terça-feira, 26 de agosto de 2025

Intel: como a gigante dos chips caiu dolorosamente nas mãos de Trump

Trump anunciou a compra de uma participação de 10% na empresa, avaliada em cerca de 7,6 mil milhões de euros. A longa e dolorosa queda da Intel.

A gigante Intel acaba de se transformar num projeto apoiado pelo governo dos Estados Unidos. Esta sexta-feira, a a administração de Donald Trump anunciou a compra de uma participação de 10% na empresa, avaliada em cerca de 8,9 mil milhões de dólares (cerca de 7,6 mil milhões de euros).

O desfecho assinala uma das maiores intervenções governamentais numa empresa norte-americana desde a crise financeira de 2008 e, ao mesmo tempo, é a queda de um dos nomes mais poderosos da indústria tecnológica. Mas como é que isto aconteceu?

Fundada em 1968 por Robert Noyce, o inventor do microchip, Gordon Moore, autor da célebre “Lei de Moore”, e Andy Grove, engenheiro húngaro conhecido pelo seu rigor de gestão, a Intel foi responsável por impulsionar a revolução do computador pessoal — o PC, sigla pela qual ficou conhecido.

Ao longo de 1970 e 1980, os seus microprocessadores tornaram-se o coração dos primeiros PCs: a Intel fechou parceria estratégica com a IBM e mais tarde com a Microsoft, que fez nascer a chamada “era Wintel”.

O lema de Andy Grove — “só os paranóicos sobrevivem” — moldou uma cultura empresarial que fez da Intel líder absoluta no fabrico de chips. No final dos anos 90, a empresa era uma das mais valiosas do mundo.

Tudo começou a mudar depois da saída de Grove da liderança, em 2005, lembra este sábado o The New York Times. A Intel falhou oportunidades estratégicas cruciais, como a entrada no mercado dos smartphones e da inteligência artificial. Em 2005, o então presidente executivo Paul Otellini recusou fabricar chips para o primeiro iPhone, considerando insuficiente a proposta da Apple — um erro que o próprio admitiria ser precisamente isso, um erro, mais tarde….

https://zap.aeiou.pt/eua-trump-compra-intel-696423

 

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A Europa está abaixo de Costa

A Europa está abaixo de Costa

Admito ser arriscado pressupor que a Europa caiu nas mãos de gente ainda menos competente e confiável que o dr. Costa.

23 ago. 2025, Alberto Gonçalves

Recordam-se da época em que a Europa prometeu voltar a ser grande, perdão, Grande? Aconteceu há meia dúzia de meses, após os novos ventos que passaram a soprar do lado de lá do Atlântico e abalaram o saudável equilíbrio que durava há décadas: a América pagava a NATO e todos os membros beneficiavam equitativamente do arranjinho. O sr. Trump, que é maléfico, imbecil, louco ou "putinista" (seleccionar no máximo quatro hipóteses), decidiu sem qualquer motivo que o arranjinho era injusto e exigiu dos europeus um aumento das contribuições para a Aliança. Os intoleráveis desvarios resvalaram naturalmente para o problema da Ucrânia, cujo financiamento aquele descontrolado personagem também ousou questionar. A Ucrânia, que a Europa apoia com quase metade do empenho económico com que financia o Kremlin através da importação de produtos russos, foi a gota de água que fez transbordar o copo da paciência europeia.

O velho continente, adormecido pelas contingências da idade e entretanto despertado por teorias que colocavam os EUA no papel de súbito inimigo, ou ex-amigo, vá lá, acordou. Acordou e, sem sequer se distrair com a higiene matinal, vestiu fato e lançou-se em discursos épicos sobre o seu futuro, um futuro radioso e bélico, repleto de milhões de soldados a marchar e biliões de euros a voar. A Europa, apesar de nos últimos anos ter engordado em 15% ou 20% a sua população com imigrantes do Terceiro Mundo e de mandar a polícia incomodar quem duvida dos benefícios de tamanha hospitalidade, autoproclamou-se o derradeiro bastião das liberdades ocidentais. Connosco, garantiram-nos líderes eufóricos de potentados como a França, a Alemanha, o Reino Unido e Portugal, ninguém brinca. Perante a capitulação do sr. Trump e o imperialismo de Putin, estaríamos preparados, logo que nos dessem algum tempo, para levar tudo à frente. No que dependesse de nós, a Ucrânia não cederia um centímetro. A Europa, gloriosa e renascida, não aceita cedências nem precisa da América para nada. Antes de Moscovo avançar sobre a Europa, a Europa avançaria até Moscovo. Ou Vladivostok, se preciso fosse. Agora é que ia ser.

