segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Habilitação de herdeiros: para que serve e como fazer.

A habilitação de herdeiros é um fundamental num processo de herança. Saiba o que é, quem deve tratar deste assunto e como deve fazê-lo.

Tratar de burocracias, papeladas, registos e procedimentos legais não é a coisa mais simpática do mundo. Muito menos se isso acontecer na sequência da morte de um familiar. No entanto, quando há heranças para tratar isso é imperativo. Havendo um documento de habilitação de herdeiros os processos são muito mais simples.

Ainda que não seja obrigatório ter, de antemão, uma habilitação de herdeiros quando existem bens a partilhar, o facto é que se o documento já existir o processo de partilhas e de registo de bens em seu nome será facilitado e mais rápido.

Outra vantagem é o facto de lhe permitir fazer o inventário do património com maior rigor. Por exemplo, no caso de contas bancárias e aplicações financeiras, quando não existe um conhecimento exacto, a informação deve ser solicitada ao Banco de Portugal que vai exigir este documento.

Tendo em conta a importância deste procedimento, explicamos em que consiste exactamente a habilitação de herdeiros e como pode fazer este documento de forma oficial.

O QUE É A HABILITAÇÃO DE HERDEIROS?

A habilitação de herdeiros é, como o nome indica, um documento que visa declarar juridicamente quem são os herdeiros que sucedem na herança deixada pelo falecido. Não sendo um procedimento obrigatório, é aconselhável fazer para definir à partida os direitos de todos os herdeiros da família.

Além disso, havendo bens é conveniente ter a habilitação de herdeiros porque, para além de permitir identificar os herdeiros, é essencial para que estes possam registar em seu nome os bens herdados.

Isto aplica-se ao mais variado tipo de bens, sejam eles: dinheiro/contas bancárias; casas e terrenos; carros, barcos e outros meios de transporte próprio; ouro e obras de arte; direitos de autor; quotas ou participações em empresas; ou até mesmo jazigos.

Este acto jurídico é formalizado através de uma escritura pública.

TIPOS DE HABILITAÇÃO DE HERDEIROS

Ao fazer a habilitação de herdeiros também se pode fazer o registo dos bens da herança e a sua partilha, indicando quem herda o quê. 

Existem, por isso, quatro formas tipos de habilitação:

  • Apenas a habilitação de herdeiros;
  • Com registo dos bens da herança;
  • Habilitação com registo dos bens da herança e partilha dos bens;
  • Só o registo dos bens da herança e partilha dos bens.

COMO FAZER A HABILITAÇÃO DE HERDEIROS

A habilitação de herdeiros pode ser pedida pelo cabeça de casal até três meses depois da morte do familiar. Após essa data, serão cobradas coimas.

Por cabeça de casal entende-se a pessoa responsável pela administração da herança até à sua partilha. Normalmente, o cabeça de casal é o cônjuge da pessoa falecida. Quando isto não se aplica, é o herdeiro legal num grau mais próximo como, por exemplo, o filho mais velho ou um sobrinho. Pode também ser uma outra pessoa que tenha sido nomeada previamente em testamento.

Tratando-se do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, o pedido também pode ser efectuado por um representante legal ou mandatário designado.

Onde pedir a habilitação de herdeiros?

O cabeça de casal pode pedir a escritura de habilitação de herdeiros num cartório notarial ou num dos balcões de heranças que funcionam em várias conservatórias do registo em todo o país, mediante o preenchimento do Modelo 1 do Imposto do Selo. Pode consultar os locais de atendimento listados pelo Ministério da Justiça.

Que documentos são necessários?

Para fazer esta escritura são necessários vários documentos, que variam consoante o local onde escolhe fazer o documento (cartório ou Balcão de Heranças).

Se a escritura for realizada num cartório notarial devem ser apresentados os seguintes documentos:

  • Certidão de óbito que comprova o falecimento do familiar;
  • Documentos justificativos da sucessão legítima (certidão de casamento, caso o falecido tenha sido casado, e certidões de nascimento dos respectivos herdeiros);
  • Certidão do teor do testamento ou da escritura de doação por morte (caso existam);
  • Certidão comprovativa do pagamento do Imposto do Selo, quando este não tiver sido pago no cartório notarial, no caso de haver testamento.

Se a escritura for efectuada no Balcão de Heranças, não é necessário levar todas as certidões, uma vez que estas podem ser consultadas pelo serviço. Ainda assim, precisa de prestar as seguintes informações:

  • Identificação do cabeça de casal através de apresentação do Cartão do Cidadão, passaporte ou carta de condução;
  • Identificação e NIF (número de contribuinte) dos herdeiros;
  • Lista dos bens e valores da herança;
  • Termos do acordo de partilha.

Após ser feito o pedido são, normalmente, precisos sete a dez dias úteis até à realização da escritura. Os documentos solicitados aquando do pedido devem ser entregues até cinco dias antes do dia marcado.

Quanto custa?

O valor a pagar depende do tipo de habilitação de herdeiro e do local onde a fizer. No Balcão de Heranças o custo será, no mínimo, de 150 euros. Esta é a tabela em vigor:

Habilitação, partilha e registos
425 €

Habilitação de herdeiros
150 €

Habilitação de herdeiros e registos
375 €

Partilha e registos
375 €

Quando o procedimento titule habilitações de herdeiros de marido e mulher acrescem 50 euros.

A estes valores podem ainda somar-se despesas por consultas a bases de dados: 10 euros por certidões de nascimento e casamento e 20 euros por certidão de óbito.

Numa habilitação de herdeiros com registos, soma-se o valor que é calculado em função do número de bens que integram a herança.

Nos casos de habilitação, partilha e registos ou de apenas partilha e registos, poderá ter ainda de pagar um valor calculado em função do número de bens atribuídos a cada herdeiro e do número de registos de aquisição de imóveis.

https://www.e-konomista.pt/habilitacao-de-herdeiros/?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=entity_ekpoupanca&fbclid=IwAR2k1Mc-AX6XIXMbxMWuDjDz8l92FCoBbA_8LySnQIvdOSxc4cyMNYD6xYU

Olga Teixeira

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Aumentar a produtividade pelo crescimento dos salários


Jorge Fonseca de Almeida

Jorge Fonseca de Almeida

18 Janeiro 2022

A produtividade do trabalho aferida como a produção média de uma hora de trabalho em cada país é uma medida do grau de sofisticação e especialização das diversas economias. Ela não mede o esforço colocado pelo trabalhador, mede antes em que sectores a economia se concentra e o grau de mecanização e digitalização da economia. Um cavador energético e esforçado não consegue competir com um trabalhador preguiçoso e sonolento da agricultura moderna com rega automática e doseada e com tractores e maquinaria de ponta.

A falácia de que a produtividade depende do mero esforço humano mantém-se ridícula mesmo quando repetida mil vezes pelas entidades patronais e pelos governantes.

O cerne da produtividade do trabalho está, como sempre esteve, do lado das empresas. Da forma como investem em organização e em maquinaria, robotização e digitalização e, muito pouco, no que exigem de longas jornadas de trabalho, horas extraordinárias não pagas, precariedade laboral e baixos salários. Esta super exploração laboral é fruto da ineficácia das empresas em investir.

Enquanto as empresas não forem responsabilizadas e penalizadas pela baixa produtividade nacional o país vai continuar a empobrecer e a resolutamente entrincheirar-se na cauda da Europa.

Em 2014 a produtividade nacional era de 79% da produtividade média europeia, em 2020 era de 74,6%, isto é piorou. Em contrapartida só para citar um ou dois países a produtividade da Polónia era de 73,5% da média europeia em 2014 e de 81,6% em 2020. Não só não desceu

como a nossa mas cresceu e ultrapassou-nos. A Roménia que tinha uma das mais baixas produtividades europeias passou de 56,9% da média europeia para 75,2%, isto é também nos ultrapassou (dados do Eurostat).

Ainda estão 6 países atrás de nós, mas em muitos deles a produtividade está a crescer, a nossa vantagem é pequena e em breve seremos ultrapassados por mais alguns.

Enquanto a nossa produtividade se afunda nós continuamos no caminho do declínio convencidos como estamos que a governação foi um êxito e que somos cada vez mais europeus.

É preciso, pois, outra política. Em vez de sustentar a produtividade na super exploração laboral, que tem incentivado uma emigração em larga escala (um milhão de pessoas na última década, já superior à emigração dos passados anos sessenta) e que, no mundo tecnológico actual, pura e simplesmente não funciona, o que é preciso é o investimento massivo em tecnologias, organização e na actualização das condições laborais dos trabalhadores.

As actuais politicas laborais são um incentivo à decadência e obsolescência tecnológica assente na miragem de um competitividade pelo baixo custo da mão-de-obra. Uma competitividade que já nem o capital estrangeiro atraí porque poucos querem investir num mercado minguado nem em países em retrocesso.

https://www.dn.pt/

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Schrödinger, pai da física quântica, era pedófilo (e dizia ter direito às jovens por ser um génio).

Nos seus diários, o físico Erwin Schrödinger justificava os seus abusos a menores de idade pelo facto de ser um génio.


