sexta-feira, 13 de maio de 2022

Linhas políticas orientadoras do XIX Governo, em conformidade com o estipulado no Memorando de Entendimento.

Em conformidade com o estipulado no Memorando de Entendimento, o Governo irá:

  1. Limitar as admissões de pessoal na administração pública para obter decréscimos anuais de 1% por ano na administração central e de 2% nas administrações local e regional até 2014; 

  2. Reduzir os cargos dirigentes e dos serviços em, pelo menos, 15% na administração central, local e regional até 2014; 

  3. Eliminar as estruturas sobrepostas na estrutura do Estado, reduzindo o número de organismos e entidades (incluindo Fundações, Associações e outras entidades semelhantes), mantendo a qualidade na prestação do serviço público. Neste âmbito foi, ainda em 2011, apresentado “um novo PRACE que será objecto de uma execução rigorosa e ambiciosa” denominado Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (PREMAC); 

  4. Introduzir alterações legislações necessárias para melhorar a monitorização, reduzir os custos operacionais e suspender temporariamente a criação de novas entidades públicas ou quase públicas (incluindo empresas públicas) ao nível da administração local. 

  5. Promover políticas de flexibilidade, de adaptabilidade e de mobilidade dos recursos humanos na administração pública; 

  6. Promover a utilização partilhada de serviços ao nível da administração central, nas áreas dos recursos humanos, patrimoniais e financeiros e das tecnologias de informação.

À luz da experiência recente em Portugal e noutros países e com o propósito de tornar a administração pública mais eficiente e sustentável, o programa do XIX Governo Constitucional actuou de forma determinante nas seguintes áreas: melhoria de processos e simplificação de estruturas organizativas; melhoria das actividades de suporte; controlo e redução de custos e reforço dos instrumentos de gestão. O Governo, através do seu programa, pretendeu promover os entendimentos sociais e políticos necessários, de forma a obter compromissos políticos estáveis e duradouros no âmbito da administração pública.


PM - Pedro Passos Coelho (2011 - 2015); Ministro de Estado e das Finanças Vítor Gaspar;  Secretário de Estado da Administração Pública Hélder Rosalino

Governos constitucionais (1976-2011)

Governos- PM- Data da tomada de posse- Data de exoneração- Duração (meses)- Partidos Políticos- Base Parlamentar -Tipo de Governo

I Mário Soares (I) 23-07-1976 09-12-1977 17 PS 40,68% M

II Mário Soares (II) 23-01-1978 28-07-1978 6 PS, CDS 54% CM

III Nobre da Costa 29-08-1978 15-09-1978 1 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

IV Mota Pinto 22-11-1978 11-06-1979 7 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

V Maria de Lourdes Pintasilgo 31-07-1979 27-12-1979 5 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

VI Sá Carneiro 03-01-1980 09-12-1980 11 PSD, CDS, PPM 51% CM

VII Francisco Pinto Balsemão (I) 09-01-1981 14-08-1981 7 AD (PSD, CDS, PPM) 53% CM

VIII Francisco Pinto Balsemão (II) 04-09-1981 23-12-1982 15 AD (PSD, CDS, PPM) 53% CM

IX Mário Soares (III) 09-06-1983 12-07-1985 25 PS, PSD 70% CM

X Cavaco Silva (I) 06-11-1985 17-08-1987 21 PSD 35,20% M

XI Cavaco Silva (II) 17-08-1987 31-10-1991 50 PSD 59,20% PM

XII Cavaco Silva (III) 31-10-1991 28-10-1995 48 PSD 58,70% PM

XIII António Guterres 28-10-1995 25-10-1999 48 PS 48,70% MR

XIV António Guterres 25-10-1999 06-04-2002 18 PS 50% MR

XV Durão Barroso 06-04-2002 17-07-2004 27 PSD-CDS 45,60% CM

XVI Pedro Santana Lopes 17-07-2004 12-03-2005 7 PSD NA NA

XVII José Sócrates 12-03-2005 26-10-2009 55 PS 52,16% PM

XVIII José Sócrates 26-10-2009 23-03-2011 17 PS 42,10% MR

XIX Pedro Passos Coelho 21-06-2011 Presente NA PSD&CDS 46,96% CM

Metadados. PGR tenta travar derrocada na investigação criminal.

Lucília Gago defende nulidade da decisão tomada a 19 de Abril pelo Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucionalidade de lei de 2008 que permitia à investigação recorrer a dados de tráfego das operadoras.


Numa decisão inédita, a procuradora-geral da República avançou com uma contestação à decisão do Tribunal Constitucional que, a 19 de Abril, declarou inconstitucionais normas de uma lei de 2008 que até aqui fundava o uso de dados de operadoras em investigações criminais, a chamada lei dos metadados. Na semana passada, em entrevista ao i, o advogado David Silva Ramalho, especialista em prova digital e cibercrime, foi das primeiras vozes a alertar publicamente para o risco de a decisão do TC vir a criar uma “enorme litigância” em processos em curso, invalidando provas recolhidas, já que a decisão dos juízes do Palácio Ratton, por ser omissa quanto a prazos, tem efeitos retroactivos.

A isto, acresce a impossibilidade de este tipo de dados, como a localização e identificação de telefonemas e de IPs, poder continuar a ser usado em investigações criminais. Seguiu-se, no fim de semana, o alerta do procurador-geral adjunto Alípio Ribeiro. “São 14 anos de acção penal que podem ir abaixo”, alertou, em declarações ao Diário de Notícias.

Esta segunda-feira, o Público noticiou que Lucília Gago avançou com o recurso com vista à nulidade da decisão e com preocupações concretas, a saber o art.º 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de Julho, em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP. Além disso, explicou a PGR, requer-se “a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro.”

O Público tinha noticiado que os procuradores junto do TC tinham desistido de reclamar da decisão, dado que 11 dos 12 juízes votaram a favor e a hipótese de sucesso era assim considerada baixa, mas afinal Lucília Gago não desistiu de tentar travar a decisão que arrisca causar uma derrocada na investigação criminal. A lei de 2008 transpôs uma directiva europeia, que veio a ser invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 2014. “Contrariamente ao que sucedia na Directiva, a nossa lei prevê critérios para acesso aos dados, prevê uma definição concreta do conceito de ‘crimes graves’, prevê a obrigatoriedade de ser um juiz a autorizar o acesso aos dados, prevê garantias de segurança e prevê a protecção de segredo profissional. Mesmo assim, o TC concluiu pela sua inconstitucionalidade”, notou na semana passada ao i David Silva Ramalho, alertando que, no caso dos IPs, os juízes tinham ido mesmo mais longe, explicando o que estava em causa: “Quando falamos de cibercrime, por exemplo, é informação absolutamente vital. São várias as investigações que começam com um IP ou com outros dados de tráfego e localização”.

MARTA F. REIS

Os atrasos na justiça

Pergunta-se quem irá investir no nosso país se souber que em caso de insolvência dos seus devedores, o respectivo processo pode ficar paralisado durante anos sem nada receber?