E foi. Num ápice, engendraram-se cerca de dezassete planos orçamentais para armar a Europa, com verbas que depressa triplicariam o PIB do Texas. Em dois ápices, cometeu-se o supremo esforço de pensar um bocadinho, fizeram-se contas à factura energética e aos sacrifícios sociais e eleitorais de semelhante belicismo, além de se imaginar a logística de enviar para a tropa gerações amamentadas por telemóvel e que fugiriam no caso  improvável de avistar um aranhiço. Em três ápices, fingiu-se que despesas já previstas em estradas, aeroportos, pontes e rotundas comuns constituíam investimento na Defesa, sob o pressuposto de que os americanos, evidentemente tontos, não dariam pela artimanha. Em quatro ápices, concluiu-se que, sem a América, a Europa possui um poder dissuasor inferior ao do aranhiço. E em cinco ápices, leia-se na passada segunda-feira, os valentes e inflexíveis líderes europeus acorreram à Casa Branca a tiracolo de Zelensky, a rogar ao sr. Trump que pelo amor de Deus desencante maneira de os livrar desta trapalhada.

Com a excepção de Meloni, que costuma exibir certa ponderação e manter higiénica distância face aos charlatães, e de Zelensky, que talvez tenha demorado a compreender a natureza e a traição dos charlatães, e hoje resigna-se a engolir sapos para salvar o território possível, o acto de contrição na Sala Oval não diferiu muito de uma família falida que reúne com a gerência do banco para renegociar o crédito à habitação. Onde havia bazófia, subserviência. Onde havia declarações de guerra, consensos de paz, a paz que é linda e subitamente desejável, a "paz" que calhar contanto que resgate a dona Ursula, o sr. Macron, o sr. Starmer e o indivíduo alemão das suas próprias promessas e lhes retire a Ucrânia dos ombros. Onde havia lirismo, um esboço de realidade. E imenso descaramento.

O que não houve foi o dr. Costa. O dr. Costa, informo os felizardos que lhe perderam o rasto, é desde o final de 2024 o presidente do Conselho Europeu, um daqueles relevantíssimos cargos internacionais que, sempre que um português o ocupa, alguns portugueses querem obrigar os portugueses restantes a rebentar de orgulho. Uma das escassas funções do presidente do Conselho Europeu é, cito, "representar a UE em assuntos de política externa e de segurança comum", razão suficiente para que, em condições normais, o dr. Costa estivesse presente no beija-mão ao sr. Trump. Não esteve, e é tentador presumir justificações: os anfitriões não sabem da existência do homem; os visitantes não se lembraram da existência do homem; o homem não é exímio em inglês (nem em português, acrescente-se); etc.

Embora as opções acima sejam todas plausíveis, junto-lhes outra, que não exclui as anteriores: o dr. Costa teve vergonha de integrar o desgraçado séquito. Eu sei, eu sei, eu sei. O dr. Costa não é especialmente conhecido pela vergonha fácil, ou mesmo pela apurada noção do ridículo. Porém, até ele perceberá que há limites e que há figuras evitáveis, as figuras que os "líderes" foram fazer a Washington e as figuras que os "líderes" são.

Eu admito ser arriscado pressupor que a Europa caiu nas mãos de gente ainda menos competente e confiável que o dr. Costa.

Mas, dado o buraco a que descemos, é um risco calculado.


Vinho do Leste Selvagem

Vinho do Leste Selvagem

A cultura vinícola da Armênia tem 6.000 anos, e as videiras sobreviveram até mesmo à filoxera. No entanto, hoje, a cultura vinícola do Oriente selvagem está mais ameaçada do que nunca.

