quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Uma garagem não é uma casa.

O jornalismo em Portugal e constrangedor! Depois de ouvir António Costa e as explicações da protecção civil, questionei-me se teria ouvido bem, e reconfirmei que ouvi, mas os jornaleiros das subsidiadas, não. São incompetentes, “vendidos” apoiam politicamente o PS, ou…. Confundir uma casa com uma garagem!!!

Há um mínimo que devemos exigir: não deixar que o primeiro-ministro confunda uma garagem com uma casa, nem uma sociedade encalhada com um Portugal pujante.

Já todos viram as imagens, certo? António Costa enfastiado numa conferência de imprensa, a ter de responder a perguntas chatas sobre inundações, sobre Carlos Moedas e a falta de telefonemas solidários – e depois um comentário infeliz à saída, apanhado pelas câmaras: “Posso perguntar-lhe [a Moedas] porque é que ele não me contactou a mim quando eu tive a minha casa inundada.”

Com o seu imenso nariz para distinguir aquilo que é foleiro mas pode ser dito (por exemplo, ofender partidos com palavras de estrebaria) daquilo que é foleiro mas não pode ser dito (por exemplo, manifestar em público o desejo ostensivo de um tratamento de privilégio), António Costa cheirou o problema e apressou-se a pedir desculpas sobre o seu “aparte irritado”: foi uma “expressão infeliz”, disse ele, que lhe saiu porque estava com “sono” após 14 horas de reunião do Conselho Europeu. Ou seja, uma infelicidade verbal causada pelo excesso de trabalho ao serviço da nação portuguesa. Quem nunca?

Só que, infelizmente, tratou-se de bastante mais do que isso – foi uma “expressão infeliz”, sim, mas foi também uma mentira descarada. Ou, se não quisermos ser tão brutos, uma escorregadela aparatosa no pavimento da verdade. Eis o facto indesmentível: a casa de António Costa nunca esteve inundada. A TSF foi lá no dia seguinte e encontrou a D. Carminda. Perguntou-lhe: a água chegou mesmo a casa do vizinho António Costa? Resposta da D. Carminda: “Não. Mora lá em cima, no terceiro andar. Foi só a garagem.”

De seguida, a TSF foi perguntar o mesmo ao presidente da Junta de Freguesia de Benfica, que por acaso até é do PS. Ele confirmou a versão da D. Carminda: “O edifício onde habita o primeiro-ministro teve uma inundação muito grave na garagem. Alguns carros ficaram submersos.” Ah, que chatice. Então um desses carros pertencia a António Costa e foi preciso chamar o reboque? “Não houve nenhuma viatura do senhor primeiro-ministro [envolvida]”, esclareceu Ricardo Marques. “Isso é um mito.”

Donde, nem a casa se inundou, nem o carro ficou inundado, pelo que o mais importante naquela conferência de imprensa não foi a irritação ensonada de António Costa, mas o deslizamento da verdade, tanto mais significativo quanto ele é exemplar de uma certa maneira de proceder politicamente. O primeiro-ministro passa o tempo todo a manipular a linguagem; essa irresistível tentação que o leva a transformar, se necessário, uma unha encravada numa perna amputada – para poder vitimizar-se –, ou, em movimento inverso, a converter a chuva que cai do céu na solução que ele engendrou para livrar o país da seca prolongada – para poder glorificar-se.

Basta pegar na já clássica entrevista à revista Visão para encontrarmos exemplos de como António Costa empola extraordinariamente indicadores cujo mérito nunca poderia ser só seu, como a diminuição do abandono escolar ou o crescimento das exportações (e assim transforma a simples garagem em casa apalaçada), ao mesmo tempo que desvaloriza os “casos e casinhos”, a “bolha mediática” ou os gravíssimos problemas estruturais que se mostra incapaz de resolver, como no caso do SNS (e aí, ao palácio sem telhado chama pequena garagem com humidade no tecto).

Estamos há sete anos como na canção de Quim Barreiros, a ver António Costa tirar e meter o carro à hora que ele quer. Mas há um mínimo que devemos exigir: não deixar que o primeiro-ministro confunda uma garagem com uma casa, nem uma sociedade encalhada com um Portugal pujante.

João Miguel Tavares

22 de Dezembro de 2022,

Publico



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