terça-feira, 9 de março de 2021

O comércio de petróleo contribui mais para o PIB da Suíça do que o turismo.

Por Tsvetana Paraskova - 8 de Março de 2021

O comércio de petróleo e outras commodities tem uma participação muito maior no produto interno bruto (PIB) da Suíça do que seu sector de turismo, de acordo com dados da Secretaria de Estado para Assuntos Económicos da Suíça citados pela Bloomberg .

Alguns dos maiores negociantes independentes de commodities do mundo, incluindo Vitol, Glencore, Trafigura e Gunvor, têm sua sede ou grandes escritórios na Suíça, também porque alguns cantões suíços têm regimes de impostos baixos. 

De acordo com os dados da Secretaria de Estado para Assuntos Económicos, o comércio de commodities representou 4,8% do PIB suíço em 2018, muito mais do que o sector de turismo, que representou 2,9% do PIB naquele ano. Esta contribuição de 4,8 por cento da indústria de comércio de commodities é maior do que as estimativas anteriores de cerca de 4 por cento. 

Em 2018, a indústria de comércio de commodities na Suíça gerou receitas combinadas de US $ 33 bilhões, de acordo com os dados citados pela Bloomberg.

No ano passado, a extrema volatilidade no mercado de petróleo ajudou alguns dos maiores grupos comerciais de petróleo com sede na Suíça a gerar receitas e lucros recordes.

A Trafigura, por exemplo, apresentou ganhos recorde no que se tornou o seu ano comercial mais forte de todos os tempos, devido às oscilações extremas do mercado de petróleo no início de 2020.

No seu  relatório anual  para 2020, cobrindo o ano financeiro encerrado em 30 de Setembro, a Trafigura registou resultados financeiros excepcionalmente fortes, principalmente graças ao seu negócio principal de petróleo e comercialização de petróleo. O lucro líquido do trader de commodities foi o maior desde 2013, enquanto o lucro bruto e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA) foram os mais altos já registrados. 

Os maiores negociantes de commodities normalmente lucram com a abundância nos mercados de petróleo, pois armazenam petróleo para vendê-lo a preços mais altos no futuro. No segundo trimestre de 2020, o excesso de oferta no mercado atingiu recordes com a queda da demanda global por petróleo na pandemia, e a Arábia Saudita e a Rússia travaram uma guerra de preços por participação de mercado, o que também contribuiu para o excesso e para o colapso do preço do petróleo . 

Oilprice.com

Rui Rio é parvo ou faz-se?

Rui Rio, sempre disponível para ajudar o Governo, não teve disponibilidade para formalizar o interesse do PSD no apoio da IL à candidatura de Carlos Moedas.É caso para perguntar: Rio é parvo ou faz-se?

1 - Lê-se e não se acredita: «presidente da IL estava desde Janeiro à espera de um contacto de Rui Rio para falar de Lisboa, mas o contacto nunca aconteceu.»

Note-se que no mesmo período em que Rui Rio não teve disponibilidade para contactar os liberais de modo a formalizar junto deles o interesse do PSD no apoio da IL à candidatura de Carlos Moedas, desbaratou disponibilidade no apoio às mais destravadas propostas. Por exemplo, a 8 de Janeiro vimo-lo a declarar-se “disponível para adiar eleições” presidenciais; em meados de Fevereiro andou em palpos de aranha porque viu o PS mostrar-se disponível para alterar a legislação sobre as candidaturas independentes que com toda a disponibilidade PS e PSD tinham alterado em 2020. E agora, no início de Março, quando o PS foi confrontado com o chumbo por parte das autarquias à localização do novo aeroporto no Montijo, logo Rui Rio se veio mostrar disponível para “ajudar Governo a retirar poder de veto dos municípios ao aeroporto”. Não passa uma semana sem que Rui Rio se mostre disponível a ajudar o PS a ser menos ou mais qualquer coisa que só ele, Rio, vislumbra.

Estávamos já habituados a este modo único no mundo de fazer oposição por parte do líder do PSD, quando o lançamento da candidatura de Carlos Moedas veio mostrar que o caso Rui Rio pode ser bem pior. Depois de ter precipitado o anúncio da candidatura de Carlos Moedas em Lisboa, Rio logo a seguir lhe falhou no essencial, ou seja nas negociações com a IL. Com a candidatura há menos de uma semana no terreno, já é claro que ou Carlos Moedas se desembaraça de Rio ou se arrisca a que este se torne no maior problema da sua candidatura. (No meio de tanta petição por qualquer coisa e o seu contrário, creio que terá o maior cabimento fazer-se uma petição a pedir encarecidamente ao líder do PSD que visite a Venezuela. Talvez venha de lá esclarecido sobre as consequências da auto-destruição da oposição mas conhecendo-o é de temer que se convença precisamente do contrário.)

2 - Diz o PÚBLICO que o PCP anda há cem anos “Em busca de uma sociedade que nunca existiu”. Mente o PÚBLICO: essa sociedade existiu, existe e caracterizou-se invariavelmente por milhões de vítimas, fomes, genocídio, torturas, campos de concentração… Do Afeganistão ao Vietnam não houve praticamente uma letra do alfabeto que não identificasse um país onde foi implantado o comunismo. E que por isso mesmo e como tal foi elogiado pelo PCP. O mesmo partido que o PÚBLICO diz andar há cem anos “Em busca de uma sociedade que nunca existiu”.

Porquê este rasurar da prática comunista? Porquê este negar da evidência? Porque esta dissociação entre o ideal comunista e a realidade dos regimes comunistas é essencial ao proselitismo que tudo cerca, das universidades às redacções. Os comunistas não são nem nunca foram viajantes românticos em busca duma sociedade perfeita. São gente que sabe o que quer e que não quis nem quer saber o que se fez  em nome dos seus ideais.

3 - Foi bonito ver Catarina Martins e Jerónimo de Sousa saindo pressurosamente do seu torpor para virem defender o Governo via ataques a Cavaco Silva após o antigo PR ter declarado que A democracia em Portugal está amordaçada… É em momentos como estes que se vê como os “queridos comunistas” são hoje indispensáveis à governação socialista, mesmo quando esta lhes dispensa os votos. Afinal, enquanto garantem a paz social ao PS, os comunistas do PCP e do BE reservam os slogans e as fúrias para aqueles que põem em causa o poder do PS. Ou que, como é o caso de Cavaco Silva, mantêm uma reserva de autoridade moral que lhes permite dizer o que pensam. Enquanto ouve as declarações de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa sobre Cavaco Silva, António Costa não deixará de concluir que a compra do silêncio desta gente foi o seu melhor investimento.

PS.  Entre anúncios, novas estratégias, desmentidos e reconfirmações perde-se o norte ao plano de vacinação e testagem à Covid 19. Fomos agora informados que Equipas móveis vão percorrer o país para testarem todas as escolas públicas. Apenas as escolas públicas? Recordo que a 19 de Janeiro foi anunciado que a testagem ia começar nas escolas secundárias públicas e privadas dos concelhos de risco extremamente elevado.  A 26 de Fevereiro os testes de rastreio foram  alargados a todas as escolas do continente, independentemente do nível de ensino. Agora em Março as escolas privadas desapareceram dos comunicados. Aguardam-se explicações.

Helena Matos

https://observador.pt/opiniao/rui-rio-e-parvo-ou-faz-se/

sexta-feira, 5 de março de 2021

Os oito milhões em ajustes directos da Presidência da UE que incluem fatos, bebidas e chocolates. Há empresas com 15 dias a facturar milhares.

    Como diz o povo: Ainda a procissão vai no adro!

    Empresas contratadas dias depois da constituição, ajustes directos depois de concursos falhados e patrocinadores oficiais de volta depois das críticas da UE. Os ajustes da Presidência Portuguesa da UE.

    A Presidência Portuguesa da União Europeia fez ajustes directos de milhares de euros a empresas recém-criadas, não revela que alternativas procurou nem as razões da escolha, contratou por ajuste directo colaboradores excluídos de concursos públicos apenas algumas semanas antes e já atingiu um gasto em ajustes directos que ultrapassa os oito milhões e 300 mil euros em cerca de duas centenas de contractos. Estes contractos não são apenas de serviços essenciais ou indispensáveis, mas incluem milhares gastos em brindes como gravatas, lenços de seda ou chocolates da Confeitaria Arcádia. Como contrata, afinal, a estrutura de missão?

    Há vários contractos que mostram que, na hora de contratar, a antiguidade e a experiência da empresa no mercado, não é essencial para entidade que gere a Presidência Portuguesa da UE. Com um capital social de dois euros e apenas um mês depois de ter sido constituída, uma empresa na área da construção fechava um ajuste de mais de 11 mil euros para pintar instalações do Centro Cultural de Belém. Outra empresa passou em apenas duas semanas da assinatura para formalizar a empresa à assinatura de um ajuste directo com a Estrutura de Missão, de quase 95 mil euros. Há ainda quem em pouco mais de seis meses consiga, com apenas dois ajustes directos, contractos no valor 200 mil euros. Justificação? Ao Observador, a Estrutura de Missão diz que “não faz qualquer discriminação positiva ou negativa no âmbito da contratação de empresas com maior ou menor antiguidade no mercado“.

    E há mais detalhes nas centenas de ajustes directos, como as tradicionais instalações artísticas nos edifícios comunitários, que são custeadas pelo país, mesmo que sejam expostas na Bélgica. Noutro domínio, Portugal não quer perder a fama de bem receber e por isso não faltam os vinhos do Porto e espumantes para eventos presenciais que, atendendo à actual situação do país, continuam em dúvida. A Sogrape, por exemplo, fechou um contracto de 37.785 euros com a Estrutura de Missão para garantir o “vinho, vinho do Porto e espumante” num almoço e jantar e “eventualmente na recepção no evento da Cimeira Social“.