Uma recente investigação levada a cabo pelo The Irish Times encontrou fortes evidências que o famoso cientista Erwin Schrödinger era pedófilo.

Schrödinger é conhecido hoje como o pai da Física Quântica e é em grande parte lembrado pela sua famoso teoria sobre o gato de Schrödinger.

Na década de 1930, o físico austríaco Erwin Schrödinger apresentou a sua famosa experiência sobre um gato numa caixa que, de acordo com a física quântica, poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo.

Nela, um gato é colocado numa caixa lacrada na qual um evento quântico aleatório tem uma probabilidade de 50/50 de matá-lo. Até que a caixa seja aberta e o gato seja visto, o gato está morto e vivo ao mesmo tempo.

O jornal irlandês identificou jovens pelas quais Schrödinger se apaixonou, incluindo uma menina de 14 anos que o físico tutorou.

Schrödinger, que morreu em 1961 e viveu durante vários anos na Irlanda, mais tarde admitiu ter engravidado a jovem quando esta tinha 17 e ele estava na casa dos quarenta. A adolescente acabou por ter um aborto malfeito que a deixou permanentemente estéril, de acordo com o The Irish Times.

O física mantinha um registo dos abusos nos seus diários, justificando as suas ações alegando que tinha direito às adolescentes devido à sua genialidade.

Schrödinger também tentou um relacionamento com uma criança de 12 anos, escrevendo no seu diário que a menina estava “entre os amores não correspondidos da sua vida”. O físico acabou por não seguir com a relação, depois de ser advertido por uma familiar próxima.

Face às revelações foi lançada uma petição na internet para mudar o nome de uma sala de aula na Trinity University de Dublin, que carrega precisamente o nome do físico austríaco.

zap

Salário mínimo, exportações, países do leste e uma viagem Lisboa-São Francisco. Fact Check ao debate entre António Costa e Rui Rio

Um debate de 75 minutos em que António Costa e Rui Rio passaram pelo desemprego e pela saúde e fizeram comparações entre Portugal com os antigos países comunistas. Verificamos os factos.


1 - Portugal exporta mais agora do que em 2019?

A frase

“Conseguimos ter as empresas portuguesas a exportar mais do que exportavam em 2019”
António Costa

O Instituto Nacional de Estatística (INE) indicou na última segunda-feira, 10 de Janeiro, que no que diz respeito às exportações de bens cresceram 5,2% no acumulado dos 11 meses até Novembro de 2021, em comparação com os níveis registados no mesmo período de 2019.

Quando se compara apenas o mês de Novembro de 2021, com Novembro de 2019, as exportações cresceram 15,1%. São dados que o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, considerou “impressionantes” por mostrarem que “as empresas portuguesas, numa conjuntura internacional que tem tido algumas dificuldades, têm sido capazes de conquistar quota de mercado e enfrentar da melhor maneira as dificuldades de abastecimento de matérias-primas ou de componentes”.

Estes dados dizem respeito às exportações de bens, não incluindo, portanto, as exportações de serviços, o que diz respeito, sobretudo, ao turismo. Esse é um sector que continua a ser penalizado pela pandemia de Covid-19 e sobre o qual não existem dados tão recentes. Aí, a recuperação face a 2019 ainda não foi concluída e o último boletim económico do Banco de Portugal antecipa que “as exportações de serviços atingem o nível pré-pandemia no final de 2023”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

PRATICAMENTE CERTO


2 - Rui Rio é contra o aumento do Salário mínimo?

A frase

“O senhor deputado foi contra o aumento do salário mínimo nacional”
António Costa

António Costa acusou Rui Rio de ser contra o aumento do salário mínimo nacional no debate de 75 minutos que os dois protagonizam esta noite nos três canais generalistas. O candidato socialista recordou um discurso que Rui Rio proferiu em Outubro de 2020, durante as jornadas parlamentares do PSD, e em que disse: “Não acho adequado o aumento do salário mínimo nacional”. O líder social-democrata logo interrompeu Costa e defendeu: “Não achava adequado aquele aumento”.

Mas a frase que António Costa referiu está descontextualizada. É verdade que Rui Rio defendeu em Outubro de 2020 que não achava “adequado” o aumento do salário mínimo nacional, mas por se estar num “momento em que as empresas não conseguem vender e não têm receitas e num momento em que as empresas estão a lutar para não ir à falência e que não têm a capacidade, inclusive, de pagar os salários, porque é o Estado que está a pagar uma parte do salário a muitas delas”.

Nesse mesmo discurso, Rui Rio fez questão de ressalvar que “sempre” defendeu o aumento do salário mínimo nacional — o único ponto de divergência em relação à oposição seria o valor, “mais um bocado ou menos um bocado, isso sim”. Mas “quando a taxa de desemprego é baixa e a economia está a crescer, nós temos de forçar a subida do salário mínimo nacional para não privilegiar justamente a competitividade pelos baixos salários”, defendeu Rui Rio.

Esta não é a primeira vez que António Costa acusa o líder do Partido Social Democrata de ser contra o aumento do salário mínimo nacional e utiliza este mesmo discurso para o justificar. O mesmo já tinha acontecido a 2 de Janeiro deste ano num frente-a-frente entre o candidato socialista e Rui Tavares, líder do Livre. Nessa altura, outro fact check do Observador já explicava que a posição tomada por Rui Rio em 2020, quando se discutia o aumento do salário mínimo para 2021, acontecia no momento mais grave da pandemia de Covid-19 em Portugal.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR


3 - Costa disse antes das eleições, em 2015, o que faria caso perdesse?

A frase

“Ao contrário do que Rui Rio diz, eu em 2015 disse aos portugueses o que é que faria”

António Costa

António Costa: “Ao contrário do que Rui Rio diz, eu em 2015 disse aos portugueses o que é que faria. Esta é a manchete do Expresso do dia 26 setembro de 2015, uma semana antes das eleições de 2015. Preto no branco disse o seguinte: Costa chumbará um governo de direita se ele for minoritário. Disse aos portugueses que se a direita fosse minoritária, concorrendo em coligação toda junta contra o Partido Socialista e ficasse em minoria faríamos tudo para conseguir uma negociação à esquerda que nos permitisse haver governação”.

No debate frente a Rui Rio, António Costa afirmou — munido de uma cópia da primeira página do Expresso de dia 26 de setembro de 2015 — que nas legislativas desse ano “disse aos portugueses preto no branco” antes das eleições o que é que faria. Disse mesmo? A resposta não é assim tão linear já que não houve declarações públicas de António Costa nesse sentido.

A edição do Expresso desse dia 26 de setembro fez de facto manchete com a hipótese de António Costa chumbar um governo minoritário de direita, que António Costa aproveitou agora para ler, mas essa manchete do jornal Expresso coloca o ónus no Partido Socialista e tem por bases fontes em off, não atribuindo de forma direta a António Costa essa solução.

Tal como o Expresso, também o Observador no mesmo data deixava no ar a hipótese de António Costa fazer “governo mesmo que perdesse”, mas “só com o apoio do PCP e BE”. O artigo também foi construído tendo por base fontes socialistas, em off, e houve mesmo quem ainda assim ironizasse com a hipótese. “Só é admissível chumbar um governo se houver uma proposta alternativa. Não vejo como fazer um entendimento com o PCP, que quer a saída do euro, e com o BE que quer a nacionalização dos setores estratégicos… Mas, enfim, o Jesus foi para o Sporting [foi em 2015 que Jorge Jesus trocou o Benfica pelo Sporting]”, dizia um dos membros do círculo político de Costa ao Observador – benfiquista, para que se perceba a ironia.

António Costa escudou-se na manchete do jornal Expresso de 26 de setembro de 2015 para responder às acusações de Rui Rio e frisar que disse “preto no branco aos portugueses” o que faria depois das eleições, mas a verdade é que o texto do semanário foi construído com bases socialistas em off. O então secretário-geral do PS optou na altura, de forma estratégica, por nunca o dizer em “on” nem de forma direta. Mesmo que tenha sido ele a fonte em off, é enganador dizer que disse “preto no branco” o que faria.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR


4 - Países do leste ultrapassaram Portugal?

A frase

“Até os antigos países de leste, antigos países comunistas, países pobres, que entraram para a União Europeia depois de Portugal, muitos deles já nos ultrapassaram”
Rui Rio

Rui Rio disse-o e insistiu na ideia. “Até os antigos países de leste, antigos países comunistas, países pobres, que entraram para a União Europeia depois de Portugal, muitos deles já nos ultrapassaram.” O líder do PSD falava sobre o estado e o crescimento da economia e criticava o caminho seguido pelos socialistas que, na sua opinião, levou a que o país fosse ultrapassado por “países pobres”.  Rui Rio não é claro a que se refere quando fala em ultrapassagem, mas seja do PIB per capita, seja em velocidade de crescimento, a alegação é, de facto, verdadeira. Em primeiro lugar, o relatório de análise económica a Portugal, que foi divulgado no dia 26 de fevereiro de 2020 pela Comissão Europeia, compara o país com outros que entraram depois dele na UE e demonstra que estão a crescer a uma velocidade superior à portuguesa.

