sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Ensaios sobre a lucidez.

MIGUEL SOUSA TAVARES

Comecemos pelas casas de banho e balneários nas escolas públicas, um tema pertinente e candente que interessa aos alunos que se declaram de sexo indeterminado ou contrário àquele que aparentam ter (peço desculpa por eventual imprecisão, mas isto é de compreensão difícil para leigos). Houve um primeiro despacho do Governo a regulamentar o assunto, em 2019, mas o Tribunal Constitucional declarou-o inconstitucional por ser matéria reservada da AR, sendo então retomado por projectos de lei do PS e do BE. E esses projectos foram agora a parecer do Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, cujos conselheiros se dividiram: alguns propõem que às casas de banho e balneários já existentes, para rapazes e raparigas, se acrescentem novas construções para sexos indeterminados; outros, mais simplesmente, propõem que as casas de banho já existentes passem a ser “neutras”, servindo todos os sexos — existentes, declarados e a existir ou a declarar no futuro. Sobre isto e as soluções propostas tenho várias dúvidas substanciais e uma terminal.

São dúvidas substanciais as seguintes:

— uma casa de banho é um lugar onde se satisfazem necessidades fisio­lógicas ou é um lugar onde se afirma a identidade sexual perante o mundo?

— se, como pretende o segundo grupo de conselheiros, todas as casas de banho e balneários devem passar a ser de regime livre, como se assegura o apregoado direito à intimidade, por exemplo, de raparigas assumidas como tal que vêem entrar nas suas instalações um rapaz que ali vai satisfazer as suas necessidades a pretexto de que se sente rapariga? E quem garante que está a ser genuíno?

— mas se, pelo contrário, se optar pela solução alternativa de cons­truir um terceiro género de instalações para o terceiro género de orientações se­xuais, calcularam os conselheiros defensores desta solução quanto custaria ao país — em grosso e por aluno interessado — proceder a esse acrescento nos milhares de escolas públicas?

— e, já agora e por força do princípio da igualdade, por que razão se há-de limitar este revolucionário direito a jovens quase todos menores de idade? Não deveria ele ser estendido a todos os portugueses e, por maioria de razão, a adultos com a sexualidade mais bem definida, em todos os edifícios públicos e privados do país?

Quanto à dúvida terminal, é muito simples:

— este importantíssimo passo, a que poderemos com justiça chamar a “Revolução das Casas de Banho”, é mesmo essencial para melhorar a qualidade da democracia e da vida em sociedade? Não seria mais digno darmos casas de banho decentes aos trabalhadores imigrantes da agricultura alentejana?

2 A mando do Chega, prepara-se uma revisão constitucional que temo seja pretexto para infestar a Constituição com mais um elenco de direitos e garantias que mais parecem saídos de um programa de Governo ou de uma aula de catequese do que de um texto fundamental. Quando foi feita, em 1976, os constituintes gabaram-se de ter parido a segunda maior Constituição do mundo, só atrás da da então Jugoslávia, ignorando que a História tinha já ensinado que quanto mais pequena é uma Constituição mais fiável, duradoura e respeitada se torna. Agora, entre outros acrescentos e “aperfeiçoa­mentos” ditados pelas modas do tempo, pretende-se criminalizar constitucionalmente os maus-tratos e abandono de animais. Mas uma Constituição não é um Código Penal, e mesmo um Código Penal não consegue reprimir aquilo que tem que ver com má-educação, maus instintos e má natureza. E, como disse alguém cujo nome infelizmente não retive, como se pode pretender criminalizar o abandono de animais e não o fazer para aqueles que abandonam seres humanos, os seus pais ou avós, em hospitais, lares ou sozinhos em casa? Se eu pudesse, acrescentaria apenas um artigo novo à Constituição: “São proibidas todas as formas de demagogia.”

3 A poucos dias de mais uma tentativa de votar uma lei da eutanásia que há nove anos se arrasta num exaustivo processo legislativo no Parlamento (e tudo menos precipitado, como disse Cavaco Silva), Luís Montenegro veio, a destempo, propor um referendo. É lícito que ele tenha — como eu tenho e tantos têm — dúvidas, porventura insolúveis, sobre a eutanásia. Mas para aqueles que ainda mais licitamente a reclamam para si mesmos não vejo que “outras alternativas” de que ele fala pudessem ser consideradas através de um referendo ou de mais um adiamento.

4 Para um jornal como o “Público”, que, desde o início da guerra na Ucrânia, subscreveu abertamente as posições e a informação da NATO e do Ocidente no conflito, é de saudar a entrevista feita ao historiador russo Yuri Slezkine. Embora Slezkine seja um historiador da nova geração, crítico de Putin e do regime e de há muito a viver nos Estados Unidos, como professor em Berkeley, o seu olhar sobre o conflito não deixa de reflectir uma outra visão das coisas — que a informação dos media ocidentais tem sido comodamente avessa a escutar. Sobretudo quando ele procura na História parte das razões do conflito — mais uma aversão dos comentadores pró-NATO, que acham que a História começou a 24 de Fevereiro: “Como historiador, não consigo imaginar nenhum governante russo, nenhum czar, nenhum secretário-geral do partido comunista a dizer que se a Ucrânia se quer juntar a uma aliança militar hostil está no seu direito... Se a NATO está a aproximar-se e a tornar-se mais hostil, o que faria se estivesse no Kremlin?” Slezkine recorda, aliás, como a Rússia pós-soviética tentou várias vezes aproximar-se do Ocidente — inclusivamente, pedindo a adesão à NATO — e foi sempre repudiada.

Agora, que o Parlamento Europeu declarou a Rússia como um “Estado patrocinador do terrorismo” — uma figura inexistente no direito público internacional — e se fala na criação de um tribunal ad hoc para julgar retroactivamente os crimes de guerra russos na Ucrânia, as subsequentes declarações de Ursula von der Leyen parecem trazer alguma luz ao objectivo pretendido: condenar a Rússia ao pagamento de uma indemnização de guerra, destinada a financiar a reconstrução da Ucrânia e o custo de todo o armamento que lhe foi sendo fornecido para manter a guerra. Custo estimado: 300 mil milhões de euros — equivalente ao montante das reservas russas, públicas e privadas, congeladas em bancos ocidentais. A arquitectura jurídica que teria de ser montada para pôr de pé esta operação não tem precedente algum no direito internacional, nem sequer nos Acordos de Versalhes ou de Nuremberga, subverteria de futuro todo o comércio mundial e as próprias relações entre Estados e, obviamente, equivaleria a uma declaração de guerra formal à Rússia, com consequências permanentes para a paz no mundo e, em especial, na Europa.

É suicidário que seja a própria Europa a escolher este caminho e a recusar qualquer via negocial para o fim da guerra. E é incompreen­sível que o faça no momento em que os Estados Unidos dão sinais crescentes de estarem fartos desta guerra e cada vez mais virados para o Oriente, ao mesmo tempo que a uma Europa que já está a pagar, na energia e nos alimentos, o grosso da factura de guerra se preparam para lhe acrescentar o custo de uma guerra comercial “aliada”, desencadeada pela nova Lei de Redução da Inflação, autêntica machadada nas exportações europeias para os EUA. Já houve tempos em que o secretário de Estado Kissinger, para se justificar de maltratar a Europa, dizia que não sabia o número de telefone da Europa, querendo significar que não sabia quem respondia pela Europa. Esses tempos parecem repetir-se agora, mas com uma diferença: já há um número de telefone na Europa — é o do secretário-geral da NATO. A “ressuscitada” NATO, tão saudada pelos europeus, que deveria ser o braço armado da política externa consensual do Ocidente, é hoje, pela mão do seu secretário-geral, apenas o braço armado da política externa americana — da Ucrânia até à China. Mas Stoltenberg é também, e se repararem, o ministro dos Estrangeiros da Europa. É ele quem viaja pelas várias capitais europeias, quem está presente em todos os fóruns, quem fala antes e acima de todos os dirigentes europeus não sobre a disposição de forças ou sequer sobre a política de defesa europeia mas sobre a política externa europeia — da Ucrânia até à China. Agora, quando os americanos querem falar com a Europa, falar pela Europa ou dar ordens à Europa, telefonam a Jens Stoltenberg.

5 Desde que a selecção de futebol chegou ao Catar, Cristiano Ronaldo fez tudo para chamar sobre si o exclusivo das atenções, e os jornalistas portugueses presentes fizeram-lhe a vontade, massacrando-nos diariamente com as novelas à volta do CR7 como se nada mais existisse de importante do que ele e os seus estados de espírito. E mesmo depois de três jogos de absoluta desilusão e de uma manifestação de mal-educada insubordinação contra o treinador, não ouvi nem li, entre as dezenas de jornalistas e comentadores de futebol que pululam por todos os lados — desde o mais insignificante estagiário até aos mais encartados, como Marcelo Rebelo de Sousa —, um só que se tenha atrevido a defender a sua saída da equipa. Porém, atreveu-se, enfim, o treinador. E, como já se tinha visto no ensaio geral contra a Nigéria, a equipa joga infinitamente melhor sem ele, liberta da escravidão de ter de servir os seus interesses pessoais, os seus recordes, o seu egoísmo, o seu ego. É, de facto, uma tristeza ver terminar assim uma carreira verdadeiramente notável, mas não se pode ajudar eternamente quem não quer e tudo faz para não merecer ser ajudado.