    A Estrutura de Missão acautelou a hipótese de não ser possível realizar presencialmente a Cimeira Social e deixou claro no contracto que, nesse caso, o serviço deverá ser prestado em Maio, no Porto, durante o Conselho Europeu, um marco importante da Presidência Portuguesa. Os efeitos económicos da Covid-19 fazem sentir-se no país e na Europa, mas isso não significou contenção absoluta na Estrutura de Missão, que até fatos e camisas adjudicou para os motoristas.

    Quanto à contratação de quadros, há ainda quem tenha falhado, pelo menos, cinco procedimentos concursais — em várias áreas — para a Presidência Portuguesa e tenha acabado, por fim, a ser contratado através de um ajuste directo.

    Os gastos da Presidência Portuguesa da UE também estão a ter repercussões na imprensa a nível europeu. O Politico também publicou esta quinta-feira um artigo que refere uma “presidência fantasma” onde, mesmo sem eventos presenciais, se montou um centro de imprensa vazio e se fizeram centenas de ajustes directos de brindes e equipamentos para eventos que dificilmente serão presenciais. O Politico refere também o exemplo das bebidas, dos fatos e das camisas.

    Empresas com ajustes directos poucos dias depois de terem sido criadas

    Com um capital social de dois euros e dois sócios, a empresa M&V. Gentil – Obras Lda foi constituída a 24 de Setembro de 2020. Um mês depois, a 27 de Outubro, conseguia um ajuste directo com a Estrutura de Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021 (PPUE2021) para pinturas nas instalações do Centro Cultural de Belém de mais de 11 mil euros (mais IVA), mas está longe de ser caso isolado e é, aliás, a que tem um ajuste directo de valor mais baixo entre as empresas recém-criadas contratadas pela Estrutura de Missão.

    A Factos e Episódios, Lda, de Pedro Alexandre Patrício e Paulo Diehl (com um capital de dois mil euros, dividido em partes iguais pelos dois sócios) foi criada a 16 de Outubro de 2020 e duas semanas chegaram para convencer a Estrutura de Missão de que era a empresa ideal para realizar o filme sobre, precisamente, a Presidência Portuguesa. No dia 30 do mesmo mês em que foi criada, a Factos e Episódios Lda fechou um ajuste de 94.995,78 euros (a que se soma o valor do IVA).

    O filme sobre a Presidência Portuguesa da União Europeia foi realizado pela empresa durante o mês de Novembro e entregue no dia 1 de Dezembro, conforme previsto no contracto. Assim, uma empresa fundada a 16 de Outubro garantiu, com um único ajuste, uma facturação de cerca de 100 mil euros, em dois meses. No contracto é especificado que as duas facturas (50%+50% do valor do contracto) teriam que ser emitidas até 17 de Novembro e 17 de Dezembro, precisamente dois meses depois de os sócios assinarem a constituição da empresa.

    Já a empresa de Coimbra Glaudiusucess, Lda foi criada no final de julho de 2020 e até agora — ao fim de meio ano e com dois ajustes diretos — conseguiu arrecadar praticamente 200 mil euros (193.285 euros mais IVA). O primeiro ajuste foi feito no dia 4 de dezembro de 2020, apenas quatro meses depois de ter sido criada, e custou à PPUE 99.750 euros; o segundo contrato, dois meses depois (9 de fevereiro) mais 93.535 euros. Ao contrário dos anteriores exemplos, a empresa que assinou contratos para fornecer máscaras e porta máscaras à Estrutura de Missão, enquanto unipessoal tem apenas um sócio, Gonçalo Filipe Raimundo.

    No primeiro contrato, assinado ainda em dezembro, a empresa compromete-se a vender “máscaras e porta-máscaras”, sem qualquer especificação da categoria ou certificação das mesmas. No segundo contrato, assinado em fevereiro deste ano, a Estrutura de Missão já foi mais exigente e especificou que as máscaras a fornecer devem “ser produzidas por entidade constante da lista de empresas com máscaras, materiais ou produtos certificados no âmbito das avaliações de conformidade Covid-19 do Citeve”. Não fica claro nos contratos quantas máscaras e porta-máscaras foram adquiridos com um custo de quase 200 mil euros.

    Em nenhum destes casos de ajustes diretos são conhecidos outros concorrentes para o mesmo ajuste. Ao Observador, a Estrutura de Missão diz que foram “realizadas consultas informais de mercado“, mas não indica o nome de qualquer empresa alternativa que tenha sido contactada antes de adjudicar os contratos. Já sobre o facto de serem ajustes realizados com empresas que têm poucos dias no mercado, a Estrutura de Missão justifica que “não faz qualquer discriminação positiva ou negativa no âmbito da contratação de empresas com maior ou menor antiguidade no mercado“. As justificações são parcas.

    Patrocinadores oficiais de volta, contra as recomendações da Provedora de Justiça Europeia

    Depois de a presidência alemã ter dado o passo mais difícil de rutura com o hábito dos patrocinadores oficiais — muito contestado e que já motivou vários avisos da Provedora de Justiça Europeia —, Portugal deu alguns passos atrás e ignorou o mal-estar que esta situação causa à Europa.

    A Estrutura de Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021 celebrou três contratos a custo zero com a Delta, The Navigator Company e a Sumol+Compal e apresenta-os na página oficial da Presidência Portuguesa, com uma subpágina dedicada aos ‘patrocinadores’.

    Depois da presidência romena, mas antes da alemã, organizações e eurodeputados levantaram várias questões sobre a existência de patrocinadores oficiais (que poderiam no futuro deixar a União Europeia condicionada na altura de decidir sobre essas mesmas empresas), o que levou a Provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, a pedir em agosto de 2020 que o Conselho Europeu criasse um conjunto de orientações claras para os países que acolhem a Presidência, mas o processo acabou por não avançar.

    Numa resposta à organização, O’Reilly foi clara ao afirmar que o Conselho da União Europeia devia “emitir orientações aos Estados-membros sobre os patrocínios da Presidência, para mitigar eventuais riscos de reputação para a União Europeia”. Ainda assim, o Conselho Europeu respondeu que a presidência é da responsabilidade de cada Estado-membro que a acolhe e que “não podia tratar do assunto”, algo que O’Reilly descartou afirmando que a Presidência “é parte do Conselho e deve funcionar de forma neutra e imparcial”.

    “Quando a Presidência organiza uma reunião, ou qualquer outra atividade, quer seja em Bruxelas ou no Estado-membro que a acolhe o grande público europeu perceciona essa atividade como estando ligada ao Conselho e à União Europeia no seu todo”, replicou a Provedora de Justiça Europeia logo no início de janeiro de 2020 frisando que , ao descartar qualquer intervenção o Conselho Europeu “ignora o risco de prejuízo para a reputação da neutralidade da Presidência” o que, afirmou, constituía “má administração”.

    A Portugal importa mais o que está escrito do que o desconforto que a situação causa e a Estrutura de Missão escuda-se na inexistência de “um enquadramento jurídico a nível europeu relativo à regulamentação do recurso a patrocínios pelas Presidências rotativas do Conselho da União Europeia” para justificar o passo atrás dado. Ao Observador, frisa que “não existe nenhuma proibição à sua utilização” e defende-se na legislação portuguesa, no quadro da contratação publica, afirmando que o recurso aos patrocínios da Delta, Navigator e Sumol+Compal “foi feito de forma transparente e em conformidade com o Código de Contratos Públicos”, estando estes “devidamente publicitados no portal Base”.

    Sobre o recurso a uma empresa envolvida em vários casos de poluição ambiental e muito contestada, a Estrutura de Missão optou por não fazer qualquer comentário. Recorde-se que, em outubro, a Navigator foi uma das três empresas visadas pelo apelo global para reduzir emissões de gases com efeito de estufa. A Navigator em conjunto com a Cimpor e a Jerónimo Martins estão entre as mais de 1.800 empresas mundiais responsáveis por 25% das emissões de gases com efeito de estufa o que está em clara contradição com as “reconhecidas políticas de sustentabilidade e responsabilidade social” que o Governo português menciona na página oficial da presidência dedicada aos patrocínios oficiais.

    Ajustes diretos servem para contratar quem falhou procedimentos concursais

    Nem só de ajustes com empresas se faz a contratação pública desta presidência da União Europeia. Os primeiros ajustes diretos foram, aliás, feitos com pessoas em nome individual. Algumas delas não são propriamente estranhos. Há quem tenha concorrido a cinco diferentes procedimentos concursais do ministério dos Negócios Estrangeiros, mas tenha sido eliminado e acabasse depois contratado através de ajuste direto ou quem, apenas com um mês de experiência no MNE, tenha sido contratado também para a PPUE.

    Maria Lima é um desses casos. Foi excluída em cinco concursos do MNE (que pode consultar aqui, aqui, aqui, aqui e ainda aqui) com justificações que vão desde o incorreto preenchimento do formulário à falta de qualificações. Ainda assim, conseguiu lugar na Presidência Portuguesa da UE: foi contratada por ajuste direto para “prestação de serviços à EMOLCP para apoio técnico à preparação de reuniões do Núcleo de Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) da Unidade de Coordenação e Acompanhamento Técnico-Diplomático, na área da Saúde”.

