quinta-feira, 22 de junho de 2023

A tese de Boaventura é uma treta. Não é uma questão de gerações. É uma questão de poder e de carácter

Se BSS fosse um simpatizante do PSD ou do CDS, já teria sido despedido, processado, e quem sabe o que mais o PCP e o BE lhe teria feito ou pedido para fazer! Os jornais afectos e as TV’s do regime então

Quando as primeiras notícias sobre o assédio no Centro de Estudos Sociais surgiram, Boaventura de Sousa Santos ameaçou as queixosas com processos judiciais e declarou-se vítima de uma acusação “vergonhosa e vil”.


Escreveu inclusivamente um artigo intitulado Diário de uma Difamação, onde falava em “assassinato de carácter” por parte de Ex-alunas que confundiam (com “perversidade”) aquilo que era “uma convivência no mais puro espírito académico” com “manipulações de consciência” e “rituais de Fidelidade”.
Passado mês e meio, eis que surge no Expresso um novo Boaventura, agora em modo contrito e lamentoso, no artigo Uma reflexão autocrítica: um compromisso para o futuro. Sousa Santos deixa claro que não se trata de admitir “a prática de actos graves que me têm vindo a ser imputados” — esses, continua a negá-los —, mas sim de assumir que se trata de um senhor idoso, “nascido em 1940”, e que, por isso, pertence a “uma geração em que comportamentos inapropriados, se não mesmo machistas, eram aceites pela sociedade”.
Porque é velhinho, Boaventura de Sousa Santos admite que “em determinados momentos” ele possa “ter sido protagonista de alguns desses comportamentos”, pois não é fácil, nem para um “intelectual” tão vanguardista, escapar aos “modos de dominação moderna”, entre os quais o “heteropatriarcado”. Felizmente, Boaventura promete, a partir de agora, “ser cada vez mais vigilante”, não só ao nível “epistemológico”, mas também na “prática, emocional e interpessoal”, de forma a evitar “gerar opressão em qualquer eixo de dominação”.
Ora, tendo em conta que eu me senti deveras oprimido pelo seu artigo naquele eixo em que a decência domina, é bom começar por sublinhar um facto muito básico: o assédio sexual não era uma actividade aceitável em 1940.
Nem em 1840. Nem em 1740. Os homens abusadores poderiam ter a sua vida mais facilitada, mas é errado hoje como era errado há 300 anos. O heteropatriarcado tem as costas largas. E o assédio sexual é um derivado do abuso de poder, que é o problema central dos Boaventuras de Sousas Santos deste mundo — gente com o ego insufladíssimo que cria uma corte de aduladores e que, do alto dos seus altares, não consegue controlar os impulsos típicos de macho alfa. Leiam o que Naomi Wolf escreveu sobre o professor Harold Bloom em 2004. É exactamente a mesma história do CES e de Boaventura, só que em Yale.
Embrulhar isto numa conversa geracional desculpabilizadora, apontando o dedo a um qualquer
machismo estrutural, é patético.
Convém defender a honra dos velhinhos nascidos em 1940, ou até há mais tempo. Um senhor de 83 anos pode participar menos nas tarefas domésticas do que um de
33, e pode pedir mais vezes à esposa para ir buscar uma cerveja ao frigorifico enquanto vê a bola – mas não, não há qualquer razão para assediar com mais entusiasmo uma jovem mulher. A tese de Boaventura é uma treta. Não é uma questão de gerações. É uma questão de poder e de carácter.
A ideia de que isto é um hábito de pessoas idosas com “comportamentos inapropriados”
é mentirosa e é perigosa. Numa instituição profundamente endogâmica como é o caso da universidade portuguesa, cheia de gente em situação precária e com senhores professores doutores todo-poderosos, não há milagres.
Onde há excesso de poder há abusos, e onde há abusos há assédio, seja ele sexual ou laboral.
O problema de Boaventura não é ser velho — é ser o guru de uma seita que durante décadas esteve à sua inteira disposição.

SERGIO AZENHA

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