quarta-feira, 14 de junho de 2023

O precursor que continua a lutar para mudar a Escola Pública

“Nos últimos anos nem regredimos nem avançámos.

Estamos na mesma, infelizmente”,

constata José Pacheco.


JOSÉ PACHECO “Temos alunos do século XXI, professores do século XX, a trabalhar como no séc. XIX”, lamenta o docente que revolucionou o ensino na Ponte.

Aos 72 anos, o professor que revolucionou a escola, no final da década de 1970, a partir da aldeia de São Tomé de Negrelos (Santo Tirso) e que há 20 anos mora no Brasil, continua a lutar todos os dias para mudar o mundo – e a Escola Pública. Porque é nela que continua a acreditar, e onde crê que é possível fazer a mudança. Na Escola da Ponte, deixou sementes que germinaram, replicando-se em várias zonas do país: não há salas de aula (no sentido tradicional), mas sim espaços de trabalho, onde são disponibilizados diversos recursos, como livros, dicionários, gramáticas, internet, vídeos e várias fontes de conhecimento.
Foram os investigadores brasileiros – como Rubem Alves – que o descobriram, há duas décadas, “levando-o” para o país-irmão. Mas José Pacheco continua a regressar a Portugal, amiúde, sem desistir de uma escola que teima em permanecer formatada. Até final de Junho está em Portugal, em palestras e encontros com pais, professores e autarcas. Foi no final de um desses momentos que falou ao DN.

Incómodo por natureza, não deixa de questionar, sempre e muito:
Porque é que há ano lectivo? Porque é que há sala de aula? Porque é que a aula tem 50 minutos? Porque é que todos entram ao mesmo tempo? Porque é que a casa de banho do aluno não é a mesma que a do professor? Porque é que todos têm que fazer xixi ao mesmo tempo? Se me responderem eu calo-me para sempre”. Como as respostas não chegam, José Pacheco continua a fazer perguntas.
Às vezes quando chego às escolas encontro antigos alunos da faculdade. Agora têm 50 anos e fazem aquilo que sempre quiseram fazer mas não os deixaram. Eu considero que este é um momento único. Se nós não aproveitarmos o [ministro]João Costa e o António Leite, se não os deixarem fazer aquilo que eles podem e devem fazer, perdemos a oportunidade de Portugal mostrar ao mundo uma nova educação, em que todos aprendem. É isso que a Ponte tem de diferente: todos aprendem, lá.
Eu gostaria que todos aprendessem em todo o la
do”.
Mas os dias que passa em contactos com as comunidades de aprendizagem em crescimento deixam-no perceber a vontade de mudança que cresce. “As famílias que estão atentas a um sistema obsoleto que não ensina - apesar de ter excelentes profissionais - que se afastem do HomeSchooling e matriculem as crianças na escola pública mais próxima. Vão lá, procurem um professor que ainda não tenha morrido e, com ele e com o director do agrupamento, façam uma turma-piloto”, aconselha.
Nesses círculos de aprendizagem “o currículo não é consumido, é produzido, através da pesquisa, da tutoria, acordos de convivência que levam a que não haja problemas de disciplina”, explica José Pacheco, aludindo, em contraponto, aos regulamentos que estabelecem castigos e punições. “É preciso que a comunidade se desenvolva sustentavelmente. Se não for por aí, pelo menos que aquelas famílias que estão atentas ao drama se organizem e constituam aquilo que eu chamo círculo de aprendizagem de vizinhança. O outro é de proximidade”. A par de Leiria, haverá pólos nas regiões de Montemor-o-Novo, Quarteira e Foz Côa.
“Isto vai acontecer, quer queiram  quer não. E é fundamentado na lei e nas ciências da educação, com professores que vale a pena ter como companheiros de profissão”, sublinha.
Uma escola parada no tempo “Nos últimos anos nem regredimos nem avançámos. Estamos na mesma, infelizmente”, considera José Pacheco, sempre de olho na formação de professores, que considera “miserável”. “E eu posso falar à vontade porque sou o maior responsável por isso, pois criei o primeiro Centro de Formação, em 1992. Pensa-se que o professor não sabe, por exemplo alfabetizar, que é incapaz, e vai-se dar capacitação
O professor tem que ser considerado não como objecto de formação, mas como sujeito em auto-formação, numa comunidade e com um projecto”, sustenta.
Pacheco acredita que a mudança tarda “porque a opinião pública entende que a escola tem de ser como sempre foi”. Mas é também um crítico das mudanças operadas nos últimos anos, através da autonomia dos agrupamentos,que, na sua opinião, deveria ser usada noutro sentido. “ Fez-se a maior asneira: passar do trimestre para semestre. E eu pergunto: porque é que não é para quadrimestre? Ou para bimestre? Isso é ridículo!”. Tanto quanto a existência de ano lectivo. “Eu pergunto: porque é que há ano lectivo? Não se sabe. Ou melhor, sabe-se, vem da primeira revolução industrial a partir do momento em que se instituiu o tempo-padrão. E é aí que estamos presos: temos alunos do século XXI, professores do século XX, a trabalhar como no século XIX.
Agora com computadores.

DN 13-06-2023

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