Nesse documento, a afirmação que se pode ler é clara: “O rendimento médio per capita em paridade de poder de compra para os 10 países que entraram na União Europeia em 2004 já está ao mesmo nível de Portugal, superando uma diferença de cerca de 17 pontos percentuais em 15 anos”. Ou seja, em velocidade de crescimento ultrapassaram Portugal, deixando para trás o fosso que nos separava em 2004.

Os países em causa são República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Eslovénia (da Europa de Leste), Malta e Chipre (do Mediterrâneo) e a fraca evolução de Portugal, quando comparada com os dez, é evidente.

Por outro lado, se consultarmos a tabela do Pordata “Que países criam mais e menos riqueza por pessoa, em paridades de poder de compra?” conclui-se que Portugal está a ficar para trás. Em 2020, o PIB per capita de Portugal foi de 23.000 dólares. Na República Checa, no mesmo ano, foi de 27.900. Na Estónia foi 25.700 e na Lituânia de 25.900. Na Eslovénia chegou aos 26.400.

Portanto, a afirmação de Rui Rio é verdadeira.


5 - Há mais de 4 milhões de portugueses com seguro de saúde?

A frase

Há mais de 4 milhões de portugueses que têm seguro de saúde. As pessoas pagam os impostos e depois pagam o seguro, ou paga a empresa, não precisavam de fazer isso. É porque o SNS não responde como deve ser.”
Rui Rio

O líder do PSD não especifica em que números se baseia para dizer que há “mais de 4 milhões de portugueses que têm seguro de saúde”. Mas os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que representa praticamente toda a atividade de seguros em Portugal, não suportam essa contagem.

De acordo com a plataforma Segurdata, da APS, em setembro de 2021 existiam 2.818.151 pessoas seguras em Portugal, na área dos seguros de saúde. Esse foi um crescimento de 4,6% face ao número de pessoas seguras que existiam em setembro de 2020, de acordo com a mesma fonte, mas mesmo assim fica bastante aquém da contagem referida por Rui Rio.

Os dados da APS indicam que, do total de pessoas seguras, cerca de 1,15 milhões estão em planos de seguro individuais e mais de 1,6 milhões estão integrados em seguros de grupo, como seguros empresariais.

O número real, apurado pela APS, corresponde a menos de 75% da contagem avançada por Rui Rio, pelo que a sua declaração está errada.

E, por isso, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

Nota: O Observador não considerou e penso que o deveria ter feito, a ADSE, O SAMS e restantes seguros de empresas!

ERRADO


6 - Carga fiscal subiu por via das contribuições sociais?

A frase

O peso dos impostos no PIB desceu 1 ponto percentual. A carga fiscal tem aumentado porque tem aumentado as receitas da segurança social. A carga fiscal tem subido porque há mais emprego e mais rendimento.”
António Costa

A carga fiscal tem vindo a subir, tal como Rui Rio referiu. Mas António Costa realçou que a carga fiscal subiu por via do aumento das contribuições para a segurança social. Analisando os dados do INE, até final de 2020, nesse ano a carga fiscal atingiu os 34,8% do PIB, mais 0,4 pontos percentuais que os 34,4% de 2015. Já em 2016, o primeiro ano inteiro da primeira legislatura de Costa, a carga fiscal ficou nos 34,1%, menos 0,7 pontos que em 2020.

Se considerados apenas a componente impostos, esta atingiu em 2020 24,5% do PIB, enquanto em 2015 foi de 25,4%. Ou seja, menos 0,9 pontos percentuais (perto do ponto percentual referido por António Costa), e as contribuições sociais efetivas subiram de 9% em 2015 para os 10,3% do PIB em 2020. Ou seja, uma subida de 1,3 pontos percentuais.

Assim, a componente dos impostos em percentagem do PIB caiu, enquanto as contribuições sociais subiram, mas a carga fiscal subiu.

INE

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO


7 - 84 mil pessoas saem de Portugal todos os anos?

A frase

2Nós hoje temos uma emigração que é de 84 mil pessoas por ano”
Rui Rio

O candidato social-democrata Rui Rio afirmou no debate com o socialista António Costa que cerca de 84 mil pessoas estão sair de Portugal anualmente. Defendendo um aumento do salário mínimo adequado à realidade económica, o líder do PSD sugeriu que as baixas remunerações em Portugal são um dos motivos por que “nós hoje temos uma emigração que é de 84 mil pessoas por ano”.

Mas os números apresentados por Rui Rio não coincidem com as mais recentes estatísticas apresentadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) — aqui e aqui — e pela Pordata: os dados de 2020 indicam que, nesse ano, registaram-se 68.209 emigrantes — 25.886 deles permanentes e 42.323 deles temporários. É preciso recuar até 2017 e 2018 para encontrar números de emigração na ordem dos 80 mil, como os que Rui Rio apontou.

Desde 2014 que o número total de emigrantes está a diminuir anualmente: depois de, há oito anos, Portugal ter registado 134.624 emigrantes, o país alcançou os 81.051 em 2017 e os 81.754 em 2018. Depois disso, as estatísticas portuguesas apontam para 77.040 em 2019 e para 68.209 em 2020. Estes números também são os apontados pelo Observatório de Emigração — que, tal como o INE e a Pordata, não menciona estatísticas para o ano de 2021.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO


8 - A taxa de desemprego já recuperou?

A frase

“Nós, felizmente, já conseguimos retomar uma taxa de desemprego ao nível em que estávamos antes da crise”
António Costa

Durante o debate frente a Rui Rio, António Costa parafraseou o Presidente da República para defender um “virar de página da pandemia”, com um foco na recuperação económica e social. E foi então que disse: “Nós, felizmente, já conseguimos retomar uma taxa de desemprego ao nível em que estávamos antes da crise.”

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos à taxa de desemprego (ajustada de sazonalidade) dizem respeito a novembro de 2021, mas são ainda provisórios: nesse mês, o indicador ter-se-á fixado em 6,3%, uma redução de uma décima face ao mês anterior. O INE ainda terá, no entanto, de confirmar este valor, o que deverá acontecer só no próximo mês. Se tivermos estes 6,3% em conta, a afirmação de António Costa é verdadeira, uma vez que no mês imediatamente anterior à chegada da pandemia (fevereiro de 2020) a taxa de desemprego estava em 6,6%, valor que desceu ligeiramente no primeiro mês da pandemia, março de 2020 (6,3%), muito por força do aumento da população inativa.

Se em vez do valor provisório de novembro de 2021, olharmos para o valor final de outubro, a afirmação do secretário-geral do PS também é verdadeira: nesse mês, a taxa de desemprego foi de 6,4%, ligeiramente acima de março de 2020, mas abaixo dos 6,6% de fevereiro de 2020.

É verdade que a taxa de desemprego já está aos níveis do pré-crise (fevereiro de 2020).  Em novembro do ano passado, estava em 6,3%, um valor que ainda é provisório, mas mesmo se tivermos em conta o mês de outubro (dados já finais) o valor (6,4%) também fica abaixo do pré-pandemia (6,6%).

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO


9 - António Costa falhou a promessa de garantir médicos de família?

A frase

“Na resposta do imediato, uma das falhas que há é a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, uma promessa não cumprida pelo governo do dr. António Costa.”
Rui Rio

É uma promessa feita no programa eleitoral do PSD para estas legislativas: garantir médico de família para todos os portugueses. E foi enquanto tentava explicar como cumprirá essa promessa — através de parcerias com privados — que Rui Rio acusou o PS de ter falhado uma promessa idêntica.

“Na resposta do imediato, uma das falhas que há é a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, uma promessa não cumprida pelo governo do dr. António Costa”, disse o líder do PSD.

Nas legislativas de 2015, o PS escrevia no seu programa eleitoral que iria “prosseguir o objetivo de garantir que todos os portugueses têm um médico de família atribuído”. No programa do Governo, a promessa volta a ser inscrita nos mesmos moldes. Desapareceu do programa do Governo seguinte de António Costa, em 2019.

Por outro lado, em 2016, numa intervenção em Coimbra, em 2016, num momento em que os socialistas estavam reunidos para lançar as bases de mais um ano de atividade política, António Costa voltou ao assunto: “Não estamos conformados e vamos continuar a trabalhar para, daqui a um ano [em setembro de 2017], podermos dizer que deixou de haver portugueses sem acesso a médico de família.”

Quanto aos valores, os dados do portal Transparência do SNS revelam que em junho de 2021 havia mais de um milhão de utentes sem médico de família: 1.057.839.

CERTO


10 - Ir de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa fica mais barato do que apanhar o mesmo voo a partir de Lisboa?