    Já Tiago Lage foi excluído do “procedimento concursal comum para o preenchimento de 12 postos de trabalho da carreira/categoria de assistente técnico, para a área de apoio administrativo à preparação e exercício da Presidência PT do Conselho da UE2021”, a 29 novembro 2019. O motivo indicado na lista de candidatos a admitir e excluir foi a falta de “certificado de habilitações ou, apresentando-o, este não respeitar a uma das licenciaturas indicadas como requisito especial, conforme ponto 8iii) do aviso de abertura”. Mas demorou pouco tempo até conseguir ser contratado pela PPUE. A 31 de janeiro de 2020, Tiago Lage é contratado para prestar serviços à Estrutura de Missão “na área de operações, incluindo a aplicação de métodos e processos nas áreas de atuação comuns e instrumentais”. Títulos em aberto o suficiente para que a Estrutura de Missão justifique ao Observador que ambos exercem atualmente “funções distintas daquelas às que concorreram“.

    À semelhança do que acontece com as empresas recém-formadas, a Estrutura de Missão também não tem qualquer pudor em contratar pessoas com pouco tempo de experiência. Veja-se o exemplo de Frederico Ferreira, um jurista com apenas um mês de experiência no Ministério dos Negócios Estrangeiros que foi contratado para prestar serviços à Estrutura de Missão “na área de assuntos jurídicos, incluindo a elaboração de pareceres, análises, informações e outros documentos inerentes ao exercício da atividade profissional”. Ao Observador, a Estrutura de Missão diz que o “contrato anterior foi reformulado”, sendo o atual “semelhante nas funções exercidas e vencimento”, e garante que “não existe qualquer situação em que quadros do MNE acumulem funções nos serviços regulares do MNE e na Estrutura de Missão”, tendo os funcionários do Ministério sido “nomeados em regime de comissão de serviço”.

    Gravatas para os homens e lenços de seda para as senhoras, fatos e camisas para os colaboradores e motoristas. Total? Mais de 200 mil euros

    Num país com tradição e fama de bem receber, a Estrutura de Missão não poupou nos custos na hora de preparar os habituais brindes para oferta. A pandemia trouxe dificuldades económicas, mas há centenas de milhares de euros gastos em brindes que incluem gravatas e lenços de seda ou chocolates portugueses com longa tradição.

    Em 2.000 gravatas para homens e 800 lenços para senhoras, ambos de seda e com o respetivo protótipo para aprovação, a Estrutura de Missão gastou 69.600 euros. O contrato foi feito com a empresa Lovely Radical, que dois meses depois conseguiu um contrato de mais 55.200 euros para fornecer mais produtos que serão incluídos no pack de ofertas institucionais da Presidência Portuguesa. Para os homens foram pedidas duas mil gravatas, cada uma com um custo (sem IVA) de 19 euros e para as senhoras 800 lenços, com 70×70 centímetros de tamanho. Ambas as ofertas serão de seda e o padrão é personalizado.

    Mas os kits para oferta não se ficam pelos acessórios em seda. Em tempos difíceis para muitas famílias a Presidência Portuguesa gastou até ao momento com a empresa Effect Comunicação Lda — só nas caixas para as ofertas — 17.482 euros. Mas como é preciso compor o conteúdo da caixa, com a mesma empresa fechou mais dois contratos num total de mais 27.287 euros para “produtos alimentares diversos” e outras “ofertas institucionais”. Para adoçar a boca aos convidados e membros de delegações, a Estrutura de Missão gastou ainda mais 18.098 euros em chocolates da confeitaria Arcádia.

    Ao Observador a Estrutura de Missão diz que em “anteriores Presidências do Conselho” também “foram previstas ofertas institucionais para os chefes de delegação nas principais reuniões da PPUE” e para “as missões de diplomáticos de Portugal no exterior”. Não clarificando a quantas pessoas serão distribuídas as ofertas, a Estrutura de Missão diz que “a política de brindes da PPUE 2021 é de distribuição limitada“.

    Mas nos contratos já adjudicados não há só ofertas ou aquisições para integrar os “kits de brindes”. No caso dos colaboradores e motoristas, conforme o exemplo dado pela Estrutura de Missão Observador, foram gastos mais de 60 mil euros. A empresa Silva e Irmão, Lda, fechou um contrato de 23.535,60 euros para fornecer vestuário à PPUE e a empresa Vasconcelos & Gonçalves SA outro de 39.780 euros para fornecer “180 unidades de fato e 360 unidades de camisa”.

    A empresa Vasconcelos & Gonçalves não é desconhecida do Ministério dos Negócios Estrangeiros já que, em 2017, foi a empresa responsável por fornecer fardamento para os funcionários do MNE. Agora cabe-lhe a tarefa de vestir 180 pessoas, com o conjunto a incluir duas camisas para cada um. “Os fatos foram adquiridos para os colaboradores que, no contexto da PPUE, desempenham funções protocolares e que têm contacto com as delegações, nomeadamente os motoristas da frota da PPUE”, justifica a Estutura de Missão.

    Para as viagens dos membros das várias delegações e outras necessidades da Presidência Portuguesa já foram gastos mais de 625 mil euros em aluguer de viaturas. As delegações serão transportadas em carros Mercedes-Benz e as viaturas de serviço da PPUE foram alugadas à Caetano Auto. Num só ajuste com a Mercedes-Benz Portugal gastou 388.399,20 euros para alugar 80 carros, a que se soma outro contrato de mais 90 mil euros com mesma empresa, tudo para transportar os membros das várias delegações. Custos que crescem, naturalmente, com a contratação dos respetivos motoristas e, como já vimos, a farda que usarão nesses momentos.


    Instalação artística de Bordalo II em Bruxelas custa 50 mil euros e exposição da Gulbenkian mais de 620 mil

    Na área da cultura a ministra já tinha anunciado gastos na ordem de um milhão e meio ao longo da presidência, mas faltava conhecer ao pormenor o custo de cada instalação artística ou da exposição que foi pedida à Fundação Calouste Gulbenkian. Assim, e de acordo com os contratos disponíveis no portal Base, a PPUE pagou ao artista plástico Bordalo II 50 mil euros pela criação de uma anémona em Bruxelas que pretende alertar para a conservação dos oceanos.

    Já a anunciada exposição com a Curadoria, Produção e Apresentação da Exposição Artística da Fundação Calouste Gulbenkian com o título “Tudo o que eu quero. Artistas Portuguesas de 1900 a 2020” custou ao Estado 622.630 euros. A exposição apresenta “uma seleção de artistas mulheres portuguesas desde o início do século XX até hoje” e conta com obras de 41 artistas nacionais. “As obras, vinda de coleções públicas, particulares e também acervos de artistas, incluem pintura,  escultura,  desenho,  objeto,  livro,  instalação,  filme e vídeo”, detalha a Gulbenkian no site oficial. A curadoria ficou a cargo de Helena de Freitas e Bruno Marchand e entre 25 de fevereiro e 23 de maio deste ano estará no BOZAR, em Bruxelas. Antes de chegar à Galeria Principal da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no final de 2022 (onde ficará até 2023), ainda passará pelo Centre de création contemporaine Olivier Debré de Tours, em França, durante o ano 2022.

    Também a empresa Underdogs, que tem obras de artistas como Vhils ou Wasted Rita fechou o empréstimo de uma peça à PPUE, com um valor total de 18.500 euros (que se dividem por dois contratos, o de empréstimo e transporte e montagem da instalação).

    Nem WhatsApp nem Signal, na Presidência Portuguesa conversa-se através de novo sistema de comunicações, comprado na Suíça, a portugueses

    Com as dúvidas em relação aos prazos e calendarização do desconfinamento ainda a ensombrar os planos para os momentos presenciais desta Presidência da UE a Estrutura de Missão vai fechando os contratos para assegurar que, caso seja possível, na altura em que estão planeados os eventos têm lugar. Mas para os momentos online e não presenciais são fechados vários contratos e comprados os equipamentos necessários. Para comunicar longe de Whatsapp ou Signal, a PPUE pagou à empresa Suíça BIT ARMOR AG (Privus) 25 mil euros para desenvolverem “um sistema de comunicações seguro” que consideram “absolutamente imprescindível para garantir comunicações seguras” durante os eventos da Presidência Portuguesa onde participam Chefes de Estado, governo e vários ministros.

    Segundo a Estrutura de Missão o sistema contratado à empresa Suíça, fundada por portugueses, permite “troca de informação, entre os membros da organização, sobre todas as operações associadas ao exercício da Presidência em ambiente seguro”.

    A ausência de eventos físicos não é sinónimo de ausência de custos para realizar videoconferências ou eventos via digital. O serviço técnico de suporte, planeamento, configuração e operação de reuniões virtuais, entre 1 de março e 30 de junho, por exemplo, custou à Estrutura de Missão 11.666,66 euros (mais IVA). O contrato foi assinado só a 26 de fevereiro e prevê que a empresa apoie a PPUE até ao final da presidência. A preparação das salas onde as videoconferências terá lugar também tem custos além dos óbvios de software e hardware. Um deles, por exemplo, a insonorização das salas onde se realizam as videoconferências. A Estrutura de Missão pagou 23.027,91 euros à Europalco por três backdrops (telas colocadas em fundo), que tenham a função de insonorizar também as salas onde as conferências por meio digital terão lugar.

    https://observador.pt/especiais/os-oito-milhoes-em-ajustes-diretos-da-presidencia-da-ue-que-incluem-fatos-bebidas-e-chocolates-ha-empresas-com-15-dias-a-faturar-milhares/

    A presidência 'fantasma' de Portugal da UE arrecada despesas pessoais.

    Lisboa equipou um centro de imprensa vazio, desembolsou milhares de euros em bebidas e encomendou centenas de fatos.

    COVID-19 pode ter relegado Portugal a uma "presidência fantasma" improvável de realizar cúpulas espalhafatosas - mas isso não impediu Lisboa de gastar como se esperasse que eventos presenciais fossem a norma durante seus seis meses à frente do Conselho de da UE.

    Desde que assumiu as rédeas da presidência rotativa do Conselho, em Janeiro, Portugal assinou contractos no valor de centenas de milhares de euros para a aquisição de equipamentos, bebidas e até roupas para eventos que dificilmente serão presenciais.

