quarta-feira, 8 de abril de 2020

Covid-19 - um primeiro balanço

Henrique Neto

A  pandemia do Covid-19 é um tema incontornável nos dias que correm e motivo de preocupação generalizada em todo o planeta. Portugal não foge à regra e será o caso português que comentarei com a nota de que, do meu ponto de vista, aprendemos mais através de interrogações e de críticas do que a festejar as nossas vitórias. O que não me inibe de deixar uma saudação e o meu respeito pelos profissionais de saúde, dos sectores público e privado, que trabalham diariamente em condições pouco invejáveis. Para melhor leitura, dividirei os temas a tratar: Organização Não será uma grande novidade, já que seria previsível, que a fraca organização do Estado e do SNS esteja a ser o principal obstáculo na luta contra a pandemia. Daqui a alguns meses, quando se fizer o balanço deste período, será difícil compreender o que andaram a fazer o Governo e as instituições do Estado depois de conhecida a tragédia chinesa no início do ano. Além de não ter sido tomada a decisão, mãe de todas as decisões, de fechar as fronteiras.

Agora, com o vírus em casa, é penoso assistir às conferências de imprensa diárias da ministra, com respostas aos jornalistas que passam sempre por:  “estamos a comprar; estamos a organizar; estamos a tentar”. Num caso como este, o normal seria que se tivessem realizado exercícios de prontidão entre todos os sectores intervenientes: sistema científico, profissionais de saúde, serviços de segurança, hospitais, públicos e privados, associações profissionais e o aprontamento do sistema de compras, testes, funerais e uma equipa dos melhores cientistas portugueses a reunir diariamente para avaliar os resultados. Sistema científico Não sei se é verdade que todos os dados médicos recolhidos diariamente não estão a ser fornecidos à comunidade científica, ou à Ordem dos Médicos, mas a ser verdade é uma monstruosidade estúpida, que só pode ter a sua origem no receio político do conhecimento da verdade. Seja como for, penso que um cientista do sector, de reconhecia competência e independência,deveria participar das conferências de imprensa diárias com a tripla utilidade de informar com credibilidade científica os meios de comunicação; de fazer a ligação das questões tratadas com os laboratórios de investigação interessados; de contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica entre nós. De facto, será através da ciência que poderemos ultrapassar esta calamidade pública e não nos deveríamos limitar a evocar as experiências estrangeiras.

1 – Governo

O Governo tomou muitas iniciativas a todos os títulos louváveis, tentando acompanhar o que se passa noutros países e o Primeiro-Ministro tem-se esforçado a obter um comportamento positivo dos portugueses. Todavia, infelizmente, é da sua formação e do seu pensamento reagir em vez de prever e de prevenir. Assim, toda a máquina política está vocacionada para obter a melhor reacção positiva dos eleitores e menos em prever e resolver os problemas previsíveis em antecipação. Algo que os empresários não têm outro remédio senão aprender a fazer, para não morrer na praia dos seus concorrentes. Para isso, não vejo no Governo um único profissional que o saiba fazer e menos de todos a Ministra da Saúde.

2 – Economia

Numa economia dual como a nossa, repleta de muito pequenas empresas sem reservas de capital, que vivem do dia a dia para sobreviver, o fecho por muitas semanas será uma tragédia humana. Para resolver o problema o Governo decidiu ajudar com empréstimos as empresas que não façam despedimentos, em vez de financiar o desemprego através da Segurança Social e libertando as empresas que não estão a produzir desse encargo fixo. Tenho muitas dúvidas da bondade da decisão governamental, seja porque as pequenas empresas do sector pobre da economia, as que não têm reservas, nunca poderão pagar esses empréstimos e complicará a sua futura recuperação. Também, porque o modelo escolhido complica o controlo e permite uma elevada taxa de corrupção. Finalmente, nos sectores mais desenvolvidos da economia, as empresas devem ter seguros e reservas para não terem de ser apoiadas nesta circunstância, mas libertando-as do custo salarial através de despedimentos temporários. Numa economia dual como a nossa, soluções iguais para todos não é uma boa ideia.

3 – Corrupção

Sabemos o que aconteceu, por desorganização e por venalidade, com os fogos de 2017, como sabemos o elevado nível de corrupção com os dinheiros distribuídos pelo Estado, ou mesmo por privados, mas, infelizmente, não estamos, que se saiba, a tomar medidas para prever que o mesmo, ou pior, aconteça agora. Seja na paragem de sectores que não teriam de o fazer, seja na febre das compras feitas tarde e a más horas sem concursos, seja simplesmente na fuga ao trabalho, sob a desculpa do isolamento. Por exemplo, neste último caso está por explicar a suspensão da recolha de alguns lixos na cidade de Lisboa. Razões pelas quais penso ser de prever a criação de um pequeno grupo na Polícia Judiciária que, desde já e em regime de exclusividade, investigue tudo o que esteja a ser decidido neste domínio, verificando a documentação necessária. Só o anúncio público desta medida poupará muito dinheiro ao Estado.

4 - Previsão e aprendizagem

Está a ser muito vista nas redes sociais uma conferência de Bill Gates de há alguns anos, com previsões fundamentadas e bem explicadas do perigo de futuras pandemias. Trata-se de alguém preocupado com o futuro do planeta nos seus diversos domínios e que, simultaneamente, tem uma cultura empresarial e científica. O que me deu a ideia de o Governo enviar alguns professores universitários de reconhecida competência, que não estejam a dar aulas, para dois ou três países amigos - por exemplo, Alemanha e Itália - para mais tarde relatar as diversas formas, positivas e negativas, científicas e organizativas, com que esses países estão a combater a pandemia.


Em resumo, não existe nenhuma tragédia que não seja uma oportunidade para aprender e avançar conhecimento. É assim nas guerras, pode ser assim nas pandemias. Basta que quem tem o poder político, ou económico, de tomar decisões, o faça pensando para além do seu tempo e das suas tarefas diárias.

O Diabo, 27 de Março de 2020

sábado, 4 de abril de 2020

UMA CRONOLOGIA DA INCOMPETÊNCIA (coronavírus)

O meu destaque vai – acima de tudo - para a frase (pelo ‘ridículo’ de que de facto se tem revestido a actuação de ‘sua excelência’):

A piedade impede comentários à prestação do presidente da República em título.