A frase

“Um voo da TAP que faz Madrid-São Francisco, e faz escala em Lisboa. Sabe quanto paga o espanhol? 190 euros de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa. O português, se apanhar o avião em Lisboa para ir para São Francisco, paga 697 euros”
Rui Rio

No dossiê da TAP, Rui Rio mostrou um papel onde, assegurou, estavam dois voos da companhia aérea com preços muito díspares: aquele que partia de Madrid para São Francisco (EUA) com escala em Lisboa ficava “a um espanhol” a 190 euros, enquanto o mesmo voo que partia de Lisboa ficava “ao português” a 697 euros. Ou seja, uma diferença de mais de 500 euros. “Mesmo o aeroporto de Lisboa [a TAP] serve de forma absolutamente indecente. (…) É companhia de bandeira, mas é companhia de bandeira espanhola ou de outro país qualquer. Quem paga somos nós. Isto é revoltante”, criticou. Será verdade que uma pessoa que apanhe um voo de Madrid para São Francisco com escala em Lisboa pode pagar muito menos do que uma pessoa que apanhe o mesmo voo em Lisboa?

Em primeiro lugar, Rio não disse quando fez a simulação nem em relação a que datas, portanto, não é possível averiguar a veracidade do exemplo concreto que deu. Mas o Observador fez duas simulações com datas escolhidas aleatoriamente.

Na primeira simulação, feita pelo Observador pelas 22h30 desta quinta-feira, um voo direto apenas de ida no dia 17 de janeiro (segunda-feira) de Lisboa (partida às 9h55) a São Francisco (chegada às 14h55, hora local) fica na tarifa económica a 598,43 euros, através do site da TAP.

Site da TAP

Quanto ficaria se o passageiro saísse de Madrid e fizesse escala em Lisboa apanhando o mesmo voo para São Francisco? Cerca de 142 euros mais barato (456,52 euros). A diferença não é tão grande quanto a do exemplo de Rio, mas partir de Madrid e fazer dois voos até São Francisco não deixa de ser mais barato do que partir de Lisboa e só fazer um.

Site da TAP

Se a simulação for feita através do site de busca de viagens usado por Rio — o Skyscanner — a diferença não é tão expressiva (122 euros), mas continua a fazer jus ao argumento do líder social-democrata.

Skyscanner

Skyscanner

Vejamos outra simulação, agora para um dia diferente da semana e com alguma distância temporal. Se a viagem for na quinta-feira, dia 10 de março, um passageiro que parta de Lisboa pagará à mesma 598,43 euros na tarifa económica.

Site da TAP

Mas se sair de Madrid, e fizer escala em Lisboa, pagará no mesmo dia 336,52 euros. Ou seja, uma diferença maior do que no exemplo anterior (cerca de 262 euros), mas não tão significativa quanto a de Rio.

Site da TAP

Também no site usado por Rio ficaria mais barato partir de Madrid (a diferença é de 233 euros).

Skyscanner

Skyscanner

Portanto, nas simulações feitas pelo Observador, é verdade que um passageiro que parta de Madrid com destino a São Francisco e faça escala em Lisboa paga, ao todo, menos do que um passageiro que saia da capital portuguesa com o mesmo destino final. Ainda assim, a diferença, nas simulações, não é tão expressiva quanto a apontada por Rio.

Ainda assim, os valores vão variando consoante as datas dos voos e o momento em que é feita a simulação. Na conclusão geral e, no sistema de classificação do Observador, esta afirmação é

CERTO


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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Um ex-ministro da Defesa salvo pela dúvida e o pacto entre arguidos que não convenceu. O que ainda não se sabia do acórdão de Tancos. Azeredo Lopes.

Tribunal considerou que encontros entre ministro e diretor da PJ não ficaram provados e Azeredo Lopes foi salvo pela dúvida. Também concluíram que os militares combinaram uma versão e que mentiram.

A verdade é só uma, mas num julgamento há sempre várias e por vezes a prova não é suficiente para decidir. É preciso convicção. E, por isso, o tribunal de Santarém, em caso de dúvida, decidiu absolver o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, dada a fragilidade das provas que o Ministério Público encontrou para dizer que este sabia que a Polícia Judiciária Militar (PJM) estava a investigar ilegalmente o assalto a Tancos. No entanto, não acreditou no grupo de militares da PJM e da GNR que, ao contrário do ministro, acabaram condenados — considerando mesmo que todos eles arquitetaram uma defesa em tribunal que não faz qualquer sentido.

No acórdão de mais de 800 páginas assinado a 7 de outubro, o coletivo de juízes presidido por Nelson Barra até deu razão à acusação quando diz que existiram vários encontros entre o então governante e o à data diretor da PJM, Luís Vieira, quando ainda não se sabia onde estava o armamento de guerra levado dos Paióis Nacionais de Tancos. E que Vieira chegou mesmo a mostrar o seu desagrado pelo facto de a investigação ter ido parar às mãos da PJ civil. Mas daqui, lê-se na decisão, não se pode concluir que o responsável pela pasta da Defesa soubesse mais do que sabia, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa com quem Vieira também falou numa visita a Tancos. E que lhe tivessem dito que estavam a fazer uma investigação ilegal.

“Não é suficiente para, por si só e na ausência de prova adicional, demonstrar com a necessária certeza e rigor exigidos pelo direito penal que o arguido Luís Vieira tenha transmitido ao arguido Azeredo Lopes que pretendia fazer ‘uma investigação paralela, à revelia da PJ e do Ministério Público’ e que pretendiam encetar negociações com um indivíduo ligado ao assalto para entrega do material militar e que como contrapartida este exigia não ser responsabilizado”, lê-se.

Os juízes lembram mesmo que alguns desses encontros descritos pelo Ministério Público foram apenas baseados na ativação de antenas dos telemóveis dos arguidos e que era preciso mais prova para mostrar que eles realmente estiveram juntos, uma vez que antena é ativada numa área muito extensa. Por isso, restou valorizar as declarações do próprios arguidos e do chefe de de gabinete do ministro, o general Martins Pereira, que terá testemunhado alguns desses encontros. Em caso de dúvida, porém, beneficia-se o arguido. E foi o que aconteceu, valendo a Azeredo Lopes uma absolvição pelos crimes de abuso de poder e de denegação de justiça e prevaricação de que vinha acusado.

“Eventuais dúvidas sobre o modo como os factos ora em apreço terão ocorrido, sempre terão de militar em benefício do arguido por força do princípio da presunção da inocência traduzido pelo brocardo in dubio pro reo, dando como não provados os referidos factos”, lê-se.

Mais, prossegue o tribunal, se Azeredo Lopes soubesse do plano criminoso dos arguidos da PJM e da GNR antes do “achamento”, não fazia sentido que Luís Vieira e o porta-voz da PJM, o major Brazão, fossem ter com ele ao seu gabinete a 20 de outubro de 2017 para lhe dar conta de que na base do “achamento” das armas não estava uma chamada anónima, como o comunicado público revelava, mas um informador. Uma informação que para Azeredo Lopes, segundo o próprio em julgamento, “lhe fazia mais sentido”, uma vez que “nos filmes policiais a que assiste os policias costumam proteger os informadores”.

O tribunal deu como provado porém, que através do seu chefe de gabinete, Martins Pereira, Azeredo Lopes fora de facto informado de que o diretor da PJM, Luís Vieira, tinha já sondado as equipas de Equipa de Inativação de Engenhos Explosivos do Exército para perceber se estavam prontas caso viessem a ser encontradas as armas, “o que o fez acalentar a esperança quanto à possibilidade da existência de avanços na investigação, no que respeita à recuperação das armas”, explicou o ex-governante em tribunal. Foi aliás esta a justificação que deu quando lhe perguntaram porque tinha mandado ao deputado Tiago Barbosa uma mensagem após o“achamento” revelando não estar surpreso com a recuperação das armas. “Eu sabia (…) Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje”, escreveu o então ministro.

O coletivo de juízes deixou mesmo um recado a Azeredo, lembrando que “por uma questão de cortesia institucional” devia ter informado a Procuradora Geral da Republica dessa informação. Uma falta de cortesia que, ainda assim, à luz da lei, não indicia que ele quisesse proteger os militares de um possível processo criminal ou disciplinar, lê-se no acórdão — e já o procurador de julgamento o tinha dito em alegações finais.

Igual entendimento para com a estrutura superior hierárquica da GNR, que autorizou três militares do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé a colaborar com a PJM, sob pretexto de estarem a investigar um outro processo no Porto. Ficou claro para os juízes que o tenente-coronel Luís Sequeira e os coronéis Taciano Correia e Amândio Marques pensavam que os seus homens estavam a investigar outro crime pelo que foram absolvidos.

Ministro não sabia e militares da PJM tentaram enganar o tribunal

O tribunal não encontrou prova suficiente para condenar Azeredo Lopes, mas o mesmo não aconteceu em relação aos militares da PJM e da GNR que negociaram com João Paulino a entrega das armas e que acabaram condenados por favorecimento pessoal praticado por funcionário a penas suspensas entre os dois anos e meios e os cinco anos.

Durante o julgamento, estes arguidos tentaram convencer o juiz de que João Paulino era para eles um informador e que desconheciam por completo que ele tinha participado no crime, como veio entretanto a PJ a descobrir. Mas essa versão não convenceu. E os juízes chegaram mesmo a valorizar o próprio depoimento de Paulino em detrimento do dos militares, que considerou terem feito um pacto e concertado testemunhos.

