sábado, 28 de maio de 2022

A insustentável leveza de um País de brandos costumes

A verdade, esse conceito abstracto, que já serviu de base a milhares de tratados filosóficos, só existirá quando formos capazes de romper com os tabus que impedem tantas publicações de contarem as histórias que realmente movem o nosso País.

Todos os dias recebemos denúncias de corrupção e actos de profunda imoralidade entre servidores públicos. Mas mais de 80% pedem-nos anonimato, o que diz muito sobre a nossa democracia.

Em pleno século XXI, prevalece o medo. O sentimento claro de que falar com a comunicação social poderá ser sinónimo de represálias.
E o que há de mais dramático na vida de alguém do que perder um emprego, num País que empobreceu drasticamente durante a pandemia? Num País que, segundo o FMI, é - ao nível de vida per capita - ultrapassado por países como Porto Rico, Polónia e Hungria?
Em Portugal, preferimos ver telenovelas e fechar os olhos à realidade. Porque a realidade diz-nos que vivemos ainda numa espécie de feudo no qual a maioria dos portugueses finge aceitar, em silêncio, regras profundamente incorrectas, como por exemplo, o facto de um presidente de câmara só realizar avenças com amigos ou manter uma pensão de viuvez apesar de já ter contraído novo relacionamento e estar, legal e moralmente, impedido de receber esse dinheiro que provém directamente do erário público.
Mas em cada município, as verdades inconvenientes chegam-nos sempre através de uns poucos corajosos que se dirigem a alguns jornalistas, cada vez menos, sempre precedidas de uma frase que já se tornou quase um slogan para nós: "Posso confiar que fica apenas entre nós?"
Pergunto-me quanto tempo vai perdurar este medo que nos impede de pôr fim ao que chamo intoxicação do País?
A verdade, esse conceito abstracto, que já serviu de base a milhares de tratados filosóficos, só existirá quando formos capazes de romper com os tabus que impedem tantas publicações de contarem as histórias que realmente existem.
Na SÁBADO, estamos a fazer esse esforço para dar voz a quem não tem voz. E rompermos de vez com todos os tabus que nos impedem de sermos um País mais moderno e mais justo.


A tristeza que invadiu as novas gerações
Pela primeira vez, o Ministério da Educação decidiu publicar um estudo sobre a Saúde Psicológica e o Bem-estar entre alunos e professores. Os resultados são perturbadores.
Um terço dos alunos apresentam sinais de sofrimento psicológico e metade dos professores também. O problema agrava-se entre os alunos mais velhos. Entre aqueles que serão os homens e as mulheres de amanhã.
E a conclusão é simples: não nos bastava termos empobrecido e, em simultâneo, termos sido, enquanto País democrático, incapazes de vencer os cancros de um sistema político profundamente corrompido, e ainda temos uma nova geração ferida pela angústia.
Não podemos criar filhos tristes. Mas para isso, o exemplo tem de partir de nós.
Sempre defendi lideranças fortes a partir do exemplo. E esta fórmula aplica-se a tudo: a quem lidera um país, uma organização ou uma família.
Nunca fui, nem serei, uma profeta da desgraça, mas os dados que temos, obrigam-nos a falar verdade e a agir colectivamente.
Há várias soluções para inverter este ciclo aparentemente vicioso que nos deixou reféns de uma vida que não escolhemos e nos atropela para onde quer que vamos.
Urge combater a corrupção, dar motivos de alegria aos nossos jovens, incentivos aos professores, jornalistas e a todos aqueles que acordam a pensar em quão melhor seria viver na Alemanha ou nos Estados Unidos da América.
No meio de tudo isto, podemos sempre pensar nos horrores que nos chegam há quase três meses de guerra na Ucrânia. Retermos essas imagens e proceder àquele exercício simplista de "há quem esteja pior do que nós". É verdade. Mas não é esse o exercício certo. Simplesmente porque é matematicamente incorrecto.
Nunca podemos nem devemos moldar as nossas expectativas pelo limite mais baixo. Não são essas as metas que nos fazem crescer.

Sandra Felgueiras

Para onde?

Há quem alimente a ilusão de que a vida se assemelha a uma estrada, os avisos a anteceder as curvas perigosas, os declives anunciados em percentagens, os cruzamentos assinalados, nos miradouros sempre bela a paisagem.

E então, iludidos pela própria ingenuidade, há os que se julgam capazes de na estrada, como na vida, indicar aos outros o melhor percurso, prever as curvas, os obstáculos, aconselhar paragens e cuidados. Pena perdida. Muito pouco, quase nada, valem os avisos e as boas intenções dos que nos querem proteger. Para a vida tão-pouco há mapas, instruções ou programas, mesmo à luz do dia cada passada é dada no escuro, nunca se sabe se virar à direita é melhor do que à esquerda, se seguir em frente é erro.

Felizmente vamos andando, cegos de olhos abertos, contentes de que as pernas nos levem, iludidos de que sabemos para onde.

Patrão da Barca: J. Rentes de Carvalho

Descendências

Desmiolado, indiferente às conveniências, dinheiro no bolso, o emigrante tem o mau hábito de no mês de Agosto visitar as berças, e com os seus barulhentos costumes, música pimba, dialecto franciú, ir perturbar o sossego da boa gente que alegremente dispensaria o confronto anual com aquela desagradável versão de si própria.

O português tem isso: se julga pertencer à classe média baixa, média média, média alta, superior ou olímpica, é logo atacado de amnésia e nojo, os outros tornam-se-lhe gentinha, "pobrezinhos", passa a sofrer da mais miserável forma de racismo e discriminação: a que se volta contra aqueles a que pertence.

Vou lendo aqui e ali queixumes e desdéns, sugestões de que o emigrante vá passar férias a outro lado, não perturbe a serenidade, não venha com o seu barulho e jactância recordar a simpleza e condição humilde de que todos descendemos, mesmo os que se julgam nobres e melhores. Que o não são. Julgam-se.

Patrão da Barca: J. Rentes de Carvalho

Uma morte pouco natural…

Estou a “aproveitar-me” da infeliz morte de um rapaz para atacar a “tauromaquia”? Estou, porque o rapaz foi morto por um touro, num espectáculo público de responsabilidade da autarquia, inseguro, violento, com animais que são selvagens pela sua natureza, empurrados por uma multidão que os assusta e os ameaça. Como é que querem que não se faça essa ligação?

…mas pelos vistos demasiado natural. A responsável pelo espaço público onde ela se deu, pelo jogo da morte que a provocou, chamou-lhe um "incidente" como se fosse um "acidente". O comunicado do município da Moita é uma obra-prima de hipocrisia. Houve um "trágico incidente". Sim, onde, como, de que forma? Nada. Não há a mais pequena referência à largada de touros no programa das festas. Ao rapaz caiu-lhe um meteorito em cima. A câmara "lamenta o sucedido e apresenta as mais sentidas condolências à família". Esta é a fórmula habitual nos EUA sempre que alguém entra num supermercado ou numa escola e começa a disparar indiscriminadamente. Os políticos americanos, em particular os republicanos que querem tudo menos discutir o controlo das armas, "oferecem as suas orações" e dizem mais ou menos o mesmo. Depois, o final - sim, não há mais nada no comunicado - conclui:

A autarquia, em estreita colaboração com as autoridades competentes, está a acompanhar as averiguações às causas deste incidente.


Eu gostava de saber o que é que há mais para saber sobre o "incidente", com o testemunho de centenas de pessoas, que viram o rapaz morrer. Se calhar a culpa é do touro.


A esquerda taurina
A câmara é de maioria PS, com um primeiro secretário do BE. A composição inclui 12 socialistas, 9 membros da CDU, 1 do PSD, 1 do CDS, 1 do BE, e 2 independentes, ou seja, é uma câmara de esquerda, mais de esquerda é impossível. Pelos vistos, a "tauromaquia", a combinação da violência contra os animais, do machismo, da ocupação de espaço público por jogos da morte, com gladiadores espontâneos e turbas ululantes, ali muda de valores e de cor política.


O "aproveitamento" de uma morte
Estou a "aproveitar-me" da infeliz morte de um rapaz para atacar a "tauromaquia"? Estou, porque o rapaz foi morto por um touro, num espectáculo público de responsabilidade da autarquia, inseguro, violento, com animais que são selvagens pela sua natureza, empurrados por uma multidão que os assusta e os ameaça. Como é que querem que não se faça essa ligação?


Críticas de "Bruxelas" ao Orçamento do Estado português de 2022
"Bruxelas" é uma entidade obscura de burocratas, muitos deles Ex-políticos nos seus países, quase sempre de partidos da direita, e que manda em nós, em particular nas nossas políticas orçamentais. A Assembleia da República perdeu esse poder, sem os portugueses terem sido alguma vez consultados directa e explicitamente sobre esta castração do parlamento português numa das suas funções essenciais de soberania. Mais uma vez, "Bruxelas" veio criticar o Orçamento proposto para 2022 e, como também é habitual, Mário Centeno duplicou as críticas com o eco do mesmo pensamento.
Todas as críticas são politicamente relevantes, não são uma observação "técnica". Embora já com mais moderação - porque o original da troika resultou mal -, o sentido é o mesmo: corte das despesas em salários e subsídios como principal mecanismo do controlo do défice. "Bruxelas" torce o nariz aos aumentos da função pública, aos apoios ao preço da electricidade, e mesmo ao "apoio social único de 60 euros concedido em Abril de 2022 para as famílias de baixos rendimentos mais vulneráveis ao aumento dos preços".
Um dos rastos da troika e dos governos do PSD, PS e CDS, "troikianos", com uma considerável interiorização na comunicação social e numa espécie de "pensamento único", foi a ideia de que "quem não tem dinheiro não tem vícios" e como nós não temos dinheiro, os salários, subsídios aos mais pobres e o combate público à pobreza são os "vícios".
Sim, é necessário equilibrar o orçamento, a questão não está na austeridade em si, está no alvo dessa austeridade e isso "Bruxelas" não deixa discutir porque atingiria interesses intangíveis como os da banca.
Uma exposição com intenção "cívica" não pode ser paga
Com grande surpresa verifiquei que a primeira exposição organizada no âmbito das comemorações do 50º aniversário do 25 de Abril sobre o movimento estudantil no Museu da História Natural e da Ciência tem entradas pagas. Uma coisa é pagar o Museu, que tem excelentes exposições e cuja melhoria considerável nessa área mais que justifica o bilhete, mas a exposição sobre o movimento estudantil é de outra natureza e não tem qualquer sentido ser paga. Se o problema é o trajecto interior, com alguma programação e esforço seria possível isolá-la do resto das exposições. A exposição foi realizada com dinheiros públicos, numa actividade comemorativa de uma data com significado cívico, e o que "expõe" é em grande parte a história da resistência estudantil constitutiva do 25 de Abril. Não devia ser paga, devia ser oferecida.
Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

José Pacheco Pereira

quinta-feira, 26 de maio de 2022

COMO CRIAR UMA FUNDAÇÃO.