O ‘resto’ são só a incompetência e a mediocridade generalizadas (leiam devagar – e façam intervalos para não apanharem uma indigestão com a ‘estupidez’ revelada).

E é tão grande (a ‘estupidez’ revelada) que decidi não pôr em evidência nenhuma. Escondidas no texto, há verdadeiras ‘pérolas’.

Mas, leiam. E guardem! Para memória futura.


(Texto de Alberto Gonçalves)


5 de Fevereiro

A ministra da Agricultura diz que o coronavírus “pode ter consequências bastante positivas” para as exportações portuguesas do sector agro-alimentar para os mercados asiáticos.

6 de Fevereiro

A ministra da Agricultura diz que o seu sentimento perante o coronavírus é de “preocupação e solidariedade”.

24 de Fevereiro

O prof. Marcelo declara que “tudo está a ser feito para lidar com o coronavírus”.

25 de Fevereiro

A ministra da Saúde sugere o isolamento das pessoas vindas de zonas onde há transmissão do coronavírus.

26 de Fevereiro

A Direcção Geral da Saúde não sugere o isolamento das pessoas vindas de zonas onde há transmissão do coronavírus.

A ministra da Saúde sugere que a sua sugestão acerca do isolamento das pessoas constituiu um lapso.

A ministra da Saúde garante que Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.

O ministro dos Negócios Estrangeiros garante que Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.

A Federação Nacional dos Médicos garante que Portugal não está preparado para responder ao surto de coronavírus.

28 de Fevereiro

A directora-geral da Saúde alerta que “não nos devemos beijar todos os dias e a toda a hora”.

29 de Fevereiro

A directora-geral da Saúde admite que Portugal poderá ter um milhão de infectados.

O dr. Costa recomenda que não se levem as mãos à “boca, nariz ou olhos”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros assegura que “estamos a aprender [a lidar com o coronavírus] e julgo que estamos a aprender depressa.”

BE: “O coronavírus deve dar-nos esperança de que somos capazes de enfrentar a crise climática”

Numa escola secundária do Porto, os alunos não podem lavar as mãos porque não há sabão. E não há sabão porque, explica uma directora, não há dinheiro.

2 de Março

Surgem os primeiros casos de infectados com coronavírus em Portugal. São dois.

3 de Março

O dr. Costa corre ao Porto para visitar os pacientes. O prof. Marcelo diz que, por sua vontade, “já lá estava”.

Após gesticular para os doentes, o dr. Costa garante que Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.

A ministra da Saúde implora que não se use a Linha SNS 24 para pedir informações sobre o coronavírus.

O responsável pela Linha SNS 24 alerta que a Linha SNS 24 está nas últimas.

4 de Março

A Linha SNS 24 não atende boa parte das chamadas.

5 de Março

Após acabar demitido, o responsável pela Linha SNS 24 reagiu através de um poema. Fica um excerto: “Como velas de pavio forte/Queimamos ao luar/Das madrugadas passadas/A Trabalhar/A escrever, a digitar/A Criar o digital na saúde em Portugal/9 anos acessos, pela força e paixão/Como velas que ardem dentro do coração.” Eu seja ceguinho se isto não é verdade.

O ministro da Economia jura que o impacto do coronavírus no sector que “tutela” é “bastante reduzido”, salvo em minudências como os “transportes, das viagens e da hotelaria”.

6 de Março

A directora-geral da Saúde, que começou por achar que o vírus nunca chegaria a Portugal e depois passou a prever um milhão de infectados, encontrou um ponto intermédio e agora aconselha as visitas a lares de idosos, por não haver “esse grau de risco”.

7 de Março

O dr. Costa garante que Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.

8 de Março

O prof. Marcelo, sem sintomas de gripe mas não de outras maleitas, anuncia o próprio exílio em casa.

9 de Março

Não tendo sido testado a mais nada, os testes do prof. Marcelo ao coronavírus são negativos. O dr. Costa envia-lhe felicitações pelo Twitter.

O prof. Marcelo, que sem vírus decretou a quarentena de si mesmo, assoma à varanda e informa o povo de que lava a louça e a roupa, além de cozinhar.

O dr. Costa admite fechar as escolas e etc. antes de qualquer parecer técnico.

10 de Março

Apenas dois secretários de Estado e um autarca vão ao aeroporto receber o português que estava infectado e deixou de estar.

Em Setúbal, um homem ficou fechado numa casa de banho durante 4 horas à espera do INEM.

Para o Bloco de Esquerda, “As forças de extrema-direita tentam lucrar com o medo para impulsionar imundas respostas malthusianas e racistas. (…) O Covid-19 é apenas um aviso, mais um aviso: é preciso acabar com o capitalismo que conduz a humanidade à barbárie”.

11 de Março

Em Gaia, um homem ficou fechado no carro durante 4 horas à espera do INEM.

75% dos portugueses não acreditam que o SNS esteja preparado para uma pandemia, o que significa que 25% acreditam ou pelo menos não rejeitam a hipótese.

Na Trofa, uma turma ficou fechada na sala durante 11 horas à espera de orientações da Linha SNS 24.

Em Lousada, uma médica ficou fechada no consultório com uma doente durante 6 horas à espera de auxílio.

O hospital de Coimbra compra fatos de pintor para proteger os médicos.

A Direcção Geral da Saúde desatou a engasgar-se na actualização do número de infectados.

Nos aeroportos, os passageiros continuam a chegar sem qualquer inspecção.

Oportunamente, o Bloco de Esquerda lembra-se de que a Linha SNS 24 “não deve ser explorada por entidades privadas”, não se fosse estragar.

A directora-geral da Saúde diz para os cidadãos evitarem a “corrida aos supermercados” e, em vez disso, recorrerem à “horta de um amigo”.

Há 3.000 pessoas “sob vigilância” enquanto se aguardam os resultados de 80 testes. Faz sentido, embora não se perceba qual.

Em organismos públicos, distribui-se gel desinfectante com a validade expirada em 2013.

Uma adolescente internada com gravidade foi três vezes às urgências e, como na Bíblia, três vezes negada.