    A presidência gastou 260.591 euros para estarem a decorrer equipar um centro de imprensa em Lisboa - apesar de as reuniões de imprensa da presidência online e os jornalistas estrangeiros não se deslocarem para a capital portuguesa. Ela concordou em pagar a uma vinícola € 35.785 por bebidas - em um momento em que poucas pessoas estão se reunindo. E assinou um contracto de € 39.780 para a compra de 360 camisas e 180 ternos - em um momento em que muitas pessoas estão trabalhando em casa.

    Para além das despesas, grupos de vigilância manifestaram preocupação com os patrocínios corporativos que a presidência portuguesa assinou com várias empresas, incluindo algumas que parecem ir contra as políticas de assinatura da UE e uma que é conhecida como uma plataforma de aterragem suave para os políticos portugueses.

    “A presidência parece ser menos sobre reuniões de trabalho e mais sobre vender Portugal para o mundo exterior”, disse Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade, a ala portuguesa da Transparência Internacional.

    A presidência portuguesa disse que estava simplesmente fazendo a devida diligência ao se preparar para o potencial de reuniões presenciais dentro de alguns meses.

    Apesar da pandemia, não podia “simplesmente ignorar a possibilidade de realizar reuniões físicas em algum momento no futuro próximo”, disse a porta-voz da presidência Alexandra Carreira em um comunicado por e-mail. Por causa disso, ela acrescentou, a presidência havia realizado “preparativos adequados e oportunos”.

    Por exemplo, disse Carreira, as camisas e os fatos foram adquiridos para os motoristas que foram grampeados para conduzir as delegações oficiais que vierem a visitar Portugal durante o mandato de seis meses do país à frente do Conselho.

    No entanto, a presidência não explicou porque é que os fatos - uma despesa invulgar mesmo se comparada com presidências em anos não pandémicos - foram adquiridos para os motoristas, que são funcionários do Estado português e presumivelmente já estariam equipados com as roupas necessárias ao desempenho das suas funções .

    E embora a presidência rotativa seja uma visão familiar dentro da bolha de Bruxelas, as despesas incomuns de Portugal causaram espanto.

    Um diplomata veterano lembrou que os governos nacionais haviam distribuído anteriormente "gravatas presidenciais, lenços, broches, bolsas, canetas, cadernos, guarda-chuvas, roll-ups, alguns produtos alimentares, cartões de bolas de neve , toalhas, discos de música, bancos de energia memória, bilhetes de transporte, livros de culinária, câmaras digitais, etc. ”

    Trajes completos para motoristas, no entanto, eram novos.

    Um momento de destaque

    A presidência rotativa do Conselho pode oferecer aos países frequentemente esquecidos da UE um raro momento para brilhar.

    Os governos nacionais geralmente tentam aproveitar a oportunidade para tocar para o seu público doméstico e exaltar sua própria importância, hospedando grandes eventos que atraem líderes internacionais a seus países.

    Na era da COVID, no entanto, as soirées presenciais que atraem comissários visitantes e delegações MEP foram em grande parte substituídas por cúpulas virtuais austeras que não deslumbram os constituintes nacionais. Na verdade, os funcionários em toda a UE adaptaram-se rapidamente aos eventos e reuniões online.

    Mas nos últimos meses Portugal tem-se mostrado decidido a ignorar essa realidade.

    Para os observadores, uma das decisões mais desconcertantes da presidência foi gastar centenas de milhares de euros no fornecimento do centro de imprensa em Lisboa, uma cidade que experimentou um aumento dramático de novos casos de coronavírus este ano.

    O projecto público foi confiado a uma empresa que não tem contracto público desde 2011, e cuja experiência anterior em contractos públicos envolveu a organização de animação para festas de aldeia .

    Jornalistas radicados em Lisboa que falaram ao POLITICO na condição de anonimato descreveram o centro de imprensa como uma “cidade fantasma”.

    Embora reconheçam que há mesas e cadeiras dispostas para repórteres em um “espaço grande e vazio”, eles afirmam que poucos jornalistas - principalmente fotógrafos e equipes de TV - usam o espaço regularmente.

    “Estamos no meio de uma pandemia e podemos acompanhar as colectivas de imprensa e fazer perguntas no Zoom - por que alguém iria ao centro de imprensa?” disse um membro do corpo de imprensa de Lisboa. “Estremeço só de pensar quanto o governo gastou com isso.”

    Carreira, porta-voz da presidência, defendeu a necessidade de uma assessoria de imprensa para oferecer condições de trabalho padronizadas a qualquer jornalista que comparecesse à sede.

    Patrocínios questionáveis

    Além das despesas, grupos de vigilância expressaram desconforto com os patrocínios corporativos que a presidência portuguesa assinou.

    Existem acordos com duas empresas portuguesas de bebidas - a produtora de café Delta Cafés e o grupo de refrigerantes Sumol + Compal - e um acordo com a gigante portuguesa da pasta e do papel The Navigator Company .

    Num momento em que Bruxelas está lançando o Acordo Verde da UE, a estratégia Farm to Fork e o Plano do Câncer da UE, Suzy Sumner, activista da organização europeia de defesa do consumidor Foodwatch , disse que Portugal estava errado em usar sua presidência para promover activamente “refrigerantes com recheio de açúcar bebidas ”que têm“ efeitos directos na saúde e no meio ambiente ”.

    Os activistas ficaram ainda mais perturbados com o negócio com a Navigator, uma empresa que no ano passado recebeu um empréstimo de 27,5 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento e que historicamente é conhecida por servir de porta giratória para os políticos portugueses .

    Da mesma forma, organização portuguesa de justiça climática Climáximo Manuel Araújo, questionou por que a presidência se vincularia a uma empresa cujas vastas plantações de eucaliptos têm sido associadas a incêndios florestais mortais em Portugal e grilagem de terras em Moçambique .

    “É totalmente inaceitável que os governos da UE estejam assinando acordos de patrocínio com empresas, muitas das quais têm agendas ambiciosas de lobby da UE e cujos produtos estão em contradição directa com as políticas que estão sendo desenvolvidas”, disse Araújo.

    Em nota, a Navigator defendeu as suas práticas de gestão florestal e prevenção de incêndios em Portugal e rejeitou todas as acusações de práticas de grilagem de terras em Moçambique. Acrescentou que desde a privatização da Navigator, no início dos anos 2000, não tinha ingressado na empresa políticos como administradores, nem Ex-administradores no governo português.

    A Navigator referiu ainda que não foi a primeira vez que trabalhou com uma presidência do Conselho de Portugal, e disse que o fez “com o único propósito de imprimir o logotipo nos materiais escolhidos pelo governo”.

    Carreira, porta-voz da presidência, disse que os patrocínios “visam atender às necessidades do dia-a-dia” relacionadas a eventos presenciais ainda realizados na sede da presidência e com a presença de “membros do governo, seus funcionários e outros funcionários públicos. ”

    “Não existe um quadro jurídico europeu que impeça as presidências de usarem tais contractos”, acrescentou, insistindo que os acordos cumpriam as leis europeias e nacionais.

    Presidência do conselho ou agência de turismo?

    Coroado, chefe da Transparência e Integridade, disse que os contractos e patrocínios reflectem um país que carece de supervisão adequada dos gastos públicos e tem o péssimo hábito de “tentar usar cenários internacionais de alto nível para se promover”.

    Coroado sublinhou que, apesar do número recorde de novos casos de coronavírus em Lisboa em Janeiro, a presidência insistiu em acolher reuniões presenciais com vários membros da Comissão na capital portuguesa, apenas algumas semanas depois do início do ano.

    Embora essas reuniões tenham terminado com três comissários colocados quarentena em depois de interagir com um ministro português que deu positivo para o coronavírus, o governo não recuou. Na semana passada, a ministra portuguesa do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, disse a uma comissão do Parlamento Europeu que a presidência estava determinada a assegurar a “maior participação possível” numa presencial que cimeira social o seu país pretende realizar este mês no Porto.

    “O governo está se comportando como a orquestra do Titanic, determinado a realizar eventos cinco estrelas, mesmo quando está claro que eles não deveriam estar acontecendo”, disse Coroado.

    A presidente da Transparência e Integridade disse que embora pudesse compreender a determinação do governo em assinar contractos na esperança de que os eventos presenciais ainda acontecessem, os acordos específicos eram, na melhor das hipóteses, “muito estranhos”.

    “Isso é muito típico em Portugal, onde nosso sistema de contratação pública é muito problemático”, disse Coroado. “Não há justificativa de despesas, nenhum mecanismo em vigor para evitar conflitos de interesse, e os contractos muitas vezes são concedidos a 'empresas amigas' favorecidas pelo governo.”

    “Infelizmente”, acrescentou ela, “é muito difícil provar a corrupção porque a falta de profissionalismo no sistema de contractos públicos é tal que o uso indevido de fundos muitas vezes se deve à incompetência, e não à fraude total”.

    Em Setembro passado, a Comissão Europeia abordou essa questão no seu Relatório 2020 sobre o Estado de Direito , castigando Portugal por não fazer o suficiente para combater a corrupção.

    Na ocasião, o Comissário Didier Reynders disse que embora o país tenha criado um quadro jurídico para promover a transparência, não havia reservado recursos para o bom desempenho dessa missão.

    “Temos muitos fundos de recuperação da UE em nosso caminho e muitas pessoas estão preocupadas sobre como vamos garantir o bom uso desse dinheiro”, disse Coroado.

    “No ano passado, ficamos muito ofendidos quando alguns países do norte disseram que estavam relutantes em nos dar esse dinheiro porque íamos usá-los indevidamente”, acrescentou ela. “Mas quando [a presidência] faz coisas assim, é normal que outros expressem cepticismo em relação a nós.”

