João José Brandão Ferreira, oficial piloto aviador
Diz o cego para o coxo: - Então como vais andando? Responde o coxo: -Olha, é como estás vendo” (chiste popular).
Vem isto a propósito de declarações do Ministro Cravinho sobre o aumento de mulheres nas Forças Armadas.
Olhem que isto é fixação! Como se tal representasse algum problema! Neste âmbito faz coro com a antiga Secretária de Estado (ou ela com ele) – uma “feminista” pouco encapotada: querem, vejam só, igualdade de género, neste caso aumentar as moças e as balzaquianas para metade dos efectivos! E se forem mais, já poderá ser?
Vão arranjar quotas também para ciganos, pretos, mestiços, amarelos, acastanhados, judeus, muçulmanos, ortodoxos, homossexuais, etc.? Isto é só estupidez natural ou apenas um desvario momentâneo de quem não tem nada para dizer sobre a resolução dos reais problemas (e são a perder de vista) da Instituição Militar, que vai a caminho do que se passava no fim do reinado de D. João V, em que as sentinelas pediam esmola à porta dos quartéis?
E querem saber mais, quer sejam fêmeas quer sejam machos ou outra qualquer espécie hermafrodita, ninguém quer, hoje, vir para as actuais Forças Armadas, devido ao estado em que as puseram e ao País! Como prova o recente concurso para o recrutamento de 70 oficiais em regime de contracto, para o Exército, que ficou às moscas. Pudera!
Será que já não basta a completa inépcia, ignorância e maus instintos que têm povoado as sucessivas gerações de ministros da Defesa – o último dos quais nos brindou com esta pérola em pleno tribunal a propósito do caso de Tancos, e cito: “É bom ter presente e digo sem ironia: eu não fazia a mínima ideia do que era um paiol” – para agora termos de aturar um governante que vive a 30 centímetros do solo e quer que os restantes também vivam? Como é que se pode ter um mínimo de respeito por gente desta, que nem sequer tem coragem para assumir o que pensam e estão a fazer?
Porque são tão miseráveis que nem sequer são capazes de assumir (onde está a Democracia, onde está a transparência?) que não gostam (o termo é outro) da Instituição Militar e dos militares? Que têm outras prioridades? Que acham que a tropa não serve para nada? Que não perdoam as intervenções políticas dos últimos 200 anos? Que são pacifistas disfarçados? Que não querem nenhuma espada de Dâmocles sobre a sua cabeça para poderem usufruir de toda a negociata e corrupção existente? Que pensam que o modo de ser e estar das Forças Armadas é um anacronismo? Que julgam não haver ameaças sobre o país? Que o país é dispensável?
Porquê? Tenham coragem e assumam-se, para que a Nação e até os próprios militares os confrontem! Os senhores não merecem a menor consideração! Cito George Bernanos: “Um intelectual é tão frequentemente um imbecil que devíamos sempre à partida considerá-lo como tal, até que tenha dado provas em contrário”. Ora, senhor Ministro, entre vós existem certamente vários imbecis (esses são facilmente removidos), mas a marca dominante é o maquiavelismo subversivo. Não vão poder, porém, enganar toda a gente durante todo o tempo!
As Forças Armadas estão num estádio de decrepitude e desmoralização (ao contrário do que se ouve dizer por gente sem vergonha na cara) galopante e esse, sim, anacrónico. É a instituição nacional que mais tem sofrido nos últimos 30 anos, reduzida, desconsiderada e desmontada em toda a sua plenitude! Existe uma “estranha” auto-censura da generalidade dos meios de comunicação social sobre todo este assunto, o que contrasta com a inacreditável “atenção” que revelam perante eventos que não valem um caracol furado, ou insistem em denunciar, como o facto gravíssimo de haver uma lâmpada fundida num hospital do Serviço Nacional de Saúde…
A inacreditável “mansidão” com que toda a hierarquia militar tem aceitado e fica conformada com este estado de coisas é abismal (de ficarmos abismados), o que me causa uma incomodidade (e vergonha) crescente, por ser oficial do quadro permanente. Ainda no Natal ocorreu um evento que ilustra o que estou a tentar transmitir: o Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) ficou apeado na placa do aeroporto por, à última da hora, ter surgido um elemento civil (nem vou referir quem), que se posicionou para se deslocar ao Iraque, onde a comitiva ia visitar as tropas portuguesas lá estacionadas. Pois o senhor PM mandou subir o dito civil e apear o CEME. Isto incomoda-me, envergonha-me e revolta-me! Mas, pelos vistos, eu é que estou seguramente errado. E a mais.