Foi notícia esta semana que o Juízo de Comércio de Lisboa tem cerca de 300 processos à espera de uma graduação de créditos em processo de insolvência pelo menos desde 2014, sendo que alguns aguardam mesmo pela sentença de graduação de créditos há mais de vinte anos. Em consequência, há cerca de 800 milhões de euros de bens e valores arrecadados nesses processos de insolvência, que não são distribuídos aos credores, que aguardam assim há anos por uma satisfação parcial dos seus créditos.

Esta situação vem somar-se aos atrasos já denunciados noutras jurisdições, como é o caso dos tribunais administrativos e fiscais, em que se leva cerca de dez anos para obter uma decisão em primeira instância, havendo mesmo processos que estão parados há mais de vinte anos. Em consequência, os cidadãos e as empresas encontram-se totalmente desprotegidos contra o arbítrio do Estado e demais entidades públicas, uma vez que estes sabem que qualquer decisão ilegal que tomem em relação aos seus administrados pode levar décadas a ser anulada em tribunal.

É essencial ao Estado de Direito que a todos seja assegurado o direito à realização da justiça num prazo razoável. Precisamente por esse motivo, o art. 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”. Portugal tem vindo a ser por isso sistematicamente condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação do direito à justiça num prazo razoável, e seguramente teria muito mais condenações se não houvesse apenas uma ínfima parte dos lesados pelos atrasos na Justiça que se dirige a esse Tribunal.

Esta situação é dramática para a imagem da Justiça Portuguesa e do próprio Estado a nível internacional. Pergunta-se quem irá investir no nosso país se souber que em caso de insolvência dos seus devedores, o respectivo processo pode ficar paralisado durante anos sem nada receber? E quem confiará num enquadramento fiscal seguro para o seu investimento se souber que em caso de litígio com a administração tributária poderá ficar anos sem que haja sequer uma decisão em primeira instância sobre o assunto?

É, por isso, essencial que seja garantida em Portugal a existência de uma justiça eficiente e em tempo útil. E para esse efeito, terão que surgir estudos e propostas para a resolução urgente deste sério problema da morosidade processual, que afecta gravemente a imagem da nossa Justiça.

No âmbito da Ordem dos Advogados foi por isso decidido criar um grupo de trabalho, composto por advogados administrativistas, que irá estudar a questão e apresentar proposta de alterações de enquadramento legislativo e de gestão processual que permita desde já resolver o problema da morosidade dos tribunais administrativos e fiscais. Caberá depois ao poder político aceitar ou não as medidas que lhe forem propostas, mas entretanto estas irão ser apresentadas para que se possa resolver um problema que já dura há tempo demasiado.

É de facto a altura para que todos os que não se conformam com o estado da nossa Justiça actuem decisivamente por forma a que os atrasos crónicos em que a mesma vive possam ser ultrapassados.

.Luís Menezes Leitão
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira,sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Armamento

Desde o início do ano, a Coreia do Norte já fez uma dúzia de testes com novas armas e, em breve, pode fazer a sua sétima detonação nuclear

A dispendiosa corrida às armas.

€2 003 733 000 000 (dois biliões de euros)

Valor da despesa militar mundial, em 2021, a mais elevada de sempre e que cresce pelo sétimo ano consecutivo.

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€759 mil milhões

Despesa militar dos EUA em 2021, a mais elevada do mundo e que representa 3,7% do PIB do país.

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€277 mil milhões

Despesa militar da China em 2021, a segunda mais elevada do mundo e que cresce ininterruptamente há 27 anos – representa 1,7% do PIB do país.

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€63 mil milhões

Despesa militar da Rússia em 2021 que cresceu pelo terceiro ano consecutivo e atingiu 4,1% do PIB do país.

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€5,6 mil milhões

Despesa militar da Ucrânia em 2021, um aumento de 72% desde a invasão da Crimeia (em 2014) e que representa agora 3,2% do PIB do país.

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Os maiores gastadores

Cinco países representam 62% da despesa bélica mundial



visão

Guerra de palavras.

Declarações preocupantes e ambivalentes desde o início da “operação militar especial” “A Rússia é uma grande potência e tem certas vantagens com armas de última geração. Ninguém deve ter dúvidas de que um ataque directo contra a Rússia conduzirá o potencial agressor a uma derrota e com consequências  devastadoras”, VLADIMIR PUTIN no discurso em que anuncia a “operação militar especial” na Ucrânia, a 24 de Fevereiro

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“Vladimir Putin deve perceber que a NATO é uma aliança nuclear”, JEAN-YVES LE DRIEN, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, horas depois de a Rússia iniciar a invasão, a 24 de Fevereiro

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“Os altos funcionários dos principais países da NATO fazem declarações agressivas contra nós e, como tal, ordeno ao ministro da Defesa e ao chefe do Estado-Maior que coloquem as forças de dissuasão do exército russo em modo especial de combate”, VLADIMIR PUTIN a fazer saber que o arsenal nuclear do seu país está em “alerta máximo”, a 27 de Fevereiro

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“Não!”,resposta de JOE BIDEN quando lhe perguntam, na Casa Branca, se os cidadãos dos EUA e do mundo devem estar preocupados com uma eventual guerra nuclear, a 28 de Fevereiro

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“A possibilidade de um conflito nuclear, algo impensável até há pouco tempo, voltou a ser uma hipótese real”, ANTÓNIO GUTERRES, na ONU, em Nova Iorque, a 14 de Março

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“É algo com que temos de preocupar-nos”,

JAKE SULLIVAN, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, ao ser questionado sobre a utilização de armas nucleares no conflito ucraniano, a 25 de Março

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Dado o potencial desespero do Presidente Putin e da liderança russa, devido aos reveses militares que têm enfrentado, nenhum de nós pode enfrentar de ânimo leve a ameaça colocada por uma arma nuclear táctica ou armas nucleares de baixa intensidade”,

WILLIAM BURNS, director da CIA, a 14 de Abril

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“Não devemos ficar à espera que a Rússia decida usar uma arma nuclear. Temos de preparar-nos para isso”,

VOLODYMYR ZELENSKY, em declarações à BBC, a 16 de Abril

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“Putin pode ordenar o lançamento de uma bomba nuclear sobre uma cidade ucraniana para forçar o governo de Zelensky a render-se imediatamente. Este cenário não é fantasia.

Foi o que fizeram os EUA, em 1945, ao Japão”,

SCOTT SAGAN professor e investigador da Universidade de Stanford, a 20 de Abril

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“Vai fazer com que todos os que estão a tentar ameaçar o nosso país pensem duas vezes”,

VLADIMIR PUTIN, referindo-se ao RS-28 Sarmat, o mais recente míssil balístico intercontinental do arsenal russo, a 20 de Abril

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“Quando a dissuasão nuclear falha, falha de forma catastrófica”,

DARYL KIMBALL, director da Arms Control Association, uma organização norte-americana que se dedica ao controlo de armamentos e proliferação nuclear, a 23 de Abril

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“É um perigo grave, bem real, que não pode ser subestimado”,

SERGEI LAVROV, ministro russo dos Negócios Estrangeiros sobre a possibilidade de o conflito ucraniano desencadear a “terceira guerra mundial”, a 25 de Abril

visão

Porque é que a Câmara de Setúbal não vai cair e mais 13 respostas sobre o caso dos refugiados.

