José Luís Camacho:
"Não estou dizendo que é uma conspiração, mas é uma conspiração"
Carolina Branco - Texto
Sónia Simões - Texto
Carlos Diogo Santos - Texto
Já havia investigações da PJ relacionadas com o avião com 500 kg de droga, ainda antes de ter sido intercetado no Brasil. Loureiro foi ouvido durante 4 horas. O que disse à polícia e o que já se sabe.
Assim que a Polícia Judiciária (PJ) soube que os seus congéneres brasileiros tinham apreendido meia tonelada de cocaína num avião privado da OMNI proveniente do Aeródromo de Tires, em Cascais, foram imediatamente ao local à procura de vestígios. Lá encontraram o carro do único passageiro que viajou nessa aeronave com o ex-presidente do Boavista, João Loureiro, para Salvador da Bahia: Mansur Ben-barka Heredia, um cidadão espanhol referenciado por tráfico de droga e já sinalizado e controlado pela polícia portuguesa.
O carro acabou por ser apreendido pela PJ, apesar de ainda não haver qualquer pedido de colaboração formal feito pelas autoridades brasileiras, enquanto, no outro lado do oceano, João Loureiro e o cidadão espanhol foram levados para as instalações da polícia. Ambos deviam ter regressado a Portugal no dia 9 de fevereiro. E com eles viriam do Brasil cinco outros passageiros: os empresários de futebol Bruno André Carvalho dos Santos e Hugo Miguel Gonçalves Cajuda de Sousa, Paulo Jorge Saturnino Cunha, Bruno Geraldes de Macedo e o jogador do Benfica Lucas Veríssimo da Silva, de acordo com o manifesto do voo a que o Observador teve acesso. João Loureiro só ontem foi formalmente ouvido na Polícia Federal, que no auto que elaborou descreve não só as suas respostas, como dá conta da extração de dados do seu telemóvel.
Ao que o Observador apurou, porém, mesmo que o avião tivesse partido do Brasil sem ser intercetado pela polícia brasileira, seria passado a pente fino em Portugal. “Se este avião tivesse chegado a Portugal, provavelmente haveria uma apreensão“, disse uma fonte ligada ao caso, que diz que o cidadão espanhol, que residirá em Madrid, já estava debaixo de olho das autoridades portuguesas. Além disso, o Observador apurou que já havia investigações em Portugal relacionadas com esta situação, ainda antes de o avião ter sido intercetado no Brasil.
As dúvidas em relação a este caso ainda são muitas. O ex-presidente do Boavista esteve na tarde desta sexta-feira a prestar declarações à Polícia Federal — que podem exatamente ajudar a decifrar o enigma. De quem era a droga? De onde veio e para onde ia? Qual a relação com João Loureiro, Lucas Veríssimo e os outros passageiros?
As rotas do Falcon que não voltou
A rota do Falcon 900 teve duas paragens. O voo de ida para o Brasil começou no Aeródromo de Tires no dia 27 de janeiro, fez escala em Cabo Verde, parou em Salvador da Baía e seguiu até ao destino final: Jundiaí, no interior de São Paulo — terá sido nesta cidade que a droga foi carregada, segundo admite um responsável pela empresa a que pertencia o avião Falcon 900, a OMNI, em declarações ao Observador.
No voo de ida para o Brasil seguiam, além de João Loureiro e do cidadão espanhol, três outros tripulantes. Mansur Ben-barka Heredia, o espanhol que seguia com Loureiro, estava a ser vigiado pela Polícia Judiciária, sabe o Observador: os levantamentos de dinheiro e as viagens que fazia, por exemplo, iam sendo monitorizados pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes. Não é claro, porém, se o cidadão espanhol já estava em Portugal ou se veio de Espanha para Tires para apanhar o voo.
João Loureiro, filho de Valentim Loureiro, garantiu em declarações à SIC desconhecer este cidadão espanhol com ligações ao tráfico de droga. Explicou que foi ao Brasil num avião privado pago por uma empresa brasileira que o queria contratar como consultor. No manifesto consultado pelo Observador, a empresa que contratou o serviço da aeronave foi a Lopes & Ferreira Assessoria Ltda, no Brasil.
O Observador tentou contactar João Loureiro e a empresa, para perceber a ligação, mas sem sucesso. Ao início da noite (tarde no Brasil), João Loureiro saía das instalações da Polícia Federal, depois de quatro horas a ser ouvido pelo delegado responsável pelo caso. Também à SIC, o ex-presidente do Boavista, que é advogado, disse que se tinha disponibilizado a ficar em território brasileiro para colaborar com as autoridades. Ao Observador, porém, fonte da Polícia Federal disse que essa decisão foi, afinal, um conselho da própria polícia.
Porém, após a diligência, o antigo presidente do Boavista saiu em liberdade, ainda que tenha sido advertido a comunicar qualquer alteração de morada. Ao que o Observador apurou, terão ainda sido copiados dados do seu telemóvel, como fotografias e mensagens, para que os investigadores possam perceber se a sua versão corresponde ao que realmente aconteceu. Se isso acontecer, diz fonte oficial, ficará “descartado”.
Loureiro garante ter sinalizado problemas com carga: umas caixas de vinho
O avião privado onde seguia João Loureiro chegou a Jundiaí no dia 28 de janeiro. Logo quando aterrou, segundo o próprio relatou à SIC, houve “problemas” com umas caixas de vinho que integravam a bagagem. O advogado mostrou mesmo uma mensagem que enviou, a 6 de fevereiro, ao comandante do avião a pedir que fossem “rigorosos na inspeção da carga”. João Loureiro disse que começou a desconfiar de que algo estava errado porque o voo de regresso foi sendo adiado.