EXPRESSO

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

OSC dizem: Os acordos comerciais da UE não podem minar os direitos democráticos!.

A Comissão Europeia (CE) pretende mudar o processo de votação dos acordos de livre comércio e investimento, de modo a não precisarem de ser ratificados pelos parlamentos nacionais. Isto significa uma machadada nos processos democráticos, pelo que Organizações da Sociedade Civil, (OSC) enviaram uma declaração aos governos e parlamentos nacionais, apelando a que defendam o escrutínio democrático, não abdicando da ratificação a nível nacional dos acordos/tratados que estão presentemente a ser negociados pela própria CE.

Transcrevemos abaixo a declaração que a TROCA subscreveu com mais 9 ONGs  portuguesas.

“Com o objectivo de contornar as críticas de alguns governos e parlamentos da UE, a Comissão Europeia quer mudar o processo de votação dos próximos acordos comerciais, nomeadamente com o México, Chile e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), e assim facilitar e agilizar os negócios a serem concluídos pela UE. Nós, organizações da sociedade civil, opomos-nos a essa medida, que iria prejudicar os direitos democráticos!

Esta chamada tentativa de “divisão” da Comissão Europeia significaria que os pilares comerciais dos acordos de associação com países terceiros seriam adotados sem exigir o consentimento de todos os Estados-Membros da UE no Conselho da UE e sem exigir qualquer tipo de acordo de ratificação nacional. Isso seria um ataque à democracia e uma forte mudança das actuais regras e práticas de tomada de decisões comerciais, segundo as quais os acordos de associação são aprovados por unanimidade pelos governos da UE, bem como pela maioria no Parlamento Europeu e por todos os parlamentos a nível nacional.

A decisão da Comissão Europeia é uma táctica cínica, uma maneira de garantir que os acordos comerciais que negoceie entrem rapidamente em vigor, apesar de levantarem controvérsias, por exemplo sobre desmatamento, alterações climáticas, violações de direitos humanos e bem-estar animal. Esta manobra deixaria de lado a oposição de alguns governos da UE e parlamentos nacionais e/ou regionais.

Para o acordo UE-Mercosul, por exemplo, essa divisão significaria que seria contornada a oposição dos parlamentos da Áustria, Holanda, Valónia e Bruxelas, já que a sua aprovação deixaria de ser necessária. O mesmo é válido para as actuais posições de governos, como o francês, que afirma que não pode ratificar o acordo UE-Mercosul na sua forma actual por causa dos seus impactos negativos na sustentabilidade e que perderia, assim, o poder de veto no Conselho da UE. Iria também contra as diretrizes para negociação dadas à Comissão Europeia pelo Conselho em 1999 e as Conclusões do Conselho de 2018. Todo o processo de escrutínio do acordo UE-Mercosul baseou-se no entendimento comum de que os Estados-Membros teriam direito de veto, quer no Conselho, quer através da ratificação a nível nacional. A Comissão não pode agora coartar este processo. Isso criaria armadilhas processuais e violaria os Tratados europeus.

Nós, organizações da sociedade civil, opomo-nos veementemente a essa divisão dos acordos comerciais. A divisão dos acordos acima mencionados é agora proposta para dessa forma contornar as preocupações existentes sobre as implicações negativas desses acordos sobre a biodiversidade, as alterações climáticas e questões de direitos humanos. Prioriza os interesses económicos face à sustentabilidade. A aprovação por todos os governos e parlamentos nacionais da UE é um acto de democracia de importância crucial que protege os agricultores, trabalhadores, consumidores e os cidadãos nacionais.

Apelamos aos ministros do comércio da UE, aos governos da UE e aos parlamentares nacionais para que defendam o escrutínio democrático dos acordos comerciais e se oponham às tentativas inaceitáveis da Comissão Europeia para contornar qualquer oposição.”

No dia 24 de Novembro saiu um comunicado de imprensa da Friends of the Earth Europe e do Greenpeace a este respeito, por ocasião do lançamento da declaração “não à divisão de acordos comerciais.

As organizações portuguesas que subscreveram esta declaração para além da TROCA foram:

  • APT Portugal
  • Associação Guardiões da Serra da Estrela
  • Associação Resistir.info
  • BIOPORTO
  • Campo Aberto – associação de defesa do ambiente
  • Climáximo
  • CNA – Confederação Nacional da Agricultura
  • Eco-Cartaxo
  • Ecomood Portugal
  • FERNANDA SILVA
  • GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
  • MARP
  • Movimento Cívico Ar Puro
  • Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural
  • Plataforma Transgénicos Fora Portugal
  • ProTejo

TROCA - Plataforma por um Comércio Internacional Justo

Eutanásia – uma decisão (demasiado) radical

Era bom que se soubesse que haverá quem não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, pôr em cima da mesa a reversão da decisão que o parlamento se prepara para tomar, como numa democracia madura.


O Parlamento prepara-se para aprovar, pela terceira vez, uma iniciativa de vários partidos para despenalizar e legalizar a eutanásia. É sabido que a última decisão parlamentar acabou por colher o veto do Presidente da República em razão de o Tribunal Constitucional a ter considerado desconforme com a Constituição em aspectos, aliás, para os quais várias opiniões juridicamente fundamentadas tinham chamado a atenção publicamente. O fim antecipado da anterior legislatura, precipitado pela decisão do mesmo Presidente, fez com que a nova tentativa só agora pudesse voltar a ser ensaiada pelos deputados. Veremos se o Presidente verá razões para voltar a suscitar a intervenção do Tribunal e, nesse caso, qual a declaração que este último emitirá sobre o texto que foi já aprovado na especialidade esta semana. Dado que não sou constitucionalista nem desejo discutir a constitucionalidade, não me manifesto sobre as eventuais desconformidades que ainda assim possam permanecer ou outras que eventualmente possam agora surgir no novo texto legal. A minha intenção é de natureza diferente e relaciona-se com a questão política de fundo.

Sou contra a legalização e despenalização da eutanásia por razões e dúvidas que tive já oportunidade de expor publicamente quando a primeira decisão parlamentar foi tomada. Tenho fundadas dúvidas, e as maiores reservas, de que as razões comumente invocadas para dar suporte a este novo regime – ser consequente com o respeito pela dignidade humana, com o reconhecimento pelo direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade ou com a necessidade de mostrar misericórdia ou compaixão activa perante o “sofrimento de grande intensidade” – sejam apropriadamente usadas para introduzir uma alteração tão radical na nossa sociedade como aquela que os deputados se propõem realizar.

A dignidade humana é inerente à pessoa. Deve ser invocada para defender e respeitar a pessoa enquanto tal e a vida em si mesma. Saber viver, ou morrer, com dignidade não é um sucedâneo óbvio ou imediato, mas uma questão de consistência com os valores que partilhamos. Não se perde a dignidade pelos infortúnios que a vida nos possa trazer nem se resgata dignidade simplesmente por não aceitar ou desejar viver uma vida que possa parecer ter perdido o sentido de ser vivida. Parece-me mesmo que há algo de perverso em se poder usar o conceito de dignidade humana para executar um regime público que ajuda a pôr fim à vida.

O direito à autodeterminação também não deveria ser entendido como um instrumento ao serviço do suicídio organizado socialmente. Percebe-se a intenção de usar conceitos e expressões da letra constitucional para evitar acórdãos desfavoráveis, mas no contexto da eutanásia a sua evocação soa abusiva. Como valor positivo, o reconhecimento à autodeterminação é a consagração formal do exercício do direito a ser (autónomo, independente, a ser-se quem é ou se deseja ser) e a ver respeitado tal direito. Como valor negativo importaria no reconhecimento formal ao direito individual a não ser e da respectiva aceitação social. A questão pode ser filosoficamente estimulante e pertinente, mas a extensão do reconhecimento desse direito a uma espécie de contrapartida constituída por uma obrigação social de ajudar alguém a não ser só pode ser uma corrupção, legal e filosófica, do direito à autodeterminação. Por mais defensor que seja, e sou, do princípio da liberdade, tenho dificuldade em aceitar que a extrema e, seguramente, desesperada decisão de alguém em pôr termo à sua própria vida possa entender-se como um direito a reclamar dos outros a obrigação de contribuir activamente para ver concretizada tal decisão.