À revelia de toda a civilização, em Portugal continua tudo aberto – incluindo as praias, aliás repletas.

Um obscuro Conselho de Saúde avisa a população da sua existência e de uma reunião marcada para o dia seguinte, de tarde que não há pressa.

A ministra da Saúde proclama o reforço da Linha SNS 24, que não dá uma para a caixa.

Enquanto 39 países já impuseram o fecho de escolas e etc. (e alguns o “lockdown”), o dr. Costa vai a Berlim desenvolver a tese de que o coronavírus é uma oportunidade para a Europa “mostrar a sua força”.

O dr. Costa não admite fechar as escolas e etc. sem ouvir os pareceres dos técnicos.

O dr. Costa promete proteger todos os portugueses, “estejam em que parte do mundo estiverem”.

12 de Março

O tal Conselho de Saúde, representado por um sujeito que acha o coronavírus inofensivo, irrompe da reunião e comunica não aprovar o fecho das escolas e etc..

A ministra da Saúde e a directora-geral fazem uma conferência em dueto onde harmonizam no vazio absoluto, ou na necessidade de lavar as mãos, actividade em que esta gente é tão exímia quanto Pilatos. Ambas rejeitam o fecho das escolas.

Comentadores isentos aplaudem a decisão de não fechar as escolas.

O Sindicato Independente dos Médicos nota que o SNS não tem camas para internamento, não tem camas  de cuidados intensivos, não tem profissionais suficientes, não tem máscaras, não tem desinfectantes, não tem nada excepto a distinção de “melhor do mundo”.

Descobre-se um piloto da TAP infectado. As “autoridades” de saúde não quiseram descobrir a lista dos passageiros conduzidos pelo piloto.

O dr. Francisco George, ilustre antecessor da sua ilustre sucessora, anda pelas televisões a falar com a lucidez de um dependente de metanfetaminas. O objectivo, palpita-me, é fazer as “autoridades” actuais parecerem sensatas por comparação. Não foi inteiramente alcançado.

23 crianças (e seis adultos) estão retidas num jardim de infância da Maia, por suspeitas de infecção em uma delas.

O dr. Costa, que com escassas semanas de atraso ouviu os partidos à tardinha, ignorou o parecer dos técnicos e, invocando uma instituição europeia avulsa, anunciou o fecho das escolas – mas só a partir de segunda-feira, que na sexta o vírus faz jejum.

Em 24 horas, ou menos, as medidas que eram “excesso desnecessário” transformaram-se em critérios indispensáveis à “sobrevivência”. Num ápice, o país saltou do “Toy Story” para o “Mad Max”.

Comentadores isentos aplaudem a decisão de fechar as escolas.

13 de Março

Na Maia, oito ou nove horas depois, as crianças e os adultos saíram do jardim de infância.

Misteriosamente, o melhor SNS do mundo é o pior da Europa: somos o país com menos camas em cuidados intensivos em toda a EU (4,2 por 100.000 habitantes; a média é de 11,5).

O Bloco de Esquerda apela à requisição sumária dos “meios, material e instalações” dos hospitais privados, aqueles que o BE quer erradicar a pretexto do lucro ou lá o que é.

O ministro da Educação explicou o que iria acontecer nas escolas encerradas ao longo da quarentena. Evidentemente, ninguém percebeu. Nem ele, um matarruano que supõe dirigir-se a semelhantes seus: “Ninguém está de férias”. O matarruano trabalha em quê?

A Linha SNS 24 continua a não funcionar em condições.

Portugal tem 112 doentes confirmados, 1308 suspeitos, 5674 vigiados e 172 testados.

A Coreia do Norte e a Venezuela continuam sem infectados.

A ministra da Saúde teme que Portugal não esteja preparado para responder ao surto de corona vírus.

Ponto da situação

Vocês comprariam um carro usado ao dr. Costa? Não brinquem comigo: vocês aceitam que esse vulto coordene a reacção a uma pandemia. Há líderes valentes e até certo ponto confiáveis. Não é o caso. Ninguém aprendeu coisa nenhuma com o Siresp, Pedrógão, Tancos e o que calha. O dr. Costa também não, e permanece incompetente como sempre e dissimulado como nunca. Desde o início desta história que o homem não deu um espirro, salvo seja, sem medir previamente o impacto directo e indirecto do dito na sua popularidade. Para cúmulo, o dr. Costa rodeia-se de figuras compatíveis, uma corte de laparotos que competem pela atenção do chefe e pelo prémio do mais desnorteado. A piedade impede comentários à prestação do presidente da República em título. Quanto à oposição, cabe destacar o BE e dispensar a piedade: aquilo, para quem tinha dúvidas, é da ordem do sub-humano.

Portugal beneficiou do atraso do vírus, compreensivelmente hesitante a aparecer por cá. Porém, não tivemos sorte nem jeito na escolha de quem manda nisto: de rábula em rábula, frente ao cenário de um país arruinado, ignoraram-se os bons e difíceis exemplos do “estrangeiro” e seguiram-se os exemplos péssimos e fáceis de Espanha e Itália. Pelo caminho, salpicado de cobardia, perdeu-se tempo vital (para muitos literalmente). A culpa morrerá solteira. Os culpados ainda se vão rir disto, se é que não riem já.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

A actuação dos responsáveis pela OMS.

É no mínimo vergonhosa, para não dizer criminosa, a forma como a OMS tratou o assunto, negligenciando-o e desculpabilizando os responsáveis, se não pela sua origem, pelo menos pela sua contenção e desinformação.

Um bom trabalho, feito pela SKY News. AU, não muito exaustivo mas, suficiente para que imbecis encartados, revejam a sua posição.

O vídeo não necessita de comentários adicionais.

