Livro de geografia diz que "legalização do aborto" e "valorização do papel das mulheres" foram algumas das políticas adoptadas que contribuíram para diminuir a natalidade.
As redes sociais são especialistas em originar polémicas em torno de tudo (e nada), mas muitas vezes são também palco de alertas para situações que tinham passado despercebidas. Esta segunda-feira, uma encarregada de educação publicou no Twitter uma imagem de um manual da disciplina de Geografia, do 8º ano, que abordava o tema "política demográfica". O livro definia como "políticas demográficas anti natalistas" um "conjunto de medidas que têm como objectivo diminuir o elevado valor de natalidade".
Depois, através de uma tabela, dava como exemplo: a "valorização do papel social da mulher", a "divulgação do planeamento familiar" através da distribuição gratuita de meios contraceptivos, a "legalização do aborto" e o "aumento do nível de instrução da população, sobretudo da feminina", o "aconselhamento ao casamento tardio" e a introdução de "benefícios fiscais para as famílias com apenas um ou dois filhos".
O conteúdo do manual acabou por ser contestado por uns, aplaudido por outros, mas levantou grande espaço de debate nas redes sociais.
Se há internautas que consideram "inaceitável o que está nesse livro" e que é um "atentado contra as mulheres", há outros que se apressam e garantem que vão "ver o que diz o livro" dos seus filhos. Há quem ironize e afirme ter lido "Educação Moral e Religiosa Católica em vez de Geografia" ou que questione "e onde falam da cozinha e do chão por esfregar?". Mas há também quem levante questões que podem ser consideradas pertinentes como se os exemplos nomeados não deverão ser considerados "causas que contribuíram para a diminuição da natalidade" em vez de "medidas políticas".
"Existe uma grande diferença entre políticas anti natalistas e políticas que a posteriori resultaram na diminuição da natalidade", escreve uma das pessoas na publicação.
A SÁBADO contactou a editora do livro, a Porto Editora, que nos garantiu que o manual escolar "cumpre escrupulosamente as Aprendizagens Essenciais definidas pelo Ministério da Educação para a disciplina de Geografia".
Referem ainda que o tema em causa aborda "as questões demográficas ao nível mundial, onde se inclui a análise das diferenças claras em termos sociais, económicos e demográficos entre países desenvolvidos, no qual se insere Portugal, e países em desenvolvimento e menos desenvolvidos".
Por isso, apesar de reconhecerem que o conteúdo se tornou polémico na Internet, defendem uma análise "contextualizada para uma correcta interpretação" e dão dois exemplos. No caso do casamento tardio referem que esta política surge como uma medida anti natalista pois "nos países menos desenvolvidos o casamento entre menores é uma prática comum e recorrente".
Sobre o papel social da mulher, explicam que "nos países menos desenvolvidos resume-se, muitas vezes, às actividades domésticas e relacionadas com a maternidade, estando a igualdade de género ainda longe de ser alcançada". Considerando que falamos de "sociedades desiguais que não promovem igualdade de oportunidades", neste contexto, "a valorização do papel social da mulher significa potenciar a emancipação e a educação da população feminina, permitindo dar às mulheres liberdade de escolha sobre a sua vida sexual e sobre a maternidade".
Em resposta à SÁBADO, a Porto Editora esclarece ainda que esta informação é veiculada "em todos os manuais escolares de Geografia (não apenas da Porto Editora) em moldes semelhantes e com a mesma linguagem", incluindo no projecto Estudo em Casa, emitido na RTP.
Analisámos o programa em causa e as matérias abordadas são as mesmas mas as palavras usadas, não. Enquanto o livro da Porto Editora fala em "políticas anti natalistas", a informação divulgada na RTP refere "factores explicativos para os diferentes valores de fecundidade no mundo".
"O problema é de semântica. Anti significa contra, medidas significa acções com propósito. Ora quando se lê as ditas medidas verifica-se que a maior parte são só consequências de acções ou situações que não tiveram a natalidade como propósito. É colocar o manual no lixo", assegura um outro internauta.
Apesar da aparente confusão digital, a Porto Editora garante que todos os manuais escolares "são alvo de revisão científica por parte de instituições acreditadas" sendo este revisto pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Em resposta à SÁBADO, José Alberto Rio Fernandes, o docente que assegurou esta revisão, também garante que tudo não passa de uma "virose das redes sociais" e apresenta uma contextualização para cada ponto apresentado no livro.
Segundo o docente, o empoderamento feminino é usado, em muitos países, como ferramenta para diminuir a população. A pouca instrução – traduzida muitas vezes no alfabetismo e iliteracia – "está na raiz de taxas muito elevadas de natalidade", pelo que o aumento do nível de instrução da população, sobretudo da feminina, é uma das formas usadas para o combater.
No caso do aconselhamento ao casamento tardio, "em muitos países são muito reduzidos os casos de filho fora do casamento, pelo que resulta estatisticamente verdadeiro que, quando mais tarde o casamento, menor o número de filhos".
Da mesma forma, a valorização do papel social da mulher em algumas comunidades – através do combate à dependência socioeconómica e à fragilidade da mulher perante o marido e a sociedade em geral – é outros dos mecanismos para actuar em países onde se regista grandes taxas de natalidade.
Quanto ao planeamento familiar, José Fernandes, esclarece que "a ausência de informação ou a pobreza são, em muitos casos, a explicação para elevado número de filhos", o que faz com que a distribuição gratuita de meios contraceptivos actue de forma directa neste número. Já na legalização do aborto, "independentemente da posição de cada um", o especialista diz que esta é uma medida que diminui objectivamente o número de nascimentos.
Sábado
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