sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O acontecimento do ano é também o mais perigoso

Após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.

Toda a gente é unânime em considerar que a invasão russa da Ucrânia é o “acontecimento do ano”. Mas há que acrescentar outra coisa: é o acontecimento mais perigoso desde que Hitler invadiu a Polónia em 1939, provocando a II Guerra Mundial. Insisto: muito e muito perigoso, porque apesar dos lugares comuns sobre como “tudo tem solução, basta querer”, nesta altura não tem a “solução” que as pessoas estão a pensar, e a que tem é igualmente muito perigosa, embora isso não seja argumento para não a defender.

Essa solução é a vitória da Ucrânia sobre a Federação Russa, sobre Putin, porque a alternativa, a derrota da Ucrânia não é uma verdadeira solução e não acaba com nada. O dilema dos nossos dias é que qualquer solução, mesmo negociada, que não seja uma de derrota ou de vitória não é possível por muito que em abstracto seja desejável. Há uma forte razão para que haja este dilema: após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.


A indemnização de 500 mil euros
Na casuística que tem sido ofensiva da comunicação social, com colaboração secundária dos partidos, em particular o PSD, contra o governo misturam-se coisas sérias com irrelevâncias e má-fé. Mas o caso da indemnização dos 500 mil euros, mesmo que a história esteja mal contada como está, mesmo que seja legal como avalizou o Presidente, é inaceitável sob todos os pontos de vista. Moral, para começar, embora a moral tenha costas largas e eu não gosto de a utilizar como argumento. Mas se o que se passou não foi imoral, imoral de abusivo seja em que circunstâncias for, pode esticar-se a legalidade para maximizar as vantagens. Tal só é possível, claro, com a conivência de cima e o carneirismo dos debaixo.
Quando for grande quero ficar dois anos numa empresa paga pelos contribuintes, sair, seja porque me correram, seja porque quis, ir para outra igual na hierarquia do mando, e receber meio milhão…


A sorte para os ucranianos…
…foi ter Biden na Casa Branca. Em toda a sua carreira Biden era um dos raros políticos americanos que sabia alguma coisa sobre política externa e um “atlantista” de toda a vida. Conheci-o pessoalmente nessas andanças da OTAN e era tido como um senador que não se limitava a chegar às reuniões e a ter um estatuto de primeiro entre os pares, como acontecia por regra nas delegações americanas, mas que participava e mostrava genuíno interesse. Se há coisa que ele sabe, é o que é que Putin quer, e por que razão não se lhe deve dar o que ele quer. De forma aliás bastante intransigente, porque nestas matérias as hesitações pagam-se caro.


Não sei se o diabo ainda faz tratos como fez com Fausto…
…mas presumo que no caso vertente, como não é pela Gretchen, fique mais barato do que uma alma inteira. Eu explico-me esperando que a mensagem chegue a Mefistófeles. Do meu lado direito está uma pilha de livros que não foram para as estantes porque estão na categoria dos livros “que eu queria ler”. Do meu lado esquerdo, idem. Ambas estão no limite do equilíbrio, uma tem 200 livros mais ou menos, a outra cerca de 150. Acumularam-se nos últimos dois anos. Incluem uma antologia de Joan Didion, vários volumes da tradução da Bíblia de Frederico Lourenço, o último volume publicado da biografia de Staline de Stephen Kotkin, cerca de 1000 páginas, e a grande edição Landmark da História da Guerra do Peloponeso de Tucídides. Isto só para nomear alguns dos livros que mesmo antes de irem para esta pilha já foram folheados e lidos, um ensaio, um capítulo, as primeiras páginas (de Tucidides, para responder à minha curiosidade sobre como é que começa um grande livro clássico…).
Se há sítio que tenho a certeza Mefistófeles, o diabo que apareceu a Fausto, frequenta são as redes sociais, onde eu não estou porque para aprendizes menores de diabo, esgotam-me a paciência. Por isso se alguém lhe chamar a atenção de que preciso de tempo para ler isto tudo e mais alguma coisa, podemos fazer um tracto. Razoável, claro.

José Pacheco Pereira

Sábado

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