Agradeço a quem me enviou notícias da sua existência

https://www.youtube.com/watch?v=niRVgCYSr5I&feature=youtu.be

quarta-feira, 1 de abril de 2020

A Greve do Sexo - LlSÍSTRATA

De: Aristófanes

APRESENTAÇÃO

São poucos os exemplares de comédia grega que perduraram até os nossos dias. Entre eles está. A greve do sexo - Lisístrata, escrita por Aristófanes, no século V antes da era cristã. Como as demais comédias da antiguidade, esta peça tinha forte apelo popular, graças a seu enredo mirabolante, e era malvista pela intelectualidade da época, devido ao seu estilo leve, em contraposição à seriedade da tragédia, este sim um tipo de texto dramático da predileção dos estudiosos gregos. Nas representações de comédias havia uma imensa participação do autor, que também compunha a música das partes cantadas e frequentemente actuava. Todos os actores eram homens que usavam máscaras para representar os diferentes papéis. Mulheres não eram admitidas nem no elenco, nem na plateia do teatro grego antigo. As peças eram encenadas durante dez dias por ano, nas festas em homenagem ao deus Dionísio, na cidade de Atenas, em grandes teatros abertos com até 17 mil lugares. Como acontece com a literatura em geral, elas mostravam um painel da sociedade de seu tempo e tratavam de temas presentes na vida dos cidadãos gregos. Por isso a guerra é um dos temas principais de A greve do sexo - Lisístrata, no qual as mulheres que na vida real sequer eram consideradas cidadãs - fazem um apelo pacifista pró-união das diversas regiões da Grécia. O estilo satírico das comédias clássicas facilitava a inversão dos costumes e legitimava os elementos obscenos do enredo (as erecções dos maridos das grevistas, por exemplo), bem como das falas das mulheres em abstinência sexual. Entretanto, há seriedade no tratamento de questões como a paz, a democracia, a educação e a nostalgia da vida no campo, longe da corrupção e dos perigos da cidade. A greve do sexo - Lisístrata é um exemplar representativo da origem da literatura ocidental, a partir da qual se constrói nossa tradição literária. Por isso, em todos os sentidos, esta comédia guarda interesse e actualidade, comicidade e reflexão. No final do Livro você encontra o glossário, com explicações sobre palavras e expressões mais difíceis, que estão sublinhadas no Livro.


Ana Mariza Filipouski

Crise na Itália faz imigrantes chineses procurarem novos rumos

Na última década, número de imigrantes chineses triplicou no país. Maioria trabalha em fábricas de tecidos, que competem com indústria local. Mas redução da demanda obriga muitos a procurar empregos em outras áreas.


Dois clientes vão até a jovem barista, de cabelos pretos presos em um rabo de cavalo e o rosto emoldurado por uma franja que chega até as sobrancelhas. "Ni hao!", saúdam os homens. Ela, sorridente, responde em italiano, "ciao ciao".

Ye Pei, uma chinesa de 17 anos, vive na Itália há apenas poucos meses. Seu vocabulário ainda é limitado, mas ela já aprendeu o suficiente para servir cappuccinos e outras bebidas no bar em que trabalha. Ela vive em Falconara, um balneário na costa leste da Itália.

"O mais importante para mim agora é aprender o idioma", explica a jovem. "Essa é a minha prioridade. Se falar bem o italiano poderei ser independente, mas é muito difícil estudar quando se tem que passar o dia inteiro costurando", afirma Ye.


Como a maioria dos imigrantes chineses na Itália, Ye vem da província de Zhejiang, no oeste da China. Sua terra natal, Qingtian, é cerca de montanhas, com poucas empresas e raras oportunidades de trabalho.

Imigração começou há 30 anos

Os chineses começaram a imigrar para a Itália há 30 anos. A maioria trabalha em fábricas têxteis que operam para grifes italianas. As tarefas são simples: costurar botões em suéteres, colocar zíperes em calças jeans. Muitos deles acabam mais tarde abrindo suas próprias confecções.

Na última década, a quantidade de chineses na Itália triplicou, ultrapassando a marca dos 200 mil, o que corresponde a cerca 20% da população de imigrantes do país. Muitos acabaram trazendo também seus familiares e amigos para trabalharem em seus negócios na Itália. Os chineses têm a reputação de serem trabalhadores flexíveis, rápidos e baratos.

Feito na Itália por mãos chinesas

Na China, os chefes das fábricas, chamados de laoban, costumam fornecer acomodações e alimentação aos funcionários, mas uma minoria paga salário mensal. Os funcionários são pagos por peça produzida.

Jimmy Xu, que gerencia uma confecção em Falconara, justifica que os trabalhadores preferem esse tipo de arranjo porque "os chineses não gostam de salários fixos. Eles pensam 'se eu trabalhar rápido ou lentamente, irei receber a mesma coisa'".


Operários chineses em confecções na Itália: sem documentos e limites de horário

Por essa razão, os trabalhadores, principalmente os mais rápidos, preferem ser pagos por peça. "Dessa forma eles podem ganhar mais dinheiro", explica Xu.

A mãe de Ye, Xue Fen, está na Itália há seis anos. Ela também conseguiu um emprego em uma fábrica gerenciada por chineses, onde trabalha mais de 15 horas por dia e recebe cerca de 750 euros por mês. Na China, ela levaria oito meses para ganhar a mesma quantia.

Xue Fen concorda que os laoban exploram os trabalhadores, mas por outro lado, ela explica que esse arranjo pode ser conveniente para os imigrantes, principalmente para os recém-chegados à Europa.

"Se eu trabalhar para um chefe italiano, terei que pagar aluguel, comprar minha própria comida, o que não deixa de ser um incômodo. Já os chineses ao menos fornecem habitação e refeições. É assim que fazemos na China", esclarece.

Operários sem documentação

A polícia italiana afirma ter descoberto nos últimos anos cada vez mais confecções que empregam operários em situação ilegal, que trabalham sem limites de horários.

Uma policial que não quis se identificar explicou que esse estilo de vida fez com que os chineses acabassem ficando "invisíveis" por muito tempo. "Os chineses são muito inteligentes e bem organizados. Eles optam por ficar em silêncio, sem chamar a atenção, e a polícia acaba os ignorando."

Mas o sucesso comercial dos chineses na última década acabou gerando ressentimentos entre os italianos, conforme a policial. Em um país que sofre com o alto índice de desemprego e em meio a uma crise econômica, esse quadro apenas piorou. Muitos reclamam que os chineses estão descumprindo leis trabalhistas – explorando funcionários, desestabilizando o mercado e levando fábricas italianas à falência.