Finalmente, a questão da compaixão perante o “sofrimento” (físico ou psicológico). Mais do que as questões anteriores, esta parece ser a que socialmente mais continua a merecer a reflexão por parte das pessoas, e percebe-se que seja assim. Desde logo porque quase todos podem ter vivenciado situações de sofrimento de alguém chegado, seja porque a idade avançada trouxe esse desfecho, seja porque o infortúnio de uma doença oncológica, por exemplo, não conseguiu ser vencido. Poderia ter sido de outra maneira? Mas também porque cada um olha para o seu próprio futuro e receia ver-se confrontado com o mesmo desfecho. Terá de ser assim, ou poderá ser de outro modo? Estas possíveis perguntas compreendem-se muito bem e serão, no final de tudo, aquelas que angustiam mais as pessoas em geral. No entanto, não havendo respostas fáceis para estas perguntas, é possível conceber um sistema social em que o sofrimento seja amplamente evitado ou diminuído sem que as pessoas tenham de ser confrontadas com a necessidade de pedirem a morte, não para exercerem livremente a sua autodeterminação nem para se sentirem dignas na forma como vivem uma vida que está a chegar ao seu fim, mas para poderem viver o que lhes resta com o menor sofrimento possível, como é decente que se possa desejar. Parece-me claro que uma sociedade como a que temos hoje só não se organiza ou orienta nesse sentido se não o desejar ou não lhe conceder a prioridade devida. Realmente não há hoje razões para não oferecer a quem precisa pelo menos os cuidados médicos paliativos adequados que evitam muito do sofrimento.

Porque será que, em vez de serem exigentes perante os governos e a administração, no sentido de estes orientarem as prioridades naquele sentido, persistem tantos deputados em concentrar esforços em insistir numa solução que, no fundo, encaminha as pessoas para pedirem para morrer? E sendo esta uma alteração tão radical no modo como organizamos a vida e o seu fim, por que razão se escondem os partidos de modo geral na consciência de cada um para delegarem na iniciativa de deputados estas iniciativas, na vez de se apresentarem eles mesmos aos eleitores com propostas claras nestes assuntos? Repare-se que não discuto que a decisão de cada deputado nesta matéria é sempre uma questão de consciência individual. Mas uma coisa é aceitar a objeção de consciência neste tipo de decisão, outra é afirmar que não se tem uma concepção destas matérias enquanto partido e deixar que sejam os deputados por si mesmos a decidir o que a sua consciência indicar.

Não mudei de opinião nestes anos sobre isto. Não sendo um defensor de soluções referendárias neste tipo de matéria, compreendo que os que não se conformam com estas mudanças demasiado radicais procurem uma instância de recurso ou apelo para as evitar. Mas então faria sentido que pudessem assumir uma posição política substantiva na matéria enquanto movimentos políticos, porque é isso que fortalece o movimento de quem está contra e pede aos eleitores que não sufraguem esse caminho.

Como referi no início, não sei qual será o destino constitucional desta nova decisão do parlamento. Respeitarei, como sempre fiz, as decisões que formalmente vierem a ser adoptadas. Insisto que não lanço qualquer opróbrio sobre as intenções de quem há anos insiste nestas mudanças e não desiste delas. O facto de não estar de acordo com tais ideias não me impede de reconhecer o direito que o parlamento tem de se pronunciar e deliberar sobre elas. Mas, não sendo questões passageiras e sem implicações maiores, devem merecer uma atenção política frontal de quem delas discorda. Estão os deputados que votarão favoravelmente a eutanásia persuadidos de que lutam por instituir um regime progressista e liberal, mais respeitador da dignidade humana? Não me custa aceitar que assim possa ser. Mas estou persuadido de que estão enganados nesse propósito. E quando olho para os poucos países onde tais mudanças se efetuaram e onde esse “progresso” chegou, mais razões acumulo para desconfiar da bondade dessa solução e para a rejeitar no meu país. Mais me convenço de que as boas intenções se abastardam com facilidade e de que mais nos encaminhamos para a desumanização orwelliana. Na anterior versão da lei pretendia-se antecipar a morte em razão de um “sofrimento intolerável” perante uma “doença fatal”, e agora já só se pretende reconhecer o direito a pedir a morte em razão de um “sofrimento de grande intensidade” perante uma “doença grave e incurável”? Sim, podemos julgar saber como a mudança começa, mas também sabemos como tem acabado, e sabemos isso quando olhamos para as experiências dos outros.

Mais do que esperar por uma decisão do Tribunal Constitucional, caso o Presidente da República sinta que deve suscitar a verificação preventiva de constitucionalidade ou caso um número adequado de deputados sinta que o deve fazer de modo sucessivo, o que desejaríamos era que os partidos que estão contra esta “revolução” de organização da eutanásia se comprometessem transparentemente em lutar pela sua revogação caso venham a lograr conquistar uma maioria de deputados no futuro. Era bom que se soubesse que haverá quem também não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, colocar em cima da mesa a reversão desta decisão que o parlamento se prepara para tomar. Oferece certamente mais confiança para futuro e é claramente a democracia madura a funcionar.

Pedro Passos Coelho

Observador

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

PIB de Portugal e Dados Económicos

Inclui a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto de Portugal, com as últimas previsões e dados históricos, PIB per capita, composição do PIB e desagregação por sector.

    Navegue por indicadores económicos e conjuntos de dados adicionais, seleccionados pelos editores da Global Finance, para saber mais sobre as perspectivas económicas de Portugal, relação dívida/PIB, desempenho do comércio internacional e tendências populacionais. Estão também disponíveis os rankings dos melhores bancos e bancos mais seguros de Portugal.


    Dados sobre PIB e Informações Económicas.

    -------------------------

    Reservas internacionais

    USD 29,46 bilhões (2020)

    Banco Mundial, última actualização em 16/12/2021


    Produto Interno Bruto - PIB

    USD 251,71 bilhões (estimativa de 2021)

    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021


    PIB (paridade de poder aquisitivo)

    USD 376,09 bilhões (estimativa de 2021)

    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021


    Crescimento real do PIB

    2017

    2018

    2019

    2020*

    2021*

    3,5%

    2,8%

    2,7%

    –8,4%

    4,4%

    *Estimativa


    PIB per capita - preços correntes

    USD 24.457,14 (estimativa de 2021)

    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021


    PIB per capita - PPC

    USD 36.542,63 (estimativa de 2021)

    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021


    PIB (PPP) - participação no total mundial

    0,26% (estimativa de 2021)

    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021


    PIB - composição por setor

  • agricultura: 2,0%

  • indústria: 19,2%

  • serviços: 66,1%

    (estimativa 2020)


    Gasto interno bruto em P&D; (% do PIB)

    1,4% (2019)


    Inflação

    2017

    2018

    2019

    2020*

    2021*

    1,6%

    1,2%

    0,3%

    –0,1%

    1,2%

    *Estimativa


    Taxa de desemprego

    2017

    2018

    2019

    2020*

    2021*

    9,2%

    7,2%

    6,6%

    7%

    6,9%

    *Estimativa


    Taxas de poupança doméstica

    3,5% (2020)


    Dívida pública (dívida bruta do governo geral em % do PIB)

    2017

    2018

    2019

    2020*

    2021*

    126,1%

    121,5%

    116,6%

    135,2%

    130,8%

    *Estimativa


    Déficit público (empréstimos/empréstimos líquidos do governo geral em % do PIB)

    2017

    2018

    2019

    2020*

    2021*

    0,7%

    2,9%

    2,9%

    –3%

    –2,3%

    *Estimativa


    Ratings de títulos do governo

    Standard & Poor's: BBB

    Moody's: Baa2

    Standard & Poor's / Moody's (janeiro de 2022)


    Valor de mercado das ações negociadas publicamente

    US$ 61,9 bilhões (2018)


    Maiores empresas

    Edp-energias De Portugal, Jeronimo Martins, Galp Energia, Banco Comercial Português

    Forbes Global 2000 (2021)

    ------------------------------------

    Dados sobre Comércio e Competividade

    Saldo atual da conta

    USD -4,2 bilhões (estimativa de 2021)
    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021

    Saldo da conta corrente por percentagem do PIB

    -1,7% (estimativa de 2021)
    FMI - World Economic Outlook, outubro de 2021

    Exportações em percentagem do PIB (Exportações de bens e serviços)

    37% (2020)
    Banco Mundial - Indicadores de Desenvolvimento Mundial (atualizado em fevereiro de 2022)

    Participação no total mundial de exportação de merchandising

    0,35% (2020)

    Participação no total mundial de exportação de serviços comerciais

    0,5% (2020)

    Exportações totais

    US$ 85,2 bilhões (estimativa para 2020)

    Commodities de exportação

    Automóveis e peças de veículos, petróleo refinado, calçado de couro, produtos de papel, pneus (2019)

    Importações totais

    US$ 89,2 bilhões (estimativa para 2020)

    Commodities de importação

    Automóveis e peças de veículos, petróleo bruto, aeronaves, medicamentos embalados, petróleo refinado, gás natural (2019)

    Exportações - principais parceiros

    Espanha 23%, França 13%, Alemanha 12%, Reino Unido 6%, Estados Unidos 5% (2019)

    Importações - principais parceiros

    Espanha 29%, Alemanha 13%, França 9%, Itália 5%, Holanda 5% (2019)

    fluxos de IDE

    2019
    2020
    2021

    US$ 7,1 bilhões
    US$ 12,1 bilhões
    US$ 6,3 bilhões

    saídas de IED

    2019
    2020
    2021

    US$ 799 milhões
    US$ 3,3 bilhões
    US$ 2,3 bilhões

    Valor das fusões e aquisições transfronteiriças, por país do comprador

    2015
    2016
    2017
    2018

    US$ -2,5 bilhões
    US$ 544 milhões
    US$ -829 milhões
    US$ 1,2 bilhão

    Negócios transfronteiriços de fusões e aquisições no valor de mais de US$ 3 bilhões concluídos em 2014

    N / D

    Negócios transfronteiriços de fusões e aquisições no valor de mais de US$ 3 bilhões concluídos em 2015

    N / D

    Melhores países para fazer negócios

    As economias são classificadas em sua facilidade de fazer negócios. Uma classificação de alta facilidade de fazer negócios significa que o ambiente regulatório é mais propício ao início e operação de uma empresa local.