Para o tribunal, desde o momento em que os militares não registaram em lado algum os encontros que mantiveram com o arguido na zona de Tomar, “optaram, ao arrepio de quaisquer normas processuais penais, por simular que o aparecimento das armas tinha resultado da informação de uma denúncia anónima efetuada através de uma chamada telefónica realizada para o piquete da PJM”, ocultando a existência de um informador.

E foi esta a versão que os polícias mantiveram desde o dia do achamento das armas num descampado na Chamusca, a 18 de outubro de 2017, até às suas detenções, a 25 de setembro de 2018. Durante quase um ano, nenhum deles contou à PJ ou ao MP o que tinha acontecido de facto. “Tendo presente que todos os referidos arguidos são órgãos de polícia criminal, não consegue este tribunal coletivo encontrar qualquer explicação lógica processual no comportamento assumido pelos mesmos, se não que a versão dos factos apresentada pelo arguido João Paulino se apresenta como credível e a única que é consentânea com os comportamentos processualmente anómalos assumidos pelos referidos arguidos no processo”, lê-se no acórdão.

Os magistrados não percebem mesmo porque houve sequer a necessidade de criar um segredo tão grande em torno de uma personagem que era um informador, e que só por isso a sua identidade seria protegida como acontece noutros processos. “Porquê todo este secretismo por parte dos arguidos à volta da existência de um simples “informador”, não revelando a sua existência sequer aos procuradores titulares do inquérito se não existia acordo algum com o mesmo?”, interroga o próprio coletivo. Ainda assim, o tribunal não valorou todo o depoimento de Paulino, que declarou que lhe foi prometida imunidade e que não enfrentaria qualquer processo caso colaborasse, — informação dada como não provada pelos juízes.

O tribunal até admite que, numa primeira fase, os militares da GNR de Loulé, Lima Santos, Bruno Ataíde e José Gonçalves, — que acabaram condenados como a PJM, — não tivessem conhecimento da investigação que a PJM estava a fazer, mas considera muito difícil que não se tenham apercebido rapidamente depois dos encontros e contactos com Paulino. Aliás, houve mesmo uma testemunha em tribunal, comandante do Destacamento da GNR de Loulé, que assegurou que eles sabiam bem que andavam a investigar o desaparecimento das armas dos Paióis Nacionais de Tancos — uma investigação que tinha ficado com a PJ civil.

A concertação de defesas “forçada e artificial”

Os juízes também notaram que os arguidos da PJM tentaram atribuir culpas ao coronel Estalagem, então Diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM, para que fosse ele o responsável pela investigação ilegal. Uma versão que também não convenceu os juízes que referem, no acórdão final, que houve “uma notória tentativa de concertação de defesas entre os referidos arguidos (…) tentando de forma patente e ostensiva incriminar e passar responsabilidades criminais” ao coronel Manuel Estalagem, que eles acreditam ter sido o autor da queixa anónima que acabou por denunciar ao MP toda esta investigação paralela, levando à sua detenção. Aliás, alguns já o tinham tentado fazer na comissão de inquérito ao caso que decorreu no parlamento.

Com efeito, não faz qualquer sentido os arguidos da PJM procurarem escudar-se numa justificação de que receberam ordens desta testemunha para nada fazerem. Cumpre relembrar que a nossa Constituição prescreve que ‘cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime’, lê-se. “Parecendo-nos ostensivo de que se verificou uma tentativa de concertação de versões entre os arguidos para procurarem, a todo o custo, escamotear as suas próprias responsabilidades nos factos praticados”.

O tribunal dá mesmo um exemplo concreto deste “pacto” entre os arguidos para concertarem uma defesa lembrando que os militares da GNR Bruno Ataíde e Paulo Gonçalves fizeram questão de dizer em tribunal que nos contactos com João Paulino o arguido Pinto da Costa, da PJM do Porto, ia fazendo chamadas a Estalagem dando-lhe conta da situação. No entanto, o registo de faturação do telefone do responsável pela Investigação Criminal da PJM não tem qualquer chamada, nem mesmo o WhatsApp. Os juízes lembram também que, perante o juiz de instrução, Vasco Brazão teve um discurso diferente ao contar que o diretor da PJM, Luís Vieira, lhe tinha dado instruções para pouco dizer a Estalagem sobre o que andava a fazer. Tinha instruções para dar um conhecimento meramente “en passant” das diligências realizadas sem serem específicos, com o que estavam a fazer, recorda-se no acórdão.

“Não nos mereceram qualquer credibilidade as declarações prestadas a esse nível pelo arguido Vasco Brazão, nas quais este procurou rejeitar a versão dos factos que tinha transmitido no referido interrogatório, referindo que prestou tais declarações unicamente porque estava pressionado e cansado, explicação que não tem qualquer sentido ou lógica face às regras da experiência comum, para mais tratando-se de um militar experimentado e altamente treinado para reagir a situações de grande pressão”, lê-se.

Foi mesmo Luís Vieira quem conduziu toda esta investigação paralela, tendo mesmo havido um encontro com os militares na sua casa em Sesimbra. “Tudo isto, nos inculca assim a convicção segura e fundada de que foi o arguido Luís Vieira a dirigir as operações desta ‘investigação’ na PJM e que como o Coronel Manuel Estalagem funcionava como elemento de ligação à PJ, o mesmo, à semelhança do Capitão Bengalinha [também afastado da investigação], foi mantido totalmente afastado e à margem da investigação “paralela” da Polícia Judiciária e do Ministério Público, que os arguidos Vasco Brazão, Pinto da Costa, Lage de Carvalho faziam juntamente com os arguidos Bruno Ataíde, Lima Santos e José Gonçalves, sob a liderança do arguido Luís Vieira, por temerem que os mesmos denunciassem tais comportamentos à Polícia Judiciária.

Por que caiu a maior parte dos crimes?

Do 23 arguidos acusados pelo assalto e pele investigação ilegal, o tribunal condenou onze e deixou cair vários crimes, como o de associação criminosa,  tráfico de armas e, até, tráfico de droga. Do grupo de dez arguidos que o Ministério Público considerou ser liderado por João Paulino, ex-fuzileiro, acabaram condenados quatro, três deles por terrorismo e um apenas por tráfico de droga.

O tribunal admite não ter conseguido provar que todos eles formavam uma rede de tráfico de droga e que se juntaram para assaltar os Paióis Nacionais de Tancos, como referia a acusação. Assim,  João Paulino, que terá planeado o crime, foi condenado a uma pena única de oito anos de cadeia por terrorismo e tráfico, os mesmos crimes que levaram à condenação por cinco anos do seu amigo Hugo Santos. O terceiro a participar no assalto, João Pais, foi condenado a cinco anos apenas pelo crime de terrorismo. Já Jaime Oliveira, que tinha droga na sua posse quando foi detido, foi condenado a uma pena de multa por tráfico de droga.

No caso concreto não se provou que os arguidos tenham atuado em comunhão de vontades e conjugação de esforços, cumprindo um plano previamente traçado e conjuntamente executado, pelo que, os referidos arguidos apenas serão condenados como autores material dos crimes de tráfico em que vão condenados, em autoria singular”, lê-se no acórdão para justificar porque cai o crime de tráfico de droga para a maior parte deles.

Do que ficou provado, para o tribunal, também não foi suficiente para considerar o crime de associação criminosa porque, como explicam, apesar de terem sido cometidos crimes não existe neste grupo “a formação da vontade coletiva de onde se possa extrair a existência de uma ‘entidade autónoma’, que se diferencie das vontades e interesses particulares e lhes seja superior, com uma certa estabilidade e permanência”, como a lei prevê para que seja considerada uma associação criminosa. Ou seja, este arguidos não “estavam comprometidos com os interesses da vontade coletiva da associação que formaram, mais do que com os interesses individuais de cada um deles”. O mesmo raciocínio foi usado para livrar os militares da PJM e da GNR deste crime.

O crime de tráfico de armas também acabou por cair porque o material foi devolvido. Tanto Paulino como os polícias que com ele negociaram a entrega atuaram com o objetivo de devolver o material. Embora o coletivo de juízes sublinhe que João Paulino não devolveu de imediato todo o material furtado e só o fez já depois de começar o julgamento. Nessa altura tinha em seu poder, numa propriedade da avó perto de Ansião:  1450 munições de 9mm e, ainda, com 1 disparador de descompressão, 2 granadas de gás lacrimogéneo, 1 granada ofensiva, 2 granadas ofensivas de corte para instrução, 20 cargas linear de corte CCD20, 10 cargas linear de corte CCD30 .

A cessação da conduta que o arguido João Paulino vinha encetando, não precedeu de determinação voluntária do mesmo arguido, mas de conjunturas externas que o levaram a assim atuar, visando desta forma apenas eximir-se à responsabilidade penal da sua conduta”, lembraram os juízes que consideram que o arguido pensou que assim podia ter uma atenuação da pena. Pesou, porém na decisão, a sua colaboração “reticente e insípida”, que conforme consideraram os magistrados não facultou “provas ou informações, tão pouco decisivas, que conduzissem à identificação e captura das pessoas”. O que foi determinante também para livrar os seus amigos da prisão.