O ano é 4000 a.C. A vida é escassa. As pessoas constroem fazendas comunitárias, vagam como nômades ou vivem em cavernas. Uma dessas cavernas agora se chama Areni-1 e está localizada na província armênia de Vayots Dzor. Ela possui três cômodos: um era usado pelos habitantes para viver, outro para os animais e o terceiro para rituais fúnebres espirituais – incluindo vinho. Isso é evidenciado por um lagar descoberto no local. Ele tem seis mil anos, tornando-o o mais antigo do mundo e a Armênia o berço do vinho.

No entanto, a Armênia permanece desconhecida para muitos. No entanto, joias nativas crescem aqui: por exemplo, a uva branca Voskehat, que se traduz literalmente como "gota de ouro". Não sem razão, já que os pigmentos da casca conferem ao vinho uma tonalidade dourada. Somado a isso, há um paladar rico, mas delicadas notas cítricas aguardam no nariz.

Ainda mais emocionante é a estrela das uvas armênias: Areni. Semelhantes aos Syrah do norte do Vale do Rhône, esses vinhos exibem finesse e requerem pouco envelhecimento em carvalho. No entanto, vinicultores inovadores estão agora demonstrando que a uva também tolera barris de carvalho e produz harmonizações poderosas com pratos.

O Monte Ararat é a montanha natal da Armênia, embora esteja localizado em solo turco. A Arca de Noé atracou no Monte Ararat após o Dilúvio. O vinho Noa é dedicado a essa história. O enólogo suíço Jakob Schuler e sua equipe local criaram este Areni puro. Encorpado e agradável, ele encantará qualquer jantar.

Noa – Reserva Noah de Areni, Vayots Dzor, Armênia, 2020, 49 francos, 15% vol. Alq.

As variedades armênias devem sua singularidade a um golpe de sorte. Na década de 1870, os vinicultores europeus lutaram contra a melodiosa, porém mortal, doença da filoxera. A filoxera, uma praga introduzida dos Estados Unidos, destruiu os porta-enxertos de videiras com décadas de idade e mergulhou os viticultores no desespero. Somente uma solução de porta-enxertos vinda dos próprios Estados Unidos resolveu o problema: enxertar uvas conhecidas em porta-enxertos resistentes. Na Armênia, porém, a original ainda cresce. Por uma razão simples: ninguém se interessava pelo vinho armênio na época.

Mas é apenas uma proteção temporária. A região vinícola de Vayots Dzor, no sul, está desfrutando de crescente popularidade devido ao seu clima e terroir. As condições ideais para variedades de uvas internacionais existem, um fato que cada vez mais produtores de vinho estão reconhecendo. Principalmente porque a Merlot é mais fácil de explicar e vender do que a Areni.

Isso é um horror para os viticultores locais. Eles protestam veementemente, temendo que a filoxera invada o país e destrua seus Areni, Voskehats e Tozots. Pior ainda: o governo está cogitando a ideia de renomear a região para "Vale do Arpi". Dizem que é mais chamativo do que "Vayots Dzor" e lembra o próspero Vale do Napa. "Besteira", é a resposta dos viticultores.

Uma resposta totalmente ao meu gosto. Porque depois de provar a variedade armênia, você vai querer mais. E não mais um blend de Cabernet Sauvignon e Merlot, como todo mundo faz hoje em dia.

https://www.handelszeitung.ch/weingeschenkt/wein-aus-dem-wilden-osten-852798?utm_source=mail&utm_medium=social&utm_campaign=share-button - Apéro

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Agricultura torna Brasil menos dependente do petróleo


