sábado, 28 de maio de 2022

A insustentável leveza de um País de brandos costumes

A verdade, esse conceito abstracto, que já serviu de base a milhares de tratados filosóficos, só existirá quando formos capazes de romper com os tabus que impedem tantas publicações de contarem as histórias que realmente movem o nosso País.

Todos os dias recebemos denúncias de corrupção e actos de profunda imoralidade entre servidores públicos. Mas mais de 80% pedem-nos anonimato, o que diz muito sobre a nossa democracia.

Em pleno século XXI, prevalece o medo. O sentimento claro de que falar com a comunicação social poderá ser sinónimo de represálias.
E o que há de mais dramático na vida de alguém do que perder um emprego, num País que empobreceu drasticamente durante a pandemia? Num País que, segundo o FMI, é - ao nível de vida per capita - ultrapassado por países como Porto Rico, Polónia e Hungria?
Em Portugal, preferimos ver telenovelas e fechar os olhos à realidade. Porque a realidade diz-nos que vivemos ainda numa espécie de feudo no qual a maioria dos portugueses finge aceitar, em silêncio, regras profundamente incorrectas, como por exemplo, o facto de um presidente de câmara só realizar avenças com amigos ou manter uma pensão de viuvez apesar de já ter contraído novo relacionamento e estar, legal e moralmente, impedido de receber esse dinheiro que provém directamente do erário público.
Mas em cada município, as verdades inconvenientes chegam-nos sempre através de uns poucos corajosos que se dirigem a alguns jornalistas, cada vez menos, sempre precedidas de uma frase que já se tornou quase um slogan para nós: "Posso confiar que fica apenas entre nós?"
Pergunto-me quanto tempo vai perdurar este medo que nos impede de pôr fim ao que chamo intoxicação do País?
A verdade, esse conceito abstracto, que já serviu de base a milhares de tratados filosóficos, só existirá quando formos capazes de romper com os tabus que impedem tantas publicações de contarem as histórias que realmente existem.
Na SÁBADO, estamos a fazer esse esforço para dar voz a quem não tem voz. E rompermos de vez com todos os tabus que nos impedem de sermos um País mais moderno e mais justo.


A tristeza que invadiu as novas gerações
Pela primeira vez, o Ministério da Educação decidiu publicar um estudo sobre a Saúde Psicológica e o Bem-estar entre alunos e professores. Os resultados são perturbadores.
Um terço dos alunos apresentam sinais de sofrimento psicológico e metade dos professores também. O problema agrava-se entre os alunos mais velhos. Entre aqueles que serão os homens e as mulheres de amanhã.
E a conclusão é simples: não nos bastava termos empobrecido e, em simultâneo, termos sido, enquanto País democrático, incapazes de vencer os cancros de um sistema político profundamente corrompido, e ainda temos uma nova geração ferida pela angústia.
Não podemos criar filhos tristes. Mas para isso, o exemplo tem de partir de nós.
Sempre defendi lideranças fortes a partir do exemplo. E esta fórmula aplica-se a tudo: a quem lidera um país, uma organização ou uma família.
Nunca fui, nem serei, uma profeta da desgraça, mas os dados que temos, obrigam-nos a falar verdade e a agir colectivamente.
Há várias soluções para inverter este ciclo aparentemente vicioso que nos deixou reféns de uma vida que não escolhemos e nos atropela para onde quer que vamos.
Urge combater a corrupção, dar motivos de alegria aos nossos jovens, incentivos aos professores, jornalistas e a todos aqueles que acordam a pensar em quão melhor seria viver na Alemanha ou nos Estados Unidos da América.
No meio de tudo isto, podemos sempre pensar nos horrores que nos chegam há quase três meses de guerra na Ucrânia. Retermos essas imagens e proceder àquele exercício simplista de "há quem esteja pior do que nós". É verdade. Mas não é esse o exercício certo. Simplesmente porque é matematicamente incorrecto.
Nunca podemos nem devemos moldar as nossas expectativas pelo limite mais baixo. Não são essas as metas que nos fazem crescer.

Sandra Felgueiras

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