sexta-feira, 30 de junho de 2023

São Vicente: os estranhos negócios da junta do PS

Ser do PS e estar de bem com a direcção, é uma maravilha…


"Na junta presidida por uma Ex-inspectora, há contractos com o NIF de outra junta, adjudicações a empresas-mistério, ou acabadas de criar, ou que pertencem ao mesmo dono, ou a marido e mulher.
A história dos contractos da Junta de Freguesia de São Vicente com Carlos Madaleno entre 2017 e 2020 tem vários contornos polémicos. Empresário ligado à construção civil, amigo de José Afonso Dias, o tesoureiro da junta na altura (os dois foram, inclusive, à Polónia buscar refugiados ucranianos, tendo aparecido na televisão), Carlos Madaleno teve dois contractos consecutivos com a junta para “trabalhos diversos” e “realização de pequenas reparações”, um de €75.000 em nome individual (2017) e outro de €150.000 pela sua empresa, a JC Madaleno (2018).
Após esses contractos, em Maio de 2020 a mulher de Carlos Madaleno (Sónia Brito João) criou a Anamazeti, uma empresa com o mesmo objecto social da do marido (construção) e poucos meses depois, em Setembro, a junta adjudicou-lhe mais €150 mil para um ano de “trabalhos diversos”.

Carlos Madaleno prestou declarações à SÁBADO por telefone, mas anulou-as depois, pedindo que tudo se passasse por escrito. Por email, não respondeu a várias perguntas que tinha respondido ao telefone, nomeadamente a razão das várias empresas, incluindo a da mulher, como eram geridos os contractos, quanto gastou efectivamente dos montantes adjudicados e pagos pela junta e quão amigo era do tesoureiro, Afonso Dias.

Por escrito, respondeu apenas: “Executei vários trabalhos de construção civil para a Junta de Freguesia de São Vicente, à semelhança do que fazia para a extinta freguesia da Graça. Os valores pagos correspondem efectivamente a trabalhos realizados, sendo os preços ajustados ao valor do mercado. Refuto ter celebrado vários contractos em infracção de quaisquer regras que fossem aplicadas no momento da sua formação ou celebração.”
A existência de várias empresas que têm o mesmo dono a concorrerem entre si não é novidade na adjudicação pública em Portugal, mas este caso de São Vicente tem talvez um detalhe pioneiro. Nos três contractos, o NIF que aparece como sendo o da Junta de Freguesia de São Vicente é o 510 857 043, que é na verdade o NIF de outra freguesia de Lisboa, a de Santa Maria Maior. As duas freguesias são vizinhas e lideradas pelo mesmo partido desde 2013, o PS.

"Desconhecemos por completo o motivo pelo qual se verifica a inserção do NIPC da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior num contracto assinado pela Junta de Freguesia de São Vicente - facto que só podemos atribuir a um lapso involuntário", justificou-nos Miguel Coelho, presidente da junta de Santa Maria Maior.

A junta de São Vicente respondeu que a questão do NIF foi “um lapso”. Quanto à sobreposição de contractos com Carlos Madaleno, diz não poder “confirmar essa informação”. “Estamos a desenvolver diligências para confirmar a sustentabilidade legal das contratações em causa.” Mas acrescenta que “as contratações para esse tipo de serviço foram precedidas de procedimentos concorrenciais. O valor em causa era adequado às necessidades de contratação de trabalhos de construção civil”.

Onde não houve respostas da junta foi para um contracto feito a 15 de Outubro de 2020, de €29.963, a uma empresa chamada Rute Isabel Lopes Nunes Pereira, Construções, Lda. para “obras públicas para remodelação de espaço para Centro de Convívio da Junta de Freguesia de São Vicente”.

As festas populares Nem o nome da empresa, o NIF, ou o nome da proprietária aparecem nas bases de dados empresariais ou no Portal da Justiça. O contracto foi assinado pela presidente da junta e por Rute Isabel Nunes Pereira, como “sócia-gerente”. Não há também registo de qualquer empresa na morada da mesma (Quinta São João da Cordiceira, 2660-233, Santo António dos Cavaleiros). A empresa não tem qualquer outro contracto no Base além deste.

A junta respondeu-nos apenas que a empresa foi “consultada e selecionada para executar a empreitada com base numa indagação preliminar ao mercado”. Mas que experiência tinha a empresa, quando foi criada e quem é exactamente Rute Pereira? “Apenas a conhecemos enquanto gerente da empresa”, respondeu a junta, que adianta que esta lhe foi “indicada por outras empresas” quando estavam a “indagar o mercado para este tipo de empreendimentos”.

Outro caso relativo a adjudicações nesta junta de Lisboa passa-se com a organização das festas populares de Junho, que têm estado desde 2014 a cargo do empresário Joaquim Silva através de duas empresas de que é proprietário: a Feeders e a Jofosi. Esta última, por exemplo, foi constituída a 23 de agosto de 2018, poucos meses antes do primeiro contrato. Pelo meio, entre os contratos destas duas empresas, apareceu um contrato de uma empresa da mulher de Joaquim Silva, a Insiders, também para organizar o arraial (no caso, o de 2019). Meses depois, a Insiders foi fechada. Quanto ao preço do serviço, tem aumentado ao longo dos anos. Em 2014, a “Gestão das Festas Populares” custou €15.405 e em 2023 foi adjudicada por €74.960.

Joaquim Silva respondeu à SÁBADO por email que “a alternância de empresas ao longo dos anos é claramente uma validação do bom serviço prestado pela minha pessoa e profissionais que me rodeiam e consequente relação qualidade-preço”. “Com certeza a junta de freguesia avaliou as diferentes possibilidades entre os contratos celebrados através de consultas prévias e quis garantir que o padrão de qualidade estabelecido nas experiências anteriores não ficaria comprometido.” Sobre o aumento do preço, diz que acompanha “o crescimento exponencial do evento em contraponto com o orçamento atribuído.”

A junta diz-nos que não há simulação de concorrência, garantindo que auscultou outras empresas no mercado, mas que só as de Joaquim Silva e da mulher responderam. “Salienta-se que o procedimento apresenta a limitação orçamental existente para a consulta prévia (€74.999+IVA), o que leva a que nem todas as empresas tenham interesse em apresentar-se a concurso para a estrutura atual do Arraial, num período em que há muitos outros eventos e cujas condicionantes são menores e poderão oferecer maior rentabilidade.”

Recorde-se que em 2022, São Vicente foi uma das três juntas (com Santa Maria Maior e Misericórdia) que foram alvo de buscas da PJ por suspeitas de “crimes de recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócio” em contratos de consultoria. EMEL, Gebalis e Assembleia Municipal de Lisboa também são suspeitas.

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