O CPF encontra-se disponível para apoiar e esclarecer os instituidores no processo de criação de uma Fundação.

Aconselhamos a apropriação do conceito de Fundação e a leitura do texto abaixo acerca da sua constituição.

Se ainda está numa fase de tomada de decisão não deixe de ver estes vídeos:

Poderá ainda encontrar aqui um road map prático dos actos a levar a cabo ao longo de todo o processo.


CRIAR UMA FUNDAÇÃO

Com o apoio da https://www.vda.pt/

CONSTITUIÇÃO

O procedimento jurídico de constituição de uma fundação inicia-se sempre com o pedido do certificado de admissibilidade de firma (“CAF”) e cartão de pessoa colectiva junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (“RNPC”). Este pedido tem como objectivo a aprovação, pelo RNPC, da denominação pretendida para a fundação.

Posteriormente, a fundação poderá ser instituída através de acto entre vivos ou por testamento.

Se a fundação for instituída por acto entre vivos, os fundadores deverão elaborar os respectivos estatutos. Salvo o disposto em lei especial, o acto de instituição deverá revestir a forma de escritura pública, celebrada perante um notário, e torna-se irrevogável logo que seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo oficioso.

Tratando-se de fundações instituídas por testamento, os estatutos deverão ser elaborados pelos executores testamentários, excepto se já se encontrarem previstos em testamento. O acto de instituição ocorre com a celebração do testamento, nos termos legalmente exigidos. Aos herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca da sucessão legitimaria.

No acto de instituição, a entidade instituidora deve indicar imperativamente o fim a ser prosseguido (o “objecto social” da fundação), bem como o património que lhe é destinado.

Assim, os estatutos da fundação devem definir estes e outros pontos essenciais, incluindo, (i) denominação e sede, nome do instituidor, natureza, atribuições, objecto e destinatários da fundação, (ii) dotação financeira inicial e modo de financiamento da fundação, (iii) órgãos, sua competência, organização e funcionamento, (iv) termos da sua transformação ou extinção e destino dos respectivos bens, no caso das fundações privadas, e (iv) indicação do Ministério da Tutela, no caso das fundações estaduais.

Juntamente com a elaboração dos estatutos, os instituidores deverão ainda garantir que o património inicial da Fundação corresponde ao valor da dotação inicial mínima legalmente exigida.

Quando a dotação inicial de uma fundação é feita numa componente exclusivamente em numerário, o valor mínimo legalmente exigido está, actualmente, fixado em € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros). Contudo, tratando-se de fundação constituída por prazo determinado, o valor da dotação patrimonial inicial exigível é estabelecido caso a caso, tendo sempre em consideração a sua adequação ao objecto e fim da fundação.

Nos casos em que a dotação inicial de uma fundação seja constituída por um acervo patrimonial, esta deverá, obrigatoriamente, incluir também uma parcela em numerário, tendencialmente de, pelo menos, 30 do total da dotação inicial que, em qualquer caso, não poderá ser inferior a 100.000,00 (cem mil euros).

No primeiro caso, deverá ser aberta uma conta bancária em nome da Fundação onde sejam depositados os 250.000,00€ necessários à constituição da Fundação, idealmente, até ao momento da outorga da escritura pública. Já no segundo caso, e relativamente ao acervo patrimonial que constitua uma parte da dotação inicial da Fundação, deverá ficar expresso nos estatutos que o referido património está afecto e integra a dotação inicial da fundação, prevendo-se a respectiva transmissão dos bens para a Fundação com o reconhecimento e aquisição de personalidade jurídica por parte da mesma.

O acto de instituição e os respectivos estatutos da fundação devem ser publicitados nos termos previstos para as sociedades comerciais, não produzindo efeitos em relação a terceiros enquanto não o forem.


REGIMES ESPECIAIS

Independentemente da sua natureza jurídica, as fundações privadas podem ainda acolher-se a um dos regimes especiais previstos, actualmente, no Capítulo II da Lei-Quadro das Fundações.

Assim, de acordo com as características e especificidades da sua missão, as fundações privadas podem ser constituídas como fundações de solidariedade social, fundações de cooperação para o desenvolvimento ou, ainda, fundações para a criação de estabelecimentos de ensino superior privados, devendo solicitar, nos termos abaixo detalhados, o respectivo reconhecimento, nessa qualidade, à Presidência do Conselho de Ministros, que, posteriormente, se coordenará em sede de decisão final, com as entidades competentes do sector.

As fundações de solidariedade social são necessariamente constituídas com vista a dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos prosseguindo, designadamente, um ou mais dos seguintes objectivos: (i) assistência a pessoas com deficiência; (ii) a educação e formação profissional dos cidadãos; (iii) a prevenção e erradicação da pobreza; (iv) a promoção da integração social e comunitária; (v) a promoção e protecção da saúde e a prevenção e controlo da doença; (vi) a protecção dos cidadãos na velhice, invalidez e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho; (vii) a protecção e apoio a família; (viii) a protecção e apoio às crianças e jovens; e a (ix) Resolução dos problemas habitacionais das populações.

São objectivos das fundações de cooperação para o desenvolvimento a concepção, execução e apoio a programas e projectos de cariz social, cultural, ambiental, cívico e económico, designadamente, através de acções em países em vias de desenvolvimento (i) de cooperação para o desenvolvimento, (ii) de assistência humanitária, (iii) de ajuda de emergência e de (iv) protecção e promoção dos direitos humanos.

As fundações para a criação de estabelecimentos de ensino superior privados têm como objectivo a qualificação de alto nível dos portugueses, a produção e difusão do conhecimento, e/ou a formação cultural, artística, tecnológica e científica dos seus estudantes, num quadro de referência internacional.

Todos estes tipos de fundações privadas estão sujeitas à aplicação da legislação aplicável, em termos gerais, ao sector fundacional, e em particular, à legislação especial do sector, designadamente, o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o Estatuto das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) e o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior.

Da legislação especial aplicável decorre que estes três tipos de fundação adquirem automaticamente o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública e, nesse sentido também, gozam de um conjunto de benefícios fiscais estando, por este motivo, sujeitas ao cumprimento de um conjunto de obrigações perante a administração pública nos termos da referida legislação especial aplicável.


RECONHECIMENTO

Após a instituição da fundação, segue-se a fase do reconhecimento, que consiste num procedimento administrativo iniciado, em regra, a requerimento do instituidor, instituidores ou seus herdeiros, e através do qual as fundações adquirem personalidade jurídica.

O reconhecimento das fundações constitui um acto individual e discricionário da autoridade pública e encontra-se sujeito à verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, incluindo, (i) a prossecução, pela fundação, de um interesse socialmente relevante, (ii) verificação da suficiência do património para a prossecução do fim visado. 

Estes e outros requisitos, designadamente aqueles que se encontram identificados no artigo 22.º da Lei-Quadro das Fundações (“LQF”), deverão ser observados não apenas no momento do reconhecimento pela autoridade administrativa competente, mas ao longo de toda a existência da fundação.

O procedimento de reconhecimento inicia-se com a apresentação do respectivo pedido através de preenchimento do formulário electrónico para o efeito, disponibilizado no portal da Presidência do Conselho de Ministros, na internet, e onde será necessário indicar e submeter a seguinte informação e documentação:

i) Identificação do requerente e justificação da sua legitimidade;

ii) Documentos que comprovem a instituição da fundação e identificação do instituidor ou instituidores e respectivos contributos para o património ou financiamento da actividade desenvolvida pela fundação;

iii) Comprovativo de uma dotação patrimonial inicial suficiente, nos termos acima referidos;

iv) Memorando descritivo do fim da fundação e das suas áreas de actuação;

v) Relação detalhada dos bens afectos à fundação e indicação dos donativos atribuídos à mesma (e contractos de subvenção duradoura, caso existam);

vi) Compromisso de honra de que não existem dúvidas ou litígios quanto aos bens afectos à fundação;

vii) Avaliação do património mobiliário afectado a fundação, por perito idóneo;

viii) Declaração bancária comprovativa do montante pecuniário inicial afectado à fundação;

ix) Certidão de autorização emitida pela entidade competente para autorização de participação de entidades públicas na criação de uma fundação privada, quando aplicável;

x) Texto dos estatutos e indicação da data da sua publicação;

xi) Indicação dos endereços das delegações, se estiverem previstas;

xii) Indicação dos nomes das pessoas que integram ou vão integrar os órgãos da fundação.

No caso das fundações de solidariedade social o pedido de reconhecimento deverá ser instruído com os elementos referidos no artigo 22.º da LQF (acima identificados) e, adicionalmente, com uma declaração da pretensão de constituição como Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) .

No caso das fundações de cooperação para o desenvolvimento o pedido de reconhecimento é instruído com estes elementos devendo, ainda, ser entregue um plano de actividades da fundação para o ano em curso.

