Onde estão todos esses médicos, que não estão a trabalhar? Estão de férias, estão de greve, estão doentes?
Os médicos do país das clínicas porta sim e porta não, o país com "metade dos médicos a dar baixa á outra metade", o país dos médicos a dar baixas "só porque sim" aos funcionários públicos, para assim estes dizerem e fazerem greve, mas a receber na mesma dos serviços sociais, o país dos médicos que fazem parte da folha salarial dos hospitais, mas que é raro vê-los por lá, etc., etc.… o país dos médicos generosamente pagos, para o seu rendimento e para a sua qualidade, sem questionamento de qualquer ordem, pelo poder politico e de justiça, no país, cujos médicos preferem deixar ao PCP o controlo dos seus sindicatos e também da Ordem… sem se importarem com o caos, que está na génese do PCP (até tomarem conta do poder) nem com a saúde dos seus compatriotas – que por acaso são quem lhes paga e muito bem, mas pouco – deles - recebe em troca.
Henrique Raposo
Boa tarde, caro leitor!
Ouvimos uma coisa tantas vezes que depois não nos passa pela cabeça contestá-la. Os responsáveis corporativos de um dado sector dizem uma coisa, os jornalistas, pivots e comentadores repetem essa mesmíssima coisa até ao ponto em que é vulgata, sabedoria convencional, uma "forma mental" que não se questiona. Por exemplo, ouvimos durante anos que a idade de Biden não era um problema - mas afinal é. E agora é tarde demais para tentarmos resolver essa questão. Mas como é que aquilo que era considerado "fake" há 15 dias é agora um dado inequívoco? Um estudo de caso, sem dúvida: a elite liberal acreditava que a idade de Biden não era um problema e diabolizava quem ousasse falar do tema, mesmo quando essas pessoas eram de esquerda, como diz aqui Ricardo Araújo Pereira; mas, num ápice, essa mesmíssima elite saltou do 8 para o 80, e agora defende a saída de Biden, apesar de não existir um substituto claro. E deixem-me rebobinar ainda mais a cassete. Quando apareceu a Covid, a narrativa dos liberal media era clara e certeira: manter a sensatez, evitar cair nos excessos chineses, evitar que Trump usasse a covid como desculpa para alargar poderes executivos e com potencial ditatorial. A narrativa mudou para o excesso do #ficaremcasa quando perceberam que Trump não ia ser autoritário, mas libertário até ao ponto da irresponsabilidade. E assim saltaram do 8 para o 80. Aliás, é por isso que ainda hoje é considerado "trumpista" seguir uma linha de investigação mais do que sensata: a covid pode ter tido origem num laboratório chinês; e isto não é feito porque órgãos como o NY Times deixaram o jornalismo liberal clássico e entraram num activismo político. E, neste quadro mental, seguir esta pista chinesa é considerado "racista" e "trumpista". Mas porque é que desconfiar da maior ditadura do mundo com laboratórios de armas biológicas é racismo?
Quando se diz que o centro racional não aguenta, é disto que estamos a falar.
Agora, deixem-me puxar este assunto para um dos temas mais ouvidos no nosso país. Ouvimos quase todos os dias que há poucos médicos em Portugal, que há falta de médicos. Ainda hoje já ouvi isso várias vezes nos média. Só que isto não faz sentido, lamento.
I. FACTO DO CONTRA
Portugal é um dos países com mais médicos per capita
Portugal é um dos países com mais médicos per capita (de resto, também é um dos países com mais polícias per capita). Segundo o Eurostat, Portugal é o segundo país da UE com mais médicos por cada cem mil habitantes. Só somos superados pela Grécia. Temos cerca de 560 médicos por cada 100 mil pessoas. A França tem 318 e a Bélgica 324. A média da UE é 405 por 100 mil habitantes.
As contas da OMS são um pouco diferentes, mas continuamos na frente. Temos 57 médicos por 10 mil habitantes, só somos superados pela Suécia (71), Bélgica (63) e Grécia (63). Ou seja, somos o quarto país do mundo com mais médicos por habitante. Não, não estou louco: veja de novo aqui. E isto é o resultado de uma evolução histórica notável em Portugal. Em 1990, tínhamos 2.8 médicos por 1000 habitantes, agora temos 5,7.