Mais baratos, chineses trabalham para grifes italianas

Valter Zanin, professor de sociologia da Universidade de Pádua, realizou uma pesquisa sobre fábricas chinesas em seu país e concluiu que mão de obra barata é o que mantém a competitividade dos chineses. Zanin ressaltou que alguns funcionários são forçados a trabalhar até mais de 18 horas por dia.

Alternativas

Mas enquanto a crise econômica europeia perdurar, a indústria da moda na Itália continuará sentido os efeitos da recessão. Até mesmo as confecções dos chineses estão tendo menos contratos. À procura de alternativas, muitos chineses, assim como Ye, migram para o setor de serviços.

Nessa nova linha de trabalho, eles já não são tão invisíveis. A interação diária com os italianos proporciona aos imigrantes a possibilidade de se integrar melhor na sociedade e de aprender mais sobre os costumes locais.

"Vou trabalhar muito para aprender o idioma italiano e adquirir o conhecimento necessário para gerenciar um bar", diz Ye. "Um dia, quando tiver guardado bastante dinheiro, vou abrir meu próprio bar, para que meus pais possam se aposentar mais cedo".

https://www.dw.com/pt-br/crise-na-itália-faz-imigrantes-chineses-procurarem-novos-rumos/a-16852176

Estabelece o regime jurídico do Conselho Nacional de Saúde

Decreto-Lei n.º 49/2016

de 23 de Agosto

O reforço do poder do cidadão no Serviço Nacional de Saúde constitui um dos compromissos do Programa do XXI Governo Constitucional, consubstanciado em várias medidas, entre as quais se destaca a criação do «Conselho Nacional de Saúde no sentido de garantir a participação dos cidadãos utilizadores do Serviço Nacional de Saúde na definição das políticas, contando com a participação das autarquias e dos profissionais, bem como de conselhos regionais e institucionais, como forma de promover uma cultura de transparência e prestação de contas perante a sociedade».

Embora legalmente previsto há mais de 25 anos na Base VII da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde, e ao longo das várias leis orgânicas do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Saúde nunca foi criado.

Trata-se de um órgão consultivo do Governo representativo dos interessados no funcionamento das entidades prestadoras de cuidados de saúde, cuja composição, competência e funcionamento constam de diploma próprio, que importa agora concretizar.

Este órgão tem presente as melhores práticas internacionais e traduz o que os estudos de reflexão na área da saúde consideram ser importante, estabelecendo uma aliança de toda a sociedade para definir uma visão para o futuro e ter uma perspectiva de conjunto do sistema.

Foram ouvidos os órgãos do governo próprio das regiões autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias, as Ordens dos Biólogos, dos Enfermeiros, dos Farmacêuticos, dos Médicos, dos Médicos Dentistas, dos Nutricionistas e dos Psicólogos, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, a Comissão Permanente de Concertação Social, o Conselho Nacional para a Economia Social e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida…

sexta-feira, 27 de março de 2020

quinta-feira, 26 de março de 2020

Pensamentos para relaxar…

“ Quando Galileu demonstrou que a Terra girava… já os bêbados sabiam disso há séculos!

“As nuvens são como os chefes… quando desaparecem fica um dia lindo…

97% da população não acredita nos políticos, os outros 3% são os políticos.”

“ A hierarquia é como uma prateleira: quanto mais no alto, mais inútil.”

“ Alguns homens gostam tanto das suas mulheres que, para não as gastarem, preferem usar as dos outros.”

“ Por maior que seja o buraco em que te encontras, sorri, porque por enquanto ainda não há terra por cima.”

“Se te estás a sentir sozinho, abandonado, a achar que ninguém te liga… atrasa um pagamento.”

“ Se não puderes ajudar, então atrapalha, afinal o importante é participar.”

" Errar é humano… colocar a culpa em alguém é estratégico.”

“ Antes, eu tinha amnésia, hoje não me lembro.”

“ Não bebas enquanto conduzes! Porque podes entornar a cerveja.”

“ Bebo porque sou egocêntrico… gosto quando o mundo gira à minha volta.”

“ Vivemos tempos em que o fim do mundo não assusta tanto quanto o fim do mês.”

“ Eu não sou contra nem a favor, muito pelo contrário!”

“ O pára-quedas é o único meio de transporte que, quando avaria, você chega mais depressa.

Matemática alternativa. Por favor, não perca isto. É muito actual..

Isto está também a passar-se em Portugal em diversas áreas e circunstâncias… isto tem de parar, para bem das gerações que virão depois de nós.

https://www.youtube.com/watch?v=8l1FAQGsVlo&feature=youtu.be

Stop ao contágio

bom jogo, para fazer sozinho ou em família. Um jogo para toda a família!

Vamos todos aprender mais sobre os vírus, o novo coronavírus e como nos protegermos.

https://www.stopcontagio.pt/

O nosso modo de vida acabou

Concordo com o “levantamento”, pois eu próprio o tenho elencado em conversas possíveis.

"Sentindo-se inseguras, as pessoas começarão a desejar governos fortes, pulsos firmes, autoritários, musculados. E não há dúvida de que, em momentos de aflição, as ditaduras funcionam melhor do que as democracias"

As pessoas estão metidas em casa – as que podem – esperando que o vírus passe.

E todas acreditam que, quando a epidemia passar, daqui a dois ou três meses, tudo voltará ao normal.

Ora isso, infelizmente, não vai acontecer.

O nosso modo de vida vai mudar radicalmente.

Nada voltará a ser como dantes.

Pensemos nos restaurantes De um momento para o outro ficaram vazios.

Perante isso, muitos decidiram fechar as portas: para quê manter a cozinha a funcionar, o serviço de mesas a funcionar, para meia dúzia de clientes?

E os que ainda o não tinham feito fizeram-no por força do estado de emergência – e poucos se adaptarão tão cedo aos novos moldes de funcionamento.

Ora, o que farão aos empregados: continuarão a pagar-lhes, despedi-los-ão ou recorrerão à ajuda especial do Estado?

Se continuarem a pagar-lhes, nalguns casos haverá falências, até porque não se sabe quanto tempo isto irá durar; mas o dinheiro do Estado não chegará para tudo…

E os fornecedores dos restaurantes, o que será deles? Sem clientes, pararão.