    Classificação geral: 39 de 190 países (2020)

    Iniciando um negócio: 63 de 190 países
    Lidando com alvarás de construção: 60 de 190 países
    Obtendo eletricidade: 52 de 190 países
    Registrando propriedade: 35 de 190 países
    Obtendo crédito: 119 de 190 países
    Protegendo investidores minoritários: 61 de 190 países
    Pagando impostos: 43 de 190 países
    Comércio internacional: 1 de 190 países
    Cumprimento de contratos: 38 de 190 países
    Resolvendo insolvências: 15 de 190 países
    Banco Mundial - Doing Business 2020

    Classificação global de competitividade

    34 de 141 países

    (2019)

    Índice de Liberdade Econômica

    Classificação: 31 / Pontuação: 70,8 (principalmente gratuito)
    The Heritage Foundation - 2022 Index of Economic Freedom

    --------------------------------------------------------------------------------

    Visão Geral do País e da População

    Fuso horário

    UTC 0

    Área total

    92.090 quilômetros quadrados

    Capital

    Lisboa

    Moeda

    Euros (EUR)

    Tipo de governo

    república semipresidencialista

    línguas

    Português (oficial), mirandês (oficial, mas usado localmente)

    Religiões

    Católicos romanos 81%, outros cristãos 3,3%, outros (inclui judeus, muçulmanos) 0,6%, nenhum 6,8%, não especificados 8,3% (2011 est.)

    População total

    1990
    2000
    2010
    2015
    2020

    9,98 milhões
    10,29 milhões
    10,57 milhões
    10,36 milhões
    10,31 milhões

    População urbana como % da população total

    1960
    1980
    2000
    2020

    35,0%
    42,8%
    54,4%
    66,3%

    Idade média da população

    44,6 anos (estimativa de 2022)

    Taxa de crescimento populacional

    -0,2% (estimativa de 2022)

    Expectativa de vida

    81,5 anos (2022 est.)

    Alfabetização

    População total: 96,1%

    Masculino: 97,4%

    Feminino: 95,1% (2018)

    Definição: 15 anos ou mais sabem ler e escrever

    % da população que vive com menos de US$ 3,10 por dia

    0,2% (última estimativa disponível, 2019)

    Desigualdade na distribuição da riqueza (índice de Gini)

    32,8 (última estimativa disponível, 2019)

    (0=igualdade perfeita, 100=desigualdade absoluta)

    Classificação da Casa da Liberdade

    Pontuação total: 95/100

    Estado: Gratuito

    Direitos Políticos: 39/40

    Liberdades civis: 56/60 (2022)

    Total de assinantes de telefone como % da população

    Fixo: 51,1%

    Celular: 116,3% (2020)

    (assinantes de telefonia fixa e assinantes de celular móvel)

    Usuários de Internet como % da população total

    78,3% (2020)

    Índice Mercer de custo de vida

    N / D

    Emissões de CO2

    4,8 toneladas métricas per capita (2018)

    ----------------------------------------------------------------

    Classificações e Prémios globais de finanças

    Os melhores bancos subcustodiantes do mundo

    Os melhores bancos de investimento do mundo

    2014
    2013
    2012
    2011
    2010
    2009

    Mais seguro do mundo

    2009

    Os melhores provedores de câmbio do mundo

    2013
    2012
    2011
    2010
    2009
    2006
    2005
    2004
    2003

    Os melhores bancos do mundo por região

    2014
    2013
    2012
    2011

    Os melhores bancos do mundo

    2014
    2013
    2009


    Os melhores bancos de financiamento comercial do mundo

    2014
    2012
    2011
    2010
    2009

    Melhor de…

    2012
    2011
    2009
    2005

    Prêmios Adicionais

    2018
    2014
    2011
    2010
    2009

    ----------------------------------------------------------------

    Artigos de Arquivo relacionados e relatórios do país

    Países com a maior dívida externa 2021

    14 DE OUTUBRO DE 2021

      Taxas de desemprego em todo o mundo 2020

      22 DE OUTUBRO DE 2020

        Portugal: à beira da recuperação

        11 DE SETEMBRO DE 2020

          Portugal: ponto brilhante

          26 DE JULHO DE 2019

            Portugal mantém o ímpeto

            17 DE JULHO DE 2018

              China reforça IDE de Portugal

              17 DE JULHO DE 2018

                Principais países para investimento estrangeiro direto

                13 DE ABRIL DE 2018

                  Portugal: uma reviravolta na Zona Euro

                  21 DE JULHO DE 2017

                    Portugal faz a classificação

                    20 DE JULHO DE 2017

                      Portugal: uma reviravolta na Zona Euro

                      20 DE JULHO DE 2017




                        https://www.gfmag.com/global-data/country-data/portugal-gdp-country-report

                        A Guerra secreta.

                        Haverá um fio condutor em vários incidentes de sabotagem na infra-estrutura crítica da Europa, desde que começou a invasão da Ucrânia, em 2014? Está em curso uma guerra clandestina?

                        Várias guerras do século XX foram precedidas de operações especiais de preparação e provocação, sabotagem e tentativa de intoxicação política, geralmente perpetradas por espiões e agentes secretos, soldados de sombras e comandos nunca identificados.

                        A história não se repete. Continua.
                        P, uma espécie de sósia mais jovem de Aleksandr Lukashenko, tinha sido colocado em Lisboa como responsável pelo SVR, serviço secreto externo russo. Entre outras iniciativas, havia planeado uma exótica Volta a Portugal para ciclistas do seu país, considerada uma má ideia pelas nossas autoridades de segurança.
                        Depois destacado para Madrid, o espião veterano orientou a caça ao alegado traidor do Estado russo, Sergei Skripal. Este, um antigo paraquedista e operacional da “secreta militar” (GRU, hoje GU), começou a trabalhar para o MI6 britânico a meio dos anos 90 do século passado, quando ainda se encontrava ao serviço, em Espanha.
                        Detido e perdoado pelo então Presidente Medvedev, Skripal acabou por ser trocado por diversas “toupeiras” valiosas, e instalou-se como reformado especialmente protegido no Reino Unido. Com a sua filha Yulia, foi envenenado por um suspeito “comando” russo, em Salisbury, no dia 4 de março de 2018. Os dois (na foto) sobreviveram, depois de cuidados intensivos e prolongados, e foram reinstalados em segredo, algures na Commonwealth.
                        Os responsáveis pelo ato terão sido agentes de uma nunca identificada célula especial do GRU/GU, oriunda da Escola Operacional do mesmo serviço, a Unidade 29155. Aqueles usaram diversas coberturas legais, incluindo a de técnicos de nutricionismo desportivo, e são acusados de uma série de atentados na União Europeia, dirigidos a fábricas de munições com destino à Ucrânia.
                        Nesse rol de explosões misteriosas, contam-se dois atos em 2014 contra paióis de Vrbetice, Zlin, na República Checa, e outros quatro tendo como alvo a empresa EMCO, de Emilian Gebrev (entretanto também envenenado), em Karnobat, Bulgária. Um dos membros dos alegados sabotadores (aliás o seu chefe operacional) passou brevemente pela capital portuguesa, depois de obter um visto na nossa embaixada em Moscovo.
                        As explosões teriam como objetivo sabotar o esforço de guerra do Governo ucraniano, confrontado com a ocupação de parte do Donbass e da Crimeia, depois da queda e fuga do Presidente Ianukovich.
                        Em janeiro deste ano, o CEMGFA britânico, Tony Radakin, alertava para o crescimento exponencial, em homens, material e exercícios, das forças especiais submarinas russas, com especial risco para o mar Báltico. Em setembro, três explosões destruíram parte das condutas inoperacionais de gás Nord Stream 1 e 2, que deveriam abastecer a Europa a partir da Rússia. Os ataques, nas zonas económicas da Suécia e Dinamarca, foram imediatamente atribuídos pelo Kremlin aos serviços especiais ou do Reino Unido, ou dos EUA ou da Polónia, mas nos círculos europeus suspeita-se de uma operação clandestina das unidades GS (mergulhadores de combate) do GU, e em particular do PDSS 313, precisamente estacionado em Baltiysk, muito perto do local do incidente.
                        Qual seria o motivo? Conformada com o fim “político” do abastecimento de gás à UE, a liderança moscovita daria um poderoso sinal de aviso a Bruxelas e a Londres, que entretanto construíram gasodutos estratégicos de alternativa, visivelmente vulneráveis.
                        Em outubro, nova sabotagem, agora no sistema de cabos ferroviários de comunicações no Norte da Alemanha, obrigando à paragem de comboios de longa distância, incluindo os de ligação à fronteira polaco-ucraniana. Os perpetradores tinham vasto conhecimento da rede afetada da Deutsche Ban.
                        A 19 e 20 do mesmo mês, sucessivas sabotagens nos cabos de Internet a ligar Alemanha, França e Noruega, e entre Itália e Espanha. Pela mesma altura, cortes “de autoria humana” nas ligações entre as Ilhas Faroe e o arquipélago escocês de Shetland, e entre este e o norte das Ilhas Britânicas.
                        As campainhas de alerta
                        É preciso não esquecer que as companhias de comunicações “ocidentais” e chinesas (Google e Microsoft, Alcatel ASN, Huawei HMN) usam 1,3 milhões de km de cabos submarinos.
                        E há a registar a frequência de sobrevoo de infraestrutura da Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia por drones, e a multiplicação de ataques informáticos: só contra a Fingrid de Helsínquia, de 3 significativos em 2021 para 11 este ano.
                        Naturalmente, todo esse mês assistiu às campainhas de alarme: reunião especial da NATO em Praga, e reforçadas propostas da Comissão Europeia para a execução da Diretiva de Resiliência de Entidades Críticas (CER), em torno de testes de stresse, como no sistema bancário.
                        Nada disto existe
                        Alguns meios americanos (ultra-Trumpistas e extrema-esquerda) acreditam, por trás disto, na “mão secreta” de Joe Biden, numa tentativa de “submeter” a Europa aos EUA.
                        Mas os sinais evidentes indicam fases de uma real guerra secreta contra o que o Kremlin chama “Ocidente coletivo”.
                        Esta seria a punição pela ajuda continuada ao martirizado Estado ucraniano, e a dissuasão quanto a futuros planos.
                        Como diz um antigo funcionário superior de um departamento sensível de Moscovo: “O regime russo resistirá até ao fim ao seu próprio desastre, e ainda tem muitos meios para vender cara uma qualquer forma de derrota.”
                        Assim, esta ação de sombras viverá connosco. Mesmo que se declare que nunca existiu.
                        A ver em dezembro
                        Nas telas, a começar pelo filme do ano, Os Fablemans, O Menu, grande sátira de novos costumes, e a prova do talentoso sul-coreano Park Chan-wook, com o policial mais complexo de sempre, Decisão de Partir, e ainda a revisitação histórica Corsage, de Marie Kreutzer, ou o império austro-húngaro como nunca o viram.
                        Francófono, do muito bom ao regular, Memórias de Paris, Irmão e Irmã, Os Passageiros da Noite, Leila e os Seus Irmãos e Meus Ricos Filhos.
                        Relativamente malditos nos Estados chinês e iraniano, Regresso ao Pó e Trabalhos de Casa. Sobre os novos terrores americanos, Última Noite, Ruído Branco e Bed Rest.
                        E ainda O Poeta, O Trio em Mi Bemol e Um Pedaço do Céu.

