Covid-19 - um primeiro balanço
Henrique Neto
A pandemia do Covid-19 é um tema incontornável nos dias que correm e motivo de preocupação generalizada em todo o planeta. Portugal não foge à regra e será o caso português que comentarei com a nota de que, do meu ponto de vista, aprendemos mais através de interrogações e de críticas do que a festejar as nossas vitórias. O que não me inibe de deixar uma saudação e o meu respeito pelos profissionais de saúde, dos sectores público e privado, que trabalham diariamente em condições pouco invejáveis. Para melhor leitura, dividirei os temas a tratar: Organização Não será uma grande novidade, já que seria previsível, que a fraca organização do Estado e do SNS esteja a ser o principal obstáculo na luta contra a pandemia. Daqui a alguns meses, quando se fizer o balanço deste período, será difícil compreender o que andaram a fazer o Governo e as instituições do Estado depois de conhecida a tragédia chinesa no início do ano. Além de não ter sido tomada a decisão, mãe de todas as decisões, de fechar as fronteiras.
Agora, com o vírus em casa, é penoso assistir às conferências de imprensa diárias da ministra, com respostas aos jornalistas que passam sempre por: “estamos a comprar; estamos a organizar; estamos a tentar”. Num caso como este, o normal seria que se tivessem realizado exercícios de prontidão entre todos os sectores intervenientes: sistema científico, profissionais de saúde, serviços de segurança, hospitais, públicos e privados, associações profissionais e o aprontamento do sistema de compras, testes, funerais e uma equipa dos melhores cientistas portugueses a reunir diariamente para avaliar os resultados. Sistema científico Não sei se é verdade que todos os dados médicos recolhidos diariamente não estão a ser fornecidos à comunidade científica, ou à Ordem dos Médicos, mas a ser verdade é uma monstruosidade estúpida, que só pode ter a sua origem no receio político do conhecimento da verdade. Seja como for, penso que um cientista do sector, de reconhecia competência e independência,deveria participar das conferências de imprensa diárias com a tripla utilidade de informar com credibilidade científica os meios de comunicação; de fazer a ligação das questões tratadas com os laboratórios de investigação interessados; de contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica entre nós. De facto, será através da ciência que poderemos ultrapassar esta calamidade pública e não nos deveríamos limitar a evocar as experiências estrangeiras.
1 – Governo
O Governo tomou muitas iniciativas a todos os títulos louváveis, tentando acompanhar o que se passa noutros países e o Primeiro-Ministro tem-se esforçado a obter um comportamento positivo dos portugueses. Todavia, infelizmente, é da sua formação e do seu pensamento reagir em vez de prever e de prevenir. Assim, toda a máquina política está vocacionada para obter a melhor reacção positiva dos eleitores e menos em prever e resolver os problemas previsíveis em antecipação. Algo que os empresários não têm outro remédio senão aprender a fazer, para não morrer na praia dos seus concorrentes. Para isso, não vejo no Governo um único profissional que o saiba fazer e menos de todos a Ministra da Saúde.
2 – Economia
Numa economia dual como a nossa, repleta de muito pequenas empresas sem reservas de capital, que vivem do dia a dia para sobreviver, o fecho por muitas semanas será uma tragédia humana. Para resolver o problema o Governo decidiu ajudar com empréstimos as empresas que não façam despedimentos, em vez de financiar o desemprego através da Segurança Social e libertando as empresas que não estão a produzir desse encargo fixo. Tenho muitas dúvidas da bondade da decisão governamental, seja porque as pequenas empresas do sector pobre da economia, as que não têm reservas, nunca poderão pagar esses empréstimos e complicará a sua futura recuperação. Também, porque o modelo escolhido complica o controlo e permite uma elevada taxa de corrupção. Finalmente, nos sectores mais desenvolvidos da economia, as empresas devem ter seguros e reservas para não terem de ser apoiadas nesta circunstância, mas libertando-as do custo salarial através de despedimentos temporários. Numa economia dual como a nossa, soluções iguais para todos não é uma boa ideia.
3 – Corrupção
Sabemos o que aconteceu, por desorganização e por venalidade, com os fogos de 2017, como sabemos o elevado nível de corrupção com os dinheiros distribuídos pelo Estado, ou mesmo por privados, mas, infelizmente, não estamos, que se saiba, a tomar medidas para prever que o mesmo, ou pior, aconteça agora. Seja na paragem de sectores que não teriam de o fazer, seja na febre das compras feitas tarde e a más horas sem concursos, seja simplesmente na fuga ao trabalho, sob a desculpa do isolamento. Por exemplo, neste último caso está por explicar a suspensão da recolha de alguns lixos na cidade de Lisboa. Razões pelas quais penso ser de prever a criação de um pequeno grupo na Polícia Judiciária que, desde já e em regime de exclusividade, investigue tudo o que esteja a ser decidido neste domínio, verificando a documentação necessária. Só o anúncio público desta medida poupará muito dinheiro ao Estado.
4 - Previsão e aprendizagem
Está a ser muito vista nas redes sociais uma conferência de Bill Gates de há alguns anos, com previsões fundamentadas e bem explicadas do perigo de futuras pandemias. Trata-se de alguém preocupado com o futuro do planeta nos seus diversos domínios e que, simultaneamente, tem uma cultura empresarial e científica. O que me deu a ideia de o Governo enviar alguns professores universitários de reconhecida competência, que não estejam a dar aulas, para dois ou três países amigos - por exemplo, Alemanha e Itália - para mais tarde relatar as diversas formas, positivas e negativas, científicas e organizativas, com que esses países estão a combater a pandemia.
Em resumo, não existe nenhuma tragédia que não seja uma oportunidade para aprender e avançar conhecimento. É assim nas guerras, pode ser assim nas pandemias. Basta que quem tem o poder político, ou económico, de tomar decisões, o faça pensando para além do seu tempo e das suas tarefas diárias.
O Diabo, 27 de Março de 2020
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