O jornal NZZ (Neue Zürcher Zeitung), o mais prestigioso da Suíça germanófona, publicou um artigo de Alexander Busch, correspondente no Brasil especializado em economia, analisando o papel do país na transição energética global. Enquanto Europa e Ásia se preocupam com possíveis altas históricas do petróleo em meio às tensões no Oriente Médio, o Brasil encara a questão com menos apreensão, já que figura entre os maiores produtores de petróleo do mundo e, sobretudo, porque 30% de sua matriz energética já vem da agricultura.
Essa característica é rara no cenário internacional: apenas Tailândia, Escandinávia e Uruguai apresentam proporções semelhantes. No Brasil, a cana-de-açúcar é o centro da ofensiva energética, gerando etanol, biodiesel e eletricidade a partir do bagaço. O país também investe em biogás, energia solar e eólica em propriedades rurais. Segundo a Fundação Getulio Vargas, cerca de 60% da energia sustentável brasileira tem origem agrícola, e há projetos-piloto para combustíveis de aviação sustentáveis (SAF).
O artigo lembra que a busca por autonomia energética começou nos anos 1970, com o Proálcool, programa pioneiro de etanol de cana. Após crises e abandono de subsídios, a introdução da tecnologia flex-fuel em 2003 consolidou o uso do biocombustível, tornando-o padrão na frota brasileira. Hoje, o Brasil se diferencia de outros produtores, como os EUA, por oferecer uma cadeia completa e eficiente de produção, distribuição e consumo de etanol.
Chamas saindo da torre de uma instalação da refinaria de petróleo no complexo industrial da PCK-Raffinerie GmbH em Schwedt, Alemanha. Desde de janeiro de 2023, os fornecimentos de petróleo da Rússia através do oleoduto "Freundschaft" foram suspensos. KEYSTONE/DPA/Christophe Gateau
Apesar de pioneiro, o modelo brasileiro enfrenta críticas devido ao desmatamento associado ao agronegócio. Busch observa, contudo, que certificações internacionais vêm garantindo que parte relevante da produção não está ligada à destruição da Amazônia. Em regiões tropicais, a biomassa rende até três vezes mais energia por hectare do que na Europa, o que explica o interesse de países como Índia, Indonésia e China em replicar o modelo. Já a Europa, incapaz de copiá-lo integralmente, poderá recorrer a maiores importações - cenário que pode gerar disputas comerciais com os EUA, principais exportadores globais de etanol.


Fonte: nzz.ch, 18.08.2025 (em alemão)

Empresas suíças focam no Brasil

O jornal NZZ (Neue Zürcher Zeitung), o mais prestigioso da Suíça germanófona, publicou um artigo de Alexander Busch, correspondente de longa data no Brasil, sobre a recuperação da economia brasileira e as oportunidades que ela abre para empresas suíças. Após quase uma década de estagnação, o país voltou a crescer acima de 3% ao ano e, em 2024, atraiu mais de 70 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos — ficando atrás apenas da China e dos EUA. A Suíça foi o terceiro maior investidor no Brasil, e a maioria das companhias helvéticas no país projeta expansão.

O artigo cita exemplos concretos de sucesso. A Lindt & Sprüngli já abriu 90 lojas no Brasil e cresce a taxas de dois dígitos no segmento premium de chocolates, enquanto a Straumann/Neodent consolidou uma estratégia global a partir de sua subsidiária brasileira, exportando inovação. A Hitachi Energy, com sede em Zurique, investe pesado na expansão de sua fábrica paulista, aproveitando a abundância de energia renovável no país. Outras empresas recém-chegadas, como a austríaca Alpla (embalagens) e a alemã Ecomply (software), também veem o Brasil como plataforma de crescimento.

Além do mercado interno de 220 milhões de habitantes, o Brasil é visto como porta de entrada para toda a América do Sul, região com 440 milhões de consumidores. O artigo ressalta ainda o potencial do acordo entre o Mercosul e a EFTA (da qual a Suíça faz parte), que pode tornar os produtos suíços mais competitivos. Para Busch, a combinação de crescimento econômico, expansão de infraestrutura e necessidade de modernização industrial cria um cenário promissor para empresas suíças no Brasil.

Fonte: nzz.ch, 19.08.2025 (em alemão) 

Trump sobre Putin. Cartoon.

Caricatura de Adams, 17 de agosto
--   Com os meus cumprimentos    Rui Xisto

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

'Professor de jihad' queria que muçulmanos realizassem incêndios criminosos no Ocidente, diz tribunal

Dzhamilya Timaeva, 19, é acusada de espalhar "propaganda pró-Isis" que incentiva a queima de edifícios, florestas e terras agrícolas.

Um professor de uma escola dominical islâmica queria que muçulmanos realizassem ataques incendiários no Ocidente, segundo um tribunal.

Dzhamilya Timaeva, 19, é acusada de espalhar "propaganda pró-Isis" ao distribuir um livro em estilo de desenho animado convocando os muçulmanos a travar a jihad contra os não crentes.

