Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta.
O episódio da indemnização milionária dada pela TAP à secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, é um exemplo acabado do estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.
Do que conhecemos ao momento que escrevo, terça-feira, dia 27, restam poucas dúvidas sobre o que representa este episódio em matéria de percepção pública do estado desta democracia, tão maltratada pelas redes de nepotismo, amiguismo e clientelismo que dominam os partidos de poder em Portugal, melhor dizendo, PS e PSD.
Em primeiro lugar, foi encapotada uma renúncia de Alexandra Martins ao lugar, portanto, sem direito a indemnização, num acordo de conveniências – que urge conhecer - entre as partes.
Por outro lado, a lei que a gestora da TAP Alexandra Martins andou a aplicar, enquanto responsável pelos recursos humanos da empresa, a centenas ou milhares de trabalhadores, foi a chamada lei laboral “da troika”. Traduzindo: uma lei que alterou radicalmente, em desfavor do trabalhador, as regras de indemnização por cessação de contracto de trabalho. Miraculosamente, pelo que se sabe, a senhora secretária de Estado escapou à severidade da dita lei.
As actuações da secretária de Estado, da TAP e do próprio Governo tresandam a duplicidade moral. Também a duplicidade política, traduzida na falência absoluta de todos os critérios de decência e, eventualmente, da lei, por parte de dois ministros do Governo.
Pedro Nuno Santos deve explicar se conhecia ou não os termos do acordo entre a então gestora da TAP e esta empresa, no momento em que a convidou para presidente da NAV.
Se conhecia é muito grave. Significa que pactuou com a mentira de mascarar uma renúncia contratual num acordo de partes. Significa, também, que pactuou com uma lógica de administração danosa, um crime previsto e punido pela lei penal, ao aceitar que o mesmo patrão, o Estado, pague uma indemnização milionária e depois contrate, para outra empresa, em termos não menos milionários. Sabendo, é claro, que isso não seria neutro numa empresa em que os contribuintes já meteram para cima de 3,2 mil milhões de euros, que despediu a torto-e-a-direito, que se rege por regras de direito público, onde deve ser exemplar. Espera-se o douto entendimento do Ministério Público.
Se não sabia da indemnização é igualmente grave. Coloca-se, obviamente, a questão de saber o que anda o ministro a fazer no cargo. É um problema político para o Governo, mais um, e um espinho brutal cravado no futuro de um ministro e de um político que aspira a ser líder do PS e primeiro-ministro.
Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, tem de explicar o que é que conhecia, afinal, de toda esta história mal contada. Tem de dissipar o ruído de algo que não o compromete, ainda, mas que lhe coloca, para já, um problema político muito complicado. Deve clarificar, desde logo, se conta ou não com Alexandra Reis para dirigir a reprivatização da TAP. Mas deve também clarificar o que sabia da trajectória da gestora. Se conhecia a indemnização, se o incomoda um potencial conflito de interesses pelo facto de a sua mulher, alto quadro da TAP até Fernando Medina ser ministro das Finanças, ter trabalhado em contacto estreito com Alexandra Martins.
Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública, o eleitorado, e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e, sobretudo, sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta. É um episódio grave que traduz um dos problemas da democracia portuguesa. A mensagem é simples e letal, em matéria de confiança nas instituições e no regime. Se estás longe ou mesmo na periferia das esferas de influência do poder e do dinheiro, estás dependente da vontade do imperador. Recebes umas esmolas e umas graças imperiais de vez em quando. Se estás perto da centralidade do poder, estás perto de Deus e do Imperador, das suas graças, da simpatia, da cumplicidade, do favor, da cunha, do jeitinho, da atenção, da informação privilegiada, da assinatura decisiva, da “construção” da vontade que molda a lei aos acordos de conveniência. E isso, num espírito republicano e laico, socialista, social-democrata, de esquerda ou de direita, é inaceitável. Espera-se do Governo e de todos os socialistas o mesmo músculo que têm evidenciado no combate a ameaças da democracia, como o Chega e outras…
Sábado
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