É pró menino e prá menina
Ai filhos, isto foi só pousar os sacos aqui no hóle e vir a correr para o computador, que ter uma coluna numa revista é uma grande responsabilidade. Vinha eu a contar pôr já as máquinas da roupa a fazer, mas o Dom Pedro trocou-me as voltas.
Ai filhos, isto foi só pousar os sacos aqui no hóle e vir a correr para o computador, que ter uma coluna numa revista é uma grande responsabilidade. Vinha eu a contar pôr já as máquinas da roupa a fazer, mas o Dom Pedro trocou-me as voltas. Diz que amanhã já abre.
E prontos, lá se acabaram as férias. Não há bem que sempre dure, nem mal que não sei quê, como dizia a minha avó. Por acaso, apanhámos muito bom tempo, e esteve sempre calor. Olha, pelo menos de roda do fogareiro das sardinhas, que foi de onde eu não saí. É que isto em Agosto, vem sempre muito primo de fora, gente que anda emigrada. E, vai-se a ver, ainda estão mais pobres que a gente, que aquilo lá fora também anda muito mal. A diferença é que eles lá, não percebem o que os outros dizem. Olha, antes assim, que a gente cá percebe, e também não ouvimos nada de jeito.
Por falar em nada de jeito, eu gosto muito de campismo! Sempre gostei, desde miúda. A gente não era bem campismo que a gente fazíamos. Mas a casinha dos meus pais, Deus me perdoe, era tão pobre que só lhe faltava um pau no meio para ser uma tenda. Olha, ou um circo, que os meus irmãos e mais eu, podíamos ser pobrezinhos, mas éramos muito reinadios. Mas hoje em dia, os miúdos só querem é estar agarrados aos computadores. Tínhamos lá uma data de gaiatos no campismo, e já nem uma bola se joga, nem uma macaca, nem um elástico, é tudo pós poquémõns. Eu ainda disse prá minha cunhada: «Ó Isaurete (que é como ela se chama, que a mãe era meio brasileira, por acaso, já morreu, foi de uma trombose que lhe deu na cabeça, e a filha até ficou muito bem, que ela tinha umas poucas de casas lá no Nordeste ou que é, e agora quem está a explorar aquilo é o meu irmão. A explorar aquilo e a mulher, vá).
Bom, onde é que eu ia? Ah, e digo eu assim prá Isaurete: «Ó Isaurete, em vez dos miúdos estarem com as caras enfiadas nos ai-pedes, porque é que a gente não vamos ali ao Fórum Almada, que é mesmo aqui defronte do campismo, e não les compramos uns cadernos de actividades? Olha, depois quando acabarem, podemos usar as folhas para acender o carvão, que aqui pinhas é coisa que não há, e a acendalha está pela hora da morte. O que é que tu achas, ó Isaurete?»
E lá foi ela perguntar ao meu irmão, que é o marido dela, que a Isaurete nunca não acha nada, vai-lhe sempre perguntar. Educações antigas, como deve de ser.
Bom, nisto, lá se metemos a gente dentro de uma carreira que vai mesmo do campismo até Entrecampos, mas que pára lá no centro comercial. E lá fomos todas lampeiras, sentadinhas, todas muito animadas, no meio daqueles miúdos que são os drogados que vêm da praia, que é quem mais usa esta carreira. Lá iam, com as guitarrinhas deles, com os cãezinhos deles, com as garrafinhas de cerveja deles, e com aqueles cigarros que eles fumam que parece que cheiram a um Brise que há, não me lembra se é o de pinho se é o de frutos do bosque.
O que eu sei dizer é que a gente entramos na livraria e damos logo de caras com um livro de actividades que tanto dava para rapazes como para meninas! Juro pela minha saúde! Ia-me caindo tudo. E o tudo, neste caso, era o porte-moedas que eu levava debaixo do braço, que a tenda não tem chave. Pois com certeza.
Só de me lembrar, já estou a levar outra vez as mãos à cabeça! O mesmo livro de actividades para rapazes e pra raparigas, tudo junto. E a capa assim numa cor que eu não sei dizer qual é. Só sei que não era nem de rapaz nem de menina, que até aí chego eu, e só tenho a terceira classe. A quarta já não fiz, que a minha mãezinha era muito religiosa e dizia sempre «três foi a conta que Deus fez». E foi. Por acaso, foi. Pelo menos, é o que está lá escrito...
Bom, toca de abrir o livro, a Isaurete e mais eu, e só não cuspi o abatanado porque não estava a beber. A gente bate os olhos, oiçam bem, a gente bate os olhos num desenho de um rapaz a ajudar a mãe a fazer o lanche! A estender uma monda de roupa! A descascar ervilha pra dentro de um alguidar! A ter aulas de balé! De sapatilha! De sapatilha!
Mas não se ficou por aqui a fanchonice! Mais à frente, às páginas tantas (olha, por acaso agora é mesmo, que a gente às vezes usa assim estas expressões sem querer dizer nada, e agora até quer. Giro!) Bom, mais à frente, está-me um desenho duma miúda, de calção, assim a fazer a parte que vai a entrar num labirinto. E o que é que estava do outro lado? Um telescópico, senhores! Um telescópico! A menos que a menina fosse ceginha e aquilo servisse pá ajudar a enfiar melhor a linha no buraco da agulha, é uma pouca vergonha!
Mas que exemplos é que a gente queremos dar às nossas crianças? Que os rapazes e as meninas é tudo a mesma coisa? Que se devem vestir como quiserem, com as cores que lá entendem, e brincar com as coisas que gostam mais? Querem que os catraios e as catraias metam na cabeça que não há trabalhos para os homens e trabalhos para as mulheres? Que qualquer pessoa pode ser aquilo que quiser? Depois admiram-se, por exemplos, de haver mulheres cientistas, como eu ouvi outro dia na televisão! É verdade que os laboratórios devem de ficar mais num brinquinho, mas depois não descobrem é nada, e os cientistas é para descobrir coisas. E a gente, as mulheres, não estamos tão calhadas para isso. Estamos mais calhadas é para tomar conta dos filhos, tomar conta da casa, trabalhar fora, trabalhar dentro, tomar conta dos netos, tomar conta do marido, tomar conta dos pais, tomar conta do cão. Tirando isso, e eu contra mim falo, não sabemos fazer mais nada. Se não fossem os homens, isto não andava para a frente.
Por isso, pensem muito bem que exemplos é que estamos a dar às crianças. É que as crianças são o futuro, que era o que dizia a minha avó (também dizia que eram outra coisa, quando lhe íamos ao pomar, mas isso não posso escrever aqui).
Qualquer dia, põem as mulheres a tomar conta disto tudo. E depois venham-se cá queixar-se e dizer que eu não avisei! Não tem corrido tudo muito bem assim como está? Mudar para quê? Manias, é o que é!
Bom, tenho de ir, que está o marido a chamar. Deve de ser para lhe mudar o canal do televisor, que ele e a box...
Até prá semana, e com licença.
PS: Até liguei prá revista que era para publicarem as fotografias que tirei ao livro com o meu telemóvel, para vocês verem! Mas ninguém atendeu. Deviam de estar a almoçar. Aquilo também deve de ser horários à espanhola, com certeza, com almoços de três horas...
Enfim, é o país que temos.
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