…As suas intervenções são insultuosamente inúteis…
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Nos momentos que carecem de um chefe de Estado, é garantido que o prof. Marcelo não comparece.
Os detractores que lhe questionam o discernimento não explicam esta habilidade para evitar chatices.
10 dez. 2022, Alberto Gonçalves – Observador
Vocês conhecem-no. Toda a gente o conhece. É aquele sujeito que aparece sempre que há uma câmara de televisão plantada algures. E que diz coisas sem nexo e sem parança. E que em geral ostenta um sorriso esquisito. E que se agarra a quem estiver nas imediações. E que adora tirar retractos. E que se despe à primeira oportunidade. E que suscita a alguns um sentimento entre a compaixão e o embaraço, o divertimento e a impaciência. Falo, deveria ser escusado notar, do popular Emplastro. Não me refiro ao sr. Nando, que é de Vila Nova de Gaia, costuma andar vestido, fala pouquíssimo e, que se saiba, não custa muito ao erário público. O Emplastro em questão mora em Belém, acode pelo nome de “prof. Marcelo” e, acreditem, é presidente da República. Vocês acreditam. A maioria de vocês votou nele. E por duas vezes.
Como é que nós – “nós” a nação, “nós” a sociedade, “nós” o colectivo raio que nos parta – descemos a isto? Como podemos achar isto relativamente “normal”, ou saudavelmente “normal”? Como é que isto é tolerável? Como é que o “presidente implausível”, na definição do Vasco Pulido Valente, é possível? Como é que não estranhamos o Emplastro de Belém, como estranharíamos, suponho, se víssemos o Emplastro de Gaia ser agraciado com o Nobel da Física? Como é que conseguimos desenvolver tamanha apatia? Como é que a realidade mais desvairada nos parece corriqueira e “habitual”? Como é que, repito, descemos a isto?
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Dei por mim a marinar estes pensamentos pela enésima ocasião quando, após o jogo Portugal – Suíça, o prof. Marcelo surgiu imediatamente nos diversos canais a comentá-lo. À medida que o campeonato avança, o prof. Marcelo avança igualmente na frequência dos comentários, que entretanto já acontecem no fim, no início e no intervalo das partidas (caso a “selecção” atinja a final da competição, imagino que o homem se encarregue do relato completo para a RTP). E não são meras generalizações, estilo “Estou contente porque a equipa jogou bem”. Não senhor: são disparates detalhados, jogador a jogador, táctica a táctica, “incidência” a “incidência”. No pedaço que vi, terça-feira, terminou a esclarecer que iria enviar uma mensagem ao treinador e telefonar-lhe “às tantas da noite”. Depois sorriu. Depois inclinou-se para o centro da imagem até quase abalroar a repórter, talvez mortificado por ter de abandonar momentaneamente as objectivas. Na quinta-feira, regressou, especado ao pé do autarca lisboeta nas cheias da cidade.
O Emplastro de Belém materializa-se na bola, na praia, nas cheias se as cheias forem atribuídas às “alterações climáticas” e, afinal, no que não seja propício a criar polémica e onde a sua intervenção é insultuosamente inútil. Nos lugares e nos momentos que carecem de um chefe de Estado, é garantido que o prof. Marcelo não comparece. Os detractores que lhe questionam o discernimento não explicam esta curiosa habilidade para evitar chatices.
As chatices ficam a nosso cargo. Um sistema de saúde que falece sem dignidade à vista desarmada. Uma corrupção fulgurante. Uma Justiça aleijada. Um ensino em cacos. Uma liberdade condicional. Uma economia de rastos. Uma fiscalidade voraz. Uma miséria imparável. Um destino negro. E, atrás e à frente de tudo, um partido que tomou conta do Estado e um Estado que tomou conta do país. E um governo cuja incompetência, arrogância e endémica desonestidade o prof. Marcelo desculpa, protege e acarinha com apreciável zelo. Esta época de gangsters exigia um líder: saiu-nos uma caricatura, que reduziu o cargo a pó. O prof. Marcelo não preside a Portugal: por omissão preside à ruína de Portugal, ou no mínimo da frágil democracia que andámos meio século a tentar amanhar. Podia fazê-lo com gravidade trágica, mas prefere o destrambelhamento cómico. E continuamos sem perceber se o destrambelhamento é opção ou fatalidade.
O que se percebe é que antes de 2016, carregadinho de livros por abrir e de honras por demonstrar, o prof. Marcelo não passava da típica “sumidade” nacional, um alegado portento que se esvazia ao primeiro alfinete ou contacto com a realidade, e que, num deserto de alternativas, os cidadãos elegeram. Desde então, tem sido uma coisa diferente. O quê? Descontadas as evidências e as suspeitas, o que em suma o prof. Marcelo mostra ser é alguém com um profundo desprezo pela totalidade das pessoas, excepto por uma pessoa em particular: ele próprio. Não há ali frase, gesto ou acção que não padeça de um narcisismo desmesurado. O exagerado fascínio que ele simula sentir pelo mundo não esconde, aliás revela, a clausura daquela cabeça.
Vocês conhecem a cabeça, de resto omnipresente em “selfies”, noticiários e variedades. Mas não querem conhecer o que vai lá dentro.
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