Doar bens móveis e imóveis em vida pode evitar conflitos, mas há obrigações legais a cumprir. Explicamos com fundamento legal.
Fazer uma doação em vida pode acontecer por diversos motivos e pode evitar muitos conflitos entre os futuros herdeiros. Mas antes de avançar, com esta alternativa à herança, há vários aspectos que devem ser ponderados. Afinal, a doação é um negócio jurídico e é necessário conhecer as normas legais que se aplicam a esta forma de dispor dos bens para prevenir problemas e chatices.
O que consta na Lei sobre fazer uma doação em vida?
As normas relativas às doações em vida são determinadas pelo Código Civil (CC), nos artigos 940.º a 968.º. Nos termos do art. 940.º do CC, uma doação é um negócio jurídico “pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
"Na prática, podemos dizer que quem faz uma doação (doador) está a transmitir, gratuitamente, a propriedade de um bem seu, a favor de outrem (donatário). Esta fórmula é, muitas vezes, usada entre pais e filhos ou familiares próximos, garantindo que se cumpre a vontade de doar determinado bem a determinada pessoa", tal como explica a CRS Advogados, neste artigo preparado para o idealista/news.
Importa, ainda, esclarecer que, nos termos do art. 949.º do CC, a doação é um negócio jurídico com carácter pessoal, isto é, o doador não pode atribuir a outrem a faculdade de designar o donatário ou de determinar o objecto da doação, terá de ser o próprio.
Por ser um negócio jurídico, há várias imposições legais relativas à capacidade jurídica (nos termos do art. 948.º e 950.º do CC):
- A doação em vida pode ser feita por qualquer pessoa que, nesse momento, tenha capacidade para celebrar um contracto e para dispor dos seus bens;
- Pode ser donatário (pessoa que recebe a doação) quem não estiver especialmente inibido por lei a aceitar a doação. Claro que as pessoas incapazes (sem capacidade jurídica para decidir sobre a sua vida e bens, seja por motivos de doença, seja pela idade) isto é, que não têm capacidade para celebrar contractos, não podem aceitar doações das quais resultem quaisquer encargos, a não ser por intermédio dos seus representantes legais.
Obrigações legais para doar bens móveis e imóveis em vida
A doação de bens móveis “não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada”, como dispõe o art. 947.º, n.º2 do CC. Ainda assim, como forma de cautela, em particular no caso de bens mais valiosos, e para comprovar a doação, é aconselhável que esta seja feita por declaração escrita (e de preferência autenticada).
Já a doação de bens imóveis “só é válida se for celebrada por escritura pública ou de documento particular autenticado”, conforme nos refere o 947.º, n.º1 do CC. Em caso de incumprimento desta formalidade, a doação é nula, conforme consta do art. 220.º do CC.
Além da falta de forma numa doação de imóvel, há outras situações em que a doação pode ser considerada nula, por exemplo:
- Doação entre cônjuges quando o regime de casamento foi imposto por lei como sendo a separação de bens (como nos esclarece o art. 1762.º do CC);
- Doação feita por um doente ao médico ou enfermeiro envolvido no seu tratamento (art. 2194.º Ex vi art. 953.º do CC);
- Doação feita por um cônjuge à pessoa com quem cometeu adultério, excepto se à data da doação já estava dissolvido o casamento, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e de bens ou separados de facto há mais de seis anos (art. 2196.º Ex vi art 953.º do CC).
E como se trata uma doação em vida em termos de impostos?
Em termos fiscais, a doação está sujeita ao pagamento do imposto de selo, nos termos do Código do Imposto do Selo. No caso de doação de bem imóvel, está sujeita a Imposto de Selo correspondente a 10% do valor do(s) bem(ns) doado(s), acrescida de 0,8%, nos termos do nº 1.1 e 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
No entanto, as doações feitas a favor de ascendentes, descendentes, cônjuges ou unidos de facto beneficiam da isenção do pagamento do imposto de selo, nos termos do Art. 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.
Mesmo isenta, a doação terá de ser declarada através do Modelo 1 do imposto de selo. Por fim, alerta-se que, como não se trata de um rendimento, a doação não tem de ser declarada no IRS. Contrariamente, já os rendimentos que obtiver dessa doação (se, por exemplo, arrendar um imóvel doado) têm de ser declarados na respectiva categoria. Tratando-se de um imóvel, passa também a ter de contar com as obrigações de proprietário, como, por exemplo, o pagamento do IMI.
*Artigo escrito por Catarina Enes de Oliveira, advogada da CRS Advogados
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