Actualmente existe um procedimento simplificado de reconhecimento, previsto para as fundações privadas que (i) não pretendam acolher-se a nenhum dos regimes especiais acima identificados (fundações de solidariedade social, fundações de cooperação para o desenvolvimento ou fundações para a criação de estabelecimentos de ensino superior privados); (ii) tenham sido constituídas com uma dotação patrimonial inicial apenas em numerário; e (iii) cujo texto estatutário obedeça ao modelo aprovado pelo Despacho nº 11648-A/2016, da Presidência do Conselho de Ministros.

Este modelo de estatutos concede alguma margem de escolha aos instituidores relativamente a alguns elementos, permitindo-lhes, nomeadamente, escolher a designação do órgão executivo, o tipo de órgão de fiscalização e a criação de um órgão opcional de representação. É ainda permitido ao (s) instituidor (es) escolher o número de titulares dos órgãos colegiais e as regras da sua designação. O (s) instituidor (es) podem também decidir a periodicidade de funcionamento do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal e as causas de extinção da fundação, para além das previstas legalmente.

Por outro lado, os seguintes elementos dos estatutos de uma fundação que pretenda aderir a este procedimento simplificado de reconhecimento, encontram-se já pré-determinados no modelo estatutário proposto: o funcionamento e regime de deliberações do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal (que ficam limitados ao regime previsto na lei, ou seja, o mandato); a integração de um Conselho de Curadores nos órgãos sociais na fundação, impossibilitando a existência de outros órgãos sociais facultativos; a obrigatoriedade de destinar os bens da fundação a pessoas colectivas de fins análogos, em caso de extinção.

No procedimento simplificado de reconhecimento, os documentos necessários e o prazo limite para a tomada de decisão final por parte da entidade competente para o efeito são reduzidos de 90 para 30 dias.

Caso o reconhecimento seja negado, a fundação não adquire personalidade jurídica sendo considerada como uma fundação de facto. Se o reconhecimento tiver sido negado por insuficiência do património, fica a instituição da fundação sem efeito se o instituidor for vivo ou o instituidor ou instituidores forem pessoas colectivas. Se este já tiver falecido e desde que não haja disposição estatutária em contrário, os bens serão entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, a designar, por esta ordem, pelo instituidor no acto de instituição, pelos órgãos próprios da fundação ou pela entidade competente para o reconhecimento.


OBRIGAÇÕES DE REGISTO E DECLARATIVAS

Obtido o reconhecimento da fundação, deverá proceder-se ao respectivo registo junto do RNPC.

Constituída a fundação, deverão ser cumpridas as seguintes obrigações fiscais: (i) apresentação, junto de uma repartição de finanças da sede social da fundação, da declaração de início de actividade e (ii) inscrição na segurança social tanto da fundação, como dos titulares dos seus órgãos.


UTILIDADE PÚBLICA

A declaração de utilidade pública caracteriza-se essencialmente pela atribuição de um conjunto de regalias e isenções de natureza fiscal, bem como pela oneração a alguns deveres para com a administração pública.

Obtido o reconhecimento e cumpridas as demais obrigações legais e fiscais, as fundações privadas que não tenham sido reconhecidas como fundações de solidariedade social, fundações de cooperação para o desenvolvimento ou fundações para a criação de estabelecimentos de ensino superior privados (adquirindo assim, automaticamente, o estatuto de utilidade publica), poderão requerer o estatuto de utilidade pública.

A obtenção do estatuto de utilidade pública é um processo administrativo da competência do primeiro-ministro, devendo ser iniciado com a apresentação do pedido de declaração de utilidade pública através do preenchimento do formulário electrónico disponibilizado na página da internet da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros.

Estão habilitadas a requerer este estatuto as fundações que (i) desenvolvam, sem fins lucrativos, actividade relevante em favor da comunidade em áreas de relevo social (cultura, ciência, promoção da cidadania, erradicação da pobreza, entre outras), (ii) estejam regularmente constituídas, regendo-se por estatutos elaborados em conformidade com a lei, (iii) não desenvolvam, a título principal, actividades económicas em concorrência com outras entidades que não possam beneficiar do estatuto de utilidade pública e (iv) possuam os meios humanos e materiais adequados ao cumprimento dos objectivos estatutários.

As fundações privadas apenas podem solicitar o estatuto de utilidade pública ao fim de 3 anos de efectivo e relevante funcionamento, excepto se o instituidor ou instituidores maioritários já possuírem o estatuto de utilidade pública, caso em que o mesmo poderá ser imediatamente solicitado.

Nestes casos, o estatuto de utilidade pública é atribuído por um prazo de 5 (cinco) anos que pode ser renovado por iguais e sucessivos períodos mediante apresentação de um pedido de renovação.

Contudo, as fundações de solidariedade social, as fundações de cooperação para o desenvolvimento ou fundações para a criação de estabelecimentos de ensino superior privados que, conforme acima referido, adquirem automaticamente o estatuto de utilidade pública com o respectivo registo junto das autoridades competentes, gozam deste estatuto enquanto estiverem regularmente registadas ao abrigo do respectivo regime especial.


ALTERAÇÕES ESTATUTÁRIAS

No caso das fundações, a possibilidade de alteração de estatutos é bastante condicionada.

Com efeito, após a respectiva aprovação (pelos instituidores ou pelos executores testamentários, consoante o caso), no caso das fundações privadas, os estatutos das fundações só podem ser modificados com autorização da autoridade administrativa competente (mediante pedido apresentado à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, doravante “SG-PCM”), sob proposta do órgão de administração da fundação.

No caso das fundações públicas e das fundações públicas de direito privado, as alterações estatutárias deverão ser promovidas pelo instituidor público principal (que mais tenha contribuído para o seu financiamento ou que tenha o direito de designar ou destituir o maior número de titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização) , e devendo as fundações públicas de direito privado, comunicar estas alterações à SG-PCM no prazo de trinta (30) dias .

A SG-PCM mantem em qualquer caso competência para apreciar a conformidade legal do novo texto estatutário, podendo proceder à notificação dos instituidores públicos para suprir quaisquer desconformidades que venha a identificar neste contexto.

Em qualquer caso, as alterações estatutárias não podem violar a vontade do instituidor, em especial o fim de interesse geral que esteve na génese da constituição da fundação.

1 Cf. artigo 40.º (3) da LQF

2 Cf. artigo 55.º (2) da LQF

3 Cf. artigo 60.º (1) da LQF

https://cpf.org.pt/fundacoes/como-criar-uma-fundacao/

MAS AFINAL, O QUE É O “LOBBY DAS ARMAS” NOS EUA?

Extraído de “Lobby das armas” nos EUA: o que é e o poder que tem. SIC

O termo “lobby das armas” engloba a influência exercida a nível político, tanto a nível nacional como a nível dos diferentes estados norte-americanos, e que, por norma, acontece através de apoio a candidatos que se opuseram às medidas de controlo de armas.

Este apoio pode concretizar-se através de contribuições directas, esforços para apoiar de forma independente quem é eleito e ainda através de financiamento de campanhas para influenciar a opinião pública sobre a questão das armas, explica a Al Jazeera. Este “lobby” é muitas vezes “cuidadosamente” calibrado para não infringir as leis de financiamento de campanhas nos EUA.

A Associação Nacional de Rifles da América (NRA) e grupos semelhantes refugiam-se na
Segunda Emenda da Constituição dos EUA para defender o direito dos cidadãos a ter armas. Enquanto isso, grupos com uma ideologia contrária, como a organização Giffords, fundada pela ex-congressista dos EUA e vítima de violência armada, Gabby Giffords, acusam grupos como a NRA de quererem atingir apenas o objetivo de “vender mais armas e aumentar os lucros”.

Os defensores de medidas de controlo de armas há muito que culpam o poder deste “lobby” pela falta de medidas, assim como pela diminuição de restrições, apesar do aumento de tiroteios nos EUA no últimos tempos.

QUÃO INFLUENTE PODE SER O “LOBBY DAS ARMAS”?

Quantificar a influência dos grupos que fazem parte deste “lobby” é uma tarefa difícil, explica a Al Jazeera. Por todo o país são várias as campanhas de políticos que já apoiaram.

De acordo com a OpenSecrets, citada pela Al Jazeera, de 1998 a 2020, os grupos pró-armas pagaram 171,9 milhões de euros para influenciar diretamente a legislação norte-americana. Esta organização, sem fins lucrativos e que acompanha os gastos na política dos EUA, explica que só a NRA gastou nesta categoria mais de 60 milhões de dólares.

Em 2016, os gastos da NRA aumentaram 100 milhões em relação ao ano anterior, diz a OpenSecrets, que adianta que “nenhum político beneficiou mais” do que Trump. Só para gastos externos, que não estão diretamente relacionados com um candidato espcífico, a NRA canalizou 50 milhões de euros.

Este valor garantiu que um em cada 20 anúncios de televisão em outubro de 2016 na Pensilvânia foi patrocinado pela NRA, de acordo com uma análise do Center for Public Integrity citado pela Aljazeera. Na Carolina do Norte, um em cada nove anúncios foi pago pela NRA naquele mês, enquanto no Ohio, um em cada oito anúncios promoveu os interesses pró-armas do grupo.

Entre 1990 e 2020, as organizações pró-armas gastaram um total de 54,4 milhões de dólares em contribuições diretas de campanha (que estão sujeitas a restrições de doações) e, segundo a OpenSecrets, foram quase inteiramente para os republicanos.

Este ano, os senadores republicanos Rand Paul e John Kennedy receberam mais de 38.000 dólares de grupos pró-armas, de acordo com a OpenSecrets. Em 2018, o senador do Texas Ted Cruz recebeu 311.151 dólares de grupos pró-armas. E em 2020, os senadores republicanos ​​Martha McSally, David Perdue e Kelly Loeffler receberam mais de 516.000, 307.000 e 298.000 dólares, respetivamente, segundo a organização acompanha os gastos na política dos EUA.

“LOBBY DO CONTROLO DE ARMAS” ESTÁ A CRESCER?

