Por: António franco Preto
Não sendo o único símbolo nacional (a bandeira, o hino e a língua são fundamentais), a moeda dum país também é sem dúvida, um dos mais importantes.
Sempre foi assim, desde a invenção da 'moeda', até à criação do Euro (e continua a ser assim para todos os países que não adoptaram o Euro em substituição da sua 'moeda', perdendo não só esse símbolo de independência, como – na prática – a capacidade de ajustar, de acordo com os seus interesses específicos, o valor relativo da sua moeda, às restantes).
Resta-nos a 'liberdade vigiada' pelo BCE (Banco Central Europeu) de emitirmos um número limitado de moedas comemorativas, como por exemplo a de 2 Euros, que produzimos em 2017 e é alusiva aos 150 anos da PSP – Polícia de Segurança Pública (onde se podem ler, entre outras, as palavras 'DIREITOS', 'LIBERDADES' e 'GARANTIAS').
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A 1ª moeda no mundo
'Diz-se' que a invenção da 'moeda', substituindo progressivamente o comércio da troca directa entre produtos, pertence ao rei Aliates do reino da Lídia, no século VII A.C.
Este reino estava situado numa zona geográfica que actualmente integra o território da Turquia. O rei Aliates terá utilizado um minério denominado 'electro', donde terá retirado a prata e o ouro. A moeda terá sido fundida num formato mais ou menos oval, utilizava o ouro e a prata na proporção de 4:1 e era cunhada com a efígie dum leão, que seria o símbolo da família real (e do reino).
O seu valor para troca por produtos seria muito variável, desde um certo número de cabras à alimentação necessária para um mês (negociação entre o comprador e o vendedor).
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Em Portugal, a 1ª moeda foi cunhada em 1180, após D. Afonso Henriques ter sido reconhecido como rei de Portugal pelo Papa Alexandre III.
O Papa emitiu a 23 de Maio de 1179 a bula Manifestis Probatum Est Argumentis (assinada também pelos 23 cardeais mais importantes) em que reconheceu o então Condado Portucalense como sendo o reino de Portugal, independente do reino de Leão; D. Afonso Henriques era o seu Rei, e os seus descendentes seriam os legítimos herdeiros do trono.
Só o seu reconhecimento formal de que PORTUGAL era de facto um Reino independente, estabelece a existência real de PORTUGAL como País, reconhecido por todos os restantes reinos Europeus e que, como tal, abandonavam quaisquer eventuais ideias de (re)conquista, face à tremenda ameaça do Papa (afirmada no 5º parágrafo da bula papal que reconhecia a existência de PORTUGAL como país independente) de os excomungar e de nem sequer lhes permitir o direito a um enterro com a presença de qualquer membro do clero (o que era uma arma talvez mais poderosa – na Europa ocidental do século XII – que a bomba atómica em 1945).
Com este reconhecimento papal, D. Afonso Henriques deixou de ser um 'Senhor da guerra' com sucesso e passou a ser, reconhecidamente, um Rei.
Não obstante o mais antigo documento existente com a menção do rei de Portugal D. Afonso Henriques (que se encontra na Torre do Tombo) datar de 1140 e nele de facto aparecer a designação de D. Afonso Henriques como 'Portugalensium Rex', é minha opinião – e como historiador amador que me prezo de ser, posso dar-me a esse luxo de ter uma opinião não coincidente com a 'oficial'– que Portugal só é realmente um país independente (e D. Afonso Henriques o seu rei) a partir de 23 de Maio de 1179.
Não é coincidência datar precisamente de 1180, a 1ª moeda portuguesa que D. Afonso Henriques mandou o seu ministro das finanças, Yahia Ben-Yahia (líder religioso e político judaico, e Rabino-Mor de Portugal) produzir. Como rei reconhecido pelo Papa e por toda a Europa Ocidental, D. Afonso Henriques mandou então cunhar moeda (um privilégio real).