Quanto ao crime de denegação da justiça e prevaricação, de que vinham acusados o então ministro da Defesa, os seis militares da PJM, entre eles o seu diretor, e os seis militares da GNR a decisão também foi diferente.

Em relação a Azeredo Lopes, também acusado de abuso de poder, a lei prevê que os titulares de cargo políticos tomem medidas caso ser apercebam de alguma irregularidade. Só que, além de o tribunal considerar que ele não sabia de facto o que se estava a passar, não podia fazê-lo, porque o ministro da Defesa não tem competência disciplinar sobre os militares da PJM, como aliás Azeredo Lopes sempre referiu em sua defesa, mesmo no parlamento.

Também os oficiais superiores da GNR que autorizaram que os militares da GNR de Loulé trabalhassem com a PJM, assim como Nuno Reboleira, do Laboratório de Polícia Científica da PJM, e José Costa (que fez a chamada anónima) não sabiam da investigação que corria à revelia da PJ civil logo, argumenta o tribunal, foram também absolvidos deste crime.

Já os militares que participaram nesta investigação ilegal, entre eles o diretor da PJM, o seu porta-voz Vasco Brazão, o amigo deste, o major Pinto da Costa e o seu investigador Lage de Carvalho, assim como o sargento da GNR de Loulé, Lima Santos, e os seus dois militares Bruno Ataíde e José Gonçalves, foram absolvidos deste crime porque foram condenados pelo crime de favorecimento pessoal por funcionário — o que para o tribunal é um crime que concorre com o de denegação de justiça pela sua semelhança. Logo, a punição de um, esgota o outro.

Ministério Público e arguidos ainda podem recorrer desta decisão.

Sónia Simões

Observador

MENINOS/AS’ COM MENOS DE 18 ANOS

EIS O PERIGO DA COVID PARA OS ‘MENINOS/AS’ COM MENOS DE 18 ANOS

Dos jornais:

A ministra da Saúde revelou esta terça-feira dia 11.01.2022 que, do universo de 1 564 internados com Covid-19 em Portugal, "44 são ‘meninos/as’ com menos de 18 anos", representando cerca de 2,8% dos internamentos em enfermaria.

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Segundo a ministra da saúde, (há em Portugal 1.800.000 ‘meninos/as’ com menos de 18 anos) 44 estão internados em enfermaria…(e terão certamente ‘alta’ dentro de dias…digo eu).

São 0,002% !

São dois milésimos de um por cento!

É um/a ‘menino/a’ por cada 50.000!

E perante este enorme PERIGO desenvolve-se uma operação – mais uma – do MARKETING DO MEDO para tentar que ‘os meninos/as com menos de 18 anos’ sejam injectados com uma droga experimental de consequências desconhecidas a médio e longo prazo!

MAS TÁ-TUDO-TONTO!?!

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Qhapaq Ñan - O Caminho dos Incas.

Qhapaq Ñan

Patrimonio de la Humanidad Unesco 2014

Argentina, Chile, Perú, Bolivia, Ecuador, Colombia


El Camino del Inca, de una extensión de alrededor de 30 mil kilómetros de largo y que atraviesa seis países sudamericanos, ingresó en la lista de Patrimonio Mundial de la Humanidad de la Organización de Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (Unesco), durante la 38 conferencia del organismo, celebrada en Doha, Qatar, el 25 de Junio de 2014.

El Qhapaq Ñan (camino principal en quechua) es el sistema vial más antiguo de América y se extiende por una de las zonas geográficas del mundo con mayores contrastes, entre los Andes, la selva tropical y las costas del Pacífico, atravesando los territorios de Argentina a Chile, Bolivia, Perú, Ecuador y Colombia.

El Qhapaq Ñan fue la columna vertebral del poder político y económico del imperio incaico y una demostración única de tecnología e ingeniería. La vía contempla caminos de herradura, puentes, escaleras, zanjas y muros que cubren una extensa área geográfica, desde el sur de Argentina hasta el suroeste de Colombia, a lo largo de 693 kilómetros. La directora de la Unesco, Irina Bokova, manifestó que su valor no se limita únicamente al sistema vial, sino “a toda la tradición, la historia, las identidades de los pueblos, las diferentes comunidades”.

El Qhapaq Ñan también es conocido como El Camino Principal Andino. La red de caminos conectaba varios centros de producción, administrativos y ceremoniales, construidos en más de 2000 años de cultura andina pre-inca.

El eje principal del camino, también conocido como el Camino Real, en la calzada que corre a lo largo de las cumbres andinas es el más visible entre Quito y Mendoza. Se suman a esta columna vertebral sobre las cimas más altas de la cordillera, otras rutas que corren de norte a sur a lo largo de la costa del Pacífico. El Imperio Inca organizó su red caminera en una escala continental; sus caminos son una expresión invaluable del espíritu de organización y planificación, de la mano de obra disponible y constituyó un instrumento clave en la unificación del imperio, física y organizacionalmente.

Los caminos que integraban todo el imperio a lo largo y a lo ancho, comprendían cuatro rutas principales:
Cusco a Quito (Ecuador), con un ramal hasta Pasto (Colombia).
Cusco a Nazca (en el centro de Perú) y a Tumbes (en la frontera Perú-Ecuador).
Cusco a Chuquiago (La Paz, Bolivia).
Cusco a Arica y Atacama (Chile), con ramales hasta el río Maule (Chile) y a Tucumán (Argentina).

En Bolivia, la extensión del Qhapaq Ñan reconocida por la Unesco abarca una extensión de 85.67 kilómetros, los cuales comprenden el tramo Desaguadero-Viacha, el camino Real Urco, que circunda la orilla sur del lago Titicaca, llega a Puno, Desaguadero, incluye Guaqui, siguiendo en un ramal central por Tiwanaku, Callamarca, Viacha para continuar hacia Calamarca, Sica Sica, Ayo Ayo, Caracollo y Paria.

La red vial para el país tiene caminos “vivos” y arqueológicos, algunos sectores abandonados por más de 500 años, y otros de actual uso por las siete comunidades asociadas al Camino del Inca.

El Qhapaq Ñan atraviesa ocho regiones en el Perú

El Camino Inca conectó todo el imperio, cuyo centro era la ciudad del Cusco. El tramo más conocido y recorrido en el Perú es el que llega a Machu Picchu. Este camino permitió a los incas serpentear la geografía andina, los desiertos y la selva. La red de vías que componen el Qhapaq Ñan abarca más de 23 mil km en Perú, pero en la postulación ante la Unesco solo se nominaron más de 200 km.

El Camino Inca también llega hacia el complejo arqueológico de Choquequirao. Partiendo desde el distrito de Santa Teresa, la ruta se hace en dos días de intensa caminata. Un tramo del Camino Inca une Lima y Junín, recorriendo una extensión de 223 kilómetros y se inicia en lo que fue uno de los principales centros administrativos inca de Hatun Xauxa en la sierra central y asciende hasta los 4800 m.s.n.m. cercano al nevado Pariacaca, apu tutelar de la zona.

La parte del Camino Inca que llega a Lima finaliza en el santuario de Pachacámac, considerado como uno de los más importantes del Chinchaysuyo, por lo cual era motivo de constante peregrinación.

Uno de los ocho tramos del Qhapaq Ñan cruza Piura y llega hasta Aypate, el centro administrativo-ceremonial más importante construido durante el tiempo de los incas.

En el Camino del Inca Clásico se encuentra el sitio arqueológico de Llactapata, un lugar usado primordialmente para la producción de cultivos. Llactapata está muy bien conservado y se localiza a 2.840 metros sobre el nivel del mar. Su nombre quiere decir "pueblo alto" en quechua. Estas ruinas no deben ser confundidas con las del mismo nombre localizadas hacia el oeste de Machu Picchu, que funcionaban como un centro sagrado.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Eu amo a portugalidade


Fernando d’Oliveira Neves - Embaixador jubilado.


É claro que o Império Português foi colonialista e racista. Mas todas as

sociedades, por mais opressoras que sejam, têm vida para além dessas

dimensões. É da tradição diplomática, ou melhor, era, que, quando um

embaixador acreditado num posto terminava a sua missão, o ministro do

país anfitrião lhe oferecia um almoço de despedida. Tal era possível quando,

em cada capital, havia uma dúzia de embaixadores. Hoje, numa capital como

Lisboa esse número ronda a centena. É impossível que todos os almoços

sejam oferecidos pelo ministro. Na sua indisponibilidade, é substituído por

um dos secretários de Estado ou pelo secretário-geral do ministério.

Era eu secretário de Estado dos Assuntos Europeus, quando me pediram

para oferecer o almoço de despedida ao embaixador de Cabo Verde,

Onésimo da Silveira. Nunca o tinha visto e confesso que só li o respectivo

currículo pouco antes de me dirigir para a casa de jantar do Palácio das

Necessidades. No fim do almoço, faço um brinde, com as banalidades usuais,

apenas reforçadas pela forte singularidade das relações entre os dois países

e o facto de saber que o meu convidado era poeta. Quando acabo, o

embaixador Onésimo da Silveira levanta-se, com um pequeno caderno na

mão e, antes de começar a ler, diz “Eu amo a portugalidade”. Fiquei

encandeado perante a surpresa e a profunda sabedoria desta frase

maravilhosa. Tive vontade de pintar a cara de preto, face à banalidade do

que dissera. A conjugação do conceito de portugalidade com o verbo amar

enfeitiçou-me e fiquei, encantado, a ouvir a magia do discurso que o

embaixador continuou a ler, levando-nos pelos meandros mágicos da

experiência dessa portugalidade, tão bem cognominada.