Explicador. PSD não vai deixar cair a câmara, mas caso gerou tensão interna. PS acusado de proteger Governo. Câmara acusa ministra de mentir. Todos os desenvolvimentos sobre o caso de Setúbal.


As queixas sobre a infiltração de russos pró-Kremlin em associações da comunidade ucraniana em Portugal já têm pelo menos onze anos, mas só o caso de Setúbal conseguiu desencadear um verdadeiro terramoto político com réplicas que continuam a fazer-se sentir. O Observador já tinha explicado aqui os contornos do caso, mas detalha agora, em 14 perguntas e respostas, todas as ramificações e também com novidades sobre o caso.

Com investigações a correr em paralelo – que vão da polícia à Comissão Nacional de Protecção de Dados, passando pela própria autarquia de Setúbal – intensifica-se o passa-culpas. Desde logo, entre o Governo e o município CDU (que já veio desmentir directamente uma ministra). Mas também entre os partidos – o PSD local está em convulsão e desafiou o PS a deitar abaixo o executivo de Setúbal, mas nenhum dos partidos vai avançar. As acusações chegam agora ao mais alto nível, com a oposição a apontar já a mira a António Costa.


1 O que está em causa?

A recepção de refugiados ucranianos em Portugal esteve a cargo, em alguns casos, de russos que apoiam Vladimir Putin. O caso mais concreto conhecido foi o da câmara de Setúbal, noticiado pelo semanário Expresso, onde foram identificados russos pró-Putin a trabalhar no gabinete da Linha Municipal de Apoio aos Refugiados da câmara comunista. Foi o caso de Igor Khashin e a sua mulher, Yulia Khashina, já que ambos participam em iniciativas da embaixada russa em Portugal e têm ligações às agências de propaganda russa Ruskyi Mir e Rossotrudnichestvo.


2 Que tipo de trabalho fizeram estes funcionários junto dos refugiados?

De acordo com as informações recolhidas junto dos refugiados que estranharam ser recebidos por russos em Portugal no contexto de invasão do seu o país pela Rússia, os funcionários em causa pediram informações detalhadas sobre a família e familiares que ficaram na Ucrânia. Muitas vezes relativa aos homens que tinham ficado a combater os russos, tendo ficado com cópias de passaportes e certidões de nascimento de quem pedia asilo.


3 Qual é a responsabilidade do executivo local?

Segundo a oposição camarária, quase toda, uma vez que os refugiados foram recebidos na autarquia por Igor e Yulia Khashin e que já nessa altura eram conhecidas as ligações de Igor ao regime russo. Mas, segundo o executivo liderado por André Martins (CDU), que aponta culpas ao Governo e até às dificuldades de aplicação da lei, praticamente nenhuma.

Desde logo, a autarquia diz que agiu preventivamente: já tinha, a 9 de Abril, enviado uma carta ao gabinete de António Costa em que perguntava pela “veracidade das afirmações” que a embaixadora da Ucrânia já fizera sobre estas associações e deixava críticas, perguntando ao Governo se considerava aceitável “este tipo de ingerências de uma representante de um país estrangeiro”.

Na reunião da Assembleia Municipal desta terça-feira, André Martins foi mais longe e atirou directamente as culpas para António Costa: “Estou convencido de que se a carta que escrevemos ao primeiro-ministro a 9 de Abril tivesse tido resposta atempada, nada teria acontecido com efeitos negativos em termos locais e nacionais”.

Além disso, o autarca disse ter ficado a saber que “muito poucas câmaras” respeitam os procedimentos de protecção de dados “por dificuldade em implementar a lei” e ainda acrescentou que o IEFP tem um acordo e um “relacionamento estreito” com a EDINVSTO. Ou seja, frisou a ideia de que quem podia ter identificado riscos na acção da associação não o fez – “não compete à câmara fazer investigações sobre espiões” – e que há organismos públicos que colaboram com a mesma.


4 As versões do Governo e da autarquia coincidem?

Esta quarta-feira, houve mais um sinal de que o passa-culpas entre câmara e Governo se está a intensificar: depois de Ana Catarina Mendes ter afirmado no Parlamento que a autarquia recusou uma reunião para estabelecer um protocolo com o Alto Comissariado para as Migrações, a autarquia publicou uma nota no Facebook em que desmente categoricamente a ministra e se diz “indignada” e “perplexa” com as declarações que “não correspondem à verdade”. Para o PSD, esta é mais uma prova de que o Governo está a tentar esconder as suas responsabilidades: “O conhecimento e envolvimento do Governo neste caso é cada vez mais notório. O PS deve ainda esclarecer se já está disposto a ouvir o presidente da Câmara Municipal [no Parlamento] ou se tem medo que ele desminta o Governo”, diz ao Observador Nuno Carvalho, do PSD-Setúbal.

Se para o PSD o Governo está a tentar empurrar as culpas para a autarquia, no PS a ideia é radicalmente diferente, como constatou o socialista Paulo Lopes na mesma reunião, em resposta ao presidente da câmara: “Continua a passar as culpas para terceiros… até a lei de protecção de dados é muito complexa. Tudo menos culpa da câmara”. Desde logo, porque André Martins saberia, no mínimo, que os refugiados seriam recebidos por russos e que, fora a questão da nacionalidade, havia laços conhecidos com o regime de Putin.

“Houve uma incompetência do presidente na análise de pessoas que conhece bem”, diz ao Observador o vereador socialista Fernando José. “Não as devia ter posto no atendimento”. O vereador lembra que a oposição já tinha, numa reunião da câmara a 20 de Abril, chamado a atenção do presidente, depois de ter sido “alertada pela comunidade ucraniana” para o “procedimento estranho” que estava a ser feito por cidadãos russos.

Além disso, frisa, há registos dos agradecimentos públicos que André Martins chegou a fazer a Igor Khashin pelo apoio na campanha. “Não é que soubesse se eram espiões, mas sabia que eram pró-russos”, resume Fernando José. A partir do momento em que pediu que fossem iniciadas investigações, o executivo entrou, no entanto, em blackout.


5 A Câmara de Setúbal vai cair?

No essencial, a câmara não vai cair porque ninguém na oposição – nem PSD nem PS – quer dar esse passo, embora os dois partidos troquem acusações sobre o assunto e, na praça pública, pareçam encorajar-se mutuamente a avançar.

O problema começa porque o próprio PSD não está em sintonia sobre o assunto: conforme o Observador apurou, a concelhia local, liderada por Paulo Pisco, reuniu-se três vezes e definiu a estratégia a seguir sobre o caso, incluindo a ameaça de uma demissão de todas as pessoas que compunham a lista. Na verdade, tudo não passaria de uma manobra de táctica política, para pressionar o PS – que os sociais-democratas acreditam estar condicionado neste assunto, dadas as ramificações que já chegam ao Governo – e, nas palavras de um social-democrata, “esticar a corda”.