Confrontado com esse relato, um responsável da OMNI apontou para outra versão. Ao Observador, disse que Loureiro “pode dizer o que quiser” e garantiu que foi o próprio comandante quem contactou as autoridades por causa dos problemas que encontrou no avião, remetendo esclarecimentos para um comunicado que a empresa enviou minutos depois.
O voo de regresso chegou a estar marcado para 1 de fevereiro. Depois foi adiado para dia 6. De acordo com o manifesto a que o Observador teve acesso, nesse dia 6 a aeronave faria um voo de Jundiaí, em São Paulo, para Salvador — com Loureiro e o passageiro espanhol a bordo. E, no dia seguinte, de Salvador para Tires com escala em Cabo Verde — já com os restantes cinco passageiros também a bordo. Também neste dia, o voo acabou por não acontecer e foi reagendado para 9 de fevereiro, data em que acabaria por ser retido após a descoberta dos 500 quilos de cocaína.
A justificação para os sucessivos adiamentos parece estar relacionada com a autorização para aterrar em Portugal. O responsável pela empresa OMNI disse ao Observador que foram “ajustando o horário do voo em função da autorização para aterrar em Portugal, que nunca chegou”. Mas não é o que diz a Polícia Federal, que, à agência espanhola Efe, confirmou que o avião particular já tinha autorização para voar para Portugal — o que levou o Governo português a emitir um esclarecimento.
Esse é, porém, mais um enigma neste caso. Na passada quarta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) desmentiu essa informação e garantiu que o pedido de autorização foi rejeitado, sem adiantar o motivo. Num comunicado enviado à agência Lusa, adiantou apenas que “o pedido de autorização para a viagem na aeronave em apreço foi indeferido pelo MNE”. O Observador contactou o MNE a fim de saber por que razão o pedido de autorização foi rejeitado. A explicação prende-se com “a proibição de voos comerciais ou privados com origem ou destino no Brasil em vigor”, que levou a que a viagem não fosse “autorizada pelas autoridades competentes, tendo o MNE emitido um parecer negativo ao pedido de voo”.
Segundo apurou o Observador, o defesa central brasileiro contratado pelo Benfica, Lucas Veríssimo, e o seu agente, Bruno Macedo, encontraram entretanto uma ligação que lhes permitiu viajar para Lisboa após a final da Taça dos Libertadores — uma vez que aquele voo privado estava sucessivamente a ser adiado.
Já os empresários de futebol Bruno Santos e Hugo Cajuda de Sousa e Paulo Jorge Saturnino Cunha, que se tinham deslocado ao Brasil para assistir à final da Taça dos Libertadores entre Palmeiras e Santos, no dia 30 de janeiro, enfrentaram o mesmo problema: a falta de opções para regressar a Portugal. Assim, através de um amigo em comum também ligado ao futebol, tentaram perceber se havia vaga naquele voo privado para voltar, chegando mesmo a viajar para Salvador na tentativa de ir naquele avião. Por causa dos adiamentos, regressaram a São Paulo, onde ainda se encontram.
O dia em que foi encontrada a droga
O voo ainda chegou a ser reagendado para 9 de janeiro. Foi nesse dia, porém, que as autoridades acabariam por descobrir a droga, depois de o piloto do avião (que o Observador também tentou contactar, sem sucesso) ter comunicado à torre de controlo que os seus comandos de voo indicavam uma possível avaria. Foram os mecânicos chamados à aeronave que acabaram por encontrar a droga e alertar a Polícia Federal. “Com o apoio de especialistas criminais federais e cães treinados para detetar drogas da Polícia Civil, foram encontrados na aeronave outros esconderijos onde estava o resto da droga”, informou à data Polícia Federal.
Segundo o comunicado da OMNI, na viagem para o aeroporto em Salvador, a fim de aguardar pela autorização de regresso para Lisboa, “foi detetado um problema técnico durante a aproximação”. “Esta situação ocasionou a necessidade de intervenção de manutenção no avião, tendo sido prontamente solicitada pelo Comandante do voo à Dassault (fabricante do avião), em São Paulo”, lê-se.
Esse problema obrigou à abertura do painel técnico na fuselagem do avião. E foi aí que encontraram um volume afixado à estrutura interna do avião. Segundo a Polícia Federal, a droga estava dividida em placas marcadas com logótipos de marcas desportivas famosas.
Os três tripulantes e dois passageiros da aeronave foram levados à Superintendência da Polícia Federal em Salvador para prestar depoimento. Piloto, co-piloto e hospedeira, segundo o comunicado da OMNI, já estão em Portugal há vários dias. João Loureiro garantiu à SIC que, apesar de ter sido levado à polícia no último dia 10, não chegou a ser ouvido. O Observador sabe que esta sexta-feira o advogado esteve a ser ouvido pelas autoridades.
O que disse João Loureiro esta tarde ao delegado da Polícia Federal
No auto de inquirição da Polícia Federal consta que João Loureiro reiterou esta sexta-feira que tinha viajado para o Brasil para eventualmente auxiliar um grupo empresarial, garantindo nada saber sobre a droga escondida no avião. Além disso, o antigo presidente do Boavista frisou que só no dia 10 de fevereiro tomou conhecimento da apreensão de droga na aeronave — um dia após a operação. Nessa altura, disse, já teria regressado a São Paulo.
Além de responder às questões, João Loureiro permitiu que as autoridades procedessem à cópia de dados do seu telemóvel, como fotografias e mensagens, com vista a apurar no decurso da investigação a veracidade da versão apresentada.
Observador