A primeira moeda portuguesa teve a designação de 'dinheiro' (os 'meios-dinheiros', que se chamavam mealhas, fizeram aparecer na língua portuguesa outra palavra: os mealheiros!). Estas moedas eram feitas de bolhão, uma liga de prata e cobre.
Anverso e reverso da 1ªmoeda portuguesa - o 'dinheiro'
Α Ω - 'Eu sou o Alfa e o Omega / 'Eu sou o Princípio e o Fim'
(disse o Senhor Deus - Apocalipse 1:8,11)
Uma face desta moeda tem gravadas a 1ª e a última letra do alfabeto grego (alfa e omega) com a cruz latina (o mais conhecido símbolo do cristianismo) entre elas. A outra face tem gravada a cruz judaica de 6 pontas! (Extraordinário!).
As mealhas deixaram de ser fabricadas por volta de 1220, no reinado de D. Afonso II, mas - por serem necessárias para trocas - mantiveram-se engenhosamente em circulação, com a população a cortar os dinheiros mais ou menos ao meio!
Para efeitos 'contabilistícos', 12 dinheiros valiam um soldo. A designação de soldo vem de uma antiga moeda romana (solidus) e esta palavra – soldo – era na Idade Média utilizada para designar o pagamento aos soldados.
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A 1ª moeda portuguesa em ouro
Por volta de 1200, D. Sancho I introduziu o morabitino em ouro que valia 15 soldos (e que era uma resposta ao dinar[1] muçulmano).
O morabitino foi a primeira moeda de ouro a ser cunhada em Portugal. No seu anverso, D. Sancho, coroado , é representado a cavalo, com uma espada alçada numa mão e o cetro encimado pela cruz na outra (grafismo que é visível, se necessário com o auxílio duma boa lupa). No reverso, vêem-se as armas reais. Além do seu valor económico, a sua cunhagem tinha uma dupla simbologia:
- afirmar o poder real no reino, tanto pela representação do papel de guerreiro do soberano, como pelo prestígio da sua prerrogativa de cunhagem de moeda;
- afirmar o prestígio da monarquia portuguesa, diante dos demais reinos peninsulares.
O 'morabitino' em ouro
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Para terminarmos esta referência às mais marcantes moedas portuguesas, falemos sobre o escudo:
O 'Escudo' em Ouro
O nome 'escudo' já vem do reinado de D. Duarte, o nosso primeiro rei que terá mandado cunhar moedas em ouro com aquela designação (no que foi seguido por outros monarcas, nomeadamente D. Afonso V, D. João V e os seus sucessores até 1822).
O seu nome é devido a ter numa das faces o escudo das quinas coroado. Eis uma imagem de um escudo em ouro.
Escudo em ouro, D. Afonso V (1432-1481)
O 'Escudo do século XX' (e até ao final de 2001) foi certamente a moeda mais representativa da minha geração (e da república portuguesa).
Eis dois exemplares da moeda de um Escudo da república portuguesa
1915
1927
Interessante notar que a efígie da 'República Portuguesa' tem orientações opostas nas moedas apresentadas. Desconheço a sua justificação (política ou simples opção artística?). O metal de que era feito o 'escudo' do século XX - foi variando ao longo dos anos:
1914-1923 prata; 1924-1926 bronze-alumínio; 1927-1968 alpaca; 1969-1979 bronze; 1980-2001 latão-níquel
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E assim acabou – em 2001 – o 'escudo do século XX', como moeda-símbolo de Portugal.
Numa rápida retrospectiva económica/financeira direi que o 'escudo do século XX' foi desde a sua criação em 1914, uma moeda estável, até o nosso sistema económico e financeiro começar a sofrer as consequências da revolução de 25 de Abril de 1974. A partir dessa data, a prioridade dada aos aspectos urgentes e fundamentais de mudança de regime (com a implementação duma democracia de tipo ocidental após 48 anos de uma 'ditadura de partido único') produziu uma deterioração clara da produção nacional e exportação de produtos e o valor do nosso escudo foi-se progressivamente deteriorando através do recurso a uma técnica controlada pelo governo, de desvalorização cambial mensal (crawling peg).