Acontece que o primeiro nome da lista e vereador, Fernando Negrão, não concordou com a estratégia – e é acusado por outros membros de ter “tirado o tapete” à concelhia ao dizê-lo publicamente, ainda por cima num processo em que é acusado de estar “ausente” e de não ter participado activamente nas decisões locais. Depois de a Comissão Política Nacional do PSD se ter reunido e conversado sobre o caso, a decisão ficou fechada: Negrão não vai mesmo demitir-se, o que significa que o resto da lista, que queria tomar a decisão em bloco, também não o fará.

De resto, o PSD entende que estaria a fazer um favor ao PS. Em dose dupla: por um lado, porque ficaria com o ónus de deitar abaixo o executivo local; por outro, porque em eleições intercalares seria bem mais provável que o PS, que tem o dobro dos vereadores do PSD, conseguisse ‘roubar’ a câmara à CDU do que o contrário.

Do lado do PS, melhor assim: os socialistas só se demitiriam para fazer cair o executivo caso os sociais-democratas tomassem primeiro essa decisão, até porque nesse caso a representatividade da câmara ficaria alterada e a CDU passaria a contar com maioria absoluta. Ao Observador, o vereador do PS garante que Fernando Negrão está a tentar “passar para cima do PS uma responsabilidade que o partido não tem” e recorda que “em momento algum os vereadores do PS disseram que existiam fundamentos para renunciar ao mandato”. “A bola está do outro lado, não temos nada a ver com isso”. E uma vez que nenhum dos partidos quer, afinal, ter nada a ver com isso, cai por terra a ideia de fazer cair o executivo municipal.


6 Como é que o executivo de uma câmara pode cair?

Tanto PSD como PS apresentaram, na reunião da Assembleia Municipal de Setúbal desta terça-feira, moções de censura ao executivo da CDU. No entanto, ambas morreram na praia: o PSD considerava a do PS demasiado lata, uma vez que não se focava apenas no caso de Setúbal (e, apurou o Observador, acredita que se trata de uma estratégia dos socialistas para atacar o município e desviar as atenções das responsabilidades do Governo no caso); o PS não concordava com o ponto em que o PSD pedia a renúncia do presidente da câmara.

Ainda assim, mesmo que as duas moções de censura fossem aprovadas, isso não teria feito o executivo municipal cair. Ao contrário do que acontece no Parlamento nacional, em que o instrumento serve para deitar abaixo o Governo, nos órgãos locais as moções de censura não passam de documentos de afirmação e posicionamento político. Como uma autarquia se trata, tecnicamente, de um órgão colegial executivo, não pode funcionar com falta de quórum – e era essa a via que o PSD equacionava adoptar, se tivesse tido o acordo do PS.

De resto, a lei estipula que um membro de uma câmara municipal que por “morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato” seja substituído pelo membro imediatamente a seguir – por essa razão o PSD, se seguisse este plano, queria apresentar a renúncia de todos os membros da lista, para impedir que houvesse substituições. Não havendo essa hipótese, “e desde que não esteja em efectividade de funções a maioria do número legal de membros da câmara municipal”, é então que o presidente da autarquia comunica este facto à Assembleia Municipal e ao Governo para proceder à marcação de eleições intercalares. Sem acordo com o PS e o PSD, no entanto, isso não acontecerá em Setúbal.


7 A informação recolhida aos refugiados de Setúbal foi enviada para o exterior?

Pavlo Sadokha foi esta terça-feira ouvido no Parlamento sobre o caso de Setúbal e, a dada altura da audição, afirmou não existirem “suspeitas” que os dados recolhidos pelos funcionários em causa tenham sido enviados para a Rússia. Numa outra audição parlamentar já esta quarta-feira, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) foi também questionado sobre o eventual fornecimento de dados recolhidos em Portugal aos serviços secretos russos e não foi taxativo na resposta, escudando-se no segredo de Estado. No entanto, Paulo Vizeu Pinheiro garantiu que “os sistemas estão montados e a informação circula” e, quando questionado sobre se o primeiro-ministro seria informado no caso de isso acontecer, repetiu: “Estando os mecanismos a funcionar as entidades que têm de conhecer teriam conhecimento”.


8 Houve riscos para a segurança interna?

O segredo de Estado foi várias invocado pelo responsável do SSI para não responder a questões mais concretas sobre a acção dos serviços de informação. A resposta mais concreta foi o vago “a informação circula”. Falando em cenários hipotéticos, Vizeu Pinheiro admitiu que “se se confirmar que houve esse uso indevido de dados e se ele foi passado a uma embaixada de um país terceiro, seria um caso de espionagem e nesse sentido o SSI tem uma responsabilidade, embora os casos de espionagem sejam acompanhados pelo serviço de informações”. E ainda que se a situação que está a ser investigada se confirmar “é extremamente grave” e se os dados foram transmitidos “é ainda mais grave”.


9 Quem está a investigar o caso?

Neste momento está em curso um inquérito da Comissão Nacional de Protecção de Dados, sobre a eventual existência de ilegalidades no tratamento dos dados de refugiados ucranianos acolhidos por elementos pró-Kremlin em Setúbal. Também o Ministério Público abriu um inquérito e ainda esta terça-feira a PJ informou que “através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, em apoio a inquérito dirigido pelo DIAP da Comarca de Setúbal, levou a efeito uma operação policial envolvendo a realização de buscas nas instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados da Câmara Municipal de Setúbal, na Câmara Municipal de Setúbal e nas instalações da Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo)”. Além disso, está também em campo a Inspecção Geral de Finanças, segundo anunciou o Governo, nomeadamente a ministra da Coesão, que tem a tutela do poder local.

Há ainda mais um caminho para investigar o que aconteceu, no plano da autarquia. Apesar de a moção de censura do PS, que incluía a criação de uma comissão eventual de fiscalização da autarquia, não ter sido aprovada – “chicana política” do PSD, acusa Fernando José – o partido apresentou em paralelo outro requerimento sobre o assunto e este, sim, foi subscrito por todos os partidos da oposição. Além disso ainda há a hipótese de uma comissão de inquérito parlamentar na Assembleia da República. O Chega já propôs uma centrada na acção do Estado e se os restantes partidos não o acompanharem (é preciso um quinto dos deputados, ou seja, 46) disse que avançará com o direito potestativo para forçar esta via.


10 Isto só aconteceu numa câmara?

Quando o caso de Setúbal (câmara do PCP) foi noticiado, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, disse existirem casos semelhantes em todo o país e nomeou mesmo as câmaras de Aveiro (PSD), Gondomar (PS) e Albufeira (PSD), mas todas desmentiram. Nas audições parlamentares que decorreram nos dois últimos dias, vários responsáveis classificaram este como um “caso isolado”, nomeadamente a ministra que tutela as migrações, Ana Catarina Mendes. Ainda assim, admitiu que esta sua garantia tem apenas validade no momento em que foi proferida: “Não posso dizer que amanhã não surja outro caso, mas ao dia de hoje, de acordo com os dados do Alto Comissariado das Migrações, a informação que temos é que é um caso isolado”.