Old Bailey ouviu anteriormente que cópias do livro, chamado "Little Muwahideen", foram encontradas em uma busca em sua casa pela polícia e que ela já havia distribuído mais cópias.

Na quinta-feira, foi alegado que a Sra. Timaeva tinha um vídeo no seu telefone chamado "Incite The Believers" quando foi presa pela polícia no Terminal Dois do Aeroporto de Heathrow quando estava prestes a embarcar em um voo para a Turquia em outubro de 2022….

 

https://www.telegraph.co.uk/news/2024/11/14/jihad-teacher-muslims-commit-arson-in-west/

 

Portugal é o quarto país do mundo com mais... médicos.

Onde estão todos esses médicos, que não estão a trabalhar? Estão de férias, estão de greve, estão doentes?

Os médicos do país das clínicas porta sim e porta não, o país com "metade dos médicos a dar baixa á outra metade", o país dos médicos a dar baixas "só porque sim" aos funcionários públicos, para assim estes dizerem e fazerem greve, mas a receber na mesma dos serviços sociais, o país dos médicos que fazem parte da folha salarial dos hospitais, mas que é raro vê-los por lá, etc., etc.… o país dos médicos generosamente pagos, para o seu rendimento e para a sua qualidade, sem questionamento de qualquer ordem, pelo poder politico e de justiça, no país, cujos médicos preferem deixar ao PCP o controlo dos seus sindicatos e também da Ordem… sem se importarem com o caos, que está na génese do PCP (até tomarem conta do poder) nem com a saúde dos seus compatriotas – que por acaso são quem lhes paga e muito bem, mas pouco – deles - recebe em troca.

Henrique Raposo

Boa tarde, caro leitor!

Ouvimos uma coisa tantas vezes que depois não nos passa pela cabeça contestá-la. Os responsáveis corporativos de um dado sector dizem uma coisa, os jornalistas, pivots e comentadores repetem essa mesmíssima coisa até ao ponto em que é vulgata, sabedoria convencional, uma "forma mental" que não se questiona. Por exemplo, ouvimos durante anos que a idade de Biden não era um problema - mas afinal é. E agora é tarde demais para tentarmos resolver essa questão. Mas como é que aquilo que era considerado "fake" há 15 dias é agora um dado inequívoco? Um estudo de caso, sem dúvida: a elite liberal acreditava que a idade de Biden não era um problema e diabolizava quem ousasse falar do tema, mesmo quando essas pessoas eram de esquerda, como diz aqui Ricardo Araújo Pereira; mas, num ápice, essa mesmíssima elite saltou do 8 para o 80, e agora defende a saída de Biden, apesar de não existir um substituto claro. E deixem-me rebobinar ainda mais a cassete. Quando apareceu a Covid, a narrativa dos liberal media era clara e certeira: manter a sensatez, evitar cair nos excessos chineses, evitar que Trump usasse a covid como desculpa para alargar poderes executivos e com potencial ditatorial. A narrativa mudou para o excesso do #ficaremcasa quando perceberam que Trump não ia ser autoritário, mas libertário até ao ponto da irresponsabilidade. E assim saltaram do 8 para o 80. Aliás, é por isso que ainda hoje é considerado "trumpista" seguir uma linha de investigação mais do que sensata: a covid pode ter tido origem num laboratório chinês; e isto não é feito porque órgãos como o NY Times deixaram o jornalismo liberal clássico e entraram num activismo político. E, neste quadro mental, seguir esta pista chinesa é considerado "racista" e "trumpista". Mas porque é que desconfiar da maior ditadura do mundo com laboratórios de armas biológicas é racismo?

Quando se diz que o centro racional não aguenta, é disto que estamos a falar.

Agora, deixem-me puxar este assunto para um dos temas mais ouvidos no nosso país. Ouvimos quase todos os dias que há poucos médicos em Portugal, que há falta de médicos. Ainda hoje já ouvi isso várias vezes nos média. Só que isto não faz sentido, lamento.