E com os bares e os fornecedores dos bares vai acontecer o mesmo: fecharão as portas e deixarão de laborar.

E a maior parte do comércio com porta para a rua, mesmo aquele que não foi obrigado a encerrar, seguirá este caminho: com as pessoas fechadas em casa, para quê manter a porta aberta?

E com os quiosques, as papelarias e as livrarias fechadas, reduzir-se-ão brutalmente os locais para comprar jornais, revistas e livros.

E toda esta indústria tenderá a parar: redacções, tipografias, distribuidoras, fornecedores de papel…

E, claro, tudo o que é espetáculo parou.  O cinema, o teatro, os concertos, as touradas, o futebol.

O caso do futebol é particularmente grave, pois constituía uma poderosíssima indústria.

Para já, este campeonato de futebol e a Taça de Portugal dificilmente chegarão ao fim.

E, sem jogos, não há transmissões televisivas, que eram uma das principais fontes de receita dos clubes; sem jogos, também acabam as receitas de bilheteira e os patrocínios; e os sócios a pouco e pouco desistirão: para quê ser sócio de um clube se não há jogos para ver?

E como poderão os clubes sobreviver durante meses sem receitas televisivas, sem receitas de patrocínios, de bilheteira, de quotização, de merchandising?

Com que dinheiro continuarão a pagar salários milionários a jogadores e treinadores?

E o que vai suceder a todo o negócio que gira à volta do futebol: as estações desportivas de televisão, como a SportTV, os programas desportivos que ocupavam praticamente todas as noites dos canais de informação, os jornais desportivos, etc.?

E toda esta gente – cameramen, locutores, comentadores, jornalistas – vai fazer o quê?

E, de uma forma geral, as pessoas ligadas à área do espetáculo como irão sobreviver?

Os cantores, os actores, os bailarinos, os elementos das orquestras, os operadores de som e de luz…

E as gravações de telenovelas vão continuar, sabendo-se que abundam as cenas íntimas?

E todo o pessoal ligado às viagens e ao turismo?

O comércio internacional vai reduzir-se brutalmente; e as viagens de lazer, bem como os cruzeiros, foram canceladas.

Como vão viver as pessoas ligadas ao sector?

O pessoal das agências de viagens, dos portos e aeroportos, as tripulações de barcos e aviões, os guias turísticos, as empresas de catering?

E o que será do pessoal das muitas fábricas que já pararam, seja por razões de segurança, por falta de matérias-primas ou porque as encomendas não justificavam que se mantivessem em laboração?

Enfim, é um mundo de questões que de repente desaba sobre nós sem respostas à vista.

O leitor já percebeu que vai haver uma vaga gigantesca de desemprego, que o Estado não terá condições para suportar.

Não haverá dinheiro para pagar tudo: aos desempregados, aos que vão para casa cuidar dos filhos, aos reformados.

Com o desemprego, as receitas do Estado diminuirão bruscamente – e, portanto, a capacidade do Governo para cumprir os compromissos diminuirá na mesma medida.

Dificilmente não haverá fome…

É impossível neste momento avaliar toda a extensão da catástrofe.

E não se pense que, quando o vírus passar, tudo recomeçará a funcionar como por milagre.

Há muita empresa que faliu e não voltará a abrir as portas.

Em todas as áreas.

Muita coisa recomeçará do zero.

Por outro lado, os nossos hábitos mudaram.

E instalou-se o medo – que perdurará por muito tempo. Recorde-se a repulsa que os ratos ainda hoje causam, vários séculos após as pestes.

No contacto humano, vamos ser muito mais contidos.

Tão cedo não haverá beijinhos, nem abraços, nem mesmo apertos de mão.

Tudo o que implique grandes concentrações de gente – futebol, concertos, feiras, manifestações políticas, celebrações religiosas – será evitado.

As relações sexuais esporádicas e a prostituição levarão uma grande pancada.

A vida das famílias também vai mudar.

O medo das aglomerações levará muito mais crianças a ficar em casa até à idade escolar, obrigando um dos membros da família a não trabalhar.

A xenofobia e o racismo crescerão, pois tudo aquilo que nos é estranho passará a ser visto com desconfiança. Note-se que as lojas chinesas foram as primeiras a fechar. Qualquer oriental será olhado como potencial portador de um vírus esquisito.

As pessoas vão estar ainda mais tempo ao computador e as redes sociais vão ter um incremento brutal.

Muita gente desenvolverá doenças mentais, porque o isolamento potencia esses problemas.

Mas nem tudo são más notícias.Os canais de televisão informativos Verão aumentar muito as audiências, embora percam publicidade, porque ninguém agora anuncia nada.

As empresas de distribuição ao domicílio também se desenvolverão bastante. Haverá que levar tudo a casa das pessoas: comida, produtos de mercearia, jornais, eventualmente livros, filmes e outros entretenimentos.

Os grandes hospitais darão lugar a unidades mais pequenas e vulgarizar-se-á o internamento em casa.

O teletrabalho também sofrerá um grande empurrão – e as empresas onde ele for agora implementado com sucesso poderão adotá-lo em definitivo.

As crianças estarão mais tempo com os pais em casa.

Além disso, a globalização arrepiará caminho, o que para mim é uma vantagem.

A globalização globaliza o bem e o mal.

Doenças que estão circunscritas a determinadas regiões espalham-se rapidamente por todo o globo.

Já vimos isso com a gripe A (H1N1), agora é o covid-19, amanhã será outra doença qualquer. Se não travarmos a circulação descontrolada de pessoas, as pandemias serão cada vez mais frequentes.

Reduzir-se-ão as viagens de férias para destinos estranhos como o Vietname ou o Camboja.

As fronteiras tenderão a ser mais vigiadas – e Schengen será uma memória progressivamente mais distante.

Com as limitações às viagens, deixará de haver tanta circulação de mercadorias.

Parar-se-á um pouco o consumo desenfreado – e, ao mesmo tempo, as produções brutais que nunca serão vendidas e causam imensa poluição.

E, já agora, esfriará a ‘reunite aguda’, a mania das reuniões por tudo e por nada, que só causam perdas de tempo.

Paradoxalmente, se não houver uma travagem na globalização, a democracia poderá estar em risco, mesmo na Europa.