O “lobby” pelo controlo de armas está em crescimento desde 2013, um ano após o massacre de Sandy Hook, onde morreram 26 pessoas, entre estudantes e professores, explica a Al Jazeera, ainda que ofuscado pelos movimentos pró-armas.

De 2012 para 2013, os gastos do “lobby” pelo controlo de armas aumentaram de 250.000 dólares para 2,2 milhões de dólares. Em 2021, este valor cresceu para 2,9 milhões.

Giffords, Everytown for Gun Safety, apoiado por Mike Bloomberg, e Sandy Hook Promise são as organizações que lideram a luta pelo controlo de armas nos EUA.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Para os que gostam de HISTÓRIA

Assim surgiu a humanidade?

Para todos aqueles que não se "ralam" muito com a antropologia, aqui vai uma versão resumida.

Originalmente os humanos começaram a organizar-se em pequenos grupos de caçadores/recolectores nómadas.

No Verão habitavam as montanhas e alimentavam-se de veados e outros animais; no Inverno desciam até à costa e viviam à base de peixe e marisco.

Os dois mais importantes marcos no desenvolvimento primitivo foram a invenção da cerveja e da roda. A roda foi inventada com o propósito de conduzir o homem até à cerveja.

Estes dois progressos tecnológicos formaram a estrutura para a fundação da civilização moderna e juntos foram o catalisador da divisão dos humanos em dois subgrupos distintos:

1: Socialistas, e 2: Conservadores.

Assim que foi descoberta a cerveja a necessidade de enormes quantidades de grão para a sua produção levou ao surgimento da agricultura. Mas nem o vidro nem o alumínio tinham sido ainda descobertos para armazenamento. Por isso os nossos antepassados passavam muito tempo sentados à porta das cervejarias à espera do momento da sua produção.

Esse facto está na origem da formação das aldeias e cidades.

Alguns homens passavam o dia a caçar e a preparar a carne dos animais para a consumirem à noite, no barbecue, enquanto bebiam cerveja. Este foi o inicio daquilo que é hoje conhecido como movimento Conservador.

Outros homens, mais fracos e menos dotados para a caça, aprenderam a viver à custa dos conservadores aparecendo à noitinha, agachando-se perto do barbecue e oferecendo serviços de costura, de fretes e de barbeiro.

Este foi o inicio do movimento Socialista.

Alguns destes homens Socialistas desenvolveram um gosto efeminado e tornaram-se conhecidos por "maricas".

Entre outros desenvolvimentos dos Socialistas que merecem menção encontram-se a domesticação dos gatos, a invenção da terapia de grupo, os abraços em grupo e em publico e o conceito de Democracia, para decidir através do voto como deveria ser dividida a carne e a cerveja que os Conservadores providenciavam.

Com o passar dos anos os Conservadores passaram a ter como símbolo o maior e mais poderoso de todos os animais: o elefante.

Os Socialistas ficaram simbolizados pela pega-rabuda, por razões obvias.

Os Socialistas modernos gostam de cerveja misturada com Seven-Up, vinho branco adamado e água francesa engarrafada. Comem peixe quase cru mas preferem a carne bem passada. Suchi, tofu e comida francesa constituem a imagem de marca destes Socialistas.

Outros aspectos interessantes: a maioria das mulheres dos Socialistas possuem níveis mais elevados de testosterona que os seus maridos e quase todos os trabalhadores sociais, gays, artistas, jornalistas e poetas são Socialistas.

À medida que o seu número aumentava os Socialistas inventaram os impostos progressivos para que cada vez um numero maior de Socialistas pudesse viver à custa de um numero menor de Conservadores.

Os Conservadores preferem cerveja nacional, sobretudo SuperBock ou Cristal. Comem carne mal passada e providenciam a alimentação das suas mulheres e filhos. Os Conservadores são bons caçadores, toureiros, operários de construção, bombeiros, médicos, polícias, engenheiros, administradores, atletas, militares, pilotos e, em geral, distinguem-se em todos os ofícios produtivos. Os Conservadores que administram as suas próprias empresas apreciam contratar outros Conservadores que fazem do trabalho a sua forma de vida.

Os Socialistas produzem pouco ou nada. Mas gostam de governar os produtores Conservadores e decidir para quem eles devem produzir. Os Socialistas acreditam que os Europeus são mais desenvolvidos que os Americanos.

Esta é a razão pela qual a maioria dos Socialistas permaneceu na Europa enquanto os Conservadores viajaram para a América.

Os Socialistas só acabaram por aparecer na América depois de o Far-West estar completamente seguro e estabeleceram-se com negócios da treta, a tentar iludir os incautos.

E por hoje chega de história da humanidade.

Deve realçar-se que, ao ler isto, qualquer Socialista pode ter um sentimento momentâneo de fúria, enquanto que um Conservador simplesmente dará uma boa gargalhada, convencido da absoluta verdade desta história.

Cá por mim vou pedir outra cerveja !!

terça-feira, 24 de maio de 2022

Metadados para retardados

Se querem descobrir o que o Tribunal Constitucional vai decidir em relação aos metadados, não procurem textos antigos dos juízes. Vejam como é que estão os seus casamentos.

24 mai 2022, José Diogo Quintela, ‘Observador’

Acho que tive uma epifania. Num momento, não percebia nada da questão dos metadados. No momento seguinte, tornei-me um especialista. A culpa foi da minha mulher. Corrijo: a responsabilidade foi da minha mulher. A culpa, como é óbvio, foi minha.

Aconteceu durante uma discussão conjugal. Senti-me uma espécie de São Paulo a receber a revelação do Senhor. A diferença é que Paulo caiu na Estrada de Damasco, enquanto a minha mulher ameaçou mandar-me dormir para a estrada. De Damasco, de Benfica ou a N247. É-lhe indiferente, desde que seja ao relento.

Começou, como tantas discussões, comigo a dormir:

– Acorda. O bebé está a chorar, vai lá.

– Hum?

– O bebé. Vai lá.

– Mas eu fui da última vez.

– E eu, das últimas 100, fui 57! Inclusive, houve ali uma altura, no início de Fevereiro, em que fui 12 vezes seguidas, porque tu estavas numa viagem de “trabalho” com os teus amigos. Aliás, ainda temos de conversar sobre essa viagem. Aquela noite em que disseste que estiveram a trabalhar até tarde, mas eu depois falei com a mulher do Jorge e ela disse que vocês tinham mas é ido jantar e depois foram a um bar e eu até te liguei às duas e meia da manhã e tu tinhas o telefone desligado, supostamente ficaste sem bateria, mas só no dia seguinte às dez da manhã é que ligaste outra vez o telemóvel, como se eu acreditasse que não o pusesses logo a carregar quando chegaste ao hotel. Onde é que estiveste?

– Eu… Não me lembro. O bebé está a chorar, eu vou lá.

– Isso, protege-te com o bebé. Não julgues que te safas. Quando voltares vamos falar sobre as fraldas todas que eu mudei à miúda.

– Mas a miúda já tem 11 anos. Quem é que se lembra do número de fraldas que mudou há 11 anos?

E foi aqui que, de repente, tudo se tornou claro como água.

– Isso que tu estás a fazer é anticonstitucional.

– O que é que é anticonstitucional?

– Isso. Guardar informações durante muito tempo para depois serem usadas contra mim. São metadados e tu não os podes armazenar.

– Quem diz?

– O Tribunal Constitucional.

– Estás a ver algum Juiz aqui no quarto?

– Não.

– Então cala-te e vai mas é buscar o bebé.

Fui, mas com a lei do meu lado. E a perceber melhor o que são os metadados e em que é se distinguem dos meros dados. Se a minha mulher me perguntar: “Este vestido faz-me parecer gorda?”, eu vou responder: “Não”. Mas isso é irrelevante. O que importa são os metadados produzidos nesta breve interacção.

Aqui, os dados que eu forneci são a resposta “não”. Já os metadados que a minha mulher armazenou são: a) ele hesitou dois centésimos de segundo antes de dizer “não”; b) voltou imediatamente a olhar para a televisão; c) não disse nada sobre o penteado; d) passados três minutos já estava a perguntar “o que é o jantar?”; d) nessa noite, riu-se de uma coisa que viu no telemóvel, mas quando perguntei o que era disse só: “foi um meme que o Rui publicou no Instagram”; e) na semana seguinte perguntei se se lembrava da cor do vestido que lhe mostrei. Respondeu que era azul. Não era, era azul-turquesa.

Mais dia, menos dia, a minha mulher vai pesquisar estes metadados e usá-los contra mim. Se querem descobrir o que o Tribunal Constitucional vai decidir em relação aos metadados, não procurem textos antigos dos juízes. Vejam como é que estão os seus casamentos.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

LISTA DE DOENÇAS PARA OBTER ATESTADO MULTIUSOS

Fidelitis.

Abaixo pode encontrar uma lista de doenças por ordem alfabética com algumas das patologias que podem causar e dar direito a uma incapacidade permanente para o trabalho, bem como, para obter o atestado multiusos. Estas patologias têm sido consideradas como incapacitantes tanto em processos administrativos como em diferentes decisões judiciais no nosso país.

Ocasionalmente, quando um trabalhador sofre uma doença ou acidente comum ou profissional, pode solicitar uma baixa médica. Nos casos mais graves, esta patologia pode tornar-se incapacitante e causar uma incapacidade permanente.

Do mesmo modo, existem doenças crónicas (físicas, mentais, intelectuais e sensoriais) que afectam a vida diária das pessoas doentes, causando um grau de dependência (moderada, grave ou grande dependência) ou uma deficiência que pode variar entre 33% a 64% e de 65% ou acima. Nestes casos, existe também a possibilidade de reforma antecipada devido a doença crónica, desde que os requisitos estabelecidos por lei sejam cumpridos. No seguinte quadro de doenças pensionáveis pode descobrir se a sua condição se enquadra nesta categoria.