Este episódio ficou-me atravessado. Tentei, reconheço que sem a

persistência necessária, obter o texto, sem nunca o conseguir. Agora, que

tantos dislates se ouvem sobre a expansão portuguesa, esse valor que mais

alto se alevantou e calou as musas, tenho-me lembrado dele.

É claro que o Império Português foi colonialista e racista e mais outras

práticas condenáveis de todas as sociedades humanas. Dessa ignomínia não

restam dúvidas. Apesar de tudo, parece avisado olhar para cada época em

função dos valores então prevalecentes. Vivi o bastante para ver valores

considerados vitais desaparecerem e, felizmente, ver surgir novos que

nunca me tinham passado pela cabeça. Mas todas as sociedades, por mais

opressoras que sejam, têm vida para além dessas dimensões. A expansão

portuguesa foi muito mais que isso. Foi uma das epopeias que mais

mudaram a História, dando aos homens uma nova e real dimensão do

mundo em que viviam.

Até pelo limitado número de portugueses que a fizeram, provocou uma

convivência sem precedentes de pessoas de todas as partes do mundo, que,

no quotidiano, se misturaram, fizeram amizades, riram em conjunto,

beberam e comeram ao pôr do sol dos cantos do mundo por onde andámos

e onde muitos ficaram, trocaram experiências e constataram a relatividade

das suas virtudes, crenças, medos e ambições.

Não é fácil definir a portugalidade. Talvez o resultado positivo desse

intercâmbio seja a criação e perpetuação de laços afectivos e familiares

entre gentes das mais diversas partes do mundo. As amas índias da Casa

Grande poderão ser exemplo. Ou talvez não passe de uma amarga saudade

doce, de uma utopia que, por vezes e por instantes, se transforma em

realidade. Talvez seja mais simples dar exemplos concretos.

Portugalidade é estar na antecâmara do chefe do Governo de Malaca, a

conversar com um chinês, e de repente este dizer: “Mas o Senhor é

português? Eu também. Sou da freguesia de S. Pedro, em Singapura, e nos

dias 13 de cada mês fazemos a procissão de Nossa Senhora de Fátima”.

Portugalidade é chegar a Jacarta, ao fim de 25 anos de hostilidade em

torno de Timor, ser levado a jantar no centro histórico da cidade pelo

embaixador do Brasil, amante da presença portuguesa na Indonésia, e ouvi-

lo dizer que o canhão que está no meio da praça é um canhão português,

onde as noivas se vão fotografar no dia do casamento, porque é um símbolo

da fertilidade.

Portugalidade é ser-nos dito, no Barém [Bahrein] e no Kuwait, que os

únicos edifícios de pedra que ali existem anteriores ao século XX são os

fortes portugueses que lá resistem.

Portugalidade é ouvir Samora Machel a olhar para o Índico e dizer do seu

orgulho, quando se lembra que Vasco da Gama ali passou e, logo a seguir,

afirmar, num tom meio agastado: “Nós é que descobrimos o Brasil e agora

têm um Presidente que se chama Geisel!”.

Portugalidade é ouvir um goês a manifestar o orgulho num seu remoto

antepassado agraciado com a Cruz de Cristo pela Rainha D. Maria II e outro

a lembrar que o trisavô fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Portugalidade é ir jantar ao International Hotel do Barém, onde decorria

a semana gastronómica do Texas, e chegar à mesa um empregado indiano,

vestido à cowboy, que nos diz, em bom português, “boa noite” e tem na

farda um dístico onde se lê o seu nome: Bragança.

Portugalidade é verificar que os católicos de diversos países da Indochina

falam um português arcaico a que chamam christian, que é para eles

sinónimo de português, e por isso se dizem portugueses.

Portugalidade é ir ao Portuguese Setllement de Malaca, encontrar uma

mistura inédita de raças, malaios, chineses, indianos, e ouvi-los a cantar e

dançar o Tia Anica de Loulé, em trajes minhotos, e a falar um português

compreensível.

Portugalidade é um liurai timorense desenterrar e entregar-nos uma

bandeira portuguesa e dizer que o pai dele a tinha enterrado quando Timor

foi invadido pela Indonésia, e lhe disse para a dar aos portugueses quando

(não se) eles voltassem.

Portugalidade é ir ao CCB assistir a uma sessão das comemorações dos

500 anos da Descoberta do Brasil e ouvir o embaixador brasileiro, Sinésio

Sampaio Goes, ele também, como historiador, cultor da portugalidade, a

apresentar o chefe da maior tribo de índios do Brasil, os índios tupis, se a

memória não me falha. Vemos entrar um senhor com um aberto ar jovial,

envergando um casaco de tweed e um maravilhoso cocado que lhe caía

pelas costas até aos calcanhares, e ouvi-lo dizer, com ostensivo júbilo e

orgulho: “O meu nome é António Cardoso e o meu avô era de Trás-os-

Montes”.

Acabou o Império colonial português e a opressão de uma nação sobre

as outras. Fica na História um admirável património universal, físico e

afectivo. Este último, símbolo notável de humanismo, será a portugalidade.

Que Onésimo da Silveira me ensinou a amar.

publicado no jornal Público

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Como vai funcionar a conta-corrente entre Contribuintes e Autoridade Tributária?

A partir de 1 de Julho de 2022 vai ser possível utilizar créditos sobre o Estado para fazer face a dívidas que os contribuintes tenham junto do Estado para saldar as contas. Surgira à conta-corrente entre contribuintes e Autoridade Tributária.


Em que consistirá a conta-corrente entre Contribuintes e Autoridade Tributária?

Na prática, a conta-corrente será gerida electronicamente e a relação terá iniciativa do lado do contribuinte.

Imagine que tem uma dívida ao fisco mas tem também um reembolso a haver. A ideia é o contribuinte informar a Autoridade Tributária (AT) através do Portal das Finanças que pretende usar o crédito fiscal (por exemplo o reembolso do IRS) para pagar total ou parcialmente uma dúvida fiscal (por exemplo associada ao IMI).

Assim, a partir do momento da liquidação de um tributo e até à extinção do processo de execução fiscal, o contribuinte poderá comunicar através do Portal das Finanças em requerimento dirigido ao ao dirigente máximo da AT, o pagamento das suas obrigações tributárias por compensação, indicando os créditos e as dívidas objecto de compensação.

Note-se que, a partir do envio de requerimento, qualquer prazo que possa estar a correr relativo a juros de mora é suspenso até à decisão da AT.

A AT terá 10 dias para se pronunciar admitindo-se a aprovação tácita caso, ao fim dos 10 dias, não haja resposta.

A AT poderá ainda recorrer judicialmente durante um ano se encontrar motivos para tal, nomeadamente, visando a declaração da ineficácia, total ou parcial, da compensação, por não estarem verificados os respectivos pressupostos invocado no requerimento do contribuinte.

Confirmado o pagamento com os créditos, a dívida extingue-se. Se os créditos não foram suficientes para pagar a totalidade da dívida, a AT apura qual o remanescente em dívida. Se os créditos excederem a dívida, a AT apura qual o crédito remanescente a favor do contribuinte que se mantém na conta-corrente.


Quais os impostos envolvidos na conta-corrente?

Segundo a Lei n.º 3/2022 que define a Conta-corrente entre os contribuintes e o Estado são 10 os impostos elegíveis para esta conta corrente (IRS,IRC, IVA, IUC, ISV, IMI e adicional de IMI, IMT, impostos especiais sobre o consumo e imposto de selo).

A referida lei estabelece:

“(…) o regime de extinção de prestações tributárias por compensação com créditos de natureza tributária, por iniciativa do contribuinte, incluindo as retenções na fonte, tributações autónomas e respectivos reembolsos, relativas aos seguintes impostos:

a) Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;

b) Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;

c) Imposto sobre o valor acrescentado;

d) Impostos especiais de consumo;

e) Imposto municipal sobre imóveis;

f) Adicional ao imposto municipal sobre imóveis;

g) Imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;

h) Imposto do selo;

i) Imposto único de circulação; e

j) Imposto sobre veículos. (…)”

in Lei Nº3/2022


Conta Corrente entre Estado e Contribuintes.

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A cultura da dieta não é saudável. Também é imoral.

Por Kate Manne

Dr. Manne é professor associado de filosofia na Cornell University.

No outono passado, minha filha, de 20 meses, ficou fascinada com o umbigo. A cada chance que tinha, ela começava a levantar a camiseta para mostrar isso com alegria. A inferência de que mamãe e papai também tinham umbigos não ficou muito atrás, nem tampouco outros esforços de exploração. Mas quando ela levantou minha camisa, eu pude sentir meu estômago encolher. Senti vergonha - e vergonha da minha vergonha. E foi aí que me dei conta: tenho que ordenar minha cabeça, em relação ao meu corpo, pelo bem da minha filha.

