos controlados em que se suplementam pessoas com vitamina D, conclui-se que têm pouco ou nenhum impacto no controlo ou progressão dessas doenças. Ou seja, a insuficiência de vitamina D poderá ser apenas um marcador de falta de saúde e a suplementação não resolver as razões inerentes a essa falta de saúde", considera João Júlio Cerqueira.
Qual é o papel da vitamina D na covid-19?
Saiu recentemente uma meta-análise no Metabolism Clinical and Experimental que afirma que não há diferenças estatisticamente significativas no que diz respeito ao prognóstico entre as pessoas com níveis de vitamina D normais e aquelas com níveis baixos. Contudo, também se refere que a suplementação pode diminuir o risco de ter doença grave.
Ou seja, défice de vitamina D poderá estar associado à vulnerabilidade de ter doença mais grave. "Apanhar covid tem a ver com o meu comportamento e com a probabilidade de contactar com um ambiente infetado. Já se fico assintomática, se tenho sintomas ligeiros ou se fico em estado grave, a resposta que vou ter a nível do sistema imunitário depende de vários fatores, um deles, a vitamina D", diz Conceição Calhau.
Tomar em excesso, ou seja, fazer suplementação sem ser necessário, pode ser prejudicial para a saúde?
Dificilmente acontece tomar em excesso, a não ser que se façam doses muito elevadas, dizem os especialistas. "Claro que tudo o que tem a ver com a alimentação é uma curva em U, o pouco faz mal, mas o muito também", diz Conceição Calhau. Nesse caso, o risco é acumular-se uma quantidade de cálcio no sangue superior ao normal, ou haver mais probabilidade de ter as chamadas pedras nos rins.
Vitamina D: A vitamina da discórdia - Ciência & Saúde - SÁBADO (sabado.pt)
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