Mas o senhor ministro está é preocupado porque não há fêmeas suficientes na tropa e quer aumentá-las “para desconstruir a imagem tradicionalmente masculina da Defesa”. Sim, Sua Excelência disse isto. Ele quer é gajas e creches (bom, outro dia vi – ninguém me contou – numa portaria, pois já nem era uma Porta d’Armas, onde estava uma militar de serviço e ao lado tinha um bebé, que tratava e presumo fosse sua filha…). Vá lá, sempre é melhor do que querer transformar a parada de um quartel num acampamento do Bloco Canhoto!...
Será que o dito cujo ministro tem alguma ideia do que é um Exército e para que serve? Os Ramos das Forças Armadas não estão capazes de cumprir minimamente as suas missões (e são muitas), não têm praticamente qualquer capacidade de sustentação, nem reservas, nem planos de contingência seja para o que for; não têm efectivos, sobretudo praças, para além de qualquer ficção; já quase não há qualquer hipótese de dar treino e instrução seja a quem for; dentro de poucos meses não haverá nenhuma unidade capaz de manobrar tacticamente ou dar um tiro; ou manter qualificações ou seja o que for e todo o mundo finge que não se passa nada!
Duvidam do que digo? Tenham coragem e entrevistem-me na televisão. Aceito (e desafio) qualquer arguente!
Mas o senhor Ministro (que topete!) está com a fixação paranóica do aumento do mulherio (mas entretanto não autoriza nenhuma contratação de mulheres, nem homens, para funções civis nas FA…)! O Exército o que faz? Muda os uniformes! Como se isso resolvesse alguma coisa ou fosse urgente. O Exército está à beira de não conseguir alimentar (sim, dar de comer) os escassos meios humanos que tem ao seu serviço e a sua preocupação é gastar dinheiro em mudar o uniforme e arranjar mais uma série de polémicas internas com isso? Voltámos ao granel do Século XIX: como não havia dinheiro para nada, nem ninguém mandava, as numerosas reformas militares havidas resumiam a sua substância a mudar os números aos regimentos; alterar as Regiões Militares e… mudar os uniformes! A Reforma de 1884, chamada Reforma do Fontes (e este foi um bom militar e um razoável político), conseguiu comprar algum material moderno, mas à custa das “remissões” – dinheiro sacado aos contribuintes para se livrarem da tropa, o que fez com que o Exército fosse invadido por uma quantidade enorme de indigentes, o que causou grande mal-estar nas fileiras e foi uma das causas, pouco estudadas, pelas quais o Exército deixou cair a Monarquia… Não se aprende nada!
A Força Aérea já nem consegue formar os pilotos de helicóptero e convencionou com os espanhóis fazerem isso. Os F-16 estão todos a encostar (devido a não serem consignadas verbas para a sua regeneração) e por esta via vai deixar de haver parelha de alerta de defesa aérea. Ou seja, vai deixar de haver soberania no ar, a principal missão do Ramo. Voa-se tão pouco, que os controladores (já não falo dos pilotos) nem sequer vão conseguir manter as suas qualificações…
A Armada vai abater o navio Bérrio (para quem está esquecido, era o nome do navio da Armada de Vasco da Gama que transportava os víveres e outra logística) e deixar de ter capacidade de abastecimento oceânico; o substituto vem sendo protelado há anos na Lei de Programação Militar – que nunca passou de uma ficção de engenharia financeira – e passou agora para 2025… Os navios vão parar um a um e já nem têm guarnição que chegue.
Mas o Senhor Ministro está preocupado com a igualdade de género. Pois, Senhor Ministro, meta a igualdade de género num sítio que toda a gente sabe qual é. E trate-se, se é que tem cura. O senhor e o PM são os cegos da citação. Os seus interlocutores directos são os coxos. O que inclui o “Comandante Supremo”, que não é supremo nem comanda nada. É uma figura de estilo. Condiz. ■
“Nem sequer são capazes de assumir que não gostam da Instituição Militar “
O Diabo, 27 de Março de 2020
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