Independentemente de sofrermos de uma doença ou patologia severa e incapacitante, devemos ter em mente, que para solicitar um subsídio ou ajuda por incapacidade para o trabalho, é necessário cumprir uma série de requisitos legais e médicos.

Em Portugal, 8,2% da população sofre de deferências e incapacidades.

  1. Agorafobia
  2. Albinismo
  3. Alzheimer
  4. Aniridia
  5. Artrite Reumatóide
  6. Ataxia
  7. Cancro
  8. Chondromalacia Patella
  9. Depressão
  10. Desordem adaptativa mista
  11. Desordem bipolar
  12. Diabetes
  13. Distimia
  14. Doença Cardíaca Isquémica
  15. Distrofia do cone e da haste
  16. Doença de Behçet
  17. Doença de Crohn e colite ulcerosa
  18. Doenças hepáticas
  19. Doenças renais
  20. Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC)
  21. Dores crónicas na zona lombar
  22. Epilepsia
  23. Esclerose múltipla
  24. Escoliose
  25. Espondilite anquilosante
  26. Espondilose degenerativa
  27. Esquizofrenia
  28. Estenose do forame
  29. Fibromialgia
  30. Fibrose cística
  31. Hérnia de disco
  32. Lesão da medula espinal
  33. Lúpus
  34. Maculopatia
  35. Myopia Magna
  36. Narcolepsia
  37. Neuropatia ulnar
  38. Osteoartrose cervical
  39. Parkinson
  40. Pós-pólio
  41. Radiculopatia lombar
  42. Retinopatia diabética
  43. Retinite pigmentosa
  44. Rizartrose
  45. Síndrome de Ménière
  46. Síndrome de Raynaud
  47. Síndrome de Sjögren
  48. Síndrome de Südeck
  49. Síndrome de Tourette
  50. Síndrome do túnel cárpico
  51. Síndrome subacromial
  52. Stroke
  53. Syringomyelia e Arnold Chiari
  54. Stargardt
  55. Transtorno de Ansiedade

Para uma doença ser considerada incapacitante para o trabalho deve ser analisada e avaliada por uma junta médica.

Junta médica de avaliação

A junta médica de avaliação deverá ser composta por:

  • Um médico do tribunal.
  • Um médico do sinistrado.
  • Um médico que representa a entidade legalmente responsável no caso dos acidentes de trabalho.
  • Um médico do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais.
  • Um médico que representa o doente.
  • Um especialista em Medicina do Trabalho caso se trate de uma doença profissional.

Depois de terminada a avaliação e com base na tabela de incapacidades, a junta médica emite um atestado médico de incapacidade multiuso, que comprova os resultados obtidos através de um valor de percentagem. A percentagem de incapacidade vai encaixar em um dos 3 níveis possíveis:

  1. Ligeiro.
  2. Moderado.
  3. Grave.

https://www.fidelitis.pt/

O resgate - HAITI

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Greves gerais entre 2011 e 2015.

A contestação da Intersindical=PCP, começou imediatamente após a tomada de posse do governo do XIX Governo Constitucional, com base no PSD/CDS-PP,e liderado por Pedro Passos Coelho, que iniciou as suas funções em 20 de Junho de 2011 (até 30 de Outubro de 2015) com a greve geral de 24 de Novembro de 2011 convocada conjuntamente pela CGTP e UGT, que contestava as políticas de austeridade propostas pela troika e toleradas pelo governo e que “favoreceram” um crescente empobrecimento social e uma elevada precariedade laboral;

  1. a 2ª greve geral é a 22 de Março de 2012 é convocada pela CGTP uma greve geral que visava a alteração das políticas de emprego, salários, direitos e serviços públicos;
  2. a 3ª greve geral a 14 de Novembro de 2012 é convocada uma outra paralisação geral pela CGTP e 14 sindicatos e 4 federações filiadas na UGT, novamente contra a exploração, o empobrecimento e por uma mudança de política;
  3. a 4ª greve geral é a 27 de Junho de 2013 e convocada individualmente pela CGTP e UGT com o propósito de defender a constituição, o emprego, a contratação colectiva, a segurança social e os serviços públicos.

Pequeno quadro sobre as greves

Anos          Greves  Trabalhadores abrangidos  Dias de trabalho perdidos

Em 2011      88            58.000                                    61.000

Em 2012     127           92.000                                  113.000

Em 2013     119           70.000                                     77.000

Em 2014      90            18.000                                     26.000

Em 2015      75            12.000                                     20.000

É já o Governo que, sozinho, enfrentou mais greves gerais – quatro em dez desde o 25 de Abril – e mais paralisações com a CGTP e a UGT unidas – duas em quatro na era da democracia.

De acordo com os dados da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, é no Sector Empresarial do Estado (SEE) que o número de pré-avisos de greve mais subiu nos últimos quatro anos.

Em 2018, foram entregues 733 pré-avisos de greve, o valor mais elevado desde 2015, quando os sindicatos comunicaram 811 paralisações.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Taxas de redução do número de estruturas, por ministério, no PRACE e PREMAC - 2011

 











A administração pública indirecta em Portugal.

 . Evolução global das estruturas na AP – do pré-PRACE ao pós-PREMAC



A administração pública em Portugal.

A administração pública em Portugal estrutura-se em vários níveis:

  1. Administração Directa do Estado, que integra todos os órgãos, serviços e agentes integrados na pessoa colectiva Estado, sob dependência hierárquica do governo, podendo corresponder a serviços centrais, de âmbito nacional e a serviços periféricos, de âmbito territorial limitado (incluindo-se aqui a representação externa do Estado);

  2. Administração Indirecta do Estado, que integra as entidades públicas, distintas da pessoa colectiva “Estado”, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira;

  3. Administração Autónoma, que integra entidades que prosseguem interesses próprios das pessoas que as constituem e que definem autonomamente e com independência a sua orientação e actividade, incluindo-se neste nível a administração regional (regiões autónomas da Madeira e dos Açores), a administração local (municípios e freguesias) e as associações públicas (pessoas colectivas de natureza associativa, criadas pelo poder público).



Linhas políticas orientadoras do XIX Governo, em conformidade com o estipulado no Memorando de Entendimento.

Em conformidade com o estipulado no Memorando de Entendimento, o Governo irá:

  1. Limitar as admissões de pessoal na administração pública para obter decréscimos anuais de 1% por ano na administração central e de 2% nas administrações local e regional até 2014; 

  2. Reduzir os cargos dirigentes e dos serviços em, pelo menos, 15% na administração central, local e regional até 2014; 

  3. Eliminar as estruturas sobrepostas na estrutura do Estado, reduzindo o número de organismos e entidades (incluindo Fundações, Associações e outras entidades semelhantes), mantendo a qualidade na prestação do serviço público. Neste âmbito foi, ainda em 2011, apresentado “um novo PRACE que será objecto de uma execução rigorosa e ambiciosa” denominado Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (PREMAC); 

  4. Introduzir alterações legislações necessárias para melhorar a monitorização, reduzir os custos operacionais e suspender temporariamente a criação de novas entidades públicas ou quase públicas (incluindo empresas públicas) ao nível da administração local. 

  5. Promover políticas de flexibilidade, de adaptabilidade e de mobilidade dos recursos humanos na administração pública; 

  6. Promover a utilização partilhada de serviços ao nível da administração central, nas áreas dos recursos humanos, patrimoniais e financeiros e das tecnologias de informação.

À luz da experiência recente em Portugal e noutros países e com o propósito de tornar a administração pública mais eficiente e sustentável, o programa do XIX Governo Constitucional actuou de forma determinante nas seguintes áreas: melhoria de processos e simplificação de estruturas organizativas; melhoria das actividades de suporte; controlo e redução de custos e reforço dos instrumentos de gestão. O Governo, através do seu programa, pretendeu promover os entendimentos sociais e políticos necessários, de forma a obter compromissos políticos estáveis e duradouros no âmbito da administração pública.


PM - Pedro Passos Coelho (2011 - 2015); Ministro de Estado e das Finanças Vítor Gaspar;  Secretário de Estado da Administração Pública Hélder Rosalino

Governos constitucionais (1976-2011)

Governos- PM- Data da tomada de posse- Data de exoneração- Duração (meses)- Partidos Políticos- Base Parlamentar -Tipo de Governo

I Mário Soares (I) 23-07-1976 09-12-1977 17 PS 40,68% M

II Mário Soares (II) 23-01-1978 28-07-1978 6 PS, CDS 54% CM

III Nobre da Costa 29-08-1978 15-09-1978 1 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

IV Mota Pinto 22-11-1978 11-06-1979 7 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

V Maria de Lourdes Pintasilgo 31-07-1979 27-12-1979 5 Constituído por iniciativa do PR (Não partidário) 0 NP

VI Sá Carneiro 03-01-1980 09-12-1980 11 PSD, CDS, PPM 51% CM

VII Francisco Pinto Balsemão (I) 09-01-1981 14-08-1981 7 AD (PSD, CDS, PPM) 53% CM

VIII Francisco Pinto Balsemão (II) 04-09-1981 23-12-1982 15 AD (PSD, CDS, PPM) 53% CM

IX Mário Soares (III) 09-06-1983 12-07-1985 25 PS, PSD 70% CM

X Cavaco Silva (I) 06-11-1985 17-08-1987 21 PSD 35,20% M

XI Cavaco Silva (II) 17-08-1987 31-10-1991 50 PSD 59,20% PM

XII Cavaco Silva (III) 31-10-1991 28-10-1995 48 PSD 58,70% PM

XIII António Guterres 28-10-1995 25-10-1999 48 PS 48,70% MR

XIV António Guterres 25-10-1999 06-04-2002 18 PS 50% MR

XV Durão Barroso 06-04-2002 17-07-2004 27 PSD-CDS 45,60% CM

XVI Pedro Santana Lopes 17-07-2004 12-03-2005 7 PSD NA NA

XVII José Sócrates 12-03-2005 26-10-2009 55 PS 52,16% PM

XVIII José Sócrates 26-10-2009 23-03-2011 17 PS 42,10% MR

XIX Pedro Passos Coelho 21-06-2011 Presente NA PSD&CDS 46,96% CM

Metadados. PGR tenta travar derrocada na investigação criminal.