                        Nuno Rogeiro

                        Sábado

                        A volta dos grandes bancos

                        Os bancos, desafiados ultimamente pelas tendências macro e digitais, estão mais fortes agora.

                        Os tempos ruins que virão podem ser bons para os bancos. Pelo menos, para alguns bancos - se os tempos não ficarem muito ruins.

                        Esse é o prognóstico, enquanto o mundo tateia em meio à desaceleração do crescimento e ao primeiro surto de inflação prolongada em 40 anos – além de um aperto de energia no estilo dos anos 1970 e ameaças nucleares no estilo dos anos 1960. Também são esperadas recessões induzidas por aumentos de juros.

                        O aumento das taxas de juros – a ferramenta que os bancos centrais estão usando para conter a inflação – beneficia os credores até certo ponto. A queda das acções de crescimento minou parte do ímpeto e da arrogância das fintechs e dos “neobancos” que deveriam estar comendo o almoço da velha guarda, dando ao estabelecimento bancário um intervalo para recuperar o atraso. O momento é mais propício do que parece, desde que os distúrbios económicos permaneçam dentro dos limites da linha de base.

                        Lições do Passado

                        É tentador, mas enganoso, comparar 2022 com a crise financeira global (GFC) que eclodiu em 2008 – uma calamidade criada pelos próprios financiadores. Desta vez, os banqueiros estão reagindo a factores extrínsecos. E estão muito mais bem preparados, em grande parte graças ao ataque regulatório que se seguiu ao GFC. Os índices de capital Tier 1 dobraram em todo o mundo desde o nível mais baixo de 2011, informa a S&P Global. Os índices na Ásia aumentaram de 9% para 12% na última década. A Europa é a campeã regional de segurança, com reservas de capital em torno de 17% dos activos. O continente pode precisar, já que o aperto de energia da Rússia torna a Europa a região mais vulnerável à convulsão macro global. Esse acúmulo de capital “permitirá que o sector bancário global mostre alguma resiliência”, concluem os analistas da S&P.

                        A protecção extra se arrasta na lucratividade, no entanto. Metade dos bancos do mundo não está nem mesmo cobrindo o custo de seu património, constatou a McKinsey & Co. em sua última Revisão Anual de Banco Global. Acompanhar a supervisão do governo extrai recursos de actividades mais produtivas. “Talvez 70% dos gastos com TI dos bancos vão para a adaptação à regulamentação em constante mudança”, diz Erwann Bruyelle, director comercial da fintech Skaleet, com sede em Paris. “Apenas 30% é sobre o futuro.”

                        Provedores de serviços financeiros alternativos, que são muito mais leves em capital e regulamentação, entretanto devoraram a participação de mercado em pagamentos e, cada vez mais, em depósitos. A pequena lista de “super fintechs” da McKinsey vai do Nubank no Brasil ao Square nos Estados Unidos e ao Afterpay, um serviço australiano que oferece parcelamento sem juros em seis semanas.

                        Agora a maré pode estar virando a favor do establishment. Emprestar dinheiro, que muitas pessoas vêem como a principal razão da existência dos bancos, tornou-se quase uma necessidade desagradável sob taxas de juros recordes - mal valendo o custo. O retorno sobre o património líquido (ROE) das operações bancárias “pão com manteiga” foi em média de apenas 4% em todo o sector no final de 2021, constatou a McKinsey. O ROE de “origem e distribuição” foi em média de 20%.

                        Isso está mudando à medida que os bancos centrais correm para restringir a oferta de dinheiro. Espera-se que os juros cobrados sobre os empréstimos aumentem mais rapidamente do que os pagos aos depositantes, que evitam o incómodo de mudar de banco para buscar um meio por cento extra. Isso significa aumento de spreads.

                        Os Quatro Grandes bancos dos EUA - JPMorgan Chase, Bank o América, Citigroup e Wells Fargo - relataram aumentos ano a ano na receita líquida de juros de até 26% nos resultados do segundo trimestre. O DBS, o maior banco do Sudeste Asiático, teve um salto de 17%. A Europa, o retardatário global em aumentar as taxas, está esperando por sua própria sorte inesperada. Outras regiões estão esperando por algo semelhante. “Mesmo na Europa, os depósitos estão se tornando atraentes novamente”, diz Jens Baumgarten, chefe global de serviços financeiros em Frankfurt da consultoria Simon-Kucher & Partners.

                        Isso pressupõe que os bancos encontrem tomadores de empréstimos que possam pagar taxas de juros mais altas, mesmo quando a maioria das economias desacelera, se não encolhe. A ameaça financeira visível mais terrível do planeta pode estar implodindo os incorporadores imobiliários chineses. Empréstimos inadimplentes (NPLs) neste sector mais que dobrarão este ano, estima a S&P.

                        O sistema bancário controlado pelo estado de Pequim tem maneiras de varrer isso para debaixo do tapete. Mas uma preponderância de hipotecas de taxa variável ameaça um tsunami de in adimplência em várias grandes economias de mercado. Os três com maior risco são Austrália, Reino Unido e Espanha, informa a Fitch Ratings.

                        Os EUA, que desencadearam a crise de 2008, parecem relativamente seguros desta vez. Quase todas as hipotecas são emitidas a taxas fixas, e os NPLs nos EUA caíram recentemente para uma baixa de 16 anos de 0,75%. Não é hora de ficar complacente, porém, um regulador sénior alertou os banqueiros americanos. “O sector bancário continua a enfrentar riscos negativos significativos [que] podem reduzir a lucratividade, enfraquecer a qualidade do crédito e o capital e limitar o crescimento dos empréstimos nos próximos trimestres”, disse o presidente interino da Federal Deposit Insurance Corporation, Martin Gruenberg, em comunicado em Setembro.

                        Os gerentes do banco aparentemente concordam. O lucro líquido em todo o sector caiu nos últimos resultados, já que as provisões para perdas superaram o salto na receita de juros. Esse padrão é mais pronunciado nos mercados emergentes, onde o ciclo de aperto é mais avançado. O maior banco do Brasil, o Itaú Unibanco, mais do que triplicou as provisões no primeiro semestre de 2022, eliminando um ganho de 18% na receita de juros.

