quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Jogos sem fronteiras

Descontados casos reais de racismo e xenofobia, não era preciso ser racista ou xenófobo para prever as consequências desastrosas de um êxodo desmesurado.

25 out. 2025, Alberto Gonçalves, 'Observador'

Não duvido que o racismo e a xenofobia são um flagelo de imensas épocas e geografias. Mas no Ocidente actual um flagelo maior tem sido o medo de se ser acusado de racismo e xenofobia. Nem falo do que acontece em democracias extintas, como a do Reino Unido, em que o medo de ser detido e condenado à prisão por ténue suspeita desses males é inteiramente justificado (a cada ano, milhares de cidadãos são no mínimo interrogados por opinar na internet – leia-se por "discurso de ódio", o disfemismo em voga). Falo do ambiente nas democracias que talvez ainda mereçam o nome, e que fez com que a Europa, sobretudo a Europa, tivesse de assistir calada a uma das maiores vagas migratórias da História sem esboço de resistência ou pio.

Na verdade, houve quem piasse, e notasse que autorizar a entrada, por exemplo em Portugal, de uma quantidade de pessoas equivalente a 11% da população numa década era capaz de não ser uma medida fantástica. Além da entrada franca, boa parte dos forasteiros carregava hábitos, valores e, digamos, visões do mundo ligeiramente incompatíveis com os praticados por cá. E quando as diferenças culturais (e as pressões económicas) não são suficientes para causar problemas, a pobreza e a marginalidade em que muitos inevitavelmente caem encarregam-se do resto. Porém, os imprudentes que ousaram questionar o arranjinho viam-se de imediato insultados de "racistas" e "xenófobos", e proscritos da sociedade "decente". Donde, por receio do desterro social, os imprudentes que cedo piaram foram raros.

Hoje, com as consequências do regabofe demográfico demasiado evidentes para se poder fingir que não existem, o número dos que alertam para os perigos da imigração descontrolada subiu consideravelmente. E desceu consideravelmente o medo de que um "painel" na Sic Notícias ou um editorial do Público os chame de "racistas" e "xenófobos", embora o "painel" e o editorial continuem a não abdicar de o fazer. Em Outubro de 2025, já vemos políticos "moderados" exibir aflição com o assunto. Vemos o parlamento aprovar uma "lei da nacionalidade" e proibir a burka em locais públicos. Vemos enfim que, à direita da extrema-esquerda, que agora começa algures no PS, a constatação de que temos estrangeiros em excesso chegou ao "mainstream". De repente, quase todos piam. Infelizmente, como "Bernie" Sanders, que esta semana aplaudiu a acção de Trump na matéria, piam tarde e a péssimas horas.

Para resumir com brutalidade, o mal está feito. Apertar as regras de admissão ou de concessão da naturalização é igual a reduzir a inflação e esperar que os preços baixem. Os preços não baixam, apenas aumentam mais devagar. É o que sucederá com a imigração. E, ao contrário da imigração, os preços não são afectados por uma taxa de natalidade superior à nativa. Ou seja, a percentagem de estrangeiros só promete crescer, para felicidade dos empresários da restauração que pagam pouco, dos exploradores de trabalho clandestino e semi-escravo, e das redes de tráfego humano. A única forma de atenuar aquela percentagem é, garantem os "racistas" e "xenófobos" exaltados, a deportação. Trata-se de um exercício retórico ou de um delírio.

Por um lado, com ou sem a invocação do "humanismo" e da decência, não há fundamento legal para expulsar a esmagadora maioria dos imigrantes, que estão aqui porque formalmente os deixaram. Por outro lado, não há condições logísticas para devolver à origem a parcela de imigrantes ilegais ou cadastrados, que talvez ultrapassem os 100 mil. Por fim, não conseguimos maneira de sequer impedir que, com habilidades jurídicas pelo meio, os 38 marroquinos que em Agosto desaguaram no Algarve se espalhassem por aí. Espremidos os "processos" e as "notificações", é plausível que desde 2024 uns trezentos sujeitos foram deportados de facto. O que não muda nada.

O que havia a mudar, mudou durante a vigência do dr. Costa e dos partidos comunistas que o espaldaram na AR, período em que abriram o país ao "multiculturalismo" [sic] a fim de salvar a Segurança Social e criar extraordinárias impressões de insegurança social. Não sei se tamanha irresponsabilidade foi motivada por razões benignas, ou pela ilusão de que os imigrantes legalizados desequilibrariam a balança eleitoral para a esquerda, ou por puro desejo de caos.

Sei que sucedeu em Portugal o que sucedera na generalidade da Europa ocidental: houve alguma coisa que se partiu, uma peça encravada na engrenagem que antes permitia que a máquina, mesmo aos safanões, funcionasse. E sei que, descontados casos reais de racismo e xenofobia, não era preciso ser racista ou xenófobo para prever as consequências desastrosas de um êxodo desmesurado. E acertar na previsão. Eu, que não reconheço a função "identitária" da raça e que não tenho no sangue uma gota de patriotismo, previ e acertei.

Remédio? Não há. A título de placebo, e dada a impossibilidade de regressarmos a 2015, podíamos pelo menos enxotar os políticos e os seus avençados nos media que, por incúria, cobardia ou perversão, alinharam com sucesso na propaganda de uma ideia criminosa: a de que a alternativa às fronteiras escancaradas seriam o "racismo" e a "xenofobia". Dois ou três voos bastariam, e o dr. Costa, que entretanto se sentou no Conselho Europeu a fingir que discute os abusos migratórios, até já foi à frente.

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