Lucília Gago defende nulidade da decisão tomada a 19 de Abril pelo Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucionalidade de lei de 2008 que permitia à investigação recorrer a dados de tráfego das operadoras.


Numa decisão inédita, a procuradora-geral da República avançou com uma contestação à decisão do Tribunal Constitucional que, a 19 de Abril, declarou inconstitucionais normas de uma lei de 2008 que até aqui fundava o uso de dados de operadoras em investigações criminais, a chamada lei dos metadados. Na semana passada, em entrevista ao i, o advogado David Silva Ramalho, especialista em prova digital e cibercrime, foi das primeiras vozes a alertar publicamente para o risco de a decisão do TC vir a criar uma “enorme litigância” em processos em curso, invalidando provas recolhidas, já que a decisão dos juízes do Palácio Ratton, por ser omissa quanto a prazos, tem efeitos retroactivos.

A isto, acresce a impossibilidade de este tipo de dados, como a localização e identificação de telefonemas e de IPs, poder continuar a ser usado em investigações criminais. Seguiu-se, no fim de semana, o alerta do procurador-geral adjunto Alípio Ribeiro. “São 14 anos de acção penal que podem ir abaixo”, alertou, em declarações ao Diário de Notícias.

Esta segunda-feira, o Público noticiou que Lucília Gago avançou com o recurso com vista à nulidade da decisão e com preocupações concretas, a saber o art.º 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de Julho, em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP. Além disso, explicou a PGR, requer-se “a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro.”

O Público tinha noticiado que os procuradores junto do TC tinham desistido de reclamar da decisão, dado que 11 dos 12 juízes votaram a favor e a hipótese de sucesso era assim considerada baixa, mas afinal Lucília Gago não desistiu de tentar travar a decisão que arrisca causar uma derrocada na investigação criminal. A lei de 2008 transpôs uma directiva europeia, que veio a ser invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 2014. “Contrariamente ao que sucedia na Directiva, a nossa lei prevê critérios para acesso aos dados, prevê uma definição concreta do conceito de ‘crimes graves’, prevê a obrigatoriedade de ser um juiz a autorizar o acesso aos dados, prevê garantias de segurança e prevê a protecção de segredo profissional. Mesmo assim, o TC concluiu pela sua inconstitucionalidade”, notou na semana passada ao i David Silva Ramalho, alertando que, no caso dos IPs, os juízes tinham ido mesmo mais longe, explicando o que estava em causa: “Quando falamos de cibercrime, por exemplo, é informação absolutamente vital. São várias as investigações que começam com um IP ou com outros dados de tráfego e localização”.

MARTA F. REIS

Os atrasos na justiça

Pergunta-se quem irá investir no nosso país se souber que em caso de insolvência dos seus devedores, o respectivo processo pode ficar paralisado durante anos sem nada receber?


Foi notícia esta semana que o Juízo de Comércio de Lisboa tem cerca de 300 processos à espera de uma graduação de créditos em processo de insolvência pelo menos desde 2014, sendo que alguns aguardam mesmo pela sentença de graduação de créditos há mais de vinte anos. Em consequência, há cerca de 800 milhões de euros de bens e valores arrecadados nesses processos de insolvência, que não são distribuídos aos credores, que aguardam assim há anos por uma satisfação parcial dos seus créditos.

Esta situação vem somar-se aos atrasos já denunciados noutras jurisdições, como é o caso dos tribunais administrativos e fiscais, em que se leva cerca de dez anos para obter uma decisão em primeira instância, havendo mesmo processos que estão parados há mais de vinte anos. Em consequência, os cidadãos e as empresas encontram-se totalmente desprotegidos contra o arbítrio do Estado e demais entidades públicas, uma vez que estes sabem que qualquer decisão ilegal que tomem em relação aos seus administrados pode levar décadas a ser anulada em tribunal.

É essencial ao Estado de Direito que a todos seja assegurado o direito à realização da justiça num prazo razoável. Precisamente por esse motivo, o art. 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”. Portugal tem vindo a ser por isso sistematicamente condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação do direito à justiça num prazo razoável, e seguramente teria muito mais condenações se não houvesse apenas uma ínfima parte dos lesados pelos atrasos na Justiça que se dirige a esse Tribunal.

Esta situação é dramática para a imagem da Justiça Portuguesa e do próprio Estado a nível internacional. Pergunta-se quem irá investir no nosso país se souber que em caso de insolvência dos seus devedores, o respectivo processo pode ficar paralisado durante anos sem nada receber? E quem confiará num enquadramento fiscal seguro para o seu investimento se souber que em caso de litígio com a administração tributária poderá ficar anos sem que haja sequer uma decisão em primeira instância sobre o assunto?

É, por isso, essencial que seja garantida em Portugal a existência de uma justiça eficiente e em tempo útil. E para esse efeito, terão que surgir estudos e propostas para a resolução urgente deste sério problema da morosidade processual, que afecta gravemente a imagem da nossa Justiça.

No âmbito da Ordem dos Advogados foi por isso decidido criar um grupo de trabalho, composto por advogados administrativistas, que irá estudar a questão e apresentar proposta de alterações de enquadramento legislativo e de gestão processual que permita desde já resolver o problema da morosidade dos tribunais administrativos e fiscais. Caberá depois ao poder político aceitar ou não as medidas que lhe forem propostas, mas entretanto estas irão ser apresentadas para que se possa resolver um problema que já dura há tempo demasiado.

É de facto a altura para que todos os que não se conformam com o estado da nossa Justiça actuem decisivamente por forma a que os atrasos crónicos em que a mesma vive possam ser ultrapassados.

.Luís Menezes Leitão
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira,sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Armamento

Desde o início do ano, a Coreia do Norte já fez uma dúzia de testes com novas armas e, em breve, pode fazer a sua sétima detonação nuclear

A dispendiosa corrida às armas.

€2 003 733 000 000 (dois biliões de euros)

Valor da despesa militar mundial, em 2021, a mais elevada de sempre e que cresce pelo sétimo ano consecutivo.

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€759 mil milhões

Despesa militar dos EUA em 2021, a mais elevada do mundo e que representa 3,7% do PIB do país.

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€277 mil milhões

Despesa militar da China em 2021, a segunda mais elevada do mundo e que cresce ininterruptamente há 27 anos – representa 1,7% do PIB do país.

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€63 mil milhões

Despesa militar da Rússia em 2021 que cresceu pelo terceiro ano consecutivo e atingiu 4,1% do PIB do país.

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€5,6 mil milhões

Despesa militar da Ucrânia em 2021, um aumento de 72% desde a invasão da Crimeia (em 2014) e que representa agora 3,2% do PIB do país.

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Os maiores gastadores

Cinco países representam 62% da despesa bélica mundial



visão

Guerra de palavras.

Declarações preocupantes e ambivalentes desde o início da “operação militar especial” “A Rússia é uma grande potência e tem certas vantagens com armas de última geração. Ninguém deve ter dúvidas de que um ataque directo contra a Rússia conduzirá o potencial agressor a uma derrota e com consequências  devastadoras”, VLADIMIR PUTIN no discurso em que anuncia a “operação militar especial” na Ucrânia, a 24 de Fevereiro

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“Vladimir Putin deve perceber que a NATO é uma aliança nuclear”, JEAN-YVES LE DRIEN, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, horas depois de a Rússia iniciar a invasão, a 24 de Fevereiro

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“Os altos funcionários dos principais países da NATO fazem declarações agressivas contra nós e, como tal, ordeno ao ministro da Defesa e ao chefe do Estado-Maior que coloquem as forças de dissuasão do exército russo em modo especial de combate”, VLADIMIR PUTIN a fazer saber que o arsenal nuclear do seu país está em “alerta máximo”, a 27 de Fevereiro

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“Não!”,resposta de JOE BIDEN quando lhe perguntam, na Casa Branca, se os cidadãos dos EUA e do mundo devem estar preocupados com uma eventual guerra nuclear, a 28 de Fevereiro

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“A possibilidade de um conflito nuclear, algo impensável até há pouco tempo, voltou a ser uma hipótese real”, ANTÓNIO GUTERRES, na ONU, em Nova Iorque, a 14 de Março

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“É algo com que temos de preocupar-nos”,

JAKE SULLIVAN, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, ao ser questionado sobre a utilização de armas nucleares no conflito ucraniano, a 25 de Março

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Dado o potencial desespero do Presidente Putin e da liderança russa, devido aos reveses militares que têm enfrentado, nenhum de nós pode enfrentar de ânimo leve a ameaça colocada por uma arma nuclear táctica ou armas nucleares de baixa intensidade”,

WILLIAM BURNS, director da CIA, a 14 de Abril

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“Não devemos ficar à espera que a Rússia decida usar uma arma nuclear. Temos de preparar-nos para isso”,

VOLODYMYR ZELENSKY, em declarações à BBC, a 16 de Abril

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“Putin pode ordenar o lançamento de uma bomba nuclear sobre uma cidade ucraniana para forçar o governo de Zelensky a render-se imediatamente. Este cenário não é fantasia.

Foi o que fizeram os EUA, em 1945, ao Japão”,

SCOTT SAGAN professor e investigador da Universidade de Stanford, a 20 de Abril

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“Vai fazer com que todos os que estão a tentar ameaçar o nosso país pensem duas vezes”,

VLADIMIR PUTIN, referindo-se ao RS-28 Sarmat, o mais recente míssil balístico intercontinental do arsenal russo, a 20 de Abril

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“Quando a dissuasão nuclear falha, falha de forma catastrófica”,

DARYL KIMBALL, director da Arms Control Association, uma organização norte-americana que se dedica ao controlo de armamentos e proliferação nuclear, a 23 de Abril

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“É um perigo grave, bem real, que não pode ser subestimado”,

SERGEI LAVROV, ministro russo dos Negócios Estrangeiros sobre a possibilidade de o conflito ucraniano desencadear a “terceira guerra mundial”, a 25 de Abril

visão

Porque é que a Câmara de Setúbal não vai cair e mais 13 respostas sobre o caso dos refugiados.

