Haverá um fio condutor em vários incidentes de sabotagem na infra-estrutura crítica da Europa, desde que começou a invasão da Ucrânia, em 2014? Está em curso uma guerra clandestina?
Várias guerras do século XX foram precedidas de operações especiais de preparação e provocação, sabotagem e tentativa de intoxicação política, geralmente perpetradas por espiões e agentes secretos, soldados de sombras e comandos nunca identificados.
A história não se repete. Continua.
P, uma espécie de sósia mais jovem de Aleksandr Lukashenko, tinha sido colocado em Lisboa como responsável pelo SVR, serviço secreto externo russo. Entre outras iniciativas, havia planeado uma exótica Volta a Portugal para ciclistas do seu país, considerada uma má ideia pelas nossas autoridades de segurança.
Depois destacado para Madrid, o espião veterano orientou a caça ao alegado traidor do Estado russo, Sergei Skripal. Este, um antigo paraquedista e operacional da “secreta militar” (GRU, hoje GU), começou a trabalhar para o MI6 britânico a meio dos anos 90 do século passado, quando ainda se encontrava ao serviço, em Espanha.
Detido e perdoado pelo então Presidente Medvedev, Skripal acabou por ser trocado por diversas “toupeiras” valiosas, e instalou-se como reformado especialmente protegido no Reino Unido. Com a sua filha Yulia, foi envenenado por um suspeito “comando” russo, em Salisbury, no dia 4 de março de 2018. Os dois (na foto) sobreviveram, depois de cuidados intensivos e prolongados, e foram reinstalados em segredo, algures na Commonwealth.
Os responsáveis pelo ato terão sido agentes de uma nunca identificada célula especial do GRU/GU, oriunda da Escola Operacional do mesmo serviço, a Unidade 29155. Aqueles usaram diversas coberturas legais, incluindo a de técnicos de nutricionismo desportivo, e são acusados de uma série de atentados na União Europeia, dirigidos a fábricas de munições com destino à Ucrânia.
Nesse rol de explosões misteriosas, contam-se dois atos em 2014 contra paióis de Vrbetice, Zlin, na República Checa, e outros quatro tendo como alvo a empresa EMCO, de Emilian Gebrev (entretanto também envenenado), em Karnobat, Bulgária. Um dos membros dos alegados sabotadores (aliás o seu chefe operacional) passou brevemente pela capital portuguesa, depois de obter um visto na nossa embaixada em Moscovo.
As explosões teriam como objetivo sabotar o esforço de guerra do Governo ucraniano, confrontado com a ocupação de parte do Donbass e da Crimeia, depois da queda e fuga do Presidente Ianukovich.
Em janeiro deste ano, o CEMGFA britânico, Tony Radakin, alertava para o crescimento exponencial, em homens, material e exercícios, das forças especiais submarinas russas, com especial risco para o mar Báltico. Em setembro, três explosões destruíram parte das condutas inoperacionais de gás Nord Stream 1 e 2, que deveriam abastecer a Europa a partir da Rússia. Os ataques, nas zonas económicas da Suécia e Dinamarca, foram imediatamente atribuídos pelo Kremlin aos serviços especiais ou do Reino Unido, ou dos EUA ou da Polónia, mas nos círculos europeus suspeita-se de uma operação clandestina das unidades GS (mergulhadores de combate) do GU, e em particular do PDSS 313, precisamente estacionado em Baltiysk, muito perto do local do incidente.
Qual seria o motivo? Conformada com o fim “político” do abastecimento de gás à UE, a liderança moscovita daria um poderoso sinal de aviso a Bruxelas e a Londres, que entretanto construíram gasodutos estratégicos de alternativa, visivelmente vulneráveis.
Em outubro, nova sabotagem, agora no sistema de cabos ferroviários de comunicações no Norte da Alemanha, obrigando à paragem de comboios de longa distância, incluindo os de ligação à fronteira polaco-ucraniana. Os perpetradores tinham vasto conhecimento da rede afetada da Deutsche Ban.
A 19 e 20 do mesmo mês, sucessivas sabotagens nos cabos de Internet a ligar Alemanha, França e Noruega, e entre Itália e Espanha. Pela mesma altura, cortes “de autoria humana” nas ligações entre as Ilhas Faroe e o arquipélago escocês de Shetland, e entre este e o norte das Ilhas Britânicas.
As campainhas de alerta
É preciso não esquecer que as companhias de comunicações “ocidentais” e chinesas (Google e Microsoft, Alcatel ASN, Huawei HMN) usam 1,3 milhões de km de cabos submarinos.
E há a registar a frequência de sobrevoo de infraestrutura da Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia por drones, e a multiplicação de ataques informáticos: só contra a Fingrid de Helsínquia, de 3 significativos em 2021 para 11 este ano.
Naturalmente, todo esse mês assistiu às campainhas de alarme: reunião especial da NATO em Praga, e reforçadas propostas da Comissão Europeia para a execução da Diretiva de Resiliência de Entidades Críticas (CER), em torno de testes de stresse, como no sistema bancário.
Nada disto existe
Alguns meios americanos (ultra-Trumpistas e extrema-esquerda) acreditam, por trás disto, na “mão secreta” de Joe Biden, numa tentativa de “submeter” a Europa aos EUA.
Mas os sinais evidentes indicam fases de uma real guerra secreta contra o que o Kremlin chama “Ocidente coletivo”.
Esta seria a punição pela ajuda continuada ao martirizado Estado ucraniano, e a dissuasão quanto a futuros planos.
Como diz um antigo funcionário superior de um departamento sensível de Moscovo: “O regime russo resistirá até ao fim ao seu próprio desastre, e ainda tem muitos meios para vender cara uma qualquer forma de derrota.”
Assim, esta ação de sombras viverá connosco. Mesmo que se declare que nunca existiu.
A ver em dezembro
Nas telas, a começar pelo filme do ano, Os Fablemans, O Menu, grande sátira de novos costumes, e a prova do talentoso sul-coreano Park Chan-wook, com o policial mais complexo de sempre, Decisão de Partir, e ainda a revisitação histórica Corsage, de Marie Kreutzer, ou o império austro-húngaro como nunca o viram.
Francófono, do muito bom ao regular, Memórias de Paris, Irmão e Irmã, Os Passageiros da Noite, Leila e os Seus Irmãos e Meus Ricos Filhos.
Relativamente malditos nos Estados chinês e iraniano, Regresso ao Pó e Trabalhos de Casa. Sobre os novos terrores americanos, Última Noite, Ruído Branco e Bed Rest.
E ainda O Poeta, O Trio em Mi Bemol e Um Pedaço do Céu.
Nuno Rogeiro
Sábado
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