    Paul Ames contribuiu com reportagem .

    More from … Aitor Hernández-Morales and Lili Bayer

    https://www.politico.eu/article/portugal-eu-council-presidency-expenses/

    terça-feira, 2 de março de 2021

    vacinas que utilizam RNAm

    Nos últimos dias tenho lido tantos disparates sobre as vacinas que utilizam RNAm que vou tentar fazer aquilo que a DGS já devia ter feito e explicar, de forma mesmo MUITO simples, como é que estas vacinas funcionam.


    PONTOS PRÉVIOS:

    1. O coronavírus tem uma proteína, chamada Spike, que lhe permite acoplar-se às células humanas.

    2. O RNAm (o "m" é de mensageiro) é uma espécie de livro de instruções que explica às células como produzir proteínas.


    A VACINA

    1. Em laboratório, os cientistas criam um RNAm sintético programado para ensinar as nossas células a produzir essa proteína Spike igual à do vírus.

    2. Quando somos vacinados esse RNAm começa a "ensinar" as nossas células musculares (a vacina é dada num músculo) e elas começam a produzir proteínas Spike.

    3. O nosso sistema imunitário reconhece as proteínas Spike como invasoras e começa a produzir anticorpos e células T para as eliminar.

    4. As proteínas Spike são eliminadas pelo nosso sistema imunitário, o RNAm que nos foi injectado destrói-se (tem uma vida bastante curta) e nós ficamos com o nosso sistema imunitário apto a combater uma infecção por coronavírus.


    OUTROS DADOS IMPORTANTES:

    1. Nas vacinas convencionais o que é injectado no nosso corpo é o próprio vírus bastante enfraquecido ou morto. Claramente as vacinas com RNAm são uma vantagem uma vez que nenhum vírus nos é inoculado e a pequena parte dele que é replicada é produzida por nós próprios.

    2. O grande problema em relação a esta vacina é não sabermos ainda quanto tempo esta imunidade dura. Sabemos que estamos protegidos enquanto o nosso sistema imunitário se lembrar como eliminou as proteínas Spike. Poderão ser seis meses, um ano, ou muito mais. Mas isso só saberemos com o tempo.

    3. Para quem fica paranóico por ser injectado com RNAm sintético, lembrem-se que se forem infectados por coronavírus ele vos deixa lá o RNA dele TODINHO. Não só um bocadinho para produzir uma proteína específica mas o raio do RNA todo.

    4. Isto não tem nada a ver com ADN. Zero. Nicles. O nosso ADN cá vai continuar. Os morenos vão continuar morenos. Os bonitos vão continuar bonitos. E os negacionistas da ciência vão continuar burros que nem uma porta.

    Pronto, espero que a explicação (bastante simplificada) tenha sido perceptível. E também espero que a DGS e o MS se encarreguem de explicar isto aos portugueses, de preferência com uma linguagem simples e acessível e com um bom comunicador a transmitir a mensagem.

    Tino de Rans


    O estado distribui 3.5 milhões pelos candidatos presidenciais.

    A distribuição dos 3.5 milhões é a seguinte:

    • 20% é para distribuir em partes iguais pelos candidatos.

    • 80% mediante os resultados e só recebem aqueles que tiverem mais de 5% de votos.

    Agora a questão que se põe é a seguinte:

    • Porque é que o Sr. Vitorino Silva se candidata?

    20% de 3.5M são 700.000€.

    São 7 candidatos, à partida o Sr. Vitorino ganha 100.000€ livres de impostos. O Sr. Vitorino gasta 16.000€ na sua campanha.

    Sr. Vitorino tem de lucro 84.000€.

    As presidenciais são de 5 em 5 anos.

    5 anos = 60 meses.

    84.000€ : 60 meses = 1.400€

    Sr Vitorino com este circo garante à partida um rendimento mensal nos próximos 5 anos de 1.400€ por mês.

    Ainda acham que ele é o palhaço do circo?

    Palhaço sou eu…

    segunda-feira, 1 de março de 2021

    Chineses ficam com um terço dos administradores da Mota.

    A China Communications Construction Company pretende que a CMVM clarifique que não está obrigada a lançar uma OPA sobre a Mota-Engil por atingir uma posição de 30% na cotada portuguesa no aumento de capital que poderá ficar concluído no final de maio.

    O aumento de capital da Mota-Engil que permitirá à China Communications C o n s t r u c t i o n Company (CCCC) ficar com 30% do capital da construtora portuguesa deverá estar concluído no final de maio, podendo então o grupo chinês designar 1/3 dos membros do órgão de administração, como passou a ser possível com a alteração dos estatutos do grupo de António Mota. Num comunicado divulgado esta quarta-feira, para dar conta do estado de implementação do acordo de investimento que os dois grupos celebraram no ano passado, e que ficou sujeito ao cumprimento de um conjunto de condições, a Mota-Engil anunciou que o aumento de capital de 100 milhões de novas ações vai ser realizado a 1,5 euros por título. Um valor superior à atual cotação, mas abaixo do preço acordado pela quarta maior construtora do mundo para adquirir uma posição à família Mota e entrar na cotada portuguesa (3,08 euros por ação). Esta aquisição de 55 milhões de títulos à Mota Gestão e Participações (MGP), por 169,4 milhões de euros, permite-lhe ficar com 23% da empresa, o que lhe garante direitos de subscrição no aumento de capital reservado a acionistas, que o mercado estima que seja concluído até final de maio. No comunicado divulgado esta quarta-feira, a Mota-Engil dá ainda nota de que a CCCC solicitou a confirmação por parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que esta operação não lhe impõe uma obrigação de lançamento de uma oferta pública de aquisição (OPA), “na pressuposição de que os estatutos da Mota-Engil serão reformulados nos termos da proposta do seu conselho de administração”. Os estatutos da Mota-Engil dão aos acionistas com 30% do capital poderes especiais em assembleias-gerais. Tal “poderia sujeitar o futuro acionista CCCC ao dever de lançar uma OPA quando esta última vier a tornar-se detentora de uma participação igual ou superior a 30% do capital” da construtora, pelo que o conselho de administração do grupo português “deliberou propor aos sócios uma alteração dos estatutos, no sentido da redução daqueles direitos e afastar tal risco”. Uma das condições do acordo que firmaram no ano passado é que a CMVM confirme que ele não impõe à CCCC uma obrigação de lançamento de uma OPA.


    MARIA JOÃO BABO mbabo@negocios.pt NUNO CARREGUEIRO nc@negocios.pt

    sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

    Para onde todas as casas foram?

    O stock de casas à venda é assustadoramente baixo. A pandemia é parte do motivo, mas não é tudo.

    Muito do mercado imobiliário desapareceu. Em ruas suburbanas e em muitos bairros urbanos, em áreas metropolitanas de grande e médio porte, muitas casas que normalmente teriam sido colocadas à venda no ano passado nunca o fizeram. Mesmo em cidades com um excesso de apartamentos vazios e alugueres em queda, tornou-se incrivelmente difícil comprar uma casa.

    Hoje, se você estiver procurando por um, provavelmente verá apenas cerca de metade das casas à venda que estavam disponíveis no Inverno passado, de acordo com dados da Altos Research , uma empresa que acompanha o mercado em todo o país. É uma queda recorde no stock, após anos de erosão constante.

    E é um sinal de que o mercado imobiliário - que pode desafiar as leis básicas da economia mesmo em tempos normais - está agindo de maneira muito estranha.

    O número de casas disponíveis caiu drasticamente em áreas metropolitanas em todo o país

    Esta imagem é produto da pandemia, mas também dos anos que a antecederam. E se metade do que está acontecendo no mercado de venda agora parece simples - taxas de juros historicamente baixas e um desejo pandémico de mais espaço estão impulsionando a demanda - a outra metade é mais complicada.

    “O lado da oferta é realmente complicado”, disse Benjamin Keys, economista da Wharton Business School da Universidade da Pensilvânia. “Quem quer vender uma casa no meio de uma pandemia? É para isso que eu sempre volto. É um momento em que você deseja abrir a sua casa para as pessoas que estão passando por ela? Não, claro que não."

    A maioria dos proprietários de casas na América são baby boomers - um grupo com alto risco de contrair o coronavírus. Se muitos deles relutaram em mudar-se e reduzir o tamanho no ano passado, isso torna difícil para outras famílias atrás deles se mudarem e se actualizarem.

    Existem muitos degraus ao longo da "escada da propriedade", como disse o professor Keys, que são difíceis de imaginar pessoas tendo uma pandemia média: quem se mudaria para uma casa de repouso ou lar de idosos agora (libertando uma casa de família de longa data) ? Quem se comprometeria com um “lar para sempre” (libertando a sua casa inicial) quando não está claro como será o trabalho remoto em seis meses?

    Essa relutância pode ganhar vida própria num mercado apertado, disse Ralph McLaughlin, economista-chefe da Haus, uma start-up de financiamento habitacional. Quando não há muitas opções de compra, os candidatos a vendedores ficam receosos de encontrar sua próxima casa e sair do mercado eles próprios.

    Há outro factor específico para a pandemia: no auge, mais de quatro milhões de proprietários com empréstimos apoiados pelo governo estavam em tolerância com hipotecas durante a pandemia (cerca de 2,6 milhões ainda estão). Embora essa política governamental, recentemente prorrogada até Junho , tenha sido uma tábua de salvação para muitas famílias que perderam renda, também significou que algumas casas que provavelmente teriam entrado no mercado no ano passado, por meio de execução hipotecária ou forçada venda, não.

    Some tudo isso e, para cada história de alguém que fugiu e comprou nos subúrbios ou pagou tudo em dinheiro à vista, sem ser visto em alguma cidade remota, a história maior da pandemia é esta: os americanos têm permanecido onde estão.