Explicador. PSD não vai deixar cair a câmara, mas caso gerou tensão interna. PS acusado de proteger Governo. Câmara acusa ministra de mentir. Todos os desenvolvimentos sobre o caso de Setúbal.


As queixas sobre a infiltração de russos pró-Kremlin em associações da comunidade ucraniana em Portugal já têm pelo menos onze anos, mas só o caso de Setúbal conseguiu desencadear um verdadeiro terramoto político com réplicas que continuam a fazer-se sentir. O Observador já tinha explicado aqui os contornos do caso, mas detalha agora, em 14 perguntas e respostas, todas as ramificações e também com novidades sobre o caso.

Com investigações a correr em paralelo – que vão da polícia à Comissão Nacional de Protecção de Dados, passando pela própria autarquia de Setúbal – intensifica-se o passa-culpas. Desde logo, entre o Governo e o município CDU (que já veio desmentir directamente uma ministra). Mas também entre os partidos – o PSD local está em convulsão e desafiou o PS a deitar abaixo o executivo de Setúbal, mas nenhum dos partidos vai avançar. As acusações chegam agora ao mais alto nível, com a oposição a apontar já a mira a António Costa.


1 O que está em causa?

A recepção de refugiados ucranianos em Portugal esteve a cargo, em alguns casos, de russos que apoiam Vladimir Putin. O caso mais concreto conhecido foi o da câmara de Setúbal, noticiado pelo semanário Expresso, onde foram identificados russos pró-Putin a trabalhar no gabinete da Linha Municipal de Apoio aos Refugiados da câmara comunista. Foi o caso de Igor Khashin e a sua mulher, Yulia Khashina, já que ambos participam em iniciativas da embaixada russa em Portugal e têm ligações às agências de propaganda russa Ruskyi Mir e Rossotrudnichestvo.


2 Que tipo de trabalho fizeram estes funcionários junto dos refugiados?

De acordo com as informações recolhidas junto dos refugiados que estranharam ser recebidos por russos em Portugal no contexto de invasão do seu o país pela Rússia, os funcionários em causa pediram informações detalhadas sobre a família e familiares que ficaram na Ucrânia. Muitas vezes relativa aos homens que tinham ficado a combater os russos, tendo ficado com cópias de passaportes e certidões de nascimento de quem pedia asilo.


3 Qual é a responsabilidade do executivo local?

Segundo a oposição camarária, quase toda, uma vez que os refugiados foram recebidos na autarquia por Igor e Yulia Khashin e que já nessa altura eram conhecidas as ligações de Igor ao regime russo. Mas, segundo o executivo liderado por André Martins (CDU), que aponta culpas ao Governo e até às dificuldades de aplicação da lei, praticamente nenhuma.

Desde logo, a autarquia diz que agiu preventivamente: já tinha, a 9 de Abril, enviado uma carta ao gabinete de António Costa em que perguntava pela “veracidade das afirmações” que a embaixadora da Ucrânia já fizera sobre estas associações e deixava críticas, perguntando ao Governo se considerava aceitável “este tipo de ingerências de uma representante de um país estrangeiro”.

Na reunião da Assembleia Municipal desta terça-feira, André Martins foi mais longe e atirou directamente as culpas para António Costa: “Estou convencido de que se a carta que escrevemos ao primeiro-ministro a 9 de Abril tivesse tido resposta atempada, nada teria acontecido com efeitos negativos em termos locais e nacionais”.

Além disso, o autarca disse ter ficado a saber que “muito poucas câmaras” respeitam os procedimentos de protecção de dados “por dificuldade em implementar a lei” e ainda acrescentou que o IEFP tem um acordo e um “relacionamento estreito” com a EDINVSTO. Ou seja, frisou a ideia de que quem podia ter identificado riscos na acção da associação não o fez – “não compete à câmara fazer investigações sobre espiões” – e que há organismos públicos que colaboram com a mesma.


4 As versões do Governo e da autarquia coincidem?

Esta quarta-feira, houve mais um sinal de que o passa-culpas entre câmara e Governo se está a intensificar: depois de Ana Catarina Mendes ter afirmado no Parlamento que a autarquia recusou uma reunião para estabelecer um protocolo com o Alto Comissariado para as Migrações, a autarquia publicou uma nota no Facebook em que desmente categoricamente a ministra e se diz “indignada” e “perplexa” com as declarações que “não correspondem à verdade”. Para o PSD, esta é mais uma prova de que o Governo está a tentar esconder as suas responsabilidades: “O conhecimento e envolvimento do Governo neste caso é cada vez mais notório. O PS deve ainda esclarecer se já está disposto a ouvir o presidente da Câmara Municipal [no Parlamento] ou se tem medo que ele desminta o Governo”, diz ao Observador Nuno Carvalho, do PSD-Setúbal.

Se para o PSD o Governo está a tentar empurrar as culpas para a autarquia, no PS a ideia é radicalmente diferente, como constatou o socialista Paulo Lopes na mesma reunião, em resposta ao presidente da câmara: “Continua a passar as culpas para terceiros… até a lei de protecção de dados é muito complexa. Tudo menos culpa da câmara”. Desde logo, porque André Martins saberia, no mínimo, que os refugiados seriam recebidos por russos e que, fora a questão da nacionalidade, havia laços conhecidos com o regime de Putin.

“Houve uma incompetência do presidente na análise de pessoas que conhece bem”, diz ao Observador o vereador socialista Fernando José. “Não as devia ter posto no atendimento”. O vereador lembra que a oposição já tinha, numa reunião da câmara a 20 de Abril, chamado a atenção do presidente, depois de ter sido “alertada pela comunidade ucraniana” para o “procedimento estranho” que estava a ser feito por cidadãos russos.

Além disso, frisa, há registos dos agradecimentos públicos que André Martins chegou a fazer a Igor Khashin pelo apoio na campanha. “Não é que soubesse se eram espiões, mas sabia que eram pró-russos”, resume Fernando José. A partir do momento em que pediu que fossem iniciadas investigações, o executivo entrou, no entanto, em blackout.


5 A Câmara de Setúbal vai cair?

No essencial, a câmara não vai cair porque ninguém na oposição – nem PSD nem PS – quer dar esse passo, embora os dois partidos troquem acusações sobre o assunto e, na praça pública, pareçam encorajar-se mutuamente a avançar.

O problema começa porque o próprio PSD não está em sintonia sobre o assunto: conforme o Observador apurou, a concelhia local, liderada por Paulo Pisco, reuniu-se três vezes e definiu a estratégia a seguir sobre o caso, incluindo a ameaça de uma demissão de todas as pessoas que compunham a lista. Na verdade, tudo não passaria de uma manobra de táctica política, para pressionar o PS – que os sociais-democratas acreditam estar condicionado neste assunto, dadas as ramificações que já chegam ao Governo – e, nas palavras de um social-democrata, “esticar a corda”.

Acontece que o primeiro nome da lista e vereador, Fernando Negrão, não concordou com a estratégia – e é acusado por outros membros de ter “tirado o tapete” à concelhia ao dizê-lo publicamente, ainda por cima num processo em que é acusado de estar “ausente” e de não ter participado activamente nas decisões locais. Depois de a Comissão Política Nacional do PSD se ter reunido e conversado sobre o caso, a decisão ficou fechada: Negrão não vai mesmo demitir-se, o que significa que o resto da lista, que queria tomar a decisão em bloco, também não o fará.

De resto, o PSD entende que estaria a fazer um favor ao PS. Em dose dupla: por um lado, porque ficaria com o ónus de deitar abaixo o executivo local; por outro, porque em eleições intercalares seria bem mais provável que o PS, que tem o dobro dos vereadores do PSD, conseguisse ‘roubar’ a câmara à CDU do que o contrário.

Do lado do PS, melhor assim: os socialistas só se demitiriam para fazer cair o executivo caso os sociais-democratas tomassem primeiro essa decisão, até porque nesse caso a representatividade da câmara ficaria alterada e a CDU passaria a contar com maioria absoluta. Ao Observador, o vereador do PS garante que Fernando Negrão está a tentar “passar para cima do PS uma responsabilidade que o partido não tem” e recorda que “em momento algum os vereadores do PS disseram que existiam fundamentos para renunciar ao mandato”. “A bola está do outro lado, não temos nada a ver com isso”. E uma vez que nenhum dos partidos quer, afinal, ter nada a ver com isso, cai por terra a ideia de fazer cair o executivo municipal.


6 Como é que o executivo de uma câmara pode cair?

Tanto PSD como PS apresentaram, na reunião da Assembleia Municipal de Setúbal desta terça-feira, moções de censura ao executivo da CDU. No entanto, ambas morreram na praia: o PSD considerava a do PS demasiado lata, uma vez que não se focava apenas no caso de Setúbal (e, apurou o Observador, acredita que se trata de uma estratégia dos socialistas para atacar o município e desviar as atenções das responsabilidades do Governo no caso); o PS não concordava com o ponto em que o PSD pedia a renúncia do presidente da câmara.

Ainda assim, mesmo que as duas moções de censura fossem aprovadas, isso não teria feito o executivo municipal cair. Ao contrário do que acontece no Parlamento nacional, em que o instrumento serve para deitar abaixo o Governo, nos órgãos locais as moções de censura não passam de documentos de afirmação e posicionamento político. Como uma autarquia se trata, tecnicamente, de um órgão colegial executivo, não pode funcionar com falta de quórum – e era essa a via que o PSD equacionava adoptar, se tivesse tido o acordo do PS.