Porque é que isto é importante? Porque temos de desviar a atenção dos recursos (que estão numa quantidade mais do que aceitável) para a gestão desses mesmos recursos, ou seja, temos de falar de diferentes modelos de "estado social" e de "direito à saúde". Essa discussão a jusante não é tema para a "Contrafactual". Mas o que aqui fica claro é que, a montante, a discussão mediática, política e ideológica em Portugal está a ser feita ao lado da realidade. Não se pode começar esta discussão vital no pressuposto de que há falta de médicos. Não é verdade.
II. CONTADO NÃO SE ACREDITA
Tentaram cancelá-lo porque vendia cerveja "maricas"
Até que ponto as coisas podem entrar num radicalismo sem ponto de retorno? A história que se segue revela como já entrámos num vórtice sem fim à vista.
Garth Brooks é um cantor country, género associado à América vermelha. Além de cantor, tem um bar muito famoso onde resolveu vender uma Budweiser light, que, na cultura sulista e trumpista, é associada ao movimento LGBT, até porque a Budweiser fez uma publicidade com um modelo trans. Ora, a simples venda dessa cerveja sem álcool considerada "amaricada" ou "trans" por este público vermelho, digamos assim, levou a uma onda de protestos e de boicotes contra a cerveja, contra o bar e, por arrasto, contra o famoso cantor. Garth Brooks foi forçado a responder, dizendo o óbvio: Eu vou com continuar a vender Bud Light, até porque acredito na diversidade; quem não quiser aparecer não apareça, até porque são evidentes idiotas!
É por isso que Bill Maher deu a Brooks um dos prémios Cojones de 2024.
Mas, de facto, contado não se acredita. A Budweiser sofreu nas vendas brutalmente, deixou de ser pela primeira vez em décadas a cerveja mais bebida nos EUA. Isto porque o boicote original dos reacionários levou a um contra boicote woke, porque se considerou que a marca não defendeu o modelo trans.
Estas sucessivas inverosimilhanças da cultura de cancelamento, à esquerda e à direita, dizem-nos uma coisa: a guerra civil, o indizível, talvez não esteja longe.
III. A LENTE DA ARTE
O médico
Por vezes, é bastante claro que o público já esqueceu ou nunca aprendeu uma coisa: a medicina moderna é recente; a nossa conquista de boa parte das doenças é recente. E, como não sabem que o conforto atual é uma construção humana recente, muitas pessoas caem nos excessos. Ou caem nas teorias da conspiração contra vacinas (porque assumem que a ausência de doenças é o estado natural e não a consequência da vacinação) ou caem nos excessos hipocondríacos (#ficarmecasa) que exageram as ameaças.
Neste sentido, gostava de recomendar dois livros sobre os primórdios da medicina moderna durante a primeira metade do século passado. Sobre a realidade portuguesa, não há nada como ler os "Diários" de Miguel Torga; ali vemos um médico caixeiro viajante atravessando um país pobre e doente, um país pré revolução médica do século XX. Também é muito recomendável o romance de William Somerset Maugham, "Servidão Humana"; neste enquadramento, destaco a forma como o jovem médico, alter ego do autor, entra na servidão humana que era a família pobre e urbana de há cem anos. Não é literatura com "safe spaces", não; e mostra como a medicina esteve sempre na fronteira das discussões morais, muito para lá das questões técnicas da profissão. Podemos dizer o mesmo sobre a série "The Knick".
O clássico de Atwood, "A História de uma Serva", pode ser visto como uma ilustração da forma como a medicina quis sempre controlar o corpo da mulher, sobretudo a mulher pobre e desprotegida.
Ainda sobre medicina, não posso de deixar de rever o "Frankenstein" da Mary Shelley com outros olhos hoje em dia – o lado negro da medicina e da ambição científica; construções humanas que escapam ao nosso controlo. O criminoso Oxycontin – o crime do século – ou o mais do que duvidoso Ozempic levam-me a pensar que a medicina e a química criaram um biopoder tão grande sobre a sociedade, que, por vezes, as coisas já se assemelham ao "Admirável Mundo Novo": há uma droga – a Soma do romance de Huxley – para tudo. Não quero sentir mais dor? Oxy. Quero emagrecer sem precisar de comer bem, sem precisar de me libertar da comida processada do capitalismo agro alimentar que altera os produtos da mesma forma que as tabaqueiras alteravam (alteram) o tabaco para criar adição? Ozempic, pf, mesmo que isso iniba outras vontades além da vontade de comer. O mundo distópico imaginado por Huxley por vezes parece a nossa realidade.
https://expresso.pt/newsletters/contrafactual/2024-07-11-portugal-e-o-quarto-pais-do-mundo-com-mais.-medicos-ef57489a🇵🇹
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