Escrevo sobre a importância dos cuidados que deve ter sobre a nova doença produzida pelo Corona Vírus e a falta de verdade que tem acompanhado o discurso oficial.
No dia em que escrevo, dia 25 de Março, com os dados da Direcção-Geral da Saúde, havia um número crescente de casos no país. Estamos na fase claramente ascendente, exponencial, de subida do número activo de infectados. Tivemos os casos diários acumulados activos e de testes realizados à população, que se interpolam a partir dos dados obtidos nos boletins da Direcção-Geral da Saúde:
21 de Março – 1.280 casos – 2.122 análises
22 de Março – 1.600 casos – 1.925 análises
23 de Março – 2.060 casos – 1.895 análises
24 de Março – 2.362 casos – 1.800 análises
Se observarmos os dados das análises face aos casos, que grosso modo representam a capacidade de propagação da doença, temos uma descida de 165,7%, 120,3%, 92% (aqui deu-se o ponto de ruptura, fizeram-se menos testes a potenciais novos casos do que os casos activos) para 76,2% de testes face ao total de casos confirmados.
Se o leitor não compreende bem isto, o autor ainda menos. Quando o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou publicamente que o único caminho para combater esta doença era a análise sistemática da população, dizendo inclusivamente “Testem, testem, testem!”, o governo português e a DGS reduzem drasticamente o número de testes. O secretário de Estado da Saúde disse que não se estavam a racionar os testes, mas sim a racionalizar! O que devia ter dito era que não havia testes para seguir as recomendações da OMS, estando nós ao nível do terceiro mundo, em ruptura total de meios.
Entretanto, o primeiro-ministro António Costa, dizia numa entrevista na TVI, no dia em que menos testes se fizeram, que “não falta nada” no sistema de saúde.
O que se passa é que testando cada vez menos pessoas, em valor absoluto, a possibilidade de detectar novos casos, os verdadeiros casos infectados, é cada vez menor.
Sabemos, cada vez mais, de mais testemunhos de pessoas com sintomas que telefonam para a linha Saúde 24 e lhes é dito para tomarem um benuron, que serão testadas nos próximos dias; esperam depois esse telefonema, esperam, esperam, e passaram três dias e nada aconteceu.
Os profissionais de saúde, lidando todos os dias com estes doentes, e sabemos que o vírus é extremamente contagioso, não são testados. Mais uma vez os testemunhos são arrepiantes. Para além dos cruciais testes, faltam fatos, viseiras, máscaras, luvas, etc., etc., etc… Um coronel de cavalaria, antigo comandante do regimento de Santarém, ficou estendido, morto no chão, por dez horas, porque ninguém sabia o que fazer com medo do Corona Vírus.
Além de faltar material, falta direcção, faltam protocolos, a burocracia no registo dos casos é avassaladora e o ‘site’ da DGS extremamente mal feito e lento. A coisa é tal que muitos casos ficam por registar longas horas, ou mesmo dias, perdendo-se informação vital para combater a doença.
Na falta de um tratamento curativo eficaz para esta doença, sobretudo quando se agrava para a pneumonia final, a única forma de combate é a informação. Quando se mente sobre o número de testes, quando os matemáticos têm de pesquisar números, como detectives, porque os dirigentes se recusam a dar os números de testes feitos em conferências de imprensa, dia após dia, algo está mal.
Recentemente, no dia 23 de Março, foi submetido um artigo científico, “Using a delay-adjusted case fatality ratio to estimate under-reporting”, com primeiro autor Timothy Russel, sobre o número real de casos e os números oficiais em diversos países do Mundo. A Coreia é o melhor país do grupo, com um índice de 80% de casos detectados. Nessa altura Portugal apresentava-se como um caso médio, com 35% dos casos detectados, um valor já baixo; os dados eram de 22 de Março, ainda fazíamos mais testes do que o número de casos existentes, o que é normal.
Repetindo o autor as contas desse artigo com os dados de terça-feira, que se reportam a segunda, após também um folhetim inacreditável com o boletim da DGS com múltiplas alterações, correcções e emendas ao longo dia, o número de mortes foi fixado em 33. O número de mortes, infelizmente, é um indicador muitíssimo mais preciso do que os números da DGS, por falta de informação reportada e por falta de testes. Ainda é muito difícil errar no número de mortes por COVID-19, ao contrário dos números de casos suspeitos e confirmados.
Fazendo as contas com os números de ontem, corrigidos com os números de mortes ao final do dia, passámos de 35% casos correctos para apenas 3,2% em dois dias! Ou seja, os números de crescimento da epidemia em Portugal estão gravemente sub-estimados, o que é gravíssimo, e nem é por o público estar a ser enganado, é gravíssimo porque isso favorece uma propagação descontrolada de uma doença que é assintomática ou leve na maior parte dos casos; e até 12 dias mesmo os casos que ficarão muito graves se afiguram como ligeiros. Uma doença que mata 5% dos casos detectados, e muito mais nos idosos. Estamos a perder imenso tempo com testagem muito abaixo do recomendado pela OMS.
Sem dados fiáveis, sem testes e com falta de verdade, apesar do civismo do público, não conseguiremos combater a doença. É urgente requisitar, usando os mecanismos do Estado de Emergência, os testes do sistema privado, que esperam, como abutres, lucrar colossalmente com o assunto, cobrando a 150€ às pessoas que voluntariamente se dirigem aos seus serviços, por testes que custam menos de um terço desse valor. O Estado vai pagar 100€ por teste a este sistema privado, em vez de os colocar sob administração dos médicos militares ou do Serviço Nacional de Saúde, o que é um escândalo.
Vai chegar o famoso avião da China com alguns testes, mas mesmo que sejam 80.000, como já foi anunciado, esse número é insignificante para testar todos os que privaram com os doentes existentes e suas cadeias de transmissão e os profissionais de saúde que todos os dias lidam com doentes muito contagiosos; e, sobretudo, demasiado tarde.
É necessário produzir com urgência testes e outros materiais em Portugal, o Estado de Emergência serve para isso mesmo, para colocar fábricas não essenciais a fabricar materiais necessários e urgentes. Fomos tarde demais ao mercado, a falta de previdência vai custar-nos muito caro, apesar do optimismo político de António Costa. No meio da enxurrada do marketing político da entrevista feita por Miguel Sousa Tavares, deixou cair a verdade: vem aí o tsunami.
Nós acrescentamos: prepare-se, fique em casa, tenha o máximo cuidado, não se deixe contagiar; daqui a duas semanas, se precisar de ir para o hospital, vai esperar muito, isto se for atendido, e os cuidados vão ser extremamente sumários, uma cama de cuidados intensivos vai ser, dentro de poucos dias, mais difícil de obter do que um prémio de lotaria.
Manuel Silveira da Cunha, O Diabo, 27 de Março de 2020
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