É pouco provável que a medida inscrita por alguns partidos (BE, Livre, PAN e PSD) nos projectos de revisão Constitucional, conferindo o voto aos cidadãos com mais de 16 anos, veja a luz do dia. O PS parece ser contra, o que basta para chumbar, e o PCP e o Chega também. Mas de onde vem esta ideia que é aplicada em alguns países (a Áustria foi o primeiro na Europa)? Que base tem?
Conferir direitos políticos aos mais jovens parece simpático, ainda que (baseio-me num estudo divulgado pelo ‘Pùblico’) o cérebro só seja adulto a partir dos 20 anos. Mas isto dos estudos sobre pessoas diferentes em ambientes culturais diferentes são sempre duvidosos. Há cérebros que não são adultos aos 50 e outros que aos 14 anos são muito responsáveis. Se alguma coisa escreveu com razão o escritor neorrealista e comunista Soeiro Pereira Gomes, foi a dedicatória do seu livro ‘Esteiros’, há já 80 anos: “Aos homens que nunca foram meninos”.
Há gente que nunca teve a oportunidade de ser criança; sobretudo nos tempos que Soeiro referiu. Hoje, por lei, todos têm de estudar 12 anos. E aqui começa o primeiro óbice: por que razão alguém que ainda não completou o ensino obrigatório pode votar? Esta pergunta assim feita levar-nos-ia muito longe: alguns estudantes com 25 anos continuam a contar como dependentes e já votam há seis anos, desde os 18. E outros há que, mesmo com 30 anos são dependentes, embora não contem como tal, em matéria de impostos. Quem ganhar mais de 14 salários mínimos em alguma actividade deixa de ser dependente aos 18 mas, com menos de 18, ainda que aufiram esse rendimento e paguem IRS, são, à mesma, dependentes.
Mas qual a relação entre a dependência, os impostos e o voto? É que, pela pura lógica, se admitimos que um dependente sem rendimentos pode votar, porque não baixamos ainda mais a fasquia? E aí teremos outros obstáculos: 16 anos é a idade mínima de consentimento sexual (embora em países como França, seja 15) e é, igualmente a idade da maioridade penal, embora alguns autores defendam que esta deveria coincidir com a idade da maioridade cidadã, que é aos 18.
Há, ainda, mais uma questão: a possibilidade de votar aos 16 anos, implica a maioridade? E se sim, o ensino obrigatório terminaria com a maioridade (lá para o 9º ou 10º anos), ou obrigaríamos cidadãos de pleno direito a estudar? E a possibilidade de tirar a carta de condução, de beber, de fumar várias outras coisas associadas ao facto de se ter mais de 18 anos?
Como se vê, o voto aos 16 anos tem implicações várias com diversas actividades e leis. Mas há uma que nos vem do século XVIII e que a associa à maioridade geral: o facto de se pagar impostos. A independência dos EUA começou com uma ideia simples: a coroa britânica não tinha o direito de cobrar impostos a quem não permitia que tivesse representantes no Parlamento. Claro que hoje, com o alargamento do direito de voto, que é um adquirido civilizacional, as coisas já não assim. Mas o fundamento da cidadania tem de começar nalgum ponto e não me parece que tenha de ser pelo voto, antes de alguém ser considerado maior de idade para poder governar a sua vida como entende.
O ponto não está em saber se os jovens com 16 anos estão preparados para votar; haverá de tudo, como de resto se passa aos 18 e a qualquer outra idade. A questão está sem saber se o mesmo Estado que cada vez mais infantiliza os jovens, começando por facilitar os estudos e conceder-lhes vantagens que não são acessíveis a pessoas com outras idades, lhes concede o maior direito democrático: o de votar.
Trata-se, ainda, de perceber que, para alguns partidos, o essencial está no facto de a agenda activista jovem estar próximo das suas posições, ao passo que para outros é uma mera forma de aumentar a participação eleitoral.
Os exemplos onde já acontece o voto aos 16 anos não trouxeram novidades políticas, salvo o aumento da participação. Mas esse argumento é, do ponto de vista lógico, pouco consistente. Se permitíssemos que os pais votassem pelos filhos ou por aqueles idosos que já não saem de casa, teríamos ainda mais participação (embora menos critério democrático).
Em suma, o voto aos 16 pode parecer uma boa ideia, mas as suas implicações na maioridade, no ensino, nos impostos, e em diversas leis (algumas muito recentes) são consideráveis. Porém, existe um argumento que arrasa tudo isto: se alguém pode tomar uma decisão como mudar de sexo com 16 anos, por que não há de poder votar? Só que nesta questão, o errado é poder mudar de sexo sem conhecimento dos pais.
Expresso
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