A Europa está abaixo de Costa
Admito ser arriscado pressupor que a Europa caiu nas mãos de gente ainda menos competente e confiável que o dr. Costa.
23 ago. 2025, Alberto Gonçalves
Recordam-se da época em que a Europa prometeu voltar a ser grande, perdão, Grande? Aconteceu há meia dúzia de meses, após os novos ventos que passaram a soprar do lado de lá do Atlântico e abalaram o saudável equilíbrio que durava há décadas: a América pagava a NATO e todos os membros beneficiavam equitativamente do arranjinho. O sr. Trump, que é maléfico, imbecil, louco ou "putinista" (seleccionar no máximo quatro hipóteses), decidiu sem qualquer motivo que o arranjinho era injusto e exigiu dos europeus um aumento das contribuições para a Aliança. Os intoleráveis desvarios resvalaram naturalmente para o problema da Ucrânia, cujo financiamento aquele descontrolado personagem também ousou questionar. A Ucrânia, que a Europa apoia com quase metade do empenho económico com que financia o Kremlin através da importação de produtos russos, foi a gota de água que fez transbordar o copo da paciência europeia.
O velho continente, adormecido pelas contingências da idade e entretanto despertado por teorias que colocavam os EUA no papel de súbito inimigo, ou ex-amigo, vá lá, acordou. Acordou e, sem sequer se distrair com a higiene matinal, vestiu fato e lançou-se em discursos épicos sobre o seu futuro, um futuro radioso e bélico, repleto de milhões de soldados a marchar e biliões de euros a voar. A Europa, apesar de nos últimos anos ter engordado em 15% ou 20% a sua população com imigrantes do Terceiro Mundo e de mandar a polícia incomodar quem duvida dos benefícios de tamanha hospitalidade, autoproclamou-se o derradeiro bastião das liberdades ocidentais. Connosco, garantiram-nos líderes eufóricos de potentados como a França, a Alemanha, o Reino Unido e Portugal, ninguém brinca. Perante a capitulação do sr. Trump e o imperialismo de Putin, estaríamos preparados, logo que nos dessem algum tempo, para levar tudo à frente. No que dependesse de nós, a Ucrânia não cederia um centímetro. A Europa, gloriosa e renascida, não aceita cedências nem precisa da América para nada. Antes de Moscovo avançar sobre a Europa, a Europa avançaria até Moscovo. Ou Vladivostok, se preciso fosse. Agora é que ia ser.
E foi. Num ápice, engendraram-se cerca de dezassete planos orçamentais para armar a Europa, com verbas que depressa triplicariam o PIB do Texas. Em dois ápices, cometeu-se o supremo esforço de pensar um bocadinho, fizeram-se contas à factura energética e aos sacrifícios sociais e eleitorais de semelhante belicismo, além de se imaginar a logística de enviar para a tropa gerações amamentadas por telemóvel e que fugiriam no caso improvável de avistar um aranhiço. Em três ápices, fingiu-se que despesas já previstas em estradas, aeroportos, pontes e rotundas comuns constituíam investimento na Defesa, sob o pressuposto de que os americanos, evidentemente tontos, não dariam pela artimanha. Em quatro ápices, concluiu-se que, sem a América, a Europa possui um poder dissuasor inferior ao do aranhiço. E em cinco ápices, leia-se na passada segunda-feira, os valentes e inflexíveis líderes europeus acorreram à Casa Branca a tiracolo de Zelensky, a rogar ao sr. Trump que pelo amor de Deus desencante maneira de os livrar desta trapalhada.
Com a excepção de Meloni, que costuma exibir certa ponderação e manter higiénica distância face aos charlatães, e de Zelensky, que talvez tenha demorado a compreender a natureza e a traição dos charlatães, e hoje resigna-se a engolir sapos para salvar o território possível, o acto de contrição na Sala Oval não diferiu muito de uma família falida que reúne com a gerência do banco para renegociar o crédito à habitação. Onde havia bazófia, subserviência. Onde havia declarações de guerra, consensos de paz, a paz que é linda e subitamente desejável, a "paz" que calhar contanto que resgate a dona Ursula, o sr. Macron, o sr. Starmer e o indivíduo alemão das suas próprias promessas e lhes retire a Ucrânia dos ombros. Onde havia lirismo, um esboço de realidade. E imenso descaramento.
O que não houve foi o dr. Costa. O dr. Costa, informo os felizardos que lhe perderam o rasto, é desde o final de 2024 o presidente do Conselho Europeu, um daqueles relevantíssimos cargos internacionais que, sempre que um português o ocupa, alguns portugueses querem obrigar os portugueses restantes a rebentar de orgulho. Uma das escassas funções do presidente do Conselho Europeu é, cito, "representar a UE em assuntos de política externa e de segurança comum", razão suficiente para que, em condições normais, o dr. Costa estivesse presente no beija-mão ao sr. Trump. Não esteve, e é tentador presumir justificações: os anfitriões não sabem da existência do homem; os visitantes não se lembraram da existência do homem; o homem não é exímio em inglês (nem em português, acrescente-se); etc.
Embora as opções acima sejam todas plausíveis, junto-lhes outra, que não exclui as anteriores: o dr. Costa teve vergonha de integrar o desgraçado séquito. Eu sei, eu sei, eu sei. O dr. Costa não é especialmente conhecido pela vergonha fácil, ou mesmo pela apurada noção do ridículo. Porém, até ele perceberá que há limites e que há figuras evitáveis, as figuras que os "líderes" foram fazer a Washington e as figuras que os "líderes" são.
Eu admito ser arriscado pressupor que a Europa caiu nas mãos de gente ainda menos competente e confiável que o dr. Costa.
Mas, dado o buraco a que descemos, é um risco calculado.