I. FACTO DO CONTRA

Portugal é um dos países com mais médicos per capita

Portugal é um dos países com mais médicos per capita (de resto, também é um dos países com mais polícias per capita). Segundo o Eurostat, Portugal é o segundo país da UE com mais médicos por cada cem mil habitantes. Só somos superados pela Grécia. Temos cerca de 560 médicos por cada 100 mil pessoas. A França tem 318 e a Bélgica 324. A média da UE é 405 por 100 mil habitantes.

As contas da OMS são um pouco diferentes, mas continuamos na frente. Temos 57 médicos por 10 mil habitantes, só somos superados pela Suécia (71), Bélgica (63) e Grécia (63). Ou seja, somos o quarto país do mundo com mais médicos por habitante. Não, não estou louco: veja de novo aqui. E isto é o resultado de uma evolução histórica notável em Portugal. Em 1990, tínhamos 2.8 médicos por 1000 habitantes, agora temos 5,7.

Porque é que isto é importante? Porque temos de desviar a atenção dos recursos (que estão numa quantidade mais do que aceitável) para a gestão desses mesmos recursos, ou seja, temos de falar de diferentes modelos de "estado social" e de "direito à saúde". Essa discussão a jusante não é tema para a "Contrafactual". Mas o que aqui fica claro é que, a montante, a discussão mediática, política e ideológica em Portugal está a ser feita ao lado da realidade. Não se pode começar esta discussão vital no pressuposto de que há falta de médicos. Não é verdade.

II. CONTADO NÃO SE ACREDITA

Tentaram cancelá-lo porque vendia cerveja "maricas"

Até que ponto as coisas podem entrar num radicalismo sem ponto de retorno? A história que se segue revela como já entrámos num vórtice sem fim à vista.

Garth Brooks é um cantor country, género associado à América vermelha. Além de cantor, tem um bar muito famoso onde resolveu vender uma Budweiser light, que, na cultura sulista e trumpista, é associada ao movimento LGBT, até porque a Budweiser fez uma publicidade com um modelo trans. Ora, a simples venda dessa cerveja sem álcool considerada "amaricada" ou "trans" por este público vermelho, digamos assim, levou a uma onda de protestos e de boicotes contra a cerveja, contra o bar e, por arrasto, contra o famoso cantor. Garth Brooks foi forçado a responder, dizendo o óbvio: Eu vou com continuar a vender Bud Light, até porque acredito na diversidade; quem não quiser aparecer não apareça, até porque são evidentes idiotas!

É por isso que Bill Maher deu a Brooks um dos prémios Cojones de 2024.

Mas, de facto, contado não se acredita. A Budweiser sofreu nas vendas brutalmente, deixou de ser pela primeira vez em décadas a cerveja mais bebida nos EUA. Isto porque o boicote original dos reacionários levou a um contra boicote woke, porque se considerou que a marca não defendeu o modelo trans.

Estas sucessivas inverosimilhanças da cultura de cancelamento, à esquerda e à direita, dizem-nos uma coisa: a guerra civil, o indizível, talvez não esteja longe.

III. A LENTE DA ARTE

O médico

Por vezes, é bastante claro que o público já esqueceu ou nunca aprendeu uma coisa: a medicina moderna é recente; a nossa conquista de boa parte das doenças é recente. E, como não sabem que o conforto atual é uma construção humana recente, muitas pessoas caem nos excessos. Ou caem nas teorias da conspiração contra vacinas (porque assumem que a ausência de doenças é o estado natural e não a consequência da vacinação) ou caem nos excessos hipocondríacos (#ficarmecasa) que exageram as ameaças.

Neste sentido, gostava de recomendar dois livros sobre os primórdios da medicina moderna durante a primeira metade do século passado. Sobre a realidade portuguesa, não há nada como ler os "Diários" de Miguel Torga; ali vemos um médico caixeiro viajante atravessando um país pobre e doente, um país pré revolução médica do século XX. Também é muito recomendável o romance de William Somerset Maugham, "Servidão Humana"; neste enquadramento, destaco a forma como o jovem médico, alter ego do autor, entra na servidão humana que era a família pobre e urbana de há cem anos. Não é literatura com "safe spaces", não; e mostra como a medicina esteve sempre na fronteira das discussões morais, muito para lá das questões técnicas da profissão. Podemos dizer o mesmo sobre a série "The Knick".