Eis como exemplo desse empobrecimento, a taxa de conversão entre o nosso 'escudo do século XX' e a libra esterlina (Grã Bretanha) em 3 momentos diferentes, até à conversão definitiva para o Euro:
Dez 1975 – 55 escudos por libra Mar 1979 – 100 escudos por libra
Jun 2001 – 335 escudos por libra
O Governo português decidiu entrar para a UE – União Europeia em 1986, aderiu ao Espaço Schengen em Março de 1995 e ao Euro em Jan 1999 (início contabilístico) ou Jan 2002 (utilização da moeda), sem nunca ter pedido a opinião dos portugueses. Os nossos governos 'pós 25 de Abril de 1974' entenderam (e os partidos políticos concordaram) que os eleitores, ao elegê-los, lhes davam plenos poderes para decidir tudo o que dissesse respeito ao país, incluindo uma significativa redução das independências legislativa, judicial, económica-financeira , de neutralidade e da liberdade de expressão, submetendo o país às exigências sempre crescentes da União Europeia, em troca dos benefícios materiais que recebe.
Há que referir, em abono da verdade, que a maior parte dos governos da Europa têm procedido da mesma maneira (sem terem tido qualquer revolução e/ou mudança abrupta de regime). Refiro no entanto que 3 países cujos governos fizeram um referendo perguntando aos eleitores se desejavam a União Europeia (Noruega, Suiça e Grã-Bretanha) ou não entraram ou sairam. Notemos ainda que em 2005, os eleitores da França e da Holanda pronunciaram-se negativamente sobre uma eventual Constituição Europeia (que por necessitar da unanimidade dos países membros para poder existir, 'desapareceu').
Como consequência da globalização em curso e da evolução de aspectos educacionais e da sociedade (e talvez também do desaparecimento do serviço militar obrigatório que, a ser recuperado, devia ser para ambos os sexos, por razões educacionais e de igualdade) deu-se – em minha opinião – como que um desvanecimento relativo de aspectos relacionados com a nacionalidade. O desaparecimento da moeda-símbolo do país, assim como a habituação ao facto de pertencermos a um todo europeu ( no qual representamos menos de 2% do total de habitantes), também contribuiram para a diluição do 'orgulho nacional'.
Eu digo ainda, a título de exemplo final – acho que li não sei onde – que quando eu tinha 18 anos, mais de 90% dos adolescentes sabiam a letra do hino nacional (que a minha memória ainda conserva). Actualmente, talvez 10% dos menores de 21 anos a saibam na sua totalidade.
Termino este texto com um ditado antigo (que aqui utilizo num aspecto um pouco filosófico): 'Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal'.
A vida dos países (e das pessoas) é feita de contrapartidas e não há nenhuma opção que só tenha virtudes. O enriquecimento duma sociedade em aspectos democráticos e humanitários não é normalmente acompanhado pelo enriquecimento material (pelo menos enquanto se dão mudanças radicais em catadupa – provocadas por uma revolução – nessa mesma sociedade); mesmo que tenha sido uma revolução que – 'caso único' em revoluções – quase não provocou perda de vidas humanas (o que mesmo aqueles que não gostam de respeitar Portugal se vêm obrigados a considerar extraordinário e – para eles - inexplicável).
Uma confissão final de tipo pessoal: devido à minha idade e aos quase 60 anos de convivência com o 'escudo do século XX' – eu continuo a considerar o Euro como uma divisa estrangeira que 'não me diz nada', mais ou menos como a coroa sueca ou o franco suiço (e não é agora, aos 80 anos de idade, que vou conseguir considerá-la como uma moeda-símbolo de Portugal). Restam-me a bandeira, o hino e a língua.
[1] A descoberta de ouro nos túmulos Egípcios trouxe - na sequência da expansão Árabe - um afluxo daquele metal precioso para a Europa, com reflexos nos reinos muçulmanos de Espanha.
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