                        O aumento das taxas levou à queda dos preços das acções e títulos, cortando duas outras pernas do banco de rentabilidade do banco: mercados de capitais e gestão de património - depois de muitos anos, quando os gerentes mudaram para esses negócios em busca de margens mais altas. “O ambiente mudou 180 graus”, diz Nilesh Vaidya, chefe da indústria global de banco de varejo e gestão de património da Capgemini. “Os desafios agora são com a receita baseada em taxas.”

                        A primeira crise potencial dessa era de fluxo reverso está se formando em torno do Credit Suisse, que desde 2008 abandonou os negócios de varejo em favor dessas disciplinas baseadas em taxas. As acções da venerável marca despencaram e os títulos flertaram com a aflição, sinalizando uma retirada dos bancos de investimento. O Credit Suisse pode ser o único em sua turbulência e erros de gestão recentes, embora seja provável que isso aconteça de alguma forma. Mas os bancos mais bem administrados lutam com os mesmos problemas subjacentes.

                        Fintechs em fuga?

                        As condições actuais dão aos bancos a chance de inverter o roteiro das fintechs, que pareciam estar controlando os bancos há alguns anos. “O contra-ataque está absolutamente em andamento”, diz Vaidya.

                        Uma das pontas da contra-ofensiva é acompanhar as inovações dos insurgentes. As fintechs encontraram uma rica costura, por exemplo, ao facilitar pagamentos internacionais, que eram lentos e caros por meio de bancos tradicionais, explica Vaidya. O sistema Swift do estabelecimento está se preparando para contra-atacar, no entanto. “Mudanças em Swift nos próximos 12 a 15 meses nivelarão o campo de jogo internacional”, prevê ele.

                        Os bancos legados, após uma longa discussão e alguns falsos começos, estão se movendo energicamente para sistemas blockchain, o que poderia tornar as transacções multipartidárias e multijurisdicionais mais rápidas e baratas. O pioneiro mais visível é o Onyx Digital Assets do JP Morgan, lançado no auge da pandemia de Covid-19 em 2020. O gigante europeu BNP Paribas ingressou na rede de seu rival americano em Maio deste ano, dando à Onyx a promessa de alcance global. “Onyx Digital Assets permitirá um gerenciamento preciso da liquidez intradiária”, explicou Paribas em seu anúncio. “Eles podem ser fundamentais para aumentar a velocidade das garantias, liquidação de títulos e, finalmente, diminuir os riscos sistêmicos por meio da redução do crédito intradiário.”

                        As batalhas de maior risco entre fintech e a velha guarda podem ocorrer em mercados emergentes, onde grande parte da população nunca se conectou com uma instituição física. Quase dois terços dos mexicanos e filipinos permanecem sem banco, junto com cerca de metade de todos os indonésios ou de Bangladesh e 30% dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa da indústria de Outubro de 2020 da Acuant.

                        A proliferação de telefones celulares e dispositivos móveis de internet tornou essas massas excluídas acessíveis, abrindo enormes oportunidades de longo prazo para provedores financeiros. O mundo em desenvolvimento está a caminho de entregar mais da metade de toda a receita bancária até 2025, acima dos cerca de 20% em 2000, calcula a McKinsey.

                        Novos modelos de fintechs e provedores de e-commerce foram os primeiros a entrar nessa onda. O futuro verá mais colaboração com o estabelecimento, que pode levar os novatos além dos pagamentos para empréstimos e outros serviços bancários mais rígidos, prevê Baumgarten, da Simon-Kucher.

                        Um sinal dos tempos é a parceria do Standard Chartered Bank com a plataforma de comércio electrónico indonésia Bukalapak, que atinge 6,8 milhões de comerciantes on-line e mais de 110 milhões de clientes em todo o arquipélago. Em setembro, a dupla lançou o canal de banco digital BukaTabungan (“poupança aberta”), voltado para “as micro, pequenas e médias empresas que representam 97% da força de trabalho da Indonésia”, dizia um comunicado da empresa.

                        Na Índia, o HDFC Bank uniu forças com a grande plataforma de pagamentos e comércio não bancário Paytm para atender ao exército de pequenos lojistas daquele país. No Brasil, o Itaú se associou à Locaweb Serviços de Internet para aprimorar seus negócios corporativos. “Os grandes bancos têm a marca, a confiança e muito mais produtos para oferecer às fintechs”, comenta Baumgarten. “Eles estão avançando em direção a um relacionamento 'inimigo'.”

                        Enquanto isso, as fintechs perderam um pouco de seu brilho, para dizer o mínimo, já que o aumento das taxas colocou os mercados financeiros em modo de risco. Os investidores começaram a olhar com muito mais atenção quando e como esses inícios de crescimento poderiam girar em direção ao lucro. As ações do Nubank perderam mais da metade de seu valor desde uma oferta pública inicial em dezembro passado, em parte devido a uma disputa legal. Block, o renomeado Square, caiu 65% no acumulado do ano. Isso prejudica a capacidade desses disruptores de financiar uma expansão adicional e prejudica sua aura de invencibilidade. “As fintechs são realmente ótimas em criar inovação – não tão boas em sustentá-la”, comenta Baumgarten.

                        Os reguladores também estão começando a examinar com mais cuidado a nova geração de bancos não exatamente. O Conselho de Relatórios Financeiros do Reino Unido encontrou recentemente um risco “inaceitavelmente alto” de “distorção material” nos livros da Revolut, outra super fintech da McKinsey que registrou uma avaliação de mercado privado de US$ 33 bilhões em 2021. O forte do aplicativo Revolut é contínuo e de baixa comissão conversões de moeda para viajantes internacionais. Também aderiu a depósitos e cartões de crédito por meio de parcerias com bancos e provedores tradicionais.

                        Isso sem falar na China, onde as autoridades comprovadamente cortaram as asas da fintech mais quente do mundo, a Alipay, e também dominaram os rivais do setor privado.

                        Para os bancos tradicionais, a grande onda de regulamentação pós-2008 já passou do auge, diz Arthur Long, sócio focado em questões regulatórias para fintechs e outras instituições financeiras, do escritório de advocacia norte-americano Latham & Watkins. As instituições digeriram novos requisitos de capital e testes de estresse, como evidenciado por seus índices de capital crescentes. A próxima fronteira na supervisão, contabilizando o risco climático na carteira de empréstimos, permanece no horizonte. “Talvez tenhamos visto um grau de excesso de regulamentação nos estágios iniciais após 2008”, diz Long. “Desde 2016, ficou um pouco mais equilibrado.”

                        Dimensionando a Competição

                        A tecnologia está ajudando alguns pequenos bancos a superar seu peso, principalmente nos Estados Unidos, com sua legião de 4.400 credores licenciados. Alguns estão usando a tecnologia “bancária como serviço” pronta para se expandir nacionalmente por meio de um nicho específico da indústria – digamos, veterinários ou funerárias – ou relacionamentos com agências governamentais. Um exemplo notável é o Live Oak Bank, apenas online e com sede em Wilmington, Carolina do Norte, que se tornou o player dominante na canalização de empréstimos para Administração de Pequenas Empresas. “A pandemia ensinou os bancos comunitários a alcançar clientes sem agências, mas ainda assim aproveitar sua força no banco de relacionamento”, diz Charles Potts, diretor de inovação do Independent Community Bankers of America.

                        A maior tendência da indústria é em direção à grandeza, no entanto. A McKinsey prevê uma mudança de “resiliência convergente” na última década – quando os bancos acumularam capital e depois navegaram na pandemia – para “crescimento divergente” daqui para frente. Essa divergência favorecerá os grandes. “Esperamos que a escala seja ainda mais importante à medida que os bancos competem em tecnologia”, conclui o McKinsey Brain Trust. “Os investimentos em TI tendem a envolver um custo fixo que os torna mais baratos em relação a um ativo ou base de receita maior.”

                        Deixando de lado os bancos comunitários famosos, as instituições americanas estão de volta ao modo de consolidação após uma calmaria pandêmica, com cerca de 100 fusões e aquisições anunciadas no primeiro semestre de 2022, pela contagem da Capgemini.

                        A Europa também está caminhando para a consolidação. Os maiores negócios anunciados até agora estão dentro de um único país, já que os governos continuam protegendo seus campeões nacionais. O principal banco da Itália, Intesa Sanpaolo, comprou o UBI Banca por US$ 4,8 bilhões em meados de 2020. Na Espanha, CaixaBank e Bankia se fundiram para criar um novo número um.

                        A atual tempestade econômica global – impulsionada pela inflação que ressurgiu da morte, estragos no mercado de energia e mal-estar na China – pode evoluir para uma crise que abala novamente os fundamentos financeiros globais. Mas será uma crise contra a qual os bancos estão muito mais bem protegidos e que as instituições mais capazes não permitirão que seja desperdiçada. Se a inflação está de volta, também estão as margens para empréstimos bancários “pão com manteiga” há muito sofridos. Os mercados de ações em queda atingiram muito mais as novas fintechs do que as instituições financeiras da velha guarda. Os disruptores perderam a pista de financiamento e o ímpeto do mercado e estão perdendo rapidamente o passe livre dos reguladores.

