sábado, 13 de fevereiro de 2021

Comunistas portugueses e russos: o mesmo destino.

Como é possível acreditar no “Pai Natal” russo, considerando-o “anti-imperialista” ou “anti-fascista”, quando ordena a invasão de países vizinhos ou tem como aliados partidos da extrema-direita russa?

O Partido Comunista Português não podia ficar indiferente a toda a agitação provocada pela detenção e prisão do opositor russo Alexey Navalny, mas os argumentos utilizados para defender a política repressiva do “czar” Vladimir Putin bradam aos céus pela sua demagogia e hipocrisia. Mas vamos por partes.

No Parlamento Europeu, o PCP vota contra qualquer crítica ao regime de Putin pela violação dos direitos humanos, ao lado dos partidos da extrema-direita europeia, nomeadamente no que respeita à violenta repressão policial lançada sobre qualquer manifestação da oposição não sistémica na Rússia.

Os argumentos são reproduções exactas das palavras dos propagandistas russos: a oposição não passa de um pequeno grupo de arruaceiros que, a mando da NATO, da CIA, dos Estados Unidos, da União Europeia, etc., quer desestabilizar o regime inabalável e popular de Vladimir Putin, o principal líder da “luta anti-imperialista”. Porém, as imagens televisivas, a violência policial e o número de detidos revelado pelo Ministério do Interior da Rússia mostram que a oposição não sistémica na Rússia é um fenómeno interno que preocupa o Kremlin.

(Como já escrevi numerosas vezes, Alexei Navalny tem um passado e programa políticos que me levariam a votar nele, numas eleições presidenciais, apenas se o seu adversário fosse Vladimir Putin ou um político do mesmo género. O crescente apoio a Navalny deve-se à política do Kremlin de não permitir a acção política da oposição não sistémica e ao facto de aumentar o número de cidadãos russos que estão cansados de ver a mesma figura à frente do país há mais de 20 anos).

O Partido Comunista Português vê mais uma razão para não se apoiar o citado “agente imperialista: “Na Rússia nem é sequer segredo de polichinelo a aposta em Navalny para tentar esvaziar o potencial de protesto à esquerda” – escreve Luís Carapinha no jornal Avante. Como será possível que um “agente do imperialismo”, “liberal” consegue atrair o protesto à esquerda?

Outro chavão muito citado pelos comunistas portugueses e repetido no artigo acima citado é que “goste-se ou não, a principal força da oposição na Rússia, no plano institucional e de organização à escala nacional e regional, é o Partido Comunista da Federação Russa”.

Esta afirmação é falsa e ridícula. Nem na era de Ieltsin era assim. Aqui ficam alguns exemplos elucidativos. Guennadi Ziuganov, dirigente desse partido, acusa Ieltsin e Gorbatchov de terem destruído a URSS, em 1991, mas não diz que dos 22 membros do grupo parlamentar “Comunistas da Rússia”, apenas 7 votaram contra o Acordo de Belovejskoe, documento assinado por dirigentes da Rússia, Bielorrússia e Ucrânia que pôs fim à União Soviética. O Presidente soviético Mikhail Gorbatchov acusou Ziuganov, então dirigente do Partido Comunista da Federação Socialista Soviética da Rússia, de ter tentado convencer os seus camaradas a assinarem a “certidão de óbito” da URSS, o que parece ter, em grande parte, conseguido. Ziuganov recusa esta acusação, mas a votação dos comunistas parece dar razão a Gorbatchov.

Outra das acusações que são feitas a Navalny é de que ele este ligado a grupos e partidos extremistas, chauvinistas, nacionalistas, mas, se olharmos para a ideologia e a acção dos comunistas russos, veremos que eles fizeram o mesmo ou pior. Ziuganov participou em alianças com ideologia claramente nacionalista e de extrema-direita: Aliança Popular da Rússia, Frente de Salvação Nacional e União Popular Patriótica. Do outro lado, o líder comunista não esconde a sua simpatia por Estaline e outros carrascos dos povos da URSS.

Na era de Putin, Ziuganov só faz o que o Kremlin permite. Vejamos o exemplo dos sindicatos russos. A Federação dos Sindicatos Independentes da Rússia mais se assemelha à Federação Nacional para a Alegria no Trabalho de Oliveira Salazar do que às actuais Intersindical ou UGT. Onde estão as greves dos trabalhadores ou reivindicações laborais na Rússia? O regime putinista, neste campo, é cada vez mais corporativista.

É verdade que, por vezes, Ziuganov até levanta a voz contra o Kremlin. Recentemente, Nikolai Bondarenko, deputado comunista da Assembleia Municipal da cidade de Saratovo, foi detido por participar numa manifestação de protesto (imaginem só!!!) contra a prisão de Navalny. Depois de considerar que o deputado foi detido porque o Kremlin ficou “atordoado pela pressão do porco vómito navalnista”, ele declarou: “Ou dão marcha atrás, ou levantaremos todo o país”. Bondarenko foi julgado e condenado a obrigado a pagar uma multa, o Kremlin considerou as palavras de Ziuganov “retórica agressiva” e a “fúria” dos comunistas terminou aqui.

Não é por acaso que os comunistas russos têm um peso cada vez menor nas eleições parlamentares e presidenciais. Se, em 1999, conquistaram 24,29% dos votos, em 2016, ficaram-se pelos 13,34% nas eleições da Duma. Nas presidenciais de 1996, Ziuganov teve 40,31% dos votos (na realidade, bateu Ieltsin na corrida, mas vendeu a vitória não se sabe bem a troco de quê), em 2012, conquistou 17,18%.

Luís Carapinha escreve também que “nenhuma das forças políticas pelas quais passou Navalny está representada na Duma”, o que corresponde à verdade. Mas, aqui, respondo com uma pergunta: porque é que o PCP nunca teve representado na Assembleia Nacional antes do 25 de Abril de 1974? Era porque de nada valia como força política ou porque era impedido de participar em eleições livres e transparentes?

Gostaria de recordar um pormenor esquecido no citado artigo: em 2013, quando Navalny conseguiu participar nas eleições municipais em Moscovo, ficou em segundo lugar com cerca de 27% dos votos.

O servilismo dos comunistas russos em relação ao Kremlin tem uma explicação clara: não faz verdadeira oposição para sobreviver politicamente e para que os dirigentes comunistas continuem a gozar de muitos privilégios.

Quanto aos comunistas portugueses, se não existir compensação financeira como acontecia na era soviética, então trata-se de miopia política absoluta. Como é possível acreditar no “Pai Natal” russo, considerando-o um “anti-imperialista” ou “anti-fascista”, quando ordena a invasão de países vizinhos ou tem como aliados preferenciais partidos da extrema-direita russa? É verdade que o regime putinista controla as grandes empresas nacionais, um sonho que os comunistas portugueses gostariam de ver no nosso país, mas também não é segredo para ninguém que as riquezas da Rússia estão concentradas nas mãos de um pequeno grupo de dirigentes dos serviços secretos e de oligarcas obedientes.

O destino dos partidos comunistas português e russo será o mesmo: o desaparecimento gradual. Em Portugal, porque o PCP está completamente desfasado da realidade interna e externa.

José Milhazes

12-02-2021

Observador

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