Sentindo-se inseguras, as pessoas começarão a desejar governos fortes, pulsos firmes, autoritários, musculados.

E não há dúvida de que, em momentos de aflição, as ditaduras funcionam melhor do que as democracias: veja-se o modo como a China conseguiu dominar a doença, em circunstâncias aparentemente muito mais desfavoráveis.

Enfim, muita coisa vai mudar.

O nosso modo de vida acabou.

Haverá um antes e um depois do coronavírus.

José António Saraiva

https://sol.sapo.pt/artigo/689853/o-nosso-modo-de-vida-acabou

Se a Rússia tem poucos casos de coronavírus, por que então construir um novo hospital enorme?

No último dia 10 de Março, o prefeito da capital russa, Serguêi Sobiânin, anunciou que Moscou começaria a construir às pressas um centro de doenças infecciosas para pacientes com coronavírus. Mas, diante do número de casos, a pergunta é por quê?

“Como parte do regime de alerta máximo, decidimos construir uma instalação móvel de um novo hospital de doenças infecciosas”, escreveu o prefeito de Moscou, Serguêi Sobiânin, em seu site em 10 de Março. Ainda segundo ele, o hospital seria construído em um curto período de tempo e equipado com os mais modernos equipamentos.

Duas semanas após o início das obras, as fundações de concreto já foram colocadas, e a construção de um centro de tratamento, composto por 12 edifícios, começou, anunciou o vice-prefeito Andrêi Botchkarev. Em breve, será construída uma unidade de terapia intensiva, com 10 edifícios e capacidade para 250 pacientes.

“Actualmente, cerca de 2.000 trabalhadores e 500 equipamentos estão envolvidos na construção do hospital. No pico de trabalho, mais de 5.000 pessoas estarão envolvidas na construção do centro”, disse Botchkarev.

O hospital terá uma área total de cerca de 70.000 metros quadrados e poderá acomodar 500 pacientes, incluindo a unidade de terapia intensiva. O hospital terá mais de 30 edifícios e diversos departamentos, incluindo:

- Unidade de Emergência

- Centro de Tratamento

- Unidade de Terapia Intensiva

- Laboratório

- Centro de Diagnóstico

- Unidade Infantil, Unidade Cirúrgica e Maternidade

O prefeito ressaltou que o hospital está localizado a 250 metros da área residencial mais próxima, a uma distância “150% maior que a zona sanitária necessária”, portanto, o complexo não apresenta qualquer perigo para os moradores locais.

O hospital ficará pronto em um mês, informou a agência de notícias Moskva.

Hospital por precaução

As notícias de que um novo centro de doenças infecciosas estaria sendo construído às pressas fez com que usuários de redes sociais levantassem suspeitas e indagações.

“Por que, se existem apenas 60 infectados a cada 100.000 habitantes [na Rússia]? E não é tarde demais?”, comentou um usuário no Twitter.

“Há uma semana, eles informaram que um hospital totalmente novo havia sido alocado para os doentes. Se eles estão construindo um novo, por quê?”, questionou outro usuário na rede.

“Eis aqui uma óptima ideia: por que não reabrir hospitais fechados? Mas tudo isso é para gastar dinheiro, não construir hospitais”, comentou uma usuária chamada Elena Valies sobre as notícias relacionadas ao novo hospital.

Ao explicar a decisão de construir o novo instituto, o prefeito disse que, “actualmente, Moscou acaba de isolar casos do novo coronavírus, e as instalações hospitalares existentes estão lidando com isso. No entanto, cada novo caso requer a hospitalização não apenas da pessoa doente, mas de várias outras pessoas”.

“Todos que entraram em contacto com um portador do vírus e estão mostrando sintomas de uma infecção viral respiratória aguda são levados ao hospital”, explicou.

“Existem muitos outros casos de hospitalização ‘preventiva’, quando um caso suspeito de coronavírus não é confirmado posteriormente. E, é claro, a cidade deve estar pronta para qualquer cenário”, concluiu o prefeito.

Isolamento por dentro

Além do novo complexo, uma unidade de um hospital recém-construído no vilarejo de Kommunarka, nos arredores de Moscou, foi especialmente destinada a receber os casos já confirmados e suspeitos de covid-19.

Segundo o médico-chefe, Denis Protsenko, a instalação atende a todos os requisitos de um hospital de doenças infecciosas, com antessalas em todas as entradas da área de pacientes com covid-19. “Cada vez que um membro da equipe entra, eles usam roupas de protecção e material descartável de desinfecção. Até agora, nenhum membro da equipe foi infectado [pelo novo coronavírus]”, disse Protsenko.

“Todos os pacientes em quarentena têm acesso a internet gratuita e cinco refeições por dia”, relata Katerina Nazarova, uma das pacientes do hospital. Todos os alimentos são entregues em recipientes descartáveis ​​individuais.

Os pacientes são testados para coronavírus no primeiro, terceiro e décimo dia da estadia no hospital. Os pisos são lavados com uma solução de água sanitária uma ou duas vezes ao dia. Não é permitida a entrada de visitantes no hospital.

“Estou sozinha em um quarto com dois leitos. Os corredores são amplos e desertos, como na Umbrella Corporation de Resident Evil”, conta Katerina.

O médico-chefe admite que alguns pacientes tentam fugir do hospital, não por causa de más condições, mas porque têm medo de permanecer em uma ala de isolamento por 14 dias – um requisito padrão para todos os pacientes com suspeita de covid-19.

“Alguns pacientes recebem ajuda psicológica. É preciso entender que o auto-isolamento e a quarentena são alguns dos meios mais eficazes. Sou a favor de fechar totalmente a cidade. Acho que isso nos tornaria mais seguros ”, diz Protsenko.

A maioria dos pacientes no hospital também concorda com a posição do médico. Alguns até gravaram um apelo em vídeo para que as pessoas de fora se auto-isolem para se protegerem contra o coronavírus.

