O PCP é igual ao que sempre foi. A diferença aqui é que, ao contrário dos cubanos e dos coreanos, os ucranianos conseguem mostrar-vos a sua desgraça nas redes sociais.
08 mar 2022, José Diogo Quintela, ‘Observador’
Sejam bem-vindos ao anti-comunismo! E, também, mal-vindos. Por um lado, estou feliz que estejam aqui. Por outro, estou deprimido. É uma sensação estranha. Não me sentia assim desde 1996, quando os Dave Matthews Band editaram o Crash e todos os meus amigos, que antes desprezavam a banda, subitamente começaram a gostar. E eu, que a descobrira em 1993, que tinha o Remember Two Things e o Under The Table and Dreaming, que sabia as letras de cor, que conhecia o nome de todos os membros do grupo e que até já os tinha visto tocar ao vivo, deixei de me sentir especial. Estava contente que agora pudéssemos todos ouvir os DBM, mas triste por passar a ser apenas mais um fã.
Exactamente como me sinto agora, com esta chegada do anti-comunismo ao mainstream. É que considero-me um hipster da falta de estima pelo PCP. Já o desprezava quando toda a gente ainda dizia bem. Quando o anti-comunismo só passava em bares manhosos. Agora que enche estádios, irritam-me os recém-chegados. Gente que, até há duas semanas, olhava-me de soslaio quando eu criticava o PCP, de repente não se cala com a desonestidade do João Ferreira e com a cara-de-pau do João Oliveira – ou vice-versa, que eles dizem as mesmas coisas. Como em 1996, quando os neófitos queriam convencer-me que o Crash Into Me era a melhor canção de sempre dos DMB. Como assim? Então e o Tripping Billies? Então e o The Best of What’s Around? Agora, os novatos vêm excitados com a invasão da Ucrânia e eu tenho lhes dizer: “É ruim, sim senhor. Mas será a pior? Não me faz esquecer o Pacto Germano-Soviético, o Grande Salto em Frente ou a Hungria, 1956”. É que eu conheço os êxitos antigos do PCP.
Apesar da exasperação, sei que devo habituar-me a ter companhia. E sei, também, que os primeiros tempos de anti-comunismo podem ser difíceis para quem chega e se depara com tão vasta obra. Daí ter-me dado ao trabalho de elaborar uma lista com alguns conselhos que, estou em crer, vão ajudar os iniciados a tornarem-se verdadeiros groupies.
Para já, trata-se apenas de um primeiro rascunho, com falhas que procurarei corrigir em versões mais avançadas. A argumentação é tosca e simplista, mas também não quero confundir cabeças que, até há poucos dias, engoliam a retórica comunista sem questionar. Aliás, o meu plano é transformar isto num tutorial e pedir a uma influencer para fazer um daqueles vídeos cheios de dinamismo que ajudam a passar melhor a mensagem. E que deixam uma pessoa mareada, se durarem muito. Vamos a isso.
1Em primeiro lugar, calma. Respirem fundo. Agora expirem. Outra vez. Eu percebo o choque. Querem gritar, não é? Não o façam. Gritos é no filo-comunismo. Aqui somos mais tranquilos. Guardem a indignação. Não tuitem em caps lock. Se começarem já a berrar: “Como é possível apoiarem isto?”, chegam ao fim-de-semana sem voz. Até porque é claro que é possível. O contrário é que seria impossível. É possível o PCP apoiar a Rússia, como é possível apoiar a Coreia do Norte e Cuba. Há pouco tempo, quando perguntaram a Jerónimo de Sousa se a Coreia do Norte era uma democracia, ele respondeu: “O que é a democracia? Primeiro tínhamos de discutir o que é a democracia”. Quanto a Cuba, António “Que falta faz ao Parlamento” Filipe disse: “Estar a qualificar Fidel Castro como um ditador não é só simplista como errado”. E também: “Não qualifico como ditadura aquilo que se passa em Cuba”.