De resto, a lei estipula que um membro de uma câmara municipal que por “morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato” seja substituído pelo membro imediatamente a seguir – por essa razão o PSD, se seguisse este plano, queria apresentar a renúncia de todos os membros da lista, para impedir que houvesse substituições. Não havendo essa hipótese, “e desde que não esteja em efectividade de funções a maioria do número legal de membros da câmara municipal”, é então que o presidente da autarquia comunica este facto à Assembleia Municipal e ao Governo para proceder à marcação de eleições intercalares. Sem acordo com o PS e o PSD, no entanto, isso não acontecerá em Setúbal.


7 A informação recolhida aos refugiados de Setúbal foi enviada para o exterior?

Pavlo Sadokha foi esta terça-feira ouvido no Parlamento sobre o caso de Setúbal e, a dada altura da audição, afirmou não existirem “suspeitas” que os dados recolhidos pelos funcionários em causa tenham sido enviados para a Rússia. Numa outra audição parlamentar já esta quarta-feira, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) foi também questionado sobre o eventual fornecimento de dados recolhidos em Portugal aos serviços secretos russos e não foi taxativo na resposta, escudando-se no segredo de Estado. No entanto, Paulo Vizeu Pinheiro garantiu que “os sistemas estão montados e a informação circula” e, quando questionado sobre se o primeiro-ministro seria informado no caso de isso acontecer, repetiu: “Estando os mecanismos a funcionar as entidades que têm de conhecer teriam conhecimento”.


8 Houve riscos para a segurança interna?

O segredo de Estado foi várias invocado pelo responsável do SSI para não responder a questões mais concretas sobre a acção dos serviços de informação. A resposta mais concreta foi o vago “a informação circula”. Falando em cenários hipotéticos, Vizeu Pinheiro admitiu que “se se confirmar que houve esse uso indevido de dados e se ele foi passado a uma embaixada de um país terceiro, seria um caso de espionagem e nesse sentido o SSI tem uma responsabilidade, embora os casos de espionagem sejam acompanhados pelo serviço de informações”. E ainda que se a situação que está a ser investigada se confirmar “é extremamente grave” e se os dados foram transmitidos “é ainda mais grave”.


9 Quem está a investigar o caso?

Neste momento está em curso um inquérito da Comissão Nacional de Protecção de Dados, sobre a eventual existência de ilegalidades no tratamento dos dados de refugiados ucranianos acolhidos por elementos pró-Kremlin em Setúbal. Também o Ministério Público abriu um inquérito e ainda esta terça-feira a PJ informou que “através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, em apoio a inquérito dirigido pelo DIAP da Comarca de Setúbal, levou a efeito uma operação policial envolvendo a realização de buscas nas instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados da Câmara Municipal de Setúbal, na Câmara Municipal de Setúbal e nas instalações da Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo)”. Além disso, está também em campo a Inspecção Geral de Finanças, segundo anunciou o Governo, nomeadamente a ministra da Coesão, que tem a tutela do poder local.

Há ainda mais um caminho para investigar o que aconteceu, no plano da autarquia. Apesar de a moção de censura do PS, que incluía a criação de uma comissão eventual de fiscalização da autarquia, não ter sido aprovada – “chicana política” do PSD, acusa Fernando José – o partido apresentou em paralelo outro requerimento sobre o assunto e este, sim, foi subscrito por todos os partidos da oposição. Além disso ainda há a hipótese de uma comissão de inquérito parlamentar na Assembleia da República. O Chega já propôs uma centrada na acção do Estado e se os restantes partidos não o acompanharem (é preciso um quinto dos deputados, ou seja, 46) disse que avançará com o direito potestativo para forçar esta via.


10 Isto só aconteceu numa câmara?

Quando o caso de Setúbal (câmara do PCP) foi noticiado, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, disse existirem casos semelhantes em todo o país e nomeou mesmo as câmaras de Aveiro (PSD), Gondomar (PS) e Albufeira (PSD), mas todas desmentiram. Nas audições parlamentares que decorreram nos dois últimos dias, vários responsáveis classificaram este como um “caso isolado”, nomeadamente a ministra que tutela as migrações, Ana Catarina Mendes. Ainda assim, admitiu que esta sua garantia tem apenas validade no momento em que foi proferida: “Não posso dizer que amanhã não surja outro caso, mas ao dia de hoje, de acordo com os dados do Alto Comissariado das Migrações, a informação que temos é que é um caso isolado”.

As proporções que o caso de Setúbal tomou terão a ver com ter sido conhecido um caso concreto e denunciado por refugiados que foram recebidos dessa forma, além das informações que apontam para uma monitorização prévia de Khashin junto do SIS. Mas, para o PCP, como o próprio Jerónimo de Sousa já veio dizer, a explicação é outra: uma caça às bruxas para associar o partido ao regime russo e atacar os comunistas portugueses.

Ainda na terça-feira, na reunião da Assembleia Municipal, os deputados comunistas insistiram nesta tese: o que se passa é um “empolamento” da situação e um “circo mediático” para atacar o PCP. “Como se alguém no seu bom juízo admitisse que o PCP defende a guerra ou Putin”, criticava então o deputado municipal do PCP João Afonso. A reunião arrancou, de resto, com um período de intervenções abertas ao público dominado por declarações de cidadãos ucranianos e moldavos que saíram em defesa de Khashin e da mulher, Yulia (todos revelaram trabalhar ou colaborar com a associação em causa). E vários elementos do PCP elogiaram a tomada de posição (António Filipe descreveu-a mesmo, no Facebook, como um “momento de glória”).


11 Este caso está a afectar a imagem de Portugal junto da Ucrânia e noutros países?

A pergunta foi feita esta quarta-feira ao Presidente da República que respondeu imediatamente um “acho que não”, “minimamente”, acrescentou ainda Marcelo Rebelo de Sousa que diz que, nos contactos com os chefes de Estado estrangeiros, “todos dizem que Portugal é um grande país de acolhimento e não é de agora. Não ouvi nenhum reparo em relação a isto”.


12 Quando é que o Governo teve conhecimento do caso e o que fez?

O Governo teve conhecimento do caso de Setúbal pela comunicação social. Isto mesmo foi admitido pela ministra da Presidência na semana passada, durante a conferência de imprensa do Conselho de Ministros, altura em que Mariana Vieira da Silva (que no anterior Governo e à data dos factos tutelava as migrações) disse que “houve notícias públicas, desde logo na Rádio Renascença, e houve trabalho em função dessas notícias e até resposta na altura face a essas notícias. Houve naturalmente resposta do Governo”, garantiu. A 24 de Março a Renascença deu conta de alertas da embaixadora ucraniana sobre elementos pró-Putin a receberem refugiados em Portugal e a 25 de Março, de acordo com o que foi dito pela actual responsável governativa pela migrações, o Governo interveio.

A ministra Ana Catarina Mendes explicou no Parlamento que foi ainda o anterior Governo que deu um passo para evitar que a situação fosse tornada pública. Após um contacto da tutela com a embaixadora da Ucrânia, o Governo decidiu mandar o Alto Comissariado para a Migrações retirar do site oficial a lista de associações de apoio a refugiados, reencaminhando antes as pessoas para a Embaixada da Ucrânia. Mas também se soube nestas audições que existiam queixas desde 2011.


13 Mas as queixas eram anteriores a este caso. Não foi feito nada antes?

As queixas existiam desde 2011 e foram sendo feitas junto do Alto Comissariado para as Migrações. Logo nesse ano, de acordo com o relato feito pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, a queixa foi relativa à representação de imigrantes ucranianos no país “ter a designação ‘de Leste’”. Resolvida essa questão, seguiu outra queixa para o Alto Comissariado sobre a existência de duas agências de propaganda russa a representar a comunidade ucraniana em Portugal. E em 2017 a sua associação até desistiu de participar nas eleições para um representante do grupo de imigrantes ucranianos em Portugal já que nesse grupo estavam as tais organizações. “Se participássemos nas eleições legitimávamos a situação”, justificou Sadokha na sua exposição aos deputados.

Já em 2018 houve um evento onde existiam bandeiras das regiões de Donetsk e Lugansk, que autoproclamaram a independência da Ucrânia em 2014 (e onde a Rússia apoia grupos separatistas — aliás, o reconhecimento russo destas regiões esteve no início do actual conflito), outra situação que deixou os imigrantes ucranianos desconfortáveis. Quanto à situação concreta das ligações a agências de propaganda russa, nada foi feito e a situação manteve-se até hoje. No Parlamento a Alta Comissária apenas confirmou a existência de alertas de imigrantes ucranianos desde essa data, mas não disse mais sobre a acção do Alto Comissariado relativamente a essas queixas concretas.


14 O primeiro-ministro foi avisado para esta situação em Setúbal?

Depois de terem saído notícias com as denúncias da embaixadora ucraniana, Inna Ohnivets, em relação à Edintsvo, a 11 de Abril a câmara de Setúbal dirigiu uma carta ao primeiro-ministro. De acordo com a autarquia, a missiva pedia ao chefe do Governo que se pronunciasse sobre as declarações e “esclarecesse com a maior brevidade possível se o Alto Comissariado para as Migrações mantinha a confiança nesta associação”. Costa desmentiu o teor da carta, através de um comunicado, dizendo que nela não tinha sido “solicitada qualquer informação sobre a Associação Edintsvo, nem sobre o cidadão Igor Khashin”. Além disso, Costa esclarecia que a missiva de André Martins era “um protesto sobre declarações prestadas pela embaixadora da Ucrânia em Lisboa, à CNN, e foi reencaminhada para os efeitos tidos por convenientes para o Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

Já o Presidente da República, quando questionado sobre se tinha informações sobre a situação em Setúbal, disse que não tinha tido conhecimento disso. “São informações que são classificadas, se houvesse eram secretas e não era para circular em termos dos órgãos do poder político no geral”, disse em relação à questão da eventual ilegalidade do uso de dados recolhidos junto dos imigrantes ucranianos em Setúbal.

Mariana Lima Cunha

    Rita Tavares

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