“Estou em um hospital de doenças infecciosas com suspeita de coronavírus. Sempre me perguntam: ‘Como vai está, como vai?’ Gente, eu estou bem, está tudo bem. Estou isolado em um momento em que há uma pandemia por aí. E você, não”, diz um dos pacientes em vídeo. “Você está andando pelas ruas, se comunicando com pessoas potencialmente infectadas, tocando os mesmos corrimãos, respirando o mesmo ar. Esteja atento e assuma a responsabilidade por você e por seus entes queridos, faça-o agora. Nas condições actuais, a única maneira de superar esse desastre é se isolando.”

24 de Março de 2020

Victória Riabikova

https://br.rbth.com/estilo-de-vida/83626-poucos-casos-russia-porque-novo-hospital?utm_source=Newsletter&utm_medium=Email&utm_campaign=Email

Coreia do Sul combate "transmissores silenciosos" do coronavírus.

Graças a seu programa abrangente de testes de covid-19 rápidos, descomplicados e, sobretudo, gratuitos, governo sul-coreano está sendo bem-sucedido na detecção de contaminados que não apresentam sintomas.

As estratégias governamentais para combater o novo coronavírus são tão diversas quanto os países que as adoptam. As autoridades nacionais de saúde avaliam de formas diversas, por exemplo, a transmissão assintomática. Normalmente os contagiados mostram os primeiros sintomas dentro de cinco dias, embora em casos excepcionais o período de incubação possa durar até três semanas.

Segundo dados do governo chinês, divulgados pelo jornal South China Morning Post, seria de 30% a percentagem dos "portadores silenciosos", ou seja, aqueles cujos testes do vírus são positivos, mas não apresentam sintomas, ou só bem mais tarde.

Esses números são confirmados por um grupo de especialistas japoneses liderados pelo epidemiologista Hiroshi Nishiura, da Universidade de Hokkaido. Ele constatou que, entre os pacientes japoneses evacuados da cidade de Wuhan, na China, o local de origem da pandemia, a proporção dos infectados sem sintomas era de 30,8%.

São muitos os indícios de que "um volume considerável de casos fica subdiagnosticado", afirmou a equipe japonesa em carta à revista médica International Journal o Infectious Diseases.

Esses números contrastam fortemente com declarações da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo a qual a transmissão assintomática seria "extremamente rara" na União Europeia, constituindo apenas de 1% a 3% dos casos.

Testes descomplicados e gratuitos

Na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, onde só são testados os que apresentam sintomas, o número das infecções segue crescendo rapidamente.

Na Alemanha, por exemplo, onde só é submetido ao teste de coronavírus quem tem sintomas semelhantes aos da gripe e esteve nos últimos 14 dias numa região onde houve casos ou teve contacto com um caso confirmado, nesse mesmo prazo. Quem teve o contacto mas não apresente os sintomas é enviado sem testes em quarentena auto-imposta de 14 dias, que no entanto praticamente não é monitorada. 

Até agora, o coronavírus foi detectado principalmente com a técnica de reacção em cadeia da polimerase em tempo real

Nos epicentros originais do vírus Sars-CoV-2, China e Coreia do Sul, por outro lado, cai sensivelmente o número de novas incidências. Em ambos, são testados todos os que tiveram contacto com um infectado, mesmo que não apresentem sintomas. Em caso positivo, a quarentena de 14 dias, sob vigilância telefónica estrita.

Na Coreia do Sul, as infracções à quarentena são punidas com multas de até 3 milhões de won (2.500 dólares). Um novo projecto de lei prevê elevar as penas a 10 milhões de won e até um ano de prisão.

Após o vertiginoso incremento no fim de Fevereiro, a Coreia do Sul conseguiu reduzir significativamente o número das novas infecções. Actualmente, 9 mil dos cerca de 50 milhões de habitantes foram contaminados, e a eles juntam-se diariamente mais 100. A covid-19 já provocou 120 mortes no país.

Em muitos locais, há pontos de controle e tendas onde qualquer um pode se submeter ao teste de coronavírus de forma rápida, descomplicada e, sobretudo, gratuita. Até o momento, 300 mil cidadãos já participaram, e diariamente podem ser realizados cerca de 20 mil testes, também graças aos mais de 40 postos de teste tipo drive-through por todo o país, que outros governos nacionais também já imitam.

Ao todo, foram testados muito mais indivíduos na Coreia do Sul do que em qualquer outro país: 5,6 por cada mil habitantes. Em comparação, na Alemanha podem ser realizados no máximo 160 mil testes de coronavírus por semana, o equivalente a 1,9 por mil habitantes. Nos EUA só houve até o momento cerca de 30 mil testes.

Interferência na liberdade pessoal

Os sul-coreanos, portanto, estão conseguindo conter o vírus sem decretar toque de recolher nem restrições drásticas às viagens. A vida pública foi, de fato, também fortemente cerceada, e todos devem manter distância interpessoal, mas o país ainda não quer se fechar completamente.

"A Coreia do Sul é uma república democrática. Acreditamos que confinamentos não são uma opção razoável", comentou o especialista em doenças infecciosas Kim Woo-Joo, da Korea University, citado pela revista especializada Science.

Em vez disso, o país asiático empreendeu "o programa de testes mais abrangente e mais bem organizado de todo o mundo, combinado a esforços intensos para colocar os infectados em quarentena, assim como a seus contactos" explicou Kim.

Os exames intensivos possibilitaram também descobrir muitos "portadores silenciosos" no círculo mais próximo dos contaminados, antes de poderem infectar outros. "No momento, a Coreia tem uma parcela de casos assintomáticos bem mais alta do que outras nações, o que talvez se deva a nossos testes abrangentes", comentou Jeong Eun-kyeong, director do Centro Coreano de Controle e Prevenção de Pestes (KCDC).

Paralelamente, Seul interfere drasticamente nos direitos individuais de sua população. Para reduzir ao mínimo o perigo de contágio, os cidadãos recebem informações personalizadas sobre os riscos em sua vizinhança imediata. As autoridades locais têm acesso a informações detalhadas sobre os infectados, incluindo idade, sexo e perfil de deslocamentos.

Desde a crise da síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV) em 2015, o governo coreano está autorizado por lei a coletar dados de celular e cartões de crédito, a fim reconstituir os movimentos de indivíduos testados positivos. Despersonalizados, esses dados são então transmitidos a aplicativos onde qualquer cidadão pode ver se possivelmente encontrou-se com alguém contaminado.

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