sexta-feira, 30 de junho de 2023

Defesa esconde conteúdo da assessoria de cinco dias contratada por €61 mil a secretário de Estado.

Não é um comportamento criminoso?

Expresso

"Ministério de Helena Carreiras não revela nem detalha que tipo de trabalho foi realizado por Marco Capitão Ferreira — secretário de Estado da Defesa desde Março de 2022 — para este ter recebido o equivalente a €12 mil por dia, ao longo de cinco dias, no âmbito de um contracto de assessoria que assinou com a Direcção-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) há quatro anos. O contracto, que antevia um pagamento total de €61 mil (incluindo IVA), tem data de 25 de Março de 2019 e previa um prazo de execução de 60 dias (o que daria cerca de €1000 diários), mas durou apenas uma semana, cessando a 29 de Março do mesmo ano, com o pagamento integral daquele montante ao futuro membro do Governo.

Segundo o objecto desse contracto com a DGRDN — assinado pelo então director-geral Alberto Coelho, hoje um dos arguidos por alegada corrupção no processo Tempestade Perfeita —, a assessoria de Capitão Ferreira implicava “a elaboração de pareceres e outros trabalhos especializados no âmbito da Lei de Programação Militar (LPM), bem como integrar e apoiar as equipas de negociação e elaborar notas de suporte ao processo decisório” no âmbito dos contractos de manutenção dos helicópteros EH-101, de busca e salvamento. No entanto, questionado pelo Expresso sobre que “pareceres e outros trabalhos especializados” foram entregues e em que data por Capitão Ferreira, que equipas de negociação integrou e em que reuniões participou, o gabinete da ministra da Defesa não respondeu. A governante também não respondeu à questão sobre se “já avaliou os trabalhos feitos no âmbito deste contracto” e se acha esta “uma situação recomendável”.

A resposta enviada pela Defesa ao Expresso vem da parte do secretário de Estado, e não da ministra: “O objecto principal do contracto era acompanhamento e assessoria à equipa de negociação dos contractos relativos aos EH-101”, tendo Capitão Ferreira “contribuído para o desenvolvimento de diversas peças”. Mas não especifica os contributos nem deu acesso a essas peças, como o Expresso solicitou. “Essa negociação cessou com o envio do processo, pela DGRDN, para visto prévio do Tribunal de Contas nos termos da lei em vigor, a 29 de Março de 2019”, explica o secretário de Estado. A resposta é idêntica à enviada ao “Correio da Manhã”, que deu a notícia há uma semana, o que motivou um requerimento da IL a pedir “todos os relatórios, pareceres e outros documentos decorrentes do trabalho realizado”, bem como a “cópia da autorização de pagamento e troca de correspondência relevante entre a DGRDN e Capitão Ferreira”.

RISCO DE ILEGALIDADE

O fim do contracto, porém, não cessou a relação de Capitão Ferreira com o dossiê a que prestara assessoria: a 29 de Abril de 2019, um mês depois de o contracto com a DGRDN ter acabado, o jurista foi nomeado pelo então ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, como presidente da Comissão Liquidatária da Empordef, a empresa que detinha as participações das empresas da Defesa. No âmbito dessas funções, o jurista passava a ter responsabilidades directas sobre a renegociação dos contractos de manutenção dos helicópteros EH-101, que eram da responsabilidade da Defloc, uma das empresas que Capitão Ferreira tinha como função liquidar.

Prova disso são dois despachos de Gomes Cravinho, com data de 10 de Outubro de 2019: um revoga o contracto de manutenção dos EH-101 com a Defloc, que era a empresa veículo para pagar o leasing e a manutenção das aeronaves; o outro, com a mesma data, inicia os procedimentos para um contracto de manutenção dos motores. Capitão Ferreira é um dos três destinatários desses despachos, por agora ter responsabilidades directas na área em que prestara assessoria.

“Julgo que algo não está a ser contado com verdade”, avalia ao Expresso o advogado Paulo Saragoça da Matta, especialista em direito administrativo. Para o jurista, o “acompanhamento e assessoria de cinco dias não faria sentido, pois na data da assinatura do contracto já tinha de ‘estar à vista’ o seu termo quase imediato”. Uma possibilidade é o trabalho ter sido feito antes do contracto, o que é ilegal: “Em alternativa”, especula o advogado “a assessoria foi prestada durante todo o processo, mas só formalizada junto ao final, uma prática não desejada pela lei, mas, infelizmente, muito comum na Administração Pública, sempre pouco ágil na formalização atempada dos procedimentos”.

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