    Essa realidade colidiu com outras forças que vêm se acumulando desde a crise imobiliária. Mesmo antes da pandemia, correctores imobiliários e economistas já se preocupavam com a escassez de estoques, que vinha diminuindo desde a crise imobiliária.

    Por mais de uma década, menos moradias foram construídas em relação às médias históricas. A crise imobiliária dizimou a indústria da construção civil e empurrou muitos trabalhadores da construção para outros empregos. Restrições locais de construção e objecções de vizinhos retardaram novas construções. As rígidas políticas de imigração do presidente Trump restringiram ainda mais a oferta de mão-de-obra na indústria e suas tarifas aumentaram o preço dos materiais de construção.

    Mas as casas recém-construídas são exactamente o que um mercado imobiliário restrito precisa.

    “Esta é a razão pela qual a construção de casas é tão importante”, disse Lawrence Yun, o economista-chefe da National Association o Realtors. Quando uma casa nova em folha chega ao mercado, ninguém precisa se mudar (e de outro lugar) para liberta-la. “A construção de uma casa é uma casa vazia. Eles estão apenas trazendo casas vazias para o mercado. ”

    A última década também foi um período de taxas de juros relativamente baixas. Isso incentivou muitos proprietários de casas a permanecer em suas casas por mais tempo do que no passado, agarrando-se a hipotecas baratas. As taxas baixas também incentivaram muitos proprietários que compraram uma casa nova a não vender a anterior, mas a tratá-la como uma propriedade de investimento.

    “No momento, é um bom negócio ter duas propriedades: quando minha taxa de hipoteca é de 2,7%, por que não ter duas delas?” disse Michael Simonsen, CEO da Altos Research. “Levou muito tempo, eu acho, para perceber que era isso que estava acontecendo.”

    Na última década, ele destaca, o número de residências unifamiliares no mercado de aluguel cresceu mais de sete milhões. E a grande maioria deles é propriedade de pessoas físicas, não de grandes investidores institucionais. Outras oportunidades de obter receita com propriedades de investimento também cresceram com o surgimento de empresas como a Airbnb.

    “Estamos todos em busca de uma teoria de campo unificada para o que está acontecendo”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics. “Temos todas essas informações díspares. Todo mundo tem seu próprio telescópio olhando para o céu, medindo coisas diferentes. É difícil colocar tudo junto. ”

    Mas o efeito geral é claro: é como se o mercado estivesse cheio de areia e lama, disse Zandi. E isso produz todos os tipos de outros comportamentos e padrões estranhos. O número de pessoas que compram casas invisíveis disparou. Os preços medianos de venda em alguns metrôs aumentaram 15% ou mais em um único ano. Em outros lugares, a trajectória do mercado de venda tornou-se totalmente desvinculada do que está acontecendo no mercado de aluguel.

    Os preços dos aluguéis e residências divergiram

    Normalmente, os economistas esperam que os aluguéis e os preços das casas movam-se juntos em uma determinada comunidade. Isso porque ambos respondem às mesmas condições subjacentes - um mercado de trabalho forte, amenidades populares, proximidade do oceano. Quando os aluguéis e os preços das casas começam a divergir, isso geralmente é um sinal de que algo está errado, como uma bolha imobiliária inflando.

    No momento, em várias áreas metropolitanas, os preços e os aluguéis das casas não estão apenas se distanciando; eles estão se movendo em direcções opostas. Os preços estão subindo enquanto os aluguéis estão caindo.

    “Não acho que vimos um mercado imobiliário como este”, disse Jenny Schuetz, pesquisadora do Brookings Institution. “E outras recessões pareciam um pouco diferentes, o que torna difícil saber o que está acontecendo.”

    No período que antecedeu a crise imobiliária, os preços das casas subiram muito mais rápido do que os aluguéis, o que significa que muitas casas estavam sendo vendidas por preços que os proprietários não poderiam suportar se tivessem de alugá-las. Depois da quebra, os preços das casas caíram em alguns mercados com o aumento dos aluguéis, com proprietários recém-hipotecados invadindo o mercado de aluguel.

    Hoje, os aluguéis caíram por motivos inseparáveis ​​da pandemia. Os trabalhadores despedidos tiveram de se juntar à família ou aos amigos. Os estudantes universitários que normalmente alugam perto do campus ficaram em casa. Alguns locatários atraídos por taxas de juros baixas compraram uma casa com sucesso. E o fluxo normal de novos inquilinos para as cidades - recém-formados, imigrantes, trabalhadores que acabaram de conseguir um novo emprego - diminuiu durante a pandemia.

    Uma pesquisa recente de Arpit Gupta da NYU e colegas sugere que os aluguéis caíram mais nos bairros urbanos próximos. Esses são também os lugares onde simplesmente não fazia sentido, em uma pandemia, pagar um aluguel para ficar perto de restaurantes, bares, museus e escritórios no centro da cidade. Isso seguiu outro padrão incomum: os aluguéis para uma única família estão se comportando muito mais como casas ocupadas pelo proprietário (com forte demanda), enquanto os condomínios parecem mais com aluguéis (com apelo fraco).

    Essas circunstâncias incomuns no mercado de aluguel tornam ainda mais difícil lidar com o que está acontecendo no lado da casa própria. A proporção entre os preços das casas e os aluguéis em muitos metrôs é agora tão alta quanto desde a bolha imobiliária - mas aumentou durante a pandemia em parte porque os aluguéis caíram, não apenas porque os preços dispararam.

    Zandi, da Moody's, disse que ainda não estava preocupado com um desastre iminente como a última bolha imobiliária. Mas ele diz que já é preocupante que o aumento dos preços tenha eliminado muitos compradores de casas de primeira viagem e de renda moderada, que nos próximos anos podem perder os benefícios de manter taxas de juros abaixo de 3%.

    “Eu não acho que sejam chamas vermelhas; Acho que são sinais amarelos ”, disse Zandi. “Mas se tivermos outro ano como o que tivemos no ano passado, teremos muitos sinalizadores vermelhos aumentando”.

    Por enquanto, não está claro o que pode fazer perder mais estoque. Construir mais ajudaria, mas levará anos para atender às necessidades de um mercado habitacional saudável. A pausa nos pagamentos por meio da tolerância da hipoteca terminará em algum momento depois de Junho, e isso poderia criar perversamente mais estoque por meio de coisas como execuções hipotecárias. Os baby boomers serão vacinados e podem decidir fazer uma mudança.

    Também é possível que alguns dos milhões de casas unifamiliares que foram convertidas para aluguel na última década possam ser colocadas de volta no mercado agora, já que seus proprietários vêem lucros elevados com a venda delas.

    A pandemia também irá diminuir e as pessoas terão mais certeza sobre o trabalho remoto e mais confiança em ter estranhos em suas casas. Mas, para quem está esperando pelo aumento típico da Primavera no estoque, esses motivos para optimismo podem não se materializar a tempo.

    Em anos normais, o estoque atinge seu ponto mais baixo anual em Fevereiro e então começa a subir.

    “Ainda não atingimos o limite mínimo”, disse Simonsen. "Estou francamente preocupado que não suba a partir daqui."

    Emily Badger escreve sobre cidades e política urbana para The Upshot do escritório de Washington. Ela está particularmente interessada em habitação, transporte e desigualdade - e como estão todos conectados. Ela ingressou no The Times em 2016 vinda do The Washington Post. @ emilymbadger

    Quoctrung Bui é um editor gráfico e cobre ciências sociais e políticas para The Upshot. Ele ingressou no The Times em 2015, e anteriormente trabalhou para a National Public Radio cobrindo economia e vida cotidiana. @ qdbui

    Por Emily Badger e Quoctrung Bui

    https://www.nytimes.com



    quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

    João Loureiro, 500 quilos de cocaína e empresários do futebol. O enigma do avião privado com droga retido no Brasil

    José Luís Camacho:
    "Não estou dizendo que é uma conspiração, mas é uma conspiração"

    Carolina Branco - Texto

    Sónia Simões - Texto

    Carlos Diogo Santos - Texto

    Já havia investigações da PJ relacionadas com o avião com 500 kg de droga, ainda antes de ter sido intercetado no Brasil. Loureiro foi ouvido durante 4 horas. O que disse à polícia e o que já se sabe.

    Assim que a Polícia Judiciária (PJ) soube que os seus congéneres brasileiros tinham apreendido meia tonelada de cocaína num avião privado da OMNI proveniente do Aeródromo de Tires, em Cascais, foram imediatamente ao local à procura de vestígios. Lá encontraram o carro do único passageiro que viajou nessa aeronave com o ex-presidente do Boavista, João Loureiro, para Salvador da Bahia: Mansur Ben-barka Heredia, um cidadão espanhol referenciado por tráfico de droga e já sinalizado e controlado pela polícia portuguesa.

    O carro acabou por ser apreendido pela PJ, apesar de ainda não haver qualquer pedido de colaboração formal feito pelas autoridades brasileiras, enquanto, no outro lado do oceano, João Loureiro e o cidadão espanhol foram levados para as instalações da polícia. Ambos deviam ter regressado a Portugal no dia 9 de fevereiro. E com eles viriam do Brasil cinco outros passageiros: os empresários de futebol Bruno André Carvalho dos Santos e Hugo Miguel Gonçalves Cajuda de Sousa, Paulo Jorge Saturnino Cunha, Bruno Geraldes de Macedo e o jogador do Benfica Lucas Veríssimo da Silva, de acordo com o manifesto do voo a que o Observador teve acesso. João Loureiro só ontem foi formalmente ouvido na Polícia Federal, que no auto que elaborou descreve não só as suas respostas, como dá conta da extração de dados do seu telemóvel.