O PCP é igual ao que sempre foi. A diferença aqui é que, ao contrário dos cubanos e dos coreanos, os ucranianos conseguem mostrar-vos a sua desgraça nas redes sociais. E, pormenor importante, agora o PS tem maioria absoluta e por isso já não é preciso o PCP para nada. A vossa epifania vem daí. Por isso, não perguntem “como é possível não verem?”, não vá alguém perguntar-vos “como foi possível não verem?” E depois entram numa guerra de hipocrisias. Qual a maior? A do PCP? Ou a de quem se finge chocado com a descoberta da hipocrisia do PCP? Eu acho que é a minha, ao simular escândalo com a hipocrisia de quem se finge chocado com a descoberta da hipocrisia do PCP. Mas é tão engraçado que não consigo não ser sonso.
2Os vossos amigos comunistas vão tentar convencer-vos de que aquilo que o PCP defende para o país não tem nada que ver com as suas posições sobre política externa, que são meramente performativas.
Desconfiem. Basta reparar: quando o PS aponta as sociais-democracias nórdicas como exemplo ou a Iniciativa Liberal nos esfrega a Irlanda na cara, nós sabemos que o PS gostava que Portugal fosse mais como os países nórdicos e que a IL gostava que Portugal fosse mais como a Irlanda. Porque é que, quando o PCP defende a China ou Venezuela, havia de ser diferente?
O que o PCP propõe para Portugal não é contraditório com a sua defesa de ditaduras porque a aplicação do que o PCP propõe para Portugal redunda sempre (sempre, é mesmo sempre, não é quase sempre, nem sequer só às vezes ou apenas de vez em quando, não, é sempre) em ditaduras. Um país governado por comunistas começa por expropriar. Depois, por gerir mal a economia. O que provoca fome. Isso motiva protestos do povo. Que resultam em supressão da liberdade de expressão. O que causa revolta. Que conduz à repressão. E isso acaba em exílio e morte. Sempre.
3Também não se deixem enganar pela facilidade com que os comunistas dizem “povo” e “trabalhadores”. São palavras que usam para distrair. Para se safaram de situações incómodas. É como nas relações sexuais BDSM: quando a dominatrix começa a abusar, há uma palavra de segurança que o escravo rasca usa para poder parar. Os comunistas fazem o mesmo. Quando estão a ser massacrados, dizem “povo” e esperam que paremos. Na realidade, eles borrifam no povo, querem só parar de apanhar. O “povo” dos comunistas fica bem no estribilho “o povo unido jamais será vencido”. Sob qualquer regime comunista, o povo quer-se unido por ser mais fácil de espezinhar do que o povo disperso.
4A mesma coisa com a palavra “paz”. Para o PCP, paz é rendição, resistência é agressão. Os comunistas não são pacifistas. São pacifachos.
5Se derem por vocês a ceder aos argumentos comunistas – às vezes acontece, eles parecem mesmo fofinhos – façam como Arya Stark no Game of Thrones. Ao adormecer, Arya recitava uma lista com o nome das pessoas que lhe tinham feito mal, para nunca se esquecer. Têm muito por onde escolher. Pessoalmente, gosto destes: Pol Pot, Estaline, Mao, Trotsky, Fidel Castro, Hugo Chavez, Kim Jong-il, Lenine, Che Guevara, Ceausescu. Costumo declamá-los com a melodia do My Favorite
Things, da Música no Coração. Ao fim de três voltas já estou a ressonar.6 Aconteça o que acontecer, não tentem converter um comunista. É perda de tempo. E falta de educação. É tão inútil quanto convencer um cristão que Deus não existe, tão cruel como revelar a uma criança que não há Pai Natal e tão absurdo como persuadir o Pai Natal que a melhor forma de tirar uma nódoa de azeite da roupa é esfregando com mais azeite. A crença no comunismo é impermeável à argumentação racional. Para um comunista deixar de ser comunista, tem de ser ele próprio a esbardalhar-se na Estrada de Damasco. Metaforicamente, claro. Em Damasco já não há estradas em condições, o Assad rebentou-as a todas. Assad que, há coincidências giras!, também é apoiado pelo PCP. Mas esse é um dos êxitos antigos, daqueles que, até há 15 dias, não vos diziam nada.
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