As proporções que o caso de Setúbal tomou terão a ver com ter sido conhecido um caso concreto e denunciado por refugiados que foram recebidos dessa forma, além das informações que apontam para uma monitorização prévia de Khashin junto do SIS. Mas, para o PCP, como o próprio Jerónimo de Sousa já veio dizer, a explicação é outra: uma caça às bruxas para associar o partido ao regime russo e atacar os comunistas portugueses.

Ainda na terça-feira, na reunião da Assembleia Municipal, os deputados comunistas insistiram nesta tese: o que se passa é um “empolamento” da situação e um “circo mediático” para atacar o PCP. “Como se alguém no seu bom juízo admitisse que o PCP defende a guerra ou Putin”, criticava então o deputado municipal do PCP João Afonso. A reunião arrancou, de resto, com um período de intervenções abertas ao público dominado por declarações de cidadãos ucranianos e moldavos que saíram em defesa de Khashin e da mulher, Yulia (todos revelaram trabalhar ou colaborar com a associação em causa). E vários elementos do PCP elogiaram a tomada de posição (António Filipe descreveu-a mesmo, no Facebook, como um “momento de glória”).


11 Este caso está a afectar a imagem de Portugal junto da Ucrânia e noutros países?

A pergunta foi feita esta quarta-feira ao Presidente da República que respondeu imediatamente um “acho que não”, “minimamente”, acrescentou ainda Marcelo Rebelo de Sousa que diz que, nos contactos com os chefes de Estado estrangeiros, “todos dizem que Portugal é um grande país de acolhimento e não é de agora. Não ouvi nenhum reparo em relação a isto”.


12 Quando é que o Governo teve conhecimento do caso e o que fez?

O Governo teve conhecimento do caso de Setúbal pela comunicação social. Isto mesmo foi admitido pela ministra da Presidência na semana passada, durante a conferência de imprensa do Conselho de Ministros, altura em que Mariana Vieira da Silva (que no anterior Governo e à data dos factos tutelava as migrações) disse que “houve notícias públicas, desde logo na Rádio Renascença, e houve trabalho em função dessas notícias e até resposta na altura face a essas notícias. Houve naturalmente resposta do Governo”, garantiu. A 24 de Março a Renascença deu conta de alertas da embaixadora ucraniana sobre elementos pró-Putin a receberem refugiados em Portugal e a 25 de Março, de acordo com o que foi dito pela actual responsável governativa pela migrações, o Governo interveio.

A ministra Ana Catarina Mendes explicou no Parlamento que foi ainda o anterior Governo que deu um passo para evitar que a situação fosse tornada pública. Após um contacto da tutela com a embaixadora da Ucrânia, o Governo decidiu mandar o Alto Comissariado para a Migrações retirar do site oficial a lista de associações de apoio a refugiados, reencaminhando antes as pessoas para a Embaixada da Ucrânia. Mas também se soube nestas audições que existiam queixas desde 2011.


13 Mas as queixas eram anteriores a este caso. Não foi feito nada antes?

As queixas existiam desde 2011 e foram sendo feitas junto do Alto Comissariado para as Migrações. Logo nesse ano, de acordo com o relato feito pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, a queixa foi relativa à representação de imigrantes ucranianos no país “ter a designação ‘de Leste’”. Resolvida essa questão, seguiu outra queixa para o Alto Comissariado sobre a existência de duas agências de propaganda russa a representar a comunidade ucraniana em Portugal. E em 2017 a sua associação até desistiu de participar nas eleições para um representante do grupo de imigrantes ucranianos em Portugal já que nesse grupo estavam as tais organizações. “Se participássemos nas eleições legitimávamos a situação”, justificou Sadokha na sua exposição aos deputados.

Já em 2018 houve um evento onde existiam bandeiras das regiões de Donetsk e Lugansk, que autoproclamaram a independência da Ucrânia em 2014 (e onde a Rússia apoia grupos separatistas — aliás, o reconhecimento russo destas regiões esteve no início do actual conflito), outra situação que deixou os imigrantes ucranianos desconfortáveis. Quanto à situação concreta das ligações a agências de propaganda russa, nada foi feito e a situação manteve-se até hoje. No Parlamento a Alta Comissária apenas confirmou a existência de alertas de imigrantes ucranianos desde essa data, mas não disse mais sobre a acção do Alto Comissariado relativamente a essas queixas concretas.


14 O primeiro-ministro foi avisado para esta situação em Setúbal?

Depois de terem saído notícias com as denúncias da embaixadora ucraniana, Inna Ohnivets, em relação à Edintsvo, a 11 de Abril a câmara de Setúbal dirigiu uma carta ao primeiro-ministro. De acordo com a autarquia, a missiva pedia ao chefe do Governo que se pronunciasse sobre as declarações e “esclarecesse com a maior brevidade possível se o Alto Comissariado para as Migrações mantinha a confiança nesta associação”. Costa desmentiu o teor da carta, através de um comunicado, dizendo que nela não tinha sido “solicitada qualquer informação sobre a Associação Edintsvo, nem sobre o cidadão Igor Khashin”. Além disso, Costa esclarecia que a missiva de André Martins era “um protesto sobre declarações prestadas pela embaixadora da Ucrânia em Lisboa, à CNN, e foi reencaminhada para os efeitos tidos por convenientes para o Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

Já o Presidente da República, quando questionado sobre se tinha informações sobre a situação em Setúbal, disse que não tinha tido conhecimento disso. “São informações que são classificadas, se houvesse eram secretas e não era para circular em termos dos órgãos do poder político no geral”, disse em relação à questão da eventual ilegalidade do uso de dados recolhidos junto dos imigrantes ucranianos em Setúbal.

Mariana Lima Cunha

    Rita Tavares

https://observador.pt/especiais/porque-e-que-a-camara-de-setubal-nao-vai-cair-e-mais-13-respostas-sobre-o-caso-dos-refugiados/

A austeridade furtiva.

Um salário vale pelo que conseguimos comprar com ele. Sofrer um corte de €1200 para €1000 no salário e ter de continuar a pagar uma renda de casa de €1200 é o mesmo que manter um salário de €1000 se a renda da casa passar de €1000 para €1200. Em ambos os casos a perda de rendimento é de €200. Se esse salário for fixado pelo Estado, a decisão política de reduzir o salário, sem que a renda desça, ou de não o aumentar, quando a renda sobe, é também igual. Essas decisões têm a mesma consequência no rendimento disponível. Acontece que, como explica a ciência do comportamento, nem sempre somos racionais e a forma diferente como lidamos com esses cortes iguais é um dos exemplos mais usados dessa irracionalidade. As pessoas tendem a ter uma percepção diferente quando lhes tiram dinheiro directamente do bolso face a quando lhes continuam a dar o mesmo dinheiro embora esse dinheiro deixe de poder comprar o mesmo. Muitos portugueses não têm consciência de que a perda de salário real foi superior no ajustamento de 1983-1984 (-13,8%) do que no de 2011-2014 (-9,3%). A única diferença teve a ver com a forma como a diferença no mecanismo de ajustamento produziu essa austeridade (por via dos salários nominais ou reais).