    Ao que o Observador apurou, porém, mesmo que o avião tivesse partido do Brasil sem ser intercetado pela polícia brasileira, seria passado a pente fino em Portugal. “Se este avião tivesse chegado a Portugal, provavelmente haveria uma apreensão“, disse uma fonte ligada ao caso, que diz que o cidadão espanhol, que residirá em Madrid, já estava debaixo de olho das autoridades portuguesas. Além disso, o Observador apurou que já havia investigações em Portugal relacionadas com esta situação, ainda antes de o avião ter sido intercetado no Brasil.

    As dúvidas em relação a este caso ainda são muitas. O ex-presidente do Boavista esteve na tarde desta sexta-feira a prestar declarações à Polícia Federal — que podem exatamente ajudar a decifrar o enigma. De quem era a droga? De onde veio e para onde ia? Qual a relação com João Loureiro, Lucas Veríssimo e os outros passageiros?

    As rotas do Falcon que não voltou

    A rota do Falcon 900 teve duas paragens. O voo de ida para o Brasil começou no Aeródromo de Tires no dia 27 de janeiro, fez escala em Cabo Verde, parou em Salvador da Baía e seguiu até ao destino final: Jundiaí, no interior de São Paulo — terá sido nesta cidade que a droga foi carregada, segundo admite um responsável pela empresa a que pertencia o avião Falcon 900, a OMNI, em declarações ao Observador.

    No voo de ida para o Brasil seguiam, além de João Loureiro e do cidadão espanhol, três outros tripulantes. Mansur Ben-barka Heredia, o espanhol que seguia com Loureiro, estava a ser vigiado pela Polícia Judiciária, sabe o Observador: os levantamentos de dinheiro e as viagens que fazia, por exemplo, iam sendo monitorizados pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes. Não é claro, porém, se o cidadão espanhol já estava em Portugal ou se veio de Espanha para Tires para apanhar o voo.

    João Loureiro, filho de Valentim Loureiro, garantiu em declarações à SIC desconhecer este cidadão espanhol com ligações ao tráfico de droga. Explicou que foi ao Brasil num avião privado pago por uma empresa brasileira que o queria contratar como consultor. No manifesto consultado pelo Observador, a empresa que contratou o serviço da aeronave foi a Lopes & Ferreira Assessoria Ltda, no Brasil.

    O Observador tentou contactar João Loureiro e a empresa, para perceber a ligação, mas sem sucesso. Ao início da noite (tarde no Brasil), João Loureiro saía das instalações da Polícia Federal, depois de quatro horas a ser ouvido pelo delegado responsável pelo caso. Também à SIC, o ex-presidente do Boavista, que é advogado, disse que se tinha disponibilizado a ficar em território brasileiro para colaborar com as autoridades. Ao Observador, porém, fonte da Polícia Federal disse que essa decisão foi, afinal, um conselho da própria polícia.

    Porém, após a diligência, o antigo presidente do Boavista saiu em liberdade, ainda que tenha sido advertido a comunicar qualquer alteração de morada. Ao que o Observador apurou, terão ainda sido copiados dados do seu telemóvel, como fotografias e mensagens, para que os investigadores possam perceber se a sua versão corresponde ao que realmente aconteceu. Se isso acontecer, diz fonte oficial, ficará “descartado”.

    Loureiro garante ter sinalizado problemas com carga: umas caixas de vinho

    O avião privado onde seguia João Loureiro chegou a Jundiaí no dia 28 de janeiro. Logo quando aterrou, segundo o próprio relatou à SIC, houve “problemas” com umas caixas de vinho que integravam a bagagem. O advogado mostrou mesmo uma mensagem que enviou, a 6 de fevereiro, ao comandante do avião a pedir que fossem “rigorosos na inspeção da carga”. João Loureiro disse que começou a desconfiar de que algo estava errado porque o voo de regresso foi sendo adiado.

    Confrontado com esse relato, um responsável da OMNI apontou para outra versão. Ao Observador, disse que Loureiro “pode dizer o que quiser” e garantiu que foi o próprio comandante quem contactou as autoridades por causa dos problemas que encontrou no avião, remetendo esclarecimentos para um comunicado que a empresa enviou minutos depois.

    O voo de regresso chegou a estar marcado para 1 de fevereiro. Depois foi adiado para dia 6. De acordo com o manifesto a que o Observador teve acesso, nesse dia 6 a aeronave faria um voo de Jundiaí, em São Paulo, para Salvador — com Loureiro e o passageiro espanhol a bordo. E, no dia seguinte, de Salvador para Tires com escala em Cabo Verde — já com os restantes cinco passageiros também a bordo. Também neste dia, o voo acabou por não acontecer e foi reagendado para 9 de fevereiro, data em que acabaria por ser retido após a descoberta dos 500 quilos de cocaína.

    A justificação para os sucessivos adiamentos parece estar relacionada com a autorização para aterrar em Portugal. O responsável pela empresa OMNI disse ao Observador que foram “ajustando o horário do voo em função da autorização para aterrar em Portugal, que nunca chegou”. Mas não é o que diz a Polícia Federal, que, à agência espanhola Efe, confirmou que o avião particular já tinha autorização para voar para Portugal — o que levou o Governo português a emitir um esclarecimento.

    Esse é, porém, mais um enigma neste caso. Na passada quarta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) desmentiu essa informação e garantiu que o pedido de autorização foi rejeitado, sem adiantar o motivo. Num comunicado enviado à agência Lusa, adiantou apenas que “o pedido de autorização para a viagem na aeronave em apreço foi indeferido pelo MNE”. O Observador contactou o MNE a fim de saber por que razão o pedido de autorização foi rejeitado. A explicação prende-se com “a proibição de voos comerciais ou privados com origem ou destino no Brasil em vigor”, que levou a que a viagem não fosse “autorizada pelas autoridades competentes, tendo o MNE emitido um parecer negativo ao pedido de voo”.

    Segundo apurou o Observador, o defesa central brasileiro contratado pelo Benfica, Lucas Veríssimo, e o seu agente, Bruno Macedo, encontraram entretanto uma ligação que lhes permitiu viajar para Lisboa após a final da Taça dos Libertadores — uma vez que aquele voo privado estava sucessivamente a ser adiado.

    Já os empresários de futebol Bruno Santos e Hugo Cajuda de Sousa e Paulo Jorge Saturnino Cunha, que se tinham deslocado ao Brasil para assistir à final da Taça dos Libertadores entre Palmeiras e Santos, no dia 30 de janeiro, enfrentaram o mesmo problema: a falta de opções para regressar a Portugal. Assim, através de um amigo em comum também ligado ao futebol, tentaram perceber se havia vaga naquele voo privado para voltar, chegando mesmo a viajar para Salvador na tentativa de ir naquele avião. Por causa dos adiamentos, regressaram a São Paulo, onde ainda se encontram.

    O dia em que foi encontrada a droga

    O voo ainda chegou a ser reagendado para 9 de janeiro. Foi nesse dia, porém, que as autoridades acabariam por descobrir a droga, depois de o piloto do avião (que o Observador também tentou contactar, sem sucesso) ter comunicado à torre de controlo que os seus comandos de voo indicavam uma possível avaria. Foram os mecânicos chamados à aeronave que acabaram por encontrar a droga e alertar a Polícia Federal. “Com o apoio de especialistas criminais federais e cães treinados para detetar drogas da Polícia Civil, foram encontrados na aeronave outros esconderijos onde estava o resto da droga”, informou à data Polícia Federal.

    Segundo o comunicado da OMNI, na viagem para o aeroporto em Salvador, a fim de aguardar pela autorização de regresso para Lisboa, “foi detetado um problema técnico durante a aproximação”. “Esta situação ocasionou a necessidade de intervenção de manutenção no avião, tendo sido prontamente solicitada pelo Comandante do voo à Dassault (fabricante do avião), em São Paulo”, lê-se.

    Esse problema obrigou à abertura do painel técnico na fuselagem do avião. E foi aí que encontraram um volume afixado à estrutura interna do avião. Segundo a Polícia Federal, a droga estava dividida em placas marcadas com logótipos de marcas desportivas famosas.

    Os três tripulantes e dois passageiros da aeronave foram levados à Superintendência da Polícia Federal em Salvador para prestar depoimento. Piloto, co-piloto e hospedeira, segundo o comunicado da OMNI, já estão em Portugal há vários dias. João Loureiro garantiu à SIC que, apesar de ter sido levado à polícia no último dia 10, não chegou a ser ouvido. O Observador sabe que esta sexta-feira o advogado esteve a ser ouvido pelas autoridades.

    O que disse João Loureiro esta tarde ao delegado da Polícia Federal

    No auto de inquirição da Polícia Federal consta que João Loureiro reiterou esta sexta-feira que tinha viajado para o Brasil para eventualmente auxiliar um grupo empresarial, garantindo nada saber sobre a droga escondida no avião. Além disso, o antigo presidente do Boavista frisou que só no dia 10 de fevereiro tomou conhecimento da apreensão de droga na aeronave — um dia após a operação. Nessa altura, disse, já teria regressado a São Paulo.

    Além de responder às questões, João Loureiro permitiu que as autoridades procedessem à cópia de dados do seu telemóvel, como fotografias e mensagens, com vista a apurar no decurso da investigação a veracidade da versão apresentada.

    Observador

    terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

    Há um grande problema com carros eléctricos

    Ainda são carros. A tecnologia não pode curar a América do seu vício no automóvel.

    Farhad Manjoo

    Por Farhad Manjoo

    Colunista de Opinião

    Estou começando a me preocupar com o carro eléctrico.

