Miguel Esteves Cardoso
Publico
O vinho, que todos dizem estar barato de mais, já está caro que chegue. Já está caro que chegue para quem tem pouco dinheiro. E é quem tem pouco dinheiro que mais precisa de beber vinho.
O vinho tem de ser barato. Em Portugal o vinho tem de ser barato. O vinho em Portugal tem de ser barato para não ser um luxo.
Como os adolescentes, por exemplo. O grande inimigo do vinho é a cerveja. O grande inimigo do vinho é não beber álcool. O grande inimigo do vinho é a imagem do vinho como produto de luxo, para as horas livres de quem está bem na vida.
Esses têm — nós temos — bom remédio. Compramos vinho melhor. Temos mais dinheiro. De resto, fica mal a quem jamais beberia o vinho mais barato queixar-se que está barato de mais.
Mas é o que acontece.
O vinho ainda faz parte da nossa cultura. Na cultura não há bom nem mau: são os hábitos enraizados de uma comunidade, que se distingue das demais comunidades precisamente pelos hábitos enraizados que pratica.
Esses hábitos incluem a língua e, por enquanto, ainda incluem o vinho. É o vinho como hábito quotidiano, tão quotidiano como o pão. Não é o vinho nas culturas nórdicas, em que o vinho é uma recompensa exótica, uma maneira de nos embebedarmos e de parecermos mais finos do que os cervejistas.
Portugal é um país de uvas e num país de uvas o vinho é banal. É a banalidade do vinho que é preciso defender. É a banalidade que o torna cultural. Em vez de estar sempre a arranjar maneiras de tornar o vinho mais caro, deveríamos era arranjar novas maneiras de banalizá-lo.
O vinho, como todas as coisas, tanto pode ser bom como mau. O mau tende a ser muito mais barato mas, assim como é fácil arranjar vinho caro que não presta para nada, também não é difícil arranjar vinho barato que se beba com gosto.
Um euro por litro é um belo ponto de partida.
Sobretudo quando se tem pouco dinheiro. Mas são as pessoas com pouco dinheiro que definem a base de uma cultura. A questão básica — e são escusados os bailados que se coreografam e se dançam à volta dela — é só uma: qual é a maneira mais barata de me embebedar?
A quantos cêntimos sai cada unidade de álcool? Ou seja, a quanto é que estou a pagar a água? Neste aspecto, atendendo às uvas e à trabalheira que dão, é óbvio que é a cerveja que é relativamente cara e o vinho relativamente barato. Assim se tem de manter a relação, sob pena de nos tornarmos todos alemães.
E quanto é que me vai custar no dia seguinte? Esta questão só raramente conduz à embriaguez mas, para que não conduza, é preciso aprender a beber.
E como é que se aprende a beber vinho? A beber à mesa, sob o olhar carinhoso dos pais? Está bem, está. Aprende-se a beber vinho quando se é adolescente. Aprende-se a beber vinho bebendo vinho quando não se deve.
As primeiras ressacas, tão terríveis que só um masoquista aceitaria repeti-las, fazem parte da aprendizagem. Constituem a memória dolorosa que leva ao "nunca mais!"
É evitando a embriaguez que se aprende a beber vinho. O vinho não é fácil de beber e digerir e incorporar. O vinho é perigoso porque escorrega bem e está cheio de álcool. É mesmo preciso aprender a beber vinho. E, para aprender, é preciso fazer asneiras. E, para fazer asneiras, o vinho tem de ser acessível: tem de ser barato, e tem de estar em toda a parte.
Outra vantagem do vinho barato mas não muito bom, é puxar pela imaginação dos jovens. Como é que se trabalha com tantos taninos? Como é que faço para poder beber toda a noite? Como é que transformo um vinho rasca numa bebida deliciosa?
Eis a minha contribuição:
Sangria dos Quarenta
A Sangria dos Quarenta custa 40 euros e dá para 40 litros. Se cada adolescente só beber um litro ao longo da noite, até dá para 40 pessoas.
20 litros de tinto (20 euros), 17,5 litros de Sumol de laranja (17,5 euros) e 2,5 quilos de laranjas e limões.
Só falta o gelo. O gelo é essencial para refrescar e fazer render. É o primeiro princípio coqueteleiro: pode-se poupar em tudo, excepto no gelo.
Na versão de luxo, podem juntar-se umas garrafas de Vinho do Porto (o quinado da Ramos Pinto, por exemplo) ou de Moscatel.
A combinação de tinto com Sumol de laranja é extraordinariamente deliciosa. Mas também se podem usar outros refrigerantes. A clássica é a mais barata de todas: a gasosa de marca branca. O litro de gasosa sai a 35 cêntimos, enquanto a Sumol, a Seven-Up e a Fanta saem a 85-90 cêntimos por litro.
A melhor maneira de servir a sangria é fazer o caldo de véspera. O vinho e os citrinos ficam a fermentar com a ajuda de duas colheres de açúcar. No dia da festa, cada um serve-se do caldo e gelo e junta o refrigerante que preferir, na quantidade que prefere.
A sangria branca, para mim, é melhor com Seven-Up, pêssegos e maçãs. Mas o princípio é o mesmo.
Um raminho de hortelã fica sempre bem. Pois se é de cultura que estamos a falar, a hortelã não pode faltar.
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