O primeiro-ministro explora esta irracionalidade para dizer que não há austeridade. Mas há. A decisão de aumentar os salários nominais em 1% se a inflação for de 5% corresponde a um corte salarial de 4%. A questão que devemos discutir é se esta austeridade se justifica. Compreendo por que o Governo sente necessidade de a fazer: teme alimentar as expectativas inflacionistas dos actores económicos, contribuindo assim para que a inflação se autoperpetue. Por isso, e ainda que impopular, não me oponho a esta austeridade. Mas também não podemos ignorar as suas consequências sociais para muitos (e os mais pobres em particular). A recusa do PM em assumir que se trata de austeridade não é apenas uma fuga à responsabilidade política. Ela dificulta um debate sério sobre quais as medidas necessárias para proteger os mais expostos a essa austeridade.

O PM recusa-se a ter esta discussão porque construiu a sua identidade e sucesso político com base na narrativa de que a austeridade é sempre uma escolha, e não apenas desnecessária, mas perversa. É assim que continua a classificar a austeridade que outros tiveram de aplicar em resultado da acção do seu próprio partido.

É-lhe mais útil atribuir a responsabilidade à consequência (a austeridade) do que à causa (o que a tornou necessária).

O PM vê-se hoje forçado a aplicar a austeridade que continua a negar poder ser alguma vez necessária. Ao negar o que faz, não se limita a colocar em causa o pressuposto da confiança (na) política.

Essa opacidade também nos impede de discutir como melhor mitigar os custos sociais e desiguais da austeridade que se revela, afinal, necessária.


Nota. Os dados relativos aos salários reais são uma actualização (fonte AMECO) do livro de Vítor Bento “Euro Forte, Euro Fraco” e os dados sobre a desigualdade resultam de um estudo de Sofia A. Perez e Manos Matsganis (‘The Political Economy o Austerity’) na “New Political Economy” e de um relatório do FMI (“Fiscal Policy and Income Inequality”).

Miguel Poiares Maduro
política@expresso.impresa.pt

Incompetência ou conluio político na Câmara de Setúbal? Ou ambos?

A história já tem dimensão nacional e resume-se em poucas linhas. A Câmara Municipal de Setúbal não arranjou melhor solução para receber os refugiados ucranianos do que entregar essa recepção a uma Associação, a Edintsvo, cujo líder é Igor Kashin, com manifestas ligações ao Kremlin, coordenador do Conselho da Casa Russa em Portugal e promovido, porVladimir Putin, a responsável máximo no Congresso dos Compatriotas Russos, realizado em Moscovo.

A pergunta que, imediatamente, nos vem à baila é por que razão, tratando-se de cidadãos ucranianos, de língua ucraniana, a Câmara não contratou compatriotas seus, emigrados em Portugal e que já dominem a língua portuguesa? Não nos venham dizer que não é possível encontrar na vasta comunidade ucraniana em Portugal, quem esteja em condições de ser contratado pela Câmara de Setúbal para fazer aquela tarefa.

Naturalmente que sim, seria possível e fácil encontrar em Portugal ucranianos a falarem português, portanto em condições de receberem os seus compatriotas. O problema é que, em Portugal, em vez de se fazerem as coisas dentro de uma lógica racional e evidente, as instituições partem para o conluio político e para o amiguismo partidário, E, é claro, o presidente da Câmara de Setúbal, homem do PCP, decidiu contratar, com o dinheiro dos nossos impostos, uma associação e um casal com profundas ligações ao Kremlin de Putin. E isto aconteceu durante anos!

Como consequência, o activo casal, Igor e esposa, queriam saber detalhes sobre o paradeiro, na Ucrânia, dos homens e familiares dos refugiados que chegavam a Portugal. Imaginam pois onde ia parar a informação recolhida!

Tudo isto, se não fosse triste e desse uma péssima imagem do país, era bizarro.

Mas esta prática não se limitou à Câmara de Setúbal. Outras edilidades seguiram a mesma trajectória de Setúbal, entregando a associações russas a recepção de refugiados ucranianos e isto, recentemente, já com uma guerra a decorrer entre aqueles dois países!

O que é espantoso é que na gigantesca máquina da administração pública portuguesa, entre as centenas de directores-gerais, adjuntos de gabinete, assessores, e quejandos, não tenha havido uma alma que tenha tido a ideia de sussurrar ao ouvido do seu responsável acima qualquer coisa como “olhe que há associações russas a receber ucranianos, com os dois países em guerra”. Pois se não houve, foi incompetência. E se não o fizeram por questões políticas, é conluio!

Nós não somos daqueles que defendem a ilegalização de partidos políticos. Os que existem e tiveram o voto dos portugueses têm todo o direito de se inserirem na lógica democrática. Mas o que não têm direito é de, ao usar a sua influência política nas instituições onde estão presentes, se colocarem ao serviço de interesses de países não democráticos, como é o caso da Rússia deVladimir Putin, onde existe uma ditadura feroz que não hesita em invadir um país que, tranquilamente, estava a fazer o seu caminho de jovem democracia.

Portugal é um país inserido na União Europeia, pertencente à NATO. Tem responsabilidades com os seus parceiros ocidentais.

Os dirigentes políticos e os responsáveis das instituições nacionais não podem estar de olhos fechados a realidades que violam os nossos princípios de país democrático. Sabemos que, durante seis anos, tivemos um governo de geringonça apoiado por forças políticas que estavam, e estão, nas antípodas do que é a NATO e a União Europeia e que, certamente, graças a esse apoio, terão ganho influência acrescida na sociedade portuguesa. Contudo, essa sua influência deve ser posta ao serviço do bem-estar da população e do progresso de país, e não ao serviço de obscuros objectivos destinados a servir Moscovo.

Por incompetência, por conluio político, ou por ambos, o país deixou cair uma nódoa nas relações de Portugal com a Ucrânia.

António Capinha

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Doação de bens em vida: como tratar a nível legal e de impostos?

Doar bens móveis e imóveis em vida pode evitar conflitos, mas há obrigações legais a cumprir. Explicamos com fundamento legal.

Fazer uma doação em vida pode acontecer por diversos motivos e pode evitar muitos conflitos entre os futuros herdeiros. Mas antes de avançar, com esta alternativa à herança, há vários aspectos que devem ser ponderados. Afinal, a doação é um negócio jurídico e é necessário conhecer as normas legais que se aplicam a esta forma de dispor dos bens para prevenir problemas e chatices.

O que consta na Lei sobre fazer uma doação em vida?

As normas relativas às doações em vida são determinadas pelo Código Civil (CC), nos artigos 940.º a 968.º. Nos termos do art. 940.º do CC, uma doação é um negócio jurídico “pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.

"Na prática, podemos dizer que quem faz uma doação (doador) está a transmitir, gratuitamente, a propriedade de um bem seu, a favor de outrem (donatário). Esta fórmula é, muitas vezes, usada entre pais e filhos ou familiares próximos, garantindo que se cumpre a vontade de doar determinado bem a determinada pessoa", tal como explica a CRS Advogados, neste artigo preparado para o idealista/news.