    Não é a coisa em si; Eu descobri que os veículos eléctricos são superiores aos seus antecessores movidos a fósseis em quase todas as maneiras importantes, e embora eu seja um californiano louco por carros, eu não espero comprar um carro a gás destruidor de pulmões, que vomita poluição nunca mais.

    Mas os motores eléctricos são apenas uma fonte de energia, não uma panaceia. Dos anúncios do Super Bowl da General Motors aos planos do presidente Biden sobre mudanças climáticas,os carros plug-in estão sendo lançados como um jogador central na resposta da América a um futuro aquecido - transformando uma esperança tecnológica perfeitamente razoável num hype exagerado.

    O planeta estará muito melhor se mudarmos para carros eléctricos. Mas visões gauzy das rodovias livres de culpa do amanhã poderia facilmente nos distrair do problema maior e mais entrincheirado com o sistema de transporte americano.

    Esse problema não são apenas carros movidos a gás, mas vidas abastecidos por carros — uma visão do mundo em que enormes automóveis privados são o método padrão de se locomover. Desta forma, os E.V.s representam uma resposta muito americana às mudanças climáticas: Para lidar com uma máquina cara, perigosa e extremamente intensiva em recursos que ajudou a trazer a destruição do planeta, vamos todos comprar esta nova versão, que funciona com um combustível diferente.

    Mas enquanto avançamos no projecto de construir carros eléctricos na infra-estrutura de amanhã — Biden prometeu criar uma rede de 500.000 estações de carregamento em todo o país e substituir os cerca de 650.000 carros da frota do governo federal por E.V.s — não vamos ignorar uma ameaça mais imediata nas estradas hoje. Refiro-me aos milhões de caminhões grandes e ineficientes e SUV's que são os carros favoritos da América, cada um envenenando nossa atmosfera por anos além de qualquer transição para E.V.s.

    A promessa de carros eléctricos nos dá um pouco de margem de manobra para festejar no presente gasoso — E.V.s oferecem uma expiração politicamente simples e única para nossos caminhos insustentáveis, desde que todos ignoremos o Escalade na sala.

    Consertar os problemas causados por carros com carros novos e melhorados e novas infra-estruturas caras apenas para carros ilustra por que estamos nessa confusão em primeiro lugar — uma cultura entrincheirada de dependência de carros descuidados. A liberação da cultura automobilística requer uma reimaginação mais fundamental de como nos locomovermos, com investimentos em estradas andáveis e de bicicleta, zoneamento mais inteligente que permite que as pessoas vivam mais perto de onde trabalham, uma ênfase muito maior no transporte público e, acima de tudo, um reconhecimento de que o espaço urbano deve pertencer às pessoas, não aos veículos. Mudanças políticas que reduzem a quantidade que os americanos dirigem podem levar a ganhos de eficiência muito maiores do que teríamos apenas a troca de gás para baterias.

    Durante seu tempo como prefeito de South Bend, Ind., Pete Buttigieg, o novo secretário de transportes, defendeu planos para reduzir a dependência de carros. Mas pedir aos americanos que comecem a imaginar um futuro de menos carros menores e menos condução será um grande problema político. Eu já posso imaginar os segmentos da Fox News pelourinho Biden e prefeito Pete para sua "guerra" em SUV e pick up´s.

    Eu também posso soar como uma repreensão ambiental sem alegria. Mas talvez todos precisemos de uma pequena bronca.

    Entre 2009 e 2019, a economia média de combustível em todos os veículos aumentou apenas ligeiramente, segundo dados da Agência de Protecção Ambiental. Nossos carros estavam recebendo uma média de 22,4 milhas por galão em 2009, e em 2019 a eficiência tinha crescido para 24,9 m.p.g., um ganho de cerca de 11%.

    Poderíamos ter feito muito melhor, com a eficiência subindo talvez até 4% ou 5% ao ano, disse-me John DeCicco, professor emérito de pesquisa do Instituto de Energia da Universidade de Michigan. Depois que os padrões de economia de combustível foram elevados sob George W. Bush e, em seguida, ainda mais sob Barack Obama, os fabricantes começaram a instalar uma série de novas tecnologias para tornar os carros mais eficientes. A maioria dos tipos de veículos tornou-se significativamente mais limpa — a economia média de combustível para sedãs, por exemplo, cresceu para 30,9 m.p.g. em 2019, de 25,3 milhões em 2009, um ganho de cerca de 22%.

    Então, como a maioria dos carros melhorou muito sem mudar muito o quadro geral? É simples, diz DeCicco:Comemos nossos ganhos.

    À medida que os carros se tornavam mais eficientes, as pessoas começavam a comprar carros maiores, mais pesados e mais potentes. Em particular, ficamos viciados em veículos utilitários esportivos e aqueles blobs sem forma sobre rodas conhecidas como crossovers, que se tornou um dos segmentos mais quentes do negócio de automóveis. Uma década atrás, cerca de metade de todos os carros vendidos eram sedãs, que são alguns dos veículos mais eficientes na estrada, e cerca de um quarto eram SUV,que são alguns dos menos eficientes. Em 2019, apenas um terço dos carros vendidos eram sedãs, e cerca de metade eram pequenos ou grandes SUV's. Dado carros mais eficientes, compramos mais carros.

    A política federal não ajudou. Em 2017, o governo Trump começou a desfazer as regras de combustível de Obama, uma reversão que promoveu a incerteza e a divisão na indústria automobilística e talvez pressionou as montadoras a demitir novas tecnologias de economia de combustível.

    A crescente adopção de veículos eléctricos na última década pouco fez para neutralizar essas forças maiores; quaisquer benefícios ambientais que o pegamos de E-V.S de emissão zero foram inundados pela mudança de mercado muito maior em direcção a carros maiores. Embora os carros eléctricos sejam importantes, DeCicco escreveu recentemente em seu blog: "padrões muito mais rigorosos de carros limpos são a verdadeira prioridade para colocar a frota de automóveis dos EUA no caminho certo para a protecção climática".

    Naturalmente, a indústria automobilística não é a favor de padrões de combustível significativamente mais rigorosos. As montadoras esperam que Biden eleve os padrões de combustível, mas eles estão pressionando por algo menos do que as regras de Obama, o que exigiria que os veículos de passageiros alcançassem uma média de 54,5 milhões até 2025.

    Entre os ambientalistas, há mais do que uma pequena suspeita de que a enxurrada de novos anúncios de veículos eléctricos - incluindo a promessa da G.M de vender apenas carros de passageiros de emissão zero até 2035 - é uma táctica de negociação para evitar todos os padrões de combustível muito rígidos. As montadoras nos darão um e.V.s incríveis amanhã para regras brandas hoje.

    Há uma chance de eu ser muito cínico. Para o crédito da indústria automobilística, o impulso para os veículos eléctricos parece ser real. As montadoras estão investindo centenas de bilhões de dólares para trazer o futuro eléctrico, e nos próximos anos planejam lançar dezenas de modelos eléctricos. A Ford, por exemplo, está bombeando eléctrons para seus modelos mais icónicos — um Mustang eléctrico, o Mach-E, acaba de ser introduzido em avaliações positivas, e a picape F-150, por décadas o veículo mais vendido da América, será oferecida numa versão eléctrica no próximo ano.

    Mas vale lembrar que o futuro eléctrico ainda é apenas uma visão, não uma certeza. Os sonhos eléctricos da indústria automobilística são alimentados por um sucesso singular — Tesla, o juggernaut de carros eléctricos de Elon Musk. Em um mercado de pandemias brutal para a indústria automobilística, a Tesla enviou pouco menos de meio milhão de veículos em 2020, cerca de um terço a mais do que vendeu em 2019.

    Mas nenhuma outra montadora encontrou muita sorte em veículos elétricos, e questões sérias sobre o negócio permanecem. Será que os E.V.s se tornarão baratos e convenientes o suficiente para atrair um público mainstream? As montadoras que agora dependem de grandes picapes e SUV's para seus lucros podem ganhar dinheiro com os modelos elétricos? Como devemos lidar com as iniquidades no mercado? No momento, os carros elétricos ainda são mais caros do que as alternativas movidas a gás, e o crédito federal de US$ 7.500 em suas vendas é essencialmente um subsídio para os ricos. Esse é o melhor uso dos fundos de transporte?

    E o que fazemos com carros movidos a gás? Você pode ter visto aquele anúncio bizarro do G.M. Super Bowl em que Will Ferrell e seus amigos famosos invadem a Noruega porque tem sido muito bem sucedido na venda de veículos elétricos. O que o anúncio não menciona é a razão pela qual tantos noruegueses estão comprando E.V.s: O país impôs impostos íngremes sobre carros movidos a gás,acelerando a transformação para um futuro mais limpo. Devemos seguir sua pista?

    Todas essas questões afetarão a viabilidade do negócio de carros elétricos. Note que nem tesla teve lucro só vendendo carros. A empresa acumulou oodles de créditos regulatórios de emissão zero que vende para outras montadoras; em 2020, a Tesla trouxe mais de US$ 1,6 bilhão através de créditos, sem os quais seu negócio teria registrado um prejuízo líquido.

    Então há todos os problemas com carros que os motores elétricos não consertam. Os carros têm uma demanda insaciável por estradas e espaço urbano,capturando nossas cidades para seu uso quase exclusivo. Eles são caros e ineficientes - a noção ridícula de pagar milhares de dólares por ano por uma máquina que está praticamente estacionada não é menos ridícula porque o carro está sendo carregado enquanto está estacionado. E se nossos carros são movidos por elétrons ou petróleo, é provável que mais de um milhão de pessoas em todo o mundo continuem morrendo em acidentes todos os anos.

    Podemos resolver esses problemas com tecnologia mais avançada? Talvez, algum dia. Mas faríamos melhor progresso se identificassemos o problema correto: não gasolina, mas carros.

    Horário de expediente com Farhad Manjoo

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