                        Tudo isso está criando algumas oportunidades de crescimento para os bancos tradicionais, mesmo quando a economia mundial caminha mais para a falência. Agarrá-los exigirá bons palpites sobre os pontos doces emergentes onde a tecnologia encontra os fluxos de renda e um pouco de boa sorte com o cenário macro e regulatório. “Existem muitas oportunidades inexploradas, especialmente na Ásia”, diz Baumgarten, da Simon-Kucher. “Mas você pode perder muito dinheiro com a abordagem errada.”

                        Autor: CRAIG MELLOW

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                        Votar aos 16: porquê e para quê?

                        É pouco provável que a medida inscrita por alguns partidos (BE, Livre, PAN e PSD) nos projectos de revisão Constitucional, conferindo o voto aos cidadãos com mais de 16 anos, veja a luz do dia. O PS parece ser contra, o que basta para chumbar, e o PCP e o Chega também. Mas de onde vem esta ideia que é aplicada em alguns países (a Áustria foi o primeiro na Europa)? Que base tem?

                        Conferir direitos políticos aos mais jovens parece simpático, ainda que (baseio-me num estudo divulgado pelo ‘Pùblico’) o cérebro só seja adulto a partir dos 20 anos. Mas isto dos estudos sobre pessoas diferentes em ambientes culturais diferentes são sempre duvidosos. Há cérebros que não são adultos aos 50 e outros que aos 14 anos são muito responsáveis. Se alguma coisa escreveu com razão o escritor neorrealista e comunista Soeiro Pereira Gomes, foi a dedicatória do seu livro ‘Esteiros’, há já 80 anos: “Aos homens que nunca foram meninos”.

                        Há gente que nunca teve a oportunidade de ser criança; sobretudo nos tempos que Soeiro referiu. Hoje, por lei, todos têm de estudar 12 anos. E aqui começa o primeiro óbice: por que razão alguém que ainda não completou o ensino obrigatório pode votar? Esta pergunta assim feita levar-nos-ia muito longe: alguns estudantes com 25 anos continuam a contar como dependentes e já votam há seis anos, desde os 18. E outros há que, mesmo com 30 anos são dependentes, embora não contem como tal, em matéria de impostos. Quem ganhar mais de 14 salários mínimos em alguma actividade deixa de ser dependente aos 18 mas, com menos de 18, ainda que aufiram esse rendimento e paguem IRS, são, à mesma, dependentes.

                        Mas qual a relação entre a dependência, os impostos e o voto? É que, pela pura lógica, se admitimos que um dependente sem rendimentos pode votar, porque não baixamos ainda mais a fasquia? E aí teremos outros obstáculos: 16 anos é a idade mínima de consentimento sexual (embora em países como França, seja 15) e é, igualmente a idade da maioridade penal, embora alguns autores defendam que esta deveria coincidir com a idade da maioridade cidadã, que é aos 18.

                        Há, ainda, mais uma questão: a possibilidade de votar aos 16 anos, implica a maioridade? E se sim, o ensino obrigatório terminaria com a maioridade (lá para o 9º ou 10º anos), ou obrigaríamos cidadãos de pleno direito a estudar? E a possibilidade de tirar a carta de condução, de beber, de fumar várias outras coisas associadas ao facto de se ter mais de 18 anos?

                        Como se vê, o voto aos 16 anos tem implicações várias com diversas actividades e leis. Mas há uma que nos vem do século XVIII e que a associa à maioridade geral: o facto de se pagar impostos. A independência dos EUA começou com uma ideia simples: a coroa britânica não tinha o direito de cobrar impostos a quem não permitia que tivesse representantes no Parlamento. Claro que hoje, com o alargamento do direito de voto, que é um adquirido civilizacional, as coisas já não assim. Mas o fundamento da cidadania tem de começar nalgum ponto e não me parece que tenha de ser pelo voto, antes de alguém ser considerado maior de idade para poder governar a sua vida como entende.

                        O ponto não está em saber se os jovens com 16 anos estão preparados para votar; haverá de tudo, como de resto se passa aos 18 e a qualquer outra idade. A questão está sem saber se o mesmo Estado que cada vez mais infantiliza os jovens, começando por facilitar os estudos e conceder-lhes vantagens que não são acessíveis a pessoas com outras idades, lhes concede o maior direito democrático: o de votar.

                        Trata-se, ainda, de perceber que, para alguns partidos, o essencial está no facto de a agenda activista jovem estar próximo das suas posições, ao passo que para outros é uma mera forma de aumentar a participação eleitoral.

                        Os exemplos onde já acontece o voto aos 16 anos não trouxeram novidades políticas, salvo o aumento da participação. Mas esse argumento é, do ponto de vista lógico, pouco consistente. Se permitíssemos que os pais votassem pelos filhos ou por aqueles idosos que já não saem de casa, teríamos ainda mais participação (embora menos critério democrático).

                        Em suma, o voto aos 16 pode parecer uma boa ideia, mas as suas implicações na maioridade, no ensino, nos impostos, e em diversas leis (algumas muito recentes) são consideráveis. Porém, existe um argumento que arrasa tudo isto: se alguém pode tomar uma decisão como mudar de sexo com 16 anos, por que não há de poder votar? Só que nesta questão, o errado é poder mudar de sexo sem conhecimento dos pais.

                        Henrique Monteiro

                        Expresso

                        Reis da dívida corporativa: as empresas mais endividadas do mundo em 2020

                        Empréstimos e títulos podem ser usados ​​de forma sensata para investir, mas muita dívida pode ser catastrófica para uma empresa, especialmente se a economia for para baixo.

                        LUCAS VENTURA

                        Expansão, diversificação, crescimento: essas coisas custam dinheiro. Após a crise financeira global de 2008, havia um imperativo universal: livrar-se das dívidas. O oposto aconteceu. Os bancos centrais de todo o mundo empurraram as taxas de juros para níveis historicamente baixos e as empresas responderam contraindo empréstimos mais do que nunca. Não só a dívida corporativa cresceu, como a qualidade dessa dívida piorou dramaticamente. Durante o período de recuperação iniciado em 2010 até o final da década, a Standard & Poor's estimou que a participação dos títulos com grau de investimento caiu para cerca de 77%, de mais de 90% durante as duas crises pós-financeiras anteriores. Nesse ínterim, como apontou o FMI na edição de Abril de 2020 do Relatório Global de Estabilidade Financeira, enquanto segmentos de mercado de crédito de risco, como títulos de alto rendimento e empréstimos alavancados, se expandiram para atingir US$ 9 trilhões globalmente, a qualidade de crédito dos mutuários, os padrões de subscrição e as protecções aos investidores enfraqueceram. Apenas alguns meses atrás, os economistas do Fundo faziam outro alerta: em uma recessão com metade da gravidade da crise financeira de 2008, a dívida corporativa arriscada poderia mais do que dobrar para US$ 19 trilhões,

                        Infelizmente, esse é precisamente o ponto em que estamos hoje – com a grande diferença de que a economia global nunca viu uma recessão como essa. Diante do impacto devastador da pandemia do COVID-19, muitas já são as empresas menos solventes que tiveram que declarar falência, muitas outras seguirão o exemplo nos próximos meses e anos quando suas dívidas vencerem. Quantos? As taxas de inadimplência dos títulos de alto risco provavelmente subirão para 10% durante o período de 12 meses desde o início da crise, projeta a S&P Global Ratings, mais do que o triplo da taxa de 3,1% em 2019. Uma recessão prolongada pode piorar ainda mais as coisas, colocando o valor chega a 13%. Pode-se argumentar que a pandemia não criou a crise económica – apenas a desencadeou.

                        O remédio? Mais uma vez, a principal ferramenta empregada pelos bancos centrais para impulsionar a economia e impedir uma cadeia de inadimplência semelhante a um dominó tem sido a redução das taxas de juros - e as empresas que tomaram dinheiro emprestado por anos para se manter à tona, refinanciar dívidas ou recomprar suas acções agora estão fazendo isso de novo. Suas receitas foram obliteradas, mas sua dívida só aumentou. Não apenas isso, as empresas emitiram bilhões em títulos e notas, um número recorde dos quais com a classificação mais baixa, acumulando ainda mais dívidas que talvez nunca consigam pagar. Nesse ritmo, a dívida global não financeira de grau especulativo deve superar o grau de investimento em 2024, diz a S&P - a implicação é que, ao tentarmos consertar a actual crise económica, podemos estar definindo as condições para a próxima.

                        Sejamos claros: embora os efeitos colaterais de muito dinheiro fácil possam ser catastróficos, nem todas as dívidas merecem má reputação. Empréstimos e títulos podem ser usados ​​de forma sensata para investir, contratar e aumentar a produtividade. Além disso, um montante maior de dívida em termos absolutos – embora não desejável – não se traduz automaticamente em um risco igualmente maior de inadimplência. As pequenas empresas, de fato, tendem a ficar sem dinheiro com mais facilidade do que suas contrapartes maiores, com alguns sectores que podem ser mais vulneráveis ​​do que outros. E enquanto hoje a maioria dos maiores tomadores de empréstimos corporativos do mundo – mesmo em tempos tão incertos – pode ser confiável para pagar suas dívidas, também é verdade que durante a recessão económica passada muitos gigantes caíram em desgraça em um piscar de olhos. Basta perguntar à General Electric.