Importa, ainda, esclarecer que, nos termos do art. 949.º do CC, a doação é um negócio jurídico com carácter pessoal, isto é, o doador não pode atribuir a outrem a faculdade de designar o donatário ou de determinar o objecto da doação, terá de ser o próprio.

Por ser um negócio jurídico, há várias imposições legais relativas à capacidade jurídica (nos termos do art. 948.º e 950.º do CC):

  • A doação em vida pode ser feita por qualquer pessoa que, nesse momento, tenha capacidade para celebrar um contracto e para dispor dos seus bens;
  • Pode ser donatário (pessoa que recebe a doação) quem não estiver especialmente inibido por lei a aceitar a doação. Claro que as pessoas incapazes (sem capacidade jurídica para decidir sobre a sua vida e bens, seja por motivos de doença, seja pela idade) isto é, que não têm capacidade para celebrar contractos, não podem aceitar doações das quais resultem quaisquer encargos, a não ser por intermédio dos seus representantes legais.

Obrigações legais para doar bens móveis e imóveis em vida

A doação de bens móveis “não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada”, como dispõe o art. 947.º, n.º2 do CC. Ainda assim, como forma de cautela, em particular no caso de bens mais valiosos, e para comprovar a doação, é aconselhável que esta seja feita por declaração escrita (e de preferência autenticada).

a doação de bens imóveis “só é válida se for celebrada por escritura pública ou de documento particular autenticado”, conforme nos refere o 947.º, n.º1 do CC. Em caso de incumprimento desta formalidade, a doação é nula, conforme consta do art. 220.º do CC.

Além da falta de forma numa doação de imóvel, há outras situações em que a doação pode ser considerada nula, por exemplo:

  1. Doação entre cônjuges quando o regime de casamento foi imposto por lei como sendo a separação de bens (como nos esclarece o art. 1762.º do CC);
  2. Doação feita por um doente ao médico ou enfermeiro envolvido no seu tratamento (art. 2194.º Ex vi art. 953.º do CC);
  3. Doação feita por um cônjuge à pessoa com quem cometeu adultério, excepto se à data da doação já estava dissolvido o casamento, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e de bens ou separados de facto há mais de seis anos (art. 2196.º Ex vi art 953.º do CC).

E como se trata uma doação em vida em termos de impostos?

Em termos fiscais,  a doação está sujeita ao pagamento do imposto de selo, nos termos do Código do Imposto do Selo. No caso de doação de bem imóvel, está sujeita a Imposto de Selo correspondente a 10% do valor do(s) bem(ns) doado(s), acrescida de 0,8%, nos termos do nº 1.1 e 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

No entanto, as doações feitas a favor de ascendentes, descendentes, cônjuges ou unidos de facto beneficiam da isenção do pagamento do imposto de selo, nos termos do Art. 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.

Mesmo isenta, a doação terá de ser declarada através do Modelo 1 do imposto de selo. Por fim, alerta-se que, como não se trata de um rendimento, a doação não tem de ser declarada no IRS. Contrariamente, já os rendimentos que obtiver dessa doação (se, por exemplo, arrendar um imóvel doado) têm de ser declarados na respectiva categoria. Tratando-se de um imóvel, passa também a ter de contar com as obrigações de proprietário, como, por exemplo, o pagamento do IMI.

*Artigo escrito por Catarina Enes de Oliveira, advogada da CRS Advogados

https://www.idealista.pt/news/financas/economia/2022/05/06/52154-doacao-de-bens-em-vida-como-tratar-a-nivel-legal-e-de-impostos?xtor=AD-186-[news]-[node/52154]-[textlink]-[observador__observador.pt]-[HP]-[economy]

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Porque é que a Alemanha não quer acabar com a guerra?

CNN Portugal – Anselmo Crespo – ‘Opinião’

29.04.2022

É neste ponto que estamos. A Alemanha, como a Áustria, a Holanda ou mesmo a Itália (a Hungria é um caso à parte) estão aflitas com a ideia de perderem o gás russo.

Em 2011, já o subprime se tinha transformado numa crise das dívidas soberanas, formou-se na Europa uma espécie de troika política – composta pela Alemanha, pela França e pelo arrogante presidente do Eurogrupo – com o único propósito de castigar severamente esses países do sul da Europa que só gostavam de sol, mulheres e copos, enquanto as formiguinhas do norte da Europa andavam a trabalhar para os financiar.

A Alemanha da senhora Merkel e do senhor Schäuble, em particular, decidiu autonomear-se dona da Europa, pegou no chicote e só parou quando as vergastadas impostas à Grécia sangravam tanto que milhões de pessoas ficaram sem empregos, outras tantas passaram fome, outras ainda colocaram fim à vida por não terem meios para a viver. Ninguém me contou, eu vi – caixas multibanco sem dinheiro, a pobreza extrema e a humilhação a que o povo grego foi sujeito.

Portugal, como bom aluno que sempre gostou de ser, levou as mesmas vergastadas, mas sem se queixar muito. Afinal, não tendo sido nós a criar a bolha imobiliária nos Estados Unidos, fomos nós que andámos durante anos a pedir emprestado o dinheiro que não tínhamos como pagar. Como diria José Sócrates, as dívidas não se pagam, vão-se gerindo. Até ao dia em que alguém vem cobrar.

Vem isto a propósito da tal troika europeia, liderada pela Alemanha, que tinha - diziam eles - como único propósito, salvar a união económica e monetária, receando que países relapsos, como o nosso, colocassem em causa toda a economia da União. A Grécia chegou mesmo a pensar sair da Zona Euro e a Alemanha, a partir de determinada altura, parecia até gostar da ideia, ao mesmo tempo que ia recusando a criação de eurobonds ou de qualquer outra medida de solidariedade europeia, que mostrassem ao mundo como uma Europa unida pode ser ainda mais forte.

A gestão da crise que começou em 2008 e se prolongou até 2015, foi, provavelmente, o acto mais falhado de uma União Europeia que nunca recuperou bem desse abalo e que levou, mais tarde, ao Brexit. Uma União que parecia mais de conveniência do que de outra coisa qualquer, sempre liderada pela gigante Alemanha, dependente que é do mercado interno europeu para vender os seus carros e tudo aquilo que produz aos “parolos” do sul da Europa, manipulando, ao mesmo tempo, as instituições europeias para uma política externa que lhe fosse mais conveniente.

Foi assim com a Rússia e com Vladmir Putin, cuja ameaça à segurança do Ocidente se foi tornando cada vez mais evidente a partir de 2014. A Alemanha - como outros países - optou sempre por olhar para o lado. O carvão, o petróleo, mas, sobretudo, o gás que vinha da Rússia chegavam a preços muito mais competitivos do que se viessem de outros meridianos. Foi isso que levou à construção de um canal directo (Nordstream1) que ligava a Rússia à Europa, alimentando as necessidades energéticas das principais potências europeias. O facto de Putin se revelar, cada vez mais, um ditador sem escrúpulos, de andar em manobras militares, actos de provocação constantes e de estar a construir o maior arsenal nuclear do mundo, enquanto a Alemanha, a Holanda, Itália e outras potências europeias o andavam a financiar, nunca fez soar nenhum sinal de alarme.