Meu relacionamento com meu corpo é, para dizer o mínimo, tenso. Nem sempre, mas geralmente, estive gorda. Sempre odiei esse fato, embora tenha tentado não o fazer. Eu tenho tido um peso considerado normal, pelos padrões das diretrizes draconianas de índice de massa corporal, apenas quando estou passando fome ou comendo uma dieta altamente restritiva e muitas vezes totalmente estranha. No ano passado, perdi quase 22 quilos, movida por um vago senso de obrigação de me encolher de volta ao tamanho normal. Como de costume, o peso saiu apenas com esforços tão extremos que hesito em admitir para eles: Ao longo de um mês no inverno passado, não comi por 17 dos 30 dias.

E eu sou alguém que sabe melhor. Eu reconheço todos os motivos pelos quais não deveria fazer isso. Reconheço que a relação entre gordura e saúde está longe de ser simples - que muitas pessoas gordas são saudáveis ​​e muitas pessoas magras não, que a correlação entre ser gorda e ter certas doenças é complexa e geralmente mediada por outros fatores de risco, incluindo pobreza e o estigma social que impede as pessoas gordas de receberem os cuidados de saúde que merecem .

Há muito admiro o trabalho de ativistas gordos - Marilyn Wann, Sonya Renee Taylor e Aubrey Gordon entre eles - e reconheço que corpos gordos podem ser não apenas saudáveis, mas também atléticos, bonitos, sexy. Acredito nos conceitos de alimentação intuitiva e saúde em todos os tamanhos - pelo menos, para outras pessoas. Eu reconheço que a grande maioria das dietas não consegue tornar as pessoas mais magras ou saudáveis ​​a longo prazo. Eu reconheço que mesmo se você for uma pessoa gorda que seria mais saudável se você perder peso, você não deve isso a ninguém; você não deve a ninguém ser saudável em geral. E eu sei o quanto minha fatfobia internalizada deve às forças patriarcais opressoras - as forças que dizem às meninas e mulheres em particular para serem pequenas, mansas, leves, magras e quietas.

Eu reconheço tudo isso no abstrato. Na prática, entretanto, eu luto.

Ultimamente, tenho me perguntado o quanto minha fatfobia autodirigida deve à minha carreira de filósofo acadêmico. Mais de um autor observou que há uma escassez de corpos femininos gordos na academia em geral e na filosofia especificamente . A filosofia, com sua ênfase característica na razão, muitas vezes concebe implicitamente a racionalidade como a jurisdição dos homens brancos magros, ricos, que dominam minha disciplina.

Elogiamos os argumentos por ser musculoso e compacto e criticamos a prosa por ser flácida, florida e, implicitamente, feminina. Quando se trata de nossa metafísica - nossas imagens do mundo - temos orgulho de nosso gosto pela austeridade, ou como WVO Quine colocou, “paisagens desérticas”. E o que é o corpo gordo no imaginário popular senão excesso, extravagância, redundância?

Eu luto como filósofa para reconciliar minha imagem de meu corpo com a sua tarefa no mundo de ser o emissário de minha mente. Eu penso nisso, ironicamente, como meu problema corpomente. Muitas vezes, não consigo suportar a ideia de enviar meu “animal macio” de um corpo, nas palavras da poetisa Mary Oliver, para lutar por visões feministas que são nervosas e polêmicas e para representar uma disciplina que se orgulha de nitidez, clareza e precisão. Sinto-me traído por minhas fronteiras suaves.

Este falso binário existe parcialmente em minha própria cabeça, sim, mas também em outras pessoas: recentemente fui informada de uma legenda num retrato de David Hume, o filósofo do século 18, em um livro introdutório à filosofia : “A leveza e a rapidez de sua mente estava inteiramente oculta por sua aparência grosseira. ” Assim, outros filósofos gordos foram avisados ​​de que nossos corpos podem, da mesma forma, mascarar nossos intelectos.

O psicólogo cognitivo Steven Pinker não é um filósofo, mas seu último livro, “Racionalidade”, demonstra com folga a visão de mundo que iguala a magreza à razão. Depois de lamentar o fato de que a racionalidade não é mais considerada "phat" (como em "legal"), ele repreende o idiota irracional que prefere o "pequeno prazer" de comer lasanha agora ao invés do suposto "grande prazer de um corpo esguio" na perpetuidade. Eles “sucumbem” ao “desconto míope” de recompensas futuras - um termo (apta) para pensamento de curto prazo, ilustrado com um exemplo fatfóbico.

Esses exemplos proliferam também na filosofia: o exemplo padrão do fenômeno muito estudado da acrasia, a fraqueza da vontade, é sucumbir a um biscoito. O apetite humano natural por alimentos ricos e açucarados é, portanto, ridicularizado não apenas como contrário à razão, mas também como algo a ser domesticado, evitado e até mesmo envergonhado. A privação constante e, às vezes, a fome absoluta de alguém que segue uma dieta rigorosa é vista como algo inequivocamente bom e como uma conquista, até mesmo uma virtude.

É mesmo? Como alguém que recentemente fez dieta com algum sucesso ("sucesso"), é óbvio para mim que dei um mau exemplo para minha filha de agora 2 anos - um exemplo que só se tornará mais problemático com o tempo, à medida que ela se torna cada vez mais ciente do que estou ou não estou comendo. Eu contribuí um pouco para uma sociedade que enaltece certos corpos e deprecia outros por razões mais ou menos arbitrárias e que levam a muita crueldade e sofrimento. (A base mais comum para o bullying infantil é o peso de uma criança .) Neguei a mim mesma o prazer e causei a mim mesma a dor torturante e a ansiedade que exauria a fome.

Essas são coisas que geralmente consideramos males éticos diretos. Quase todas as versões da família de teorias morais conhecidas como consequencialismo sustentam que o prazer é moralmente bom e que a dor e o sofrimento são moralmente ruins. Mesmo que isso não seja toda a verdade da ética, é plausivelmente parte da verdade.

E tem a implicação superficialmente surpreendente de que fazer dieta inflige custos morais reais, danos morais reais, aqueles que em grande parte impomos a nós mesmos (embora sob a influência de poderosas forças sociais). Se as chances de perda de peso a longo prazo (e os supostos benefícios e prazeres que isso significa) são muito pequenas, por que continuamos fazendo isso? Suspeito que a resposta não seja apenas o hábito e um falso senso de obrigação, mas também a isca da aspiração: a sensação perpétua de quem está fazendo dieta de chegar a algum lugar, ficar menor e, assim, se tornar mais aceitável, mais razoável , como um corpo.

Mas, embora a filosofia em sua forma atual possa fetichizar a magreza, ela também tem em si o poder de desafiar essas idéias e até mesmo de reconfigurar inteiramente nossa relação moral com elas.

Estamos num momento durante o ano em que muitas pessoas tentarão, e até se considerarão obrigadas a fazer uma dieta. Mas se fazer dieta é uma prática que causa muitos danos - na forma de dor, sofrimento, ansiedade e fome absoluta - e raramente funciona para proporcionar a saúde ou felicidade que há muito anunciada, então é uma prática moralmente ruim. É plausivelmente não apenas permissível, mas obrigatório para os indivíduos se despojarem dele, condená-lo e não ensiná-lo aos nossos filhos, seja explicitamente ou por exemplo.

Em vez disso, podemos nos esforçar para cumprir “ deveres libertadores ” novos e melhores , para usar uma noção de Joseph Raz. Nesse caso, o dever - para nós que temos a sorte de ter os recursos - é simplesmente, ou não tão simplesmente, comer quando estamos com fome.

Kate Manne é autora de dois livros, incluindo, mais recentemente, “Intitled: How Male Privilege Hurts Women.”

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domingo, 2 de janeiro de 2022

O Homem e A Mulher.

O homem é a mais elevada das criaturas;

A mulher é o mais sublime dos ideais.

O homem é o cérebro;

A mulher é o coração.

O cérebro fabrica a luz;

O coração, o AMOR.

A luz fecunda, o amor ressuscita.

O homem é forte pela razão;

A mulher é invencível pelas lágrimas.

A razão convence, as lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos;

A mulher, de todos os martírios.

O heroísmo enobrece, o martírio sublima.

O homem é um código;

A mulher é um evangelho.

O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.

O homem é um templo; a mulher é o sacrário.

Ante o templo nos descobrimos;

Ante o sacrário nos ajoelhamos.

O homem pensa; a mulher sonha.

Pensar é ter , no crânio, uma larva;

Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.

O homem é um oceano; a mulher é um lago.

O oceano tem a pérola que adorna;

O lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa;

A mulher é o rouxinol que canta.

Voar é dominar o espaço;

Cantar é conquistar a alma.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;

A mulher, onde começa o céu.

Victor Hugo Citado em "Autoconhecimento: caminhos para a excelência pessoal" - Página 30, Ernani José Mottin - Editora AGE Ltda, 1998, ISBN 8585627425, 9788585627423.