                        1.  AT&T 

                        A AT&T não é mais apenas uma companhia telefónica. Após a compra da Direct TV em 2015 e a aquisição da Time Warner em 2018, a gigante das telecomunicações ficou com uma dívida líquida na casa dos US$ 180 bilhões e o não tão cobiçado título de empresa mais endividada do mundo. Embora os esforços da AT&T para reduzir gradualmente os níveis de dívida estejam valendo a pena, em Maio a gigante das telecomunicações anunciou que estava levantando outros US$ 12,5 bilhões por meio de uma venda de títulos para refinanciar uma parte de sua dívida pendente e aumentar a liquidez.


                        2.  Ford Motor Company

                        Se a pandemia afetou todas as montadoras do mundo, teve efeitos particularmente incapacitantes na outrora gloriosa montadora americana. Afogada em dívidas, com pouco dinheiro e enfrentando uma concorrência cada vez maior, a empresa fundada em Michigan em 1903 está a centímetros da falência. Com as vendas em queda e suas fábricas parcialmente fechadas, em março a Moody's e a S&P rebaixaram a classificação de crédito da Ford de grau de investimento para grau especulativo ou lixo — a Fitch fez o mesmo em maio. Não apenas a Ford terá mais dificuldade em obter financiamento no futuro, mas, como a maioria dos fundos de investimento e de pensão não tem permissão para manter junk bonds como parte de sua carteira, a venda inevitável só aumentará o risco de a Ford entrar em default sua dívida.


                        3.  Verizon

                        Em 2013, a Verizon lançou a maior venda de dívida corporativa da história: $ 49 bilhões em títulos usados ​​para financiar a compra da participação de 45% do parceiro Vodafone Group na Verizon Wireless, a maior provedora de telecomunicações móveis dos Estados Unidos. Embora a empresa tenha dado passos significativos para reduzir sua dívida, ela também teve que desviar recursos para construir sua infraestrutura sem fio 5G, que permite a troca de dados em velocidades maiores. A pandemia, disse o CEO da empresa, Hans Vestberg, apenas provou a solidez dessa estratégia. No futuro, o boom econômico esperado do novo padrão de rede deve acelerar a redução da dívida da empresa.


                        4.  Comcast

                        A maior empresa de TV a cabo e provedora de serviços de Internet dos Estados Unidos está em uma farra de compras há 20 anos. Em 2002 adquiriu os ativos da AT&T Broadband, em 2005 United Artists e sua controladora MGM, em 2011 NBCUniversal, em 2016 DreamWorks Animation. No entanto, foi com a aquisição de US$ 40 bilhões pelo grupo britânico de TV por assinatura Sky que a empresa entrou no clube da dívida de US$ 100 bilhões. A Comcast tem sido diligente em cortar custos operacionais desde então, mas - em meio à concorrência de players de streaming online como Netflix e Amazon - aumentar sua base de assinantes de TV paga tem sido um desafio. Sem dúvida, quando a pandemia atingiu a empresa, houve um tremendo aumento no tráfego de sua unidade de cabo e no uso de dados Wi-Fi. Os custos associados à conectividade dos clientes, no entanto, também aumentaram,


                        5.  Pemex

                        A estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) é a petrolífera mais endividada do mundo e está com problemas. Embora suas reservas comprovadas – após anos de declínio constante – tenham subido recentemente devido à descoberta de um grande depósito de petróleo, a produção caiu pela metade desde o pico de 3,4 milhões de barris por dia em 2004, com consequências terríveis em termos de receitas. Além disso, quando o esforço do governo mexicano para reduzir o saldo devedor da empresa começou a dar frutos, os já baixos preços do petróleo caíram ainda mais e a pandemia estourou. As agências de classificação já haviam reduzido a dívida da empresa para o nível especulativo quando a Pemex divulgou um prejuízo trimestral de US$ 23 bilhões em maio, um dos maiores da história corporativa. Muitas empresas de petróleo em todo o mundo estão enfrentando problemas semelhantes - começando, mais ao sul da América Latina,


                        6.  Grupo Evergrande

                        Com projetos em mais de 200 cidades, variando de condomínios a parques temáticos, uma das maiores - e a mais endividada - incorporadora imobiliária da China gasta dinheiro. Nos últimos anos, e mais ainda desde o início da pandemia global, os investidores do Evergrande Group foram prejudicados pelo desempenho das ações da empresa e duvidaram de sua capacidade de pagar dívidas. Ainda menos encorajadora tem sido a estratégia planejada da empresa para navegar nesta fase difícil. A empresa anunciou que quer se tornar a "maior e mais poderosa" fabricante de veículos elétricos do mundo nos próximos 3 a 5 anos. Enquanto isso, também construirá o maior estádio de futebol do mundo. Preparado para acomodar incríveis 100.000 assentos, a construção já começou na cidade de Guangzhou, com um custo estimado de US$ 1,7 bilhão.


                        7.  Anheuser-Busch InBev

                        A cervejaria belga Anheuser-Busch InBev construiu um vasto império cervejeiro sobre dívidas. Nas últimas duas décadas, lançou uma série de aquisições que adicionaram centenas de marcas ao seu portfólio, tornando-se a líder indiscutível do setor. No entanto, a aquisição da rival SABMiller em 2016 deixou a empresa com mais de US$ 100 bilhões em dívidas. Hoje, a Anheuser-Busch InBev controla cerca de 25% do mercado mundial de cerveja. Para saldar essa dívida, os consumidores terão que beber muito mais cerveja do que hoje – o que é bastante improvável quando as pessoas estão se distanciando socialmente. Durante o mês de abril, revelou a empresa, os volumes de vendas globais caíram 32%.


                        8.  Softbank

                        O gigante japonês do investimento em tecnologia possui participações na WeWork , Sprint, Uber e muitos outros nomes conhecidos. À medida que seu portfólio cresceu ao longo do tempo, sua dívida também aumentou. Embora a estrutura complexa do fundo de investimento torne difícil determinar quanta dívida ele carrega, ele é grande e difícil de pagar o suficiente para que as agências de classificação globais o considerem um degrau abaixo do grau de investimento, ou lixo. Os calamitosos IPOs da WeWork e a estreia nada assombrosa do Uber no mercado não estão ajudando em nada. Os ganhos do ano fiscal encerrado em 31 de março revelaram uma perda operacional impressionante de US $ 18 bilhões para o Vision Fund - uma queda que o CEO e fundador do SoftBank, Masayoshi Son, explicou dizendo que seus unicórnios de tecnologia caíram no "vale do coronavírus".


                        9. Apple

                        Com uma reserva de caixa de quase US$ 200 bilhões, por que a Apple pediria dinheiro emprestado? Resposta: porque é barato. No ano passado, a Apple vendeu US$ 7 bilhões em títulos de 30 anos, sobre os quais pagará pouco menos de 3,0% de juros. Acrescentando seu nome à longa lista de empresas que contraíram dívidas durante a pandemia, a empresa de tecnologia fez isso novamente em maio, quando levantou US$ 8,5 bilhões com a venda de quatro tipos diferentes de títulos a algumas das taxas mais baixas que pagou em uma década. A gigante da tecnologia aproveita esses prêmios baixos para reforçar seu fluxo de caixa, financiar recompras de ações e pagar dividendos. Outra razão muito boa para a Apple continuar tomando empréstimos é que emitir dívida continua mais barato do que trazer de volta para casa todo o dinheiro que a empresa mantém nas suas reservas internacionais.


                        10.  General Electric

                        A empresa fundada por Thomas Edison no final do século 19 passou por um longo e dramático declínio. Em 2000, o venerável conglomerado industrial era a empresa mais valiosa do mundo; em 2018, foi inicializado do Dow Jones Industrial Average. Uma longa série de aquisições inoportunas, juntamente com uma recessão global, tornou impossível pagar dívidas crescentes. No ano passado, a General Electric anunciou que estava vendendo parte de sua divisão de saúde para a Danaher por quase US$ 20 bilhões para aplicar na redução da dívida. Isso ajudou a reduzir em quase um quarto o balanço total, mas as perspectivas para a GE continuam sombrias. Em abril, a empresa registrou uma queda de 24,8% na receita ano a ano, com todas as divisões, exceto saúde, relatando perdas e seu negócio de aviação anunciando uma redução permanente de 25% de sua força de trabalho global. A venda para a Danaher também pode não ter sido a melhor jogada: não apenas a divisão biofarmacêutica – que foi renomeada como Cytiva – continua extremamente lucrativa, mas está na vanguarda de uma série de empresas promissoras que trabalham numa vacina para a Covid-19. 19.

                        https://www.gfmag.com/global-data/economic-data/companies-largest-debt-world-2020