sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ainda Sobre a Reconfiguração da Banca Em Portugal

De há muito que os problemas relacionados com a crise do sistema financeiro são motivo de preocupação e reflexão entre nós. A tal ponto que há cerca de três anos (Abril de 2016) um grupo de cidadãos decidiu subscrever um Documento de Reflexão sobre a “Reconfiguração da Banca em Portugal”, o qual teve ampla divulgação nos órgãos de comunicação social e esteve na origem de um conjunto de artigos semanais, publicados no Diário de Notícias, ao longo de vários meses. (Ver em www.reconfiguracaodabanca.com).

Já no documento inicial se enfatizava ser “público e manifesto o desagrado e preocupação com o modo como a questão (da reconfiguração da banca em Portugal) vinha sendo abordada e decidida, e com a evolução daí resultante”. Nomeadamente, “excessivo voluntarismo, pouca transparência, deficiente gestão estratégica, falta de liderança política, destruição de valor e custos significativos e prolongados, para a economia portuguesa”.

Apelava-se então, para “que em futuros casos, incluindo o do Novo Banco, a solução a adoptar (tivesse) em conta a dimensão estratégica (de longo prazo) do problema e não somente os aspectos fi nanceiros de curto prazo”. E acrescentava-se, “Impõe-se por isso que, no caso do Novo Banco, o momento e a forma escolhidos para a sua eventual concretização sejam clara e objectivamente discutidos. Uma extensão do prazo de venda, até Agosto de 2019, tal como a lei permite, poderá justifi car-se, tendo em vista o estudo de soluções alternativas…

É igualmente importante que a modalidade de venda escolhida permita que entidades portuguesas relevantes possam participar no processo.

Importa, assim, que o processo seja clarifi cado, tornado público e aberto a todos os potenciais interessados, em totais condições de igualdade, sendo inadmissível qualquer forma de escolha antecipada dos vencedores”.

Em face do que precede não podemos deixar de nos surpreender com a saga em que se transformou a venda do Novo Banco, e de sermos agora informados, através do Expresso, que a 2ª Auditoria anunciada para o Novo Banco, visa “escrutinar de que forma as decisões de concessão dos créditos (problemáticos do Novo Banco) foram tomadas”. Ficamos perplexos... a ponto de não podermos deixar de pensar que tal vise essencialmente escamotear a natureza dos problemas com que nos confrontamos...!! Não é já isso, no essencial, mais do que conhecido??!!

Pensa-se que a dita Auditoria deve visar o escrutínio do processo que conduziu à venda do Novo Banco à Lone Star e às razões que motivaram que essa venda não tenha integralmente respeitado as regras do Concurso, estabelecidas no Procedimento de Venda Estratégica do Novo Banco”, uma vez que ele estabelece que “o processo de venda será conduzido de forma transparente e não discriminatória”. Com efeito:

a) Encontra-se por esclarecer “o facto do Banco de Portugal ter concedido à Lone Star exclusividade nas negociações à data de 18 de Fevereiro de 2017, quando estava ainda em fase de negociação com o outro concorrente (a Apollo/Centerbridge) tendo em conta que lhe tinha dado a data de 24 de Fevereiro de 2017, como limite para a obtenção das informações necessárias para apresentação da sua proposta. Deste modo, não só os dois candidatos não dispuseram do mesmo prazo para apresentação das suas propostas, como b) Não receberam a mesma informação quanto a poderem comprar menos de 100% do Novo Banco, ou quanto a poderem solicitar garantias sobre os activos problemáticos (imparidades) que, ao contrário do inicialmente afi rmado pelo Governo, vieram a ser concedidas e estão agora a concretizar-se com elevados custos para os cidadãos.

c) Encontra-se igualmente por esclarecer a razão que levou o Banco de Portugal a impedir o Millennium BCP de concorrer à compra do Novo Banco, o que pretendia e só podia fazer a partir de 18 de de Fevereiro de 2017, data em que reembolsou as suas obrigações CoCos e estava em condições de apresentar a sua proposta de compra.

Em resumo, e no mínimo colocando dúvidas sérias à forma como foi gerido o processo de venda, este permanece envolto em grande obscuridade, levantando interrogações quanto à existência de um acordo prévio para a entrega do Banco à Lone Star.

Acresce que não é mais transparente nem clarifi cadora a actuação do Banco de Portugal, enquanto supervisor do Novo Banco e do Fundo de Resolução, no período pós-venda. Assim:

1. Que factos determinam os prejuízos na origem dos montantes pedidos ao Estado e ao Fundo de Resolução?

2. É ou não verdade que o Banco de Portugal tem posto pressão sobre o Novo Banco, tendo em vista a rápida alienação dos activos que se não integram no “core business” do Novo Banco?

3. Como se explicam as imparidades surgidas desde 2017 no Novo Banco, tendo em conta que no período 2014-2017 (i.e., após a resolução do BES em 2014), o banco esteve: a) sob gestão controlada pelo Banco de Portugal e pelo Fundo de Resolução; b) sujeito a auditoria por parte da empresa PwC; c) sujeito a um Conselho Fiscal designado pelo Banco de Portugal. O que revelam as mesmas sobre as práticas de gestão do banco?

Como pode, assim, o Banco de Portugal eximir-se de responsabilidades, uma vez que foi a entidade que directa, ou indirectamente, acompanhou e vigiou a qualidade da gestão do Novo Banco entre 2014 e 2017?

É tudo isto que importa esclarecer, de forma objectiva e imparcial, para que fi quem devidamente claras as correspondentes responsabilidades do Governo (nomeadamente do actual) e do Banco de Portugal em todo o processo, o qual irá custar aos portugueses mais de uma dezena de milhares de milhões de euros, ou seja, mais de mil euros a cada um de nós.

É pois possível concluir que apesar do sector bancário constituir um sector estratégico para a economia nacional, o Banco de Portugal e o Governo não mostraram considerar prioritário, ao que se sabe, acautelar devidamente a participação accionista portuguesa e os interesses nacionais, nomeadamente tendo em conta a nossa participação de 25% no Fundo de Resolução. É esta uma precaução que terá de ser tida em devida consideração, numa eventual venda defi nitiva e integral do Novo Banco.

Lisboa, 21 de Março de 2019

Afonso Pereira Inácio, Alberto Regueira, Alexandre Patrício Gouveia, Ângelo Correia, António Mocho, António Mendonça Pinto, Celeste Coimbra, Fernando Gomes da Silva, Henrique Neto, João Miranda, João Salgueiro, José António Girão, José Ribeiro e Castro, José Sales Henriques, Júlio Castro Caldas,

Manuel Ramalhete, Marco Belo Galinha e Pedro Ferraz da Costa

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