O clássico de Atwood, "A História de uma Serva", pode ser visto como uma ilustração da forma como a medicina quis sempre controlar o corpo da mulher, sobretudo a mulher pobre e desprotegida.

Ainda sobre medicina, não posso de deixar de rever o "Frankenstein" da Mary Shelley com outros olhos hoje em dia – o lado negro da medicina e da ambição científica; construções humanas que escapam ao nosso controlo. O criminoso Oxycontin – o crime do século – ou o mais do que duvidoso Ozempic levam-me a pensar que a medicina e a química criaram um biopoder tão grande sobre a sociedade, que, por vezes, as coisas já se assemelham ao "Admirável Mundo Novo": há uma droga – a Soma do romance de Huxley – para tudo. Não quero sentir mais dor? Oxy. Quero emagrecer sem precisar de comer bem, sem precisar de me libertar da comida processada do capitalismo agro alimentar que altera os produtos da mesma forma que as tabaqueiras alteravam (alteram) o tabaco para criar adição? Ozempic, pf, mesmo que isso iniba outras vontades além da vontade de comer. O mundo distópico imaginado por Huxley por vezes parece a nossa realidade.

https://expresso.pt/newsletters/contrafactual/2024-07-11-portugal-e-o-quarto-pais-do-mundo-com-mais.-medicos-ef57489a
🇵🇹

O sector público inchado está a atrasar a Grã-Bretanha.

O trabalho não tem mais nada a ver com pessoas que trabalham para viver.

Se você quiser uma ilustração da filosofia económica de Sir Keir Starmer e Rachel Reeves em acção, veja o que aconteceu com os salários dos sectores público e privado no ano passado.

No começo do ano, os funcionários do sector público recebiam cerca de 2% a mais do que os seus pares do sector privado. Esse número agora triplicou para 6% após uma série de grandes aumentos salariais entregues por Sir Keir e Ms Reeves, incluindo um aumento de 22% para médicos juniores em dois anos, e 14% em três anos para funcionários de comboios.

Esses aumentos não foram merecidos por desempenho excepcional ou maior produtividade. Eles não foram conquistados. Em vez disso, foram entregues como uma recompensa aos blocos de interesses mais confiáveis ​​do Partido Trabalhista e pagos por uma vasta incursão fiscal no emprego do setor privado na forma do aumento do Seguro Nacional dos empregadores.

A cada dia que passa, fica mais claro que seria um erro grave confundir o Partido Trabalhista com aqueles que trabalham para viver. Este Governo parece cada vez mais assemelhar-se a uma máquina para canalizar a riqueza da sociedade daqueles que trabalham no setor privado para aqueles que trabalham para o estado.

Nas 25 semanas de mandato do partido, ele conseguiu criar 25 órgãos públicos e ordenar 67 revisões e consultas, e a expansão do estado só tende a continuar: até 2030, espera-se que 18,3% dos trabalhadores trabalhem no setor público, em comparação com 17% hoje, revertendo uma queda prevista pelos conservadores e levando a proporção de volta ao seu nível mais alto desde 2010.

Este boom de empregos estaduais está completamente em desacordo com a experiência da economia em geral. Números recentes do ONS mostraram crescimento caindo e inflação subindo, mas a discussão no setor público é sobre se as recomendações para aumentos salariais acima da inflação do próximo ano são grandes o suficiente, com o Royal College of Nursing insistindo que a oferta proposta é "profundamente ofensiva", e a British Medical Association refletindo sobre o "risco muito real de mais ações industriais". 

Mais uma vez, repetimos os mesmos pontos fundamentais: a esclerose e a estagnação do setor público britânico não justificam esses aumentos salariais. 

A carga tributária, já muito alta, está se movendo na direção errada, pois o estado consome cada vez mais recursos. E o motor do crescimento, o setor privado, está começando a parecer sobrecarregado como resultado. 

A menos que um governo tome posse e esteja disposto a se envolver no trabalho duro da reforma estrutural, a Grã-Bretanha parece destinada à estagnação econômica. Um retorno a todo vapor aos anos 1970 está bem nos planos.

https://www.telegraph.co.uk/news/2024/12/27/uk-bloated-public-sector/