Se, por um lado, se faziam críticas mais ou menos veladas às acções militaristas de Putin (no Kosovo, na Síria, na Tchetchénia ou no Donbass), as excursões ao Kremlin iam-se sucedendo. O petróleo, o gás, os 144 milhões de consumidores no mercado russo, os investimentos milionários da oligarquia corrupta de Putin, falaram sempre mais alto do que a defesa da União Europeia, quer do ponto de vista da dependência energética, quer do ponto de vista político.

Em 2022, que grande surpresa que foi para todos: Putin invadiu a Ucrânia, um país soberano com 44 milhões de habitantes, e ao segundo ou terceiro dia de guerra já estava a ameaçar com ataques nucleares. Que surpresa, ninguém estava nada à espera que um autocrata encartado, que anda há anos a sonhar com a reconstrução de um império czarista, fosse capaz de ir tão longe.

As acções de Putin pareciam, no entanto, ter tido um efeito positivo: a União Europeia parecia voltar a falar a uma só voz, não apenas na condenação deste acto de guerra, mas também na necessidade de aplicar sanções ao regime de Moscovo. E, enquanto essas sanções pareciam afectar mais Putin do que a economia europeia, tudo parecia bem encaminhado. O problema surge quando essas sanções começam a virar-se contra os interesses alemães.

E é neste ponto que estamos. A Alemanha, como a Áustria, a Holanda ou mesmo a Itália (a Hungria é um caso à parte) estão aflitas com a ideia de perderem o gás russo. O Banco Central Alemão estimou que fechar a torneira podia levar a uma queda do produto interno bruto alemão de 5 pontos, só este ano. Impensável para o governo de Berlim, que anda há dois meses a travar um acordo europeu para cortar uma das principais fontes de financiamento da guerra que Vladimir Putin está a travar.

Como bom manhoso que é - e aflito que está com a economia interna -, Putin decidiu carregar um pouco mais na ferida e decidiu obrigar todos os que compram energia à Rússia a pagar em rublos. Que é o equivalente a dizer: se querem gás, têm de me financiar a guerra.

Neste momento, algumas das maiores empresas energéticas da União Europeia preparam-se, segundo o Financial Times, para abrir contas num banco russo sediado na Suíça, aceitando assim as exigências de Putin. Algumas dessas empresas são austríacas, outras húngaras, outras ainda eslovacas e, por fim, alemãs. Em Itália, a ENI ainda está a ponderar.

O tema é muito mais grave do que parece. Se estas empresas - se estes Estados - decidirem ceder às exigências de Vladimir Putin, isso terá duas grandes consequências: a primeira, e mais óbvia, é a de que a União Europeia vai dando apoio à Ucrânia com uma mão e à Rússia, com a outra, financiando o esforço de guerra que está a decorrer. A segunda é a de que a união que parecia existir no início deste conflito se desmorona, com todas as consequências no médio e longo prazo que isto pode ter.

A Alemanha é aqui um país charneira. E, ou fica para a história como o país que, a expensas próprias, conseguiu ser um exemplo, contribuindo para o reforço da União Europeia, ou ficará, para todo o sempre, como um Estado egoísta, hipócrita, que é forte com os fracos e cobarde com os fortes. Berlim tem, nas suas mãos, a possibilidade de contribuir para um fim mais rápido desta guerra. Mas será que o vai fazer? Ou vai assobiar para o lado?

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Comentário Pessoal:

Alguma vez os ‘nazis’ acabaram com uma guerra?!

Vai assobiar para o lado…qual é a dúvida?!

domingo, 1 de maio de 2022

Um agradecimento a Joana Marques Vidal.

Não houve a decência de assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão.

Senhora procuradora-geral da República
Dra. Joana Marques Vidal

Agora que, sem surpresa, se assiste à decisão do senhor Presidente da República e do Governo em a substituírem nas suas funções, não renovando o seu mandato, é chegado o momento de lhe prestar tributo público de reconhecimento e admiração pelo mandato ímpar que desempenhou à frente da Procuradoria-Geral da República.

Nestes anos de mandato, que a Constituição determina poder ser renovável, entendeu quem pode que a senhora procuradora deveria ser substituída. Não houve, infelizmente, a decência de assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão. Uma vez que, como referi, a Constituição não contém tal preceito, e é público que um preceito desta natureza, há anos defendido pelo Partido Socialista, foi recusado em termos de revisão constitucional, sobra claro que a vontade de a substituir resulta de outros motivos que ficaram escondidos.

É pena que seja assim. Mas, senhora procuradora, não sai a senhora beliscada por tal situação. Desempenhou o seu mandato com total independência, sem que ninguém de boa fé possa lançar a suspeição de que tenha feito por agradar a quem pode para poder ser reconduzida — afinal, o argumento invocado para defender o mandato único e longo. Pelo contrário, a sra. procuradora exerceu o seu mandato com resultados que me atrevo a considerar de singularmente relevantes na nossa história democrática. Num tempo em que, infelizmente, tantas vezes se suspeita, não sem fundadas razões, da efectiva realização da autonomia e independência de muitas instâncias dos poderes públicos, incluindo a área da justiça, a senhora procuradora inspirou confiança e representou uma grande lufada de ar fresco pelo modo como conseguiu conduzir a acção penal pelo corpo do Ministério Público. Poucos, até há alguns anos, acreditavam que realmente fosse possível garantir de facto, que não na letra da lei e nos discursos, uma acção penal que não distinguisse entre alguns privilegiados e os restantes portugueses. No termo deste seu mandato, são sem dúvida mais os que acreditam que se pode fazer a diferença e marcar um reduto de integridade e independência, onde as influências partidárias ou as movimentações discretas de pessoas privilegiadas na sociedade esbarram e não logram sucesso. Tendo presente que esse ideal de justiça, associado à exigência de liberdade e de responsabilidade, se sobrepõe, sobremaneira, a muitos outros valores e aspectos práticos nas sociedades democráticas, parece reconfortante verificar que o seu contributo para a credibilização das instituições democráticas foi enorme e digno de apreço e de estima.

Bem sei que não há ninguém insubstituível e que a sua humildade o reconhece com absoluto desprendimento. Não era, de resto, a si que deveria ter cabido a acção de defesa e reconhecimento de que é inteiramente merecedora. Menos compreensível é que quem pode e deve ser consequente nesse reconhecimento não esteja interessado em fazê-lo, com benefício para Portugal.

Como ex-primeiro-ministro que propôs a sua nomeação, quero prestar-lhe público reconhecimento pela ação extraordinária que desenvolveu no topo da hierarquia do Ministério Público. Como português quero sobretudo expressar a minha gratidão por ter elevado a ação da Procuradoria a um novo e relevante patamar de prestígio público. Muito obrigado, senhora dra. Joana Marques Vidal.

Pedro Passos Coelho

https://observador.pt/opiniao/um-agradecimento-a-joana-marques-vidal/