ABRUPTA E «À BRUTA»
Não é sobre o «à bruto» AO90. É sobre a mudança da hora-manequim de Verão-Inverno.
Estranho ouvir certas razões contra a manutenção da «mesma hora» (provavelmente a de Verão):ora pelo sacrifício e insegurança das crianças na ida para a escola, ora por o sol ter a desfaçatez de passar a levantar-se apenas às 9h, depois da maioria das pessoas. Quanto a este último problema (e a todos os problemas relacionados), pergunto se será possível que o sol se levante às 9h em Bragança, precisamente quando se levanta em Vigo às 10h. Pois é: parece que esquecemos que nós é que nos regulamos pelo ritmo solar, e não o sol pelos nossos relógios. Outra pergunta: será que os esquimós, lá mesmo no buraquinho polar, dormem 6 meses seguidos para trabalharem «à bruta» nos outros 6 meses? Ou só vão trabalhando à medida que a noite diminui? (Até que seria interessante esta alternativa…)
A meu ver, o problema está em se mudar «à bruta», com toda a força de uma lei, que certos especialistas apelidam de científica. Na verdade é devida a uma experiência pós-guerra com o fim de facilitar «a gestão do tempo-relógio» para rentabilização do trabalho sem a ajuda das actuais lâmpadas LED. Será que acham mais justo que toda a gente seja obrigada a experimentar os efeitos do «jetlag»? Se eu vou a Paris ver os coletes amarelos, aceito facilmente que saiam à rua pelas horas que são convenientes para Paris e não para Lisboa ou Atenas. Mas deitar-me às 23 horas em Aveiro para me levantar às 7h, e acordar na mesma cama e cidade no equivalente às 6h! Como se tivesse mudado de fuso! Não há direito!
Acho preferível tirar partido daquilo que mais nos diferencia dos outros animais: ser racional.
As razões da mudança perderam os seus fundamentos. E durante 24 horas, os transportes trans-fusos baralham os horários. Mas sobretudo aumenta-se a confusão durante vários dias e ocorrem perturbações no campo da saúde e da eficácia no trabalho.
Então que fazer? Os Espanhóis têm vindo a desejar o «nosso fuso» (na prática, confunde-se «fuso horário» com «hora legal»). Racionalmente, ou isso ou o mesmo fuso para Portugal e Galiza… Nós fomos atrás de Inglaterra quando «brexou» do «fuso europeu». Porquê?
Seguindo o parecer de entendidos, seria desejável que praticamente toda a Europa como que tivesse «o mesmo fuso» e mesma «hora legal». Apenas seria preciso achar normal que, por exemplo, as escolas abrissem às 8h em França, às 9h na Península Ibérica e às 7h na Grécia («grosso modo»). Tirava-se igual proveito da luz solar sem deixarmos de seguir a referência horária comum à UE. Aliás, até na mesma região, devia ser possível (se razoável!) que as lojas, escolas e a maioria dos serviços abrissem em horas diferentes, de acordo com as conveniências específicas de cada tipo de trabalho e com o bem-estar da população “em geral” (pensemos nas padarias, recolectores do lixo…). Cada serviço é que sabe o horário que é mais conveniente para todos. Bem basta que padeiros, pilotos, polícias, enfermeiros e médicos, só para dizer alguns, se vejam obrigados a «trocar os fusos» volta e meia …
E as crianças: será mais seguro, mais fácil e mais «afectivo», saírem para a escola com os pais, irmãos ou amigos, mal se faz sentir a aurora (depois de bem dormirem enquanto o sol dorme profundamente), ou terem que regressar já de noite, menos acompanhados e mais cansados?
Pertence às «comunidades no mesmo fuso» estabelecer os horários de modo racional, conjugando bem-estar no lazer e no trabalho – e sem deixar tirar proveito do nosso «irmão sol» (que até tem a coragem de se levantar 8 minutos «antes da hora»…)
O próprio problema do alojamento dos estudantes, que também se faz sentir no ensino secundário, só ganhava com a flexibilidade dos horários sob parecer de cada unidade escolar. É ofensivo impor aulas às 8h da manhã, em locais com deficientes meios de transporte.
Intelligenti pauca. Este latim condensa o nosso «para bom entendedor meia palavra basta» (os «velhos» dicionários traziam uma lista de frases estrangeiras, o que não cansa o cérebro, ao contrário do que escreve Malaca Casteleiro). Não é snobismo, é reconhecer que também devemos admirar, além do sol, o brilho com que se exprime o pensamento de outros povos ou grupos sociais, com um carinho especial pela linguagem-mãe da Europa. Por isso me limito a deixar estas reflexões que até fizeram o Sol cair mais depressa.
MANUEL ALTE DA VEIGA. Aveiro.
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