minha atitude relativamente ao peditório da Liga Portuguesa Contra o Cancro tem evoluído muito com o decorrer dos anos.
Desde já esclareço que não descortino qualquer interesse pessoal a salgar os meus sucessivos posicionamentos face a tão delicada matéria. A tradição na minha família é morrer do coração, não de cancro, mas sempre tratei por igual todos os peditórios públicos - excepto a vigarice da Operação Coração do Benfica, por razões óbvias.
Desde a adolescência até aos anos de entrada na idade adulta andei a praticar uma espécie de jogo das escondidas com as madames do peditório.
O objectivo era escapar incólume ao massacre. Ganhava se chegasse ao fim dos dias de peditório sem ter sido abordado. Mas era praticamente impossível vencer este jogo.
A Liga Portuguesa Contra o Cancro esmagava o meu honesto esforço de guerrilha usando a táctica do "carpet bombing" - combinando o plantar de senhoras com o mealheiro redondo ao peito em posições fixas, em todas as esquinas, com brigadas móveis que varriam as ruas.
Repito. Era virtualmente impossível escapar. E eu bem tentava, usando como táctica de guerrilha a temporização (já devem ter ouvido falar disto nos relatos de futebol na SporTv).
Dito por outras palavras, quando divisava uma madame do peditório na esquina, a lançar pelas redondezas o seu olhar de falcão em busca de uma vítima, eu abrandava o passo até ela seleccionar e cair sobre um incauto.
Nessa altura, estugava o passo, quase corria, para ultrapassar a posição inimiga enquanto ela estava ocupada em aplicar o autocolante e receber a moedinha.
Mas todo este esforço, a tensão de andar na rua com todos os sentidos despertos, como se estivesse a pisar perigoso território inimigo, era inglório. Acabava sempre por ser apanhado ao virar da esquina, muitas vezes no último dia, quando tinha abrandado a guarda.
A reflexão imposta pelo acumular de derrotas obrigou-me a mudar radicalmente a minha política face aos peditórios. Foi uma viragem de 180º, inspirada na boa e velha máxima "Se não os podes vencer, junta-te a eles".
Passei a encarar o peditório como um imposto revolucionário que tinha de pagar para poder andar descontraidamente na rua. Mal começava um, dirigia-me para a primeira senhora que via e se ela estivesse ocupada eu esperava ordeiramente a minha vez para enfiar uma moedinha no mealheiro e receber de volta o preciso pedacinho amarelo de autocolante que ia servir de salvo conduto para circular em paz nos dias seguintes.
Estou bastante satisfeito com os resultados desta atitude de "realpolitik" que adoptei face aos peditórios
da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Mas devo confessar que tinjo esta atitude ordeira e cívica com uma pequena maroteira. Escondo o autocolante amarelo na parte de dentro da lapela do casaco. E depois, quando sou abordado por uma madame, desfaço-me no melhor dos meus sorrisos (que mesmo assim não é grande coisa...) viro a lapela e digo-lhe "Já dei para esse peditório"!
Este meu relacionamento calmo, adulto e estabilizado com o peditório foi sacudido este ano com aquilo que identifico como uma mudança suicida da estratégia do marketing da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Dei pela existência do peditório quando ao início da tarde de um dia da semana passada ia a passar junto a uma daquelas esquinas da Rotunda da Boavista que têm um balcão do Millennium (bem vistas as coisas são quase todas...) e deparei com uma madame tão parada como uma estátua, muda e queda, com o mealheiro redondo ao peito, na mesma atitude servil com que os cães São Bernardo usam o pipo de brandy.
Pasmei. Passado um par de horas voltei à esquina para ver se ela ainda lá estava. Estava e tinha-se soltado um pouco. Continuava parada, mas já falava, dirigindo-se em geral a todos os passantes e perguntando-lhes se por acaso não estavam interessados em contribuir para a Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Ora, amiguinhas e amiguinhos da Liga Portuguesa Contra o Cancro, assim não vamos a lado nenhum. Se estão à espera que o pessoal desembolse voluntariamente a moedinha, o melhor é aguardarem sentados, para não arranjarem varizes.
É urgente regressar à política de marketing agressiva que tão bons resultados deu no passado. As madames do peditório devem continuar a ser treinadas para serem agressivas e interpelarem as pessoas, aplicando primeiro o autocolante e só perguntando depois se querem contribuir, já com a abertura do mealheiro enfiada nos olhos da vitima. A estratégia certa e vencedora é a do facto consumado. Arrepiem, por favor, caminho, enquanto é tempo, senão as finanças da Liga afundam-se mais rapidamente que o Titanic.
Jorge Fiel
PS. Detectei também uma diminuição significativa no efectivo de madames lançadas para as ruas.
Presumo isso que se deva à escassez de matéria prima. O que me leva a sugerir que deixem de restringir o campo de recrutamento às senhoras com pelo menos 50 anos de idade e que sejam avós - e que passem a recrutar também saudáveis moçoilas universitárias e atraentes e maduras balzaquianas.
Também não apoio a manutenção da politica de discriminação sexual. Por que é que não recrutam homens para os peditórios? Temem que o acto de aplicar um pequeno autocolante no peito de uma senhora possa ser encarado com um avanço sexual? E se